sábado, 2 de junho de 2012

Resolução Fundamentada - Art. 128.º CPTA


Ministério da Saúde



Resolução Fundamentada



1. Nos autos de providência cautelar com o n.º XX/XX.XBELIS, a correr termos no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, requer-se a suspensão da eficácia do despacho que determina o encerramento da Maternidade Alfredo dos Campos (MAC);



2.  Assim, nos termos e para os efeitos do art. 128.º, n.º1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), o Ministério da Saúde alega que o diferimento da execução é gravemente prejudicial para o interesse público, com fundamento nas seguintes razões, que já fizeram parte integrante do referido despacho:



a.       O regime transitório garante todos os direitos das grávidas que actualmente estão a ser seguidas na MAC, que podem continuar a ser seguidas pelas mesmas esquipas médicas;



b.      Os Hospitais que substituirão a MAC têm iguais condições tecnológicas, mas melhores condições logísticas;



c.       A reestruturação hospitalar vai assegurar a prestação de um melhor serviço público, conforme se pode concluir dos diversos indicadores constantes do Plano de Reorganização Hospitalar, designadamente tempos médios de chegada aos Hospitais, tempo médio de atendimento, entre todos os outros que constam do referido Plano;



3.  Assim, o interesse público da melhoria da prestação de cuidados de saúde e a maior eficiência da rede hospitalar não pode ceder perante meros supostos interesses de particulares, que, no caso, até estão assegurados;



4.  Refira-se ainda que já foram celebrados diversos contratos relacionados com a operacionalização das medidas a implementar, designadamente no valor total de 95 (noventa e cinco) milhões de Euros;



5.  Aceitando o Tribunal a suspensão da eficácia dos actos, o Estado perderá metade desse valor, já pago, tendo ainda de indemnizar as expectativas frustradas dos contraentes, avaliadas em 40 (quarenta) milhões;



Pelas razões expostas, entendo que o diferimento da execução no despacho em causa, seria gravemente prejudicial para o interesse público, pelo que decido manter a eficácia das determinações e, obviamente, do citado despacho, de organização e de actuação hospitalar necessárias à boa execução daquele despacho.



Ministério da Saúde, Lisboa, 12 de Maio de 2012



O Ministro da Saúde



·         Eduardo Santos, nº 16592

·         Maria da Conceição Ventura, nº 2099

·         Nuno Santos, nº 19915

·         Rodrigo de Sousa Mendes, nº 16849

·         Tânia Marinho, nº 16883

Contestação à Providência Cautelar


MINISTÉRIO DA SAÚDE




Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa

Proc. n.º XX/XX.X BELIS



Contestação do Ministério da Saúde no procedimento cautelar movido por João Bemnascido e Maria Augusta Bemnascida


 

Meritíssimo Juiz de Direito




Vêm os autores solicitar a suspensão da eficácia dos despachos que determinaram o encerramento da Maternidade Alfredo dos Campos e toda a reestruturação necessária.




Ora, o Ministério não se conforma que assista razão aos autores, pelo que se realiza a presente contestação.




Os requerentes alegam na página 2 do requerimento que estamos perante uma cumulação de pedidos, nos termos do art.4º/1/al.b, CPTA, sendo que se verifica que o mesmo aqui não tem aplicação porque a causa de pedir é a mesma. Não existem, portanto, e como os requerentes alegam, causas de pedir diferentes, requisito fundamental para a aplicação da alínea b.



4.º

Na mesma página, os requerentes afirmam estarmos perante uma coligação de demandados invocando o art. 12º/ alínea b. Não o podem fazer porque a causa de pedir não é diferente e este é um requisito indispensável para a aplicação do art.12º/1/al.b.



5.º

No artigo 22º do requerimento vêm ainda os autores alegar , e fazem-no no intuito de justificar a sua legitimidade, que são utentes da MAC e membros da AUMAC. O facto de serem membros da associação de utentes não lhes dá mais legitimidade, nem precisam de ser membros para a ter, dado que a sua legitimidade já decorre do art. 9.º, n.1 e 2 do CPTA.



6.º

 Muito menos têm os requerentes legitimidade para agir em nome da referida associação, uma vez que resulta claro deste requerimento que estão a agir única e exclusivamente em função dos seus próprios interesses, e não há mais dados em contrário, pelo que, não se percebe o porquê da constante invocação da qualidade de membros da referida associação.



7.º

Quanto aos pressupostos da Providência, não obstante haver legitimidade nos termos do artigo 112º/1 e 2, al.a CPTA, foram identificados vários vícios no requerimento.



8.º

Não estão identificados os contra-interessados (art 114º/3, al.d) CPTA.



9.º

Não foi feita prova da norma cuja suspensão pretende e da sua notificação ou publicação, tal como exige o art 114º/3, al.h) CPTA.



10.º

Não tendo sido supridos estes requisitos, o requerimento deve ser liminarmente rejeitado, nos termos do art. 116º/2, al.a CPTA.



11.º

Também não é indicado o valor do processo cautelar, requisito fundamental, nos termos dos arts 31º e 32º/6 do CPTA, pelo que, de acordo com o art. 314º/3 do C.P.C., ex vi art. 1º do CPTA, dá lugar à extinção da instância.



12.º

Quanto ao patrocínio judiciário, este é obrigatório, nos termos do art. 11º/1, verificando-se que não há patrocínio judiciário uma vez que o requerimento não se encontra assinado pelos alegados advogados. A falta de patrocínio judiciário constitui excepção dilatória que importa a absolvição do réu da instância, nos termos do art.33º, CPC, ex vi art.1º, CPTA.



13.º

Na página 10 do requerimento, o autor pronuncia-se acerca dos pressupostos da providência implicando as figuras do fumus bonis iuris, o fumus non malus iuris, e o periculum in mora.



14.º

Quanto ao periculum in mora, tal como o autor afirma no artigo 84º do requerimento ao reproduzir o douto acordão do STA, é necessário que a evolução das circunstâncias conduza “à produção de danos dificilmente reparáveis” para que se possa fazer valer este requisito, ora, não se vislumbra qualquer dano com a evolução das circunstâncias, como melhor será explicitado adiante.



15.º

No que diz respeito ao pedido da alínea c, este é manifestamente ininteligível, pelo que, de acordo com o art 1º CPTA e 193º/2/al.a,CPC, este requerimento deve ser considerado inepto, e será nulo nos termos do art 193º/1, CPC.



16.º

Alegam ainda os autores que o despacho do Ministro da Saúde carece de fundamentação, violando o disposto nos artigos 124.º e 125.º do CPA.



17.º

Ora, como referem os autores no artigo 1.º, apenas foi transcrita para o requerimento parte do despacho em causa, indicando os autores que este estava em anexo, identificado como doc 1. Contudo, e estranhamente, o doc. 1 referido corresponde a um Estudo da Faculdade de Medicina de Lisboa.



18.º

Ora, importa aqui transcrever o despacho na íntegra, conforme cópia em anexo (doc. 4),

«A fim de promover a racionalização da rede hospitalar pública e a rentabilização dos serviços de maternidade existentes noutras unidades hospitalares da região de Lisboa, com os fundamentos constantes no Plano Nacional de Reorganização dos Serviços de Saúde Materno-Infantil:

1.      Determina-se o encerramento da maternidade “Alfredo dos Campos” que deverá realizar-se no final do mês de Maio de 2012”;

2.      Comunique-se este despacho à Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo, I. P.;

3.      A Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo, I. P. deverá adoptar as medidas necessárias à transferência dos doentes para outras maternidades ou PPP da área de Lisboa.

24.04.12

Paulo Macedo

Ministro da Saúde.»



19.º

Constata-se assim que os autores omitiram a expressão “…com os fundamentos constantes no Plano Nacional de Reorganização dos Serviços de Saúde Materno-Infantil…”.



20.º

Tal Plano, foi a materialização de estudos vários, feitos por entidades independentes, bem como o resultado de numerosas audições de particulares e associações relacionadas com a prestação de cuidados de saúde, em especial, relacionadas com a Maternidade “Alfredo dos Campos”.



21.º

No mesmo, consta a fundamentação, contendo todas as razões de facto e de direito, que levaram a tomar tal decisão.



22.º

Foi, assim, realizada uma fundamentação por remissão.



23.º

Ora, a fundamentação por remissão é possível, salientando-se, a este respeito, o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, Processo: 00439/04, de 06-01-2005, onde se pode ler que “ A fundamentação por remissão obriga a que a informação, parecer ou proposta para que se remete contenha as razões de facto e de direito, ainda que de forma sucinta, mas de modo a que se perceba por que se decidiu naquele sentido” e ainda o Acórdão nº 0132/03 de Supremo Tribunal Administrativo, 28 de Maio de 2003: “A expressão «tendo em conta o parecer ...», utilizada num acto administrativo revela adesão aos fundamentos daquele parecer, na parte que no próprio acto não seja afastada.”



24.º

Assim, as razões invocadas no Plano são o fundamento de tal despacho.



25.º

Invocam ainda os autores a falta de audiência prévia da Associação de Utentes da MAC.



26.º

Ora, tal despacho concretiza uma decisão política, alicerçada no já referido Plano, pelo que não incumbe ao Governo um dever de audiência de tal associação.



27.º

Não obstante tal, e como pode ser consultado no Plano, a Associação de Utentes da MAC foi, na verdade, ouvida, tendo expressado até a sua preocupação com a falta de investimento na MAC, que, estaria a atingir condições inadequadas atendendo à antiguidade do imóvel.



28.º

Como se pode ler no Plano, em contradição com a manifesta qualidade de ponta dos meios tecnológicos, o edifício necessita de obras de remodelação profundas, de forma a garantir a segurança da instalação no médio prazo, o que sempre levaria a uma interrupção de funcionamento da MAC durante, pelo menos, 15 semanas para efeitos de restauro.



29.º

Sendo a decisão de encerramento uma decisão política, que consta do referido Plano, a mesma foi amplamente debatida e, ainda assim, dada a conhecer a associações interessadas, pelo que não se vislumbra qualquer falta de fundamentação, nem tão pouco, falta de audiência prévia que se constituísse como obrigatória.





30.º

Noutra perspectiva, alegam os autores a ilegalidade do despacho do Ministro da Saúde, argumentando que o encerramento da M.A.C. só poderia ser decidido em caso de “grave risco para a saúde pública ”. Para tal, baseiam-se os autores na Base XIX, n.o 1 e n.o 3 al. b), da Lei de Bases da Saúde (Lei n.º 48/90, de 24 de Agosto, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 27/2002, de 8 de Novembro).









31.º

Contudo, tal preceito tem por objecto as Autoridades de Saúde.



32.º

Definidas no Decreto-Lei n.º 82/2009 de 2 de Abril, estas dependem hierarquicamente do Ministério da Saúde (art. 3º n. 2), e têm como razão de existência “garantir a intervenção oportuna e discricionária do Estado em situações de grave risco para a saúde pública”.



33.º

As Autoridades de Saúde teriam efectivamente poderes para, na presença de um grave risco para a saúde pública, encerrar a Maternidade Alfredo dos Campos ou qualquer edifício público.



34.º

Porém, não é esse o caso. Como tantas vezes referem os autores, a M.A.C. possui óptimas condições de funcionamento em termos humanos e tecnológicos.



35.º

No entanto, a nível de manutenção e conservação das instalações físicas, existem alguns problemas estruturais, que no médio prazo, podem vir a afectar o edifício de forma prejudicial os próprios utentes da maternidade. Contudo, este não foi encerrado por qualquer Autoridade de Saúde. Daí que não nos seja possível perceber a ratio da invocação desta norma, destinada às Autoridades de Saúde, uma vez que o despacho do Ministro da Saúde é um acto do Governo, no âmbito das suas competências em política de saúde.



36.º

Mal seria se o Governo apenas pudesse prosseguir as suas políticas de saúde se só pudesse encerrar, modificar ou reordenar os serviços de saúde em casos tão extremos de grave risco para a saúde pública. Pelo contrário, faz parte das competências do Governo a tomada de medidas que visem garantir a manutenção da qualidade dos serviços de saúde prestados à população, e deve obviamente impedir que os serviços cheguem a um ponto que representem um tal grave risco para a saúde dos pacientes.



37.º

Por consequência, também a alegação de inconstitucionalidade pelo artigo 112º da Constituição da República Portuguesa, em virtude de uma alegada violação da Lei de Bases da Saúde -lei de valor reforçado – não tem cabimento.



38.º

Alegam ainda os autores que a ratio da encerramento da M.A.C. se baseia numa “filosofia meramente economicista” do Governo.



39.º

Tal não corresponde à verdade, uma vez que esta decisão baseia-se no Plano Nacional de Reorganização dos Serviços de Saúde Materno-Infantil, que tem como objectivo “tornar mais eficiente a prestação dos cuidados de saúde aos cidadãos, procurando oferecer as iguais ou melhores condições de acesso à saúde, ao mesmo tempo que promove a redução de custos desnecessários, a utilização de economias de escala e outras medidas de carácter semelhante, com garantia de manutenção ou melhoramento das condições de acesso à saúde existentes”.



40.º

Esta medida permite em primeiro lugar algumas melhorias nas condições de acesso à saúde, e só depois tem, como objectivo secundário, o intuito de poupança de algum dinheiro através da eliminação de gastos desnecessários e uma melhor eficiência no aproveitamento de recursos, e não através de cortes de serviços ou cortes na qualidade dos mesmos.



41.º

No que diz respeito à relação médico-grávida, invocam os autores os artigos 9º, 10º, 11º, 14º, 15º, 39º, 40º, 41º, 42º, 43º, 44º, 45º, 49º, 52º, 53º, 70º, 80º, 90º, 97º (não obstante outros artigos sobre os quais possam ter implicações), mas não lhes assiste qualquer fundamento, devendo as alegações deles constantes ser desconsideradas, em razão da ordem de transferência emitida pela MAC à equipa médica que assiste a requerente, bem como outras grávidas em início e fim de gestação, que é integrada e liderada pelo Dr. Sopublico, e que passará a exercer as suas funções no Hospital Lisbonense PPP, de modo a garantir o acompanhamento contínuo dos utentes e a assegurar a qualidade do serviço que lhes é prestado. (Junta-se em anexo a ordem de transferência emitida pela direcção da MAC – Doc. 2).



42.º

Deste modo, fica garantido aos requerentes a continuação do acompanhamento pela mesma equipa médica.



43.º

Em relação à questão inerente à gravidez de risco, com a qual a requerente, alegadamente, se depara, e o facto desta situação ter sido, supostamente, provocada pela notícia da mudança de localização do hospital que ela frequentava, este argumento só pode ser classificado como falacioso.



44º

De acordo com estudos realizados pela Organização Mundial de Saúde (OMS), o stress e a ansiedade evidenciados pela grávida não figuram no leque das causas médicas mais comuns, que possam dar origem a uma situação de gravidez de risco.



45º

Assim, não é possível reconhecer, que haja aqui, uma relação directa de causa-efeito. Ou seja, apesar da requerente ter alegado que a sua gravidez se tenha tornado de risco em virtude da notícia do encerramento da M.A.C, tal situação não foi comprovada pela requerente em termos clínicos. Normalmente, a simples notícia do encerramento da maternidade per se, não é susceptível de causar tal efeito.



46º

O hipotético estado de gravidez de risco pode ficar a dever-se a uma infinidade de outros factores, enunciados pela OMS, e medicamente comprovados.



47º

Porém, se realmente se vier a verificar que esta senhora ficou com uma gravidez de risco, independentemente da origem dos motivos que contribuíram para tal, ser-lhe-à assegurada, pelo Estado, a assistência médica necessária no novo hospital, e pelo mesmo médico que a acompanha desde o início da gravidez, se assim for seu desejo.



48º

Esse é, de resto, o intuito dos próprios actos agora impugnados pela requerente. O referido Plano  garante aos utentes, na medida do possível e desde que estes o requeiram, a continuidade do acompanhamento clínico pelas mesmas equipas hospitalares. Encontra-se assim assegurado aos utentes o direito previsto no artigo 64o-3b) da Constituição da República Portuguesa.



49º

Alegam ainda os autores o estudo “Obstetrícia e Medicina Materno-Fetal em Portugal” de 2011, que conclui que “não deveria ser efectuado o encerramento da MAC e desmantelamento das suas equipas, porque isso é perder a excelência e a qualidade da actividade desenvolvida nesta unidade, devendo a MAC permanecer aberta até à abertura do novo Hospital de Todos-os-Anjos em Lisboa procedendo-se então à transferência das equipas em bloco, tanto quanto possível, por forma a preservar a unidade organizacional”.





50º

Ora, tal estudo encontra-se desactualizado em virtude da abertura antecipada do novo Hospital de Loures, no início do ano de 2012, não se encontrando em conformidade com a realidade actual. Portanto, este estudo assentava em premissas de organização dos serviços de saúde que deixaram de se verificar na actualidade.



51º

Constata-se que para a grande maioria dos utentes, a reorganização dos serviços conseguirá uma redução do tempo de deslocação até à respectiva unidade de saúde materno-infantil. A cumprir-se, o Plano Nacional de Reorganização dos Serviços de Saúde Materno-Infantil garantirá aos utentes da área metropolitana de Lisboa o acesso a uma unidade de saúde materno-infantil com uma redução de cerca de 50% no tempo médio de acesso, relativamente ao tempo médio actual. Passará então essa deslocação a ter a duração média de 12 minutos, em vez dos actuais 25 minutos.



52º

Porém, em relação a esta paciente em especial, verificou-se, pelo contrário, um aumento do tempo de deslocação. Apesar disso, há que ponderar os interesses em jogo, em que se conclui serem em maior número os beneficiados do que os prejudicados, sendo que existem grandes ganhos em termos médios.

Numa situação como a descrita, não se justifica que um interesse em particular se sobreponha ao interesse da comunidade, até porque pode acontecer que haja a situação de haver outras grávidas de risco que se inserem nesse grupo que foi beneficiado.



53º

Posto isto, verifica-se que o interesse público impõe que não seja dado provimento à pretensão requerida pelos autores.



54º

A argumentação do requerente João Bemnascido assente no “sonho” que este tem de que o seu filho nasça na MAC não tem qualquer tutela jurídica.



55.º

Dizem os autores que “o direito de toda a família poder escolher livremente o local onde deseja ter os seus filhos, em condições de melhor qualidade para a mãe e para a criança, é inalienável”.



54.º

No entanto, não é invocado qualquer fundamento legal que sustente tal inalienabilidade. Na esteira da doutrina de Sérvulo Correia, no artigo “As relações jurídicas administrativas de prestação de cuidados de saúde”: “A liberdade de escolher o serviço e os agentes prestadores prende-se com o direito de acesso, um direito potestativo de iniciar uma relação concreta de prestação de cuidados”.



55.º

Assim, o direito alegado pelos autores é na verdade um direito de acesso aos meios existentes, que o Ministério, de acordo com as suas responsabilidades e competências de política de saúde, coloca à disposição dos utentes.



56.º

A própria Lei de Bases da Saúde referida pelos autores, na Base V n.o 5, norma que os autores por alguma razão omitiram, refere a “liberdade de escolha no acesso à rede nacional de prestação de cuidados de saúde, com as limitações decorrentes dos recursos existentes e da organização dos serviços”.



57.º

Também a Base I, n.o 2, refere que tal acesso é condicionado pelos “limites dos recursos humanos, técnicos e financeiros disponíveis”. Trata-se da chamada “reserva do possível”, que limita este direito de acesso aos serviços de saúde.





58.º

Seguindo a posição de Sérvulo Correia, Miguel Nogueira de Brito, em “Direitos e Deveres dos Utentes do Serviço Nacional de Saúde”, salienta precisamente este aspecto:



Assim, a Base V, n.o 2, estabelece que «os cidadãos têm direito a que os serviços públicos de saúde se constituam e funcionem de acordo com os seus legítimos interesses». O n.o 5 reconhece a «liberdade de escolha no acesso à rede nacional de prestação de cuidados de saúde, com as limitações decorrentes dos recursos existentes e da organização dos serviços». Trata-se da expressão legislativa de um direito consagrado no artigo 64.o, n.os 1 e 2, da Constituição.

(...)

Que isto é assim quanto ao direito a escolher o serviço e agente prestadores não sofre qualquer dúvida. Na verdade, a Base XIV, n.o 1, alínea a), precisa o alcance do direito em causa ao situar a escolha a que o mesmo diz respeito «no âmbito do sistema de saúde e na medida dos recursos existentes e de acordo com as regras de organização». Trata-se de uma referência directa à reserva do possível, em termos substancialmente idênticos aos que se acham previstos na já citada Base V, n.o 5, em que se reconhece «liberdade de escolha no acesso à rede nacional de prestação de cuidados de saúde, com as limitações decorrentes dos recursos existentes e da organização dos serviços».

(...)

ou seja, “nos limites dos recursos humanos, técnicos e financeiros disponíveis” (Base I, n.o 2).”



59.º

Saliente-se ainda que na Base 2, com epígrafe “política de saúde”, no nº 1 alínea b, “é objectivo fundamental obter a igualdade dos cidadãos no acesso aos cuidados de saúde, seja qual for a sua condição económica e onde quer que vivam, bem como garantir a equidade na distribuição de recursos e na utilização de serviços”.



60.º

Estabelece ainda o o nº 2 da mesma Base que “a política de saúde tem carácter evolutivo, adaptando-se permanentemente às condições da realidade nacional, às suas necessidades e aos seus recursos”.



61.º

Ora, é isto mesmo que o Ministro da Saúde, assumindo, na plenitude, as suas responsabilidades políticas, está a realizar, isto é, a reestruturação dos serviços médicos materno-infantis, adequando-os à realidade nacional, necessidades, recursos, na senda de um carácter evolutivo.







Pedido:



Face a tudo o exposto, requer-se que seja julgada improcedente tal tutela cautelar.





Documentos anexos:

Documento 1 - Procuração

Documento 2 - Ordem de Transferência

Documento 3 - Plano Nacional de Reorganização dos Serviços de Saúde Materno-Infantil

Documento 4 - Despacho do Ministro da Saúde







Lisboa, 14 de Maio de 2012

O jurista




·         Eduardo Santos, nº 16592

·         Maria da Conceição Ventura, nº 2099

·         Nuno Santos, nº 19915

·         Rodrigo de Sousa Mendes, nº 16849

·         Tânia Marinho, nº 16883


sexta-feira, 25 de maio de 2012

Responsabilidade por facto ilícito do Legislador




A doutrina diverge quanto ao início da normatização da responsabilidade por facto ilícito do Legislador. Uma parte dela refere que o Decreto-lei n.º 48051 de 21.11.1967 abrangia apenas os atos integrados na função administrativa do Estado, sendo por essa razão inaplicável aos atos integrados na função jurisdicional e na função legislativa.

Contudo, a maioria da doutrina como da jurisprudência era do entendimento que do artigo 22.º da CRP decorria o fundamento direto da responsabilidade do Estado pela atividade legiferante, competindo, por isso, aos juízes, na falta de lei concretizadora, proceder à densificação dos correspondentes pressupostos, a partir do referido artigo 22.º e / ou dos princípios gerais da responsabilidade civil.

A responsabilidade do legislador não constitui uma inovação com a Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro. Trata-se de preencher o vazio normativo, densificando os pressupostos de que deve depender a responsabilidade do Estado quanto à atividade legislativa.

São pressupostos da responsabilidade civil extracontratual do Estado por facto ilícito cometido no exercício da função legislativa na vertente subjetiva o facto ilícito, a culpa, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano.

A responsabilidade do Estado-Legislador pode consistir numa ação ou omissão. De acordo com Fausto Quadros, a responsabilidade do Estado por omissão de atos legislativos pode constituir-se em três casos:

a) no caso de não execução ou não concretização da Constituição

(caso de inconstitucionalidade por omissão);

b) no caso de violação do dever de legislar por imperativo do Direito Internacional ou do Direito Comunitário. Quanto ao Direito Comunitário, a responsabilidade do Estado-Legislador por violação do dever de legislar nasce, particularmente, na situação da não transposição das diretivas comunitárias dentro do prazo fixado para o efeito, ou da sua transposição errada ou insuficiente; e na situação de exercício do dever de legislar em violação do princípio da interpretação conforme com o Direito Comunitário;

c) no caso de omissão de legislação sobre direitos fundamentais, com o conteúdo e com o âmbito que a estes for dada pela Constituição, por Direito supraconstitucional ou por princípios gerais de Direito supra-legais.

Os n.ºs 3 e 5 do artigo 15.º da supra referida Lei (novo regime) estipulam a responsabilidade pela omissão de providências legislativa. O n.º 3 é para quando exista uma situação de inconstitucionalidade por omissão, tal como ela surge configurada no artigo 283.º da CRP. Daí Mário Aroso de Almeida referir e discordar da solução do n.º 5: acrescenta que a constituição nessa modalidade de responsabilidade depende da prévia verificação pelo Tribunal Constitucional, nos termos do referido artigo 283.º da CRP, da existência da situação de inconstitucionalidade por omissão. O n.º 2 do artigo 15.º assegura a existência de recurso para o Tribunal Constitucional: “as decisões que, nas ações de responsabilidade pelo exercício da função legislativa, os tribunais são chamados a proferir não se enquadram, por isso, no sistema de recursos para o Tribunal Constitucional que se encontra previsto no artigo 280.º da CRP. Quando concebeu o sistema de recursos das decisões jurisdicionais para o Tribunal Constitucional, reportando-o exclusivamente às situações (paradigmáticas) de aplicação ou recusa de aplicação de normas, a CRP não teve em vista a modalidade de juízo de constitucionalidade a que, no âmbito destas ações, os tribunais são chamados a realizar”.

Segundo João Caupers, o legislador, prudentemente, estabeleceu que a existência e a extensão da responsabilidade são determinadas em cada caso concreto, fornecendo três critérios para iluminar esta determinação:

- o grau de clareza e precisão da norma violada (sabendo-se que as normas constitucionais comportam níveis de densificação muito variáveis);

- o tipo de inconstitucionalidade – material, orgânica ou formal;

- a circunstância de terem sido adoptadas ou omitidas diligências susceptíveis de evitar a situação de ilicitude – a diligência bastante do legislador no intuito de obviar ao resultado danosos pode excluir a responsabilidade por estes (artigo 15.º, n.º4).



Isaque Chaves

n.º 10329








Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte

Processo: 02496/11.6BEPRT
Secção: 1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão: 13-01-2012
Tribunal: TAF do Porto
Relator: Maria do Céu Dias Rosa das Neves
Descritores: PROVIDÊNCIA CAUTELAR,MANIFESTA PROCEDÊNCIA

PERICULUM IN MORA
Sumário: I – A evidência das ilegalidades apontadas a um acto, com vista ao preenchimento do “fumus boni iuris previsto na al. a), do nº 1 do artº 120º do CPTA deve resultar flagrante e palmar, sem necessidade de indagações profundas, designadamente, de prova testemunhal.

II – Não existe periculum in mora quando a requerente já se encontra há mais de 5 anos afastada do serviço, em situação baixa médica e de licença sem vencimento.*
Sumário elaborado pelo Relator

Data de Entrada: 28-11-2011
Recorrente: L...
Recorrido 1: Hospital de São João, E.P.E.
Votação: Unanimidade
Meio Processual: Procedimento Cautelar Suspensão Eficácia (CPTA) - Recurso Jurisdicional 
Decisão: Nega provimento
Parecer Ministério Publico: Não se pronunciou

Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

1 – RELATÓRIO:

L…, médica, residente na Rua S. …, Porto, interpôs recurso jurisdicional da sentença proferida no TAF do Porto em 23/09/2011, que indeferiu a providência cautelar de suspensão de eficácia da deliberação do Conselho de Administração do Hospital de São João, E.P.E. que lhe aplicou a pena disciplinar de demissão.

*

Depois dos mais de trezentos artigos de alegações, formula a recorrente as seguintes CONCLUSÕES que aqui se reproduzem:

A. «O presente recurso jurisdicional vem interposto da decisão proferida pela 2ª Unidade Orgânica do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, no âmbito do processo cautelar designado por Proc. nº 2496/11.6BEPRT, datada de 23.09.2011, pela qual se decidiu indeferir a providência cautelar de suspensão de eficácia da Deliberação do Conselho de Administração do Hospital de S. João, E.P.E., datada de 20.06.2011, notificado à Recorrente por intermédio de Ofício sob o número mecanográfico 11124, datado de 29.06.2011, deliberação essa que aprovou a proposta de demissão formulada pelo instrutor do processo disciplinar, determinando a aplicação da “(…) pena de demissão à arguida Drª L… (…)”

B. Com efeito, a sentença proferida pelo Tribunal a quo encontra-se inquinada com múltiplos vícios de decisão (erros de julgamento), cuja apreciação se impõe na presente sede. No essencial, vislumbram-se cinco vícios que importa conhecer pela seguinte ordem: i) Do erro de julgamento decorrente da errónea selecção da matéria de facto; ii) Da nulidade da sentença decorrente da proibição de prova testemunhal quanto ao requisito de “fumus boni iuris”; iii) Do vício de violação de lei decorrente da pretensa falta de verificação do requisito do fumus boni iuris (alínea a), do nº 1, do artigo 120º do CPTA); iv) Do vício de violação de lei decorrente da pretensa falta de verificação do requisito do periculum in mora (alínea b), do nº 1, do artigo 120º do CPTA); v) Da omissão de análise do requisito referente à ponderação de interesses, atento o respectivo carácter subsidiário quanto à alínea b) do nº 1 do artigo 120º do CPTA (nº 2, do artigo 120º do CPTA).

C. Seguindo a ordem de arguição de vício supra exposta, importa começar por referir que enferma a sentença proferida pelo Tribunal a quo de i) erro de julgamento decorrente de errónea decisão quanto à matéria de facto considerada assente. Laborou a instância recorrida, em clamoroso erro de julgamento, quando em claro prejuízo do alegado pela Recorrente, sempre orientada por uma concepção distorcida, quer das regras de distribuição do ónus da prova, quer dos pressupostos jurídicos de que depende a demonstração dos factos que consubstanciam a prova necessária aos requisitos de que depende o decretamento da providência cautelar, acabou por eivar a sentença proferida de um ostensivo e manifesto erro de julgamento, aquando da selecção da matéria de facto assente e aferição da respectiva relevância para a decisão da causa.

D. Pelo que, ao não ter inscrito tal factualidade na matéria assente, o Tribunal a quo errou na apreciação da matéria de facto, devendo o presente tribunal proceder à correcção do referido desacerto - ao abrigo do disposto no artigo 712º nº 1, alínea b) do CPC, aplicável ex vi do disposto no artigo 1º e 140º do CPTA, já que a factualidade referida nos artigos 6.º, 11.º, 13.º, 14.º, 18.º, 21.º, 26.º, 27.º, 29.º, 31.º, 32.º, 33.º, 59.º, 152.º, 153.º, 154.º, 155.º, 248.º, 254.º, constantes do Requerimento Inicial, supra transcrita, se afigura dotada de manifesta relevância para a boa decisão da causa e prova dos requisitos subjacentes ao decretamento da presente providência cautelar.

E. Prosseguindo a ordem de arguição de vícios seguida refira-se que ii) o Tribunal a quo laborou em erro de julgamento quando entendeu que a demonstração quanto à verificação do requisito do fumus boni iuris não poderia ser conseguida através de prova testemunhal.

F. Não se tendo o Tribunal declarado esclarecido e dispensando ulterior prova, encontra-se este a vedar a prova quanto à verificação do próprio critério de fumus boni iuris, o que naturalmente redunda na proibição de prova quanto aos factos que demonstram a probabilidade da existência do vício.

G. Semelhante proibição de prova consubstancia-se assim numa nulidade processual decorrente da negação de faculdades concedidas na lei (omissão de actos) nos termos dos arts. 201.º, n.º 1, 203.º, n.º 1, 205.º, n.º 1 e 208.º, todos do CPC, aplicados ex vi do art. 1.º CPTA, que determina concomitantemente a nulidade da sentença proferida.

H. Por todo o exposto, padece a sentença recorrida de nulidade, a qual desde já se requer a V. Exª. seja decretada, com base nos fundamentos que antecedem.

I. Mas os erros de julgamento, que inquinam de modo determinante a sentença proferida pelo Tribunal a quo, não se ficam por aqui. Tal decisão incorre em iii) vício de violação de lei decorrente da pretensa falta de verificação do requisito do fumus boni iuris (alínea a), do n.º 1, do artigo 120.º do CPTA) porquanto em claro proveito da celeridade processual e abstraindo da responsável ponderação dos argumentos jurídicos e factuais invocados – que se impunha levar a cabo - demitiu-se o Tribunal a quo de empreender a análise que se impunha - precipitando-se para uma decisão que - laborando em erro manifesto e vícios vários (demasiados) – considerou não preenchido o requisito em causa.

J. Contrariamente ao entendimento sufragado pelo Tribunal a quo, considera a ora Recorrente que o requisito do fumus boni iuris se dá por preenchido atento o facto de o acto em causa ser manifestamente inválido por (i) prescrição do procedimento disciplinar, verificando-se ainda a (ii) nulidade do procedimento disciplinar, por vícios vários, sendo o mencionado acto, igualmente, anulável (iii) por vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto (erro manifesto)/violação do princípio da proporcionalidade e erro de direito, (iv) por vício de forma por falta de fundamentação, (v) por vício de violação de lei (decorrente da falta de menção de circunstâncias atenuantes comuns e especiais no acto de aplicação de pena) e, por fim, (vi) por violação dos princípios da justiça e da boa-fé, sendo os alegados vícios manifestamente procedentes.

K. Padece a sentença recorrida, também aqui, de um flagrante e decisivo erro de julgamento, por errada aplicação do direito ao caso concreto, quando não considerou a manifesta relevância das ilegalidades invocadas, termos em que se rejeitam os termos da sentença proferida pelo Tribunal a quo, desde já se requerendo seja esta substituída por outra que decrete a providência cautelar requerida com base no preenchimento do requisito de fumus boni iuris, conforme previsto na alínea a) do artigo 120.º do CPTA.

L. A decisão em crise padece igualmente de erro de julgamento decorrente iv) Do vício de violação de lei decorrente da pretensa falta de verificação do requisito do periculum in mora (alínea b), do n.º 1, do artigo 120.º do CPTA), quando não deu como provado o requisito processual da verificação de um fundado receio de constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação, tal como explicitado, rectius, provado, no Requerimento Inicial de Providência Cautelar.

M. Baseia a sentença o seu entendimento de que não foi lograda a prova do periculum in mora, com base em duas premissas, ambas erradas, conforme se passará a demonstrar: i) a errada assunção de que nos termos do artigo 14.º e 15.º do D.L. n.º 233/2005, de 29 de Dezembro em caso de uma eventual execução de sentença que determine a invalidade da pena de demissão aplicada e consequente readmissão, o lugar da Recorrente manter-se-ía; ii) a errada assunção que a situação de baixa médica prolongada em que se encontrava retirar-lhe-ía a possibilidade de ter uma reputação profissional a defender.

N. No tocante à falta de prova do periculum in mora, importa referir que caso o Tribunal considere que os elementos juntos com o Requerimento Inicial da Providência Cautelar não eram suficientes para demonstrar a existência de periculum in mora (o que não se concede), então sempre teria de lançar mão da prova testemunhal que foi oportunamente indicada pela Recorrente nesse mesmo Requerimento e que pasme-se foi dispensada.

O. Não é admissível que o Tribunal dispense as testemunhas oportunamente indicadas pela Recorrente e depois indefira a providência cautelar, precisamente por falta de prova sobre os factos efectivamente invocados e relativamente aos quais as testemunhas estavam habilitadas para testemunhar, atrevendo-se depois a criar a suspeição de que os factos alegados para prova do periculum in mora eram a final especulativos.

P. Neste contexto, enferma a sentença do Tribunal a quo de manifesta deficiência instrutória, tendo aplicado erradamente o disposto na alínea g), do n.º 3, do art. 114.º do CPTA, não fazendo igualmente uso adequado do disposto no n.º 3, do art. 118.º do CPTA.

Q. Mais se diga que o Tribunal a quo laborou em erro quando considerou que, nos termos dos artigos 14º e 15º do DL nº 233/2005, de 29 de Dezembro resultaria a assunção de que em caso de uma eventual execução de sentença que determine a invalidade da pena de demissão aplicada e consequente readmissão, o seu lugar manter-se-ía.

R. Não é apenas o DL nº 233/2005, de 29 de Dezembro, omisso em matéria de reposições de vagas anteriormente extintas, resultando, pelo contrário, do referido normativo, o carácter residual dos quadros de pessoal das unidades de saúde estabelece que os lugares destes quadros deverão extinguir-se quando vagarem, da base para o topo (v. art. 15º, nº 2, última parte do DL).

S. Uma eventual execução de sentença que determine a invalidade da pena de demissão aplicada e consequente readmissão, pelos contornos e efeitos que a mesma possui, não irá permitir ou lograr produzir efeitos reintegratórios da sua esfera jurídica em termos plenos, com reposição da situação existente antes da lesão e que se materializa com a execução/produção de efeitos do acto administrativo suspendendo, já que o seu cargo, tudo indica, será ocupado por outro profissional de saúde.

T. Prosseguindo nos termos da sentença proferida pelo Tribunal a quo e de que ora se recorre, prossegue o Tribunal alicerçado na premissa de que a ora Recorrente se “encontrava afastada do serviço de otorrinolaringologia do requerido e da Faculdade de Medicina há mais de 5 anos”, para daí concluir que alegadamente não possuía por isso pacientes nem alunos perante quem defender a sua reputação, com o que novamente laborou em erro de julgamento.

U. Contrariamente ao defendido pelo tribunal a quo, o facto de um trabalhador se encontrar em situação de doença, não é, por si só fundamento susceptível de impedir que todos os prejuízos morais decorrentes do conhecimento público desta sanção, e a perda de credibilidade profissional que construiu em toda uma carreira; o que está em causa, é o facto de a Recorrente se encontrar sob pena de poder não voltar a contar com a confiança que até então merecia dos pacientes e dos seus alunos logo que retome as funções que ocupava e cesse a situação de baixa em que se encontrava.

V. E não é o facto de não estar presentemente no activo, virtude da situação de doença que a impede de sofrer no presente ou num futuro imediato prejuízos no tocante à sua imagem e reputação, que ficarão inelutavelmente afectados, e logo que retome as suas funções não só permanecerão, como inclusive se adensarão, caso não ocorra o decretamento da presente providência cautelar.

W. Nestes termos, conclui-se, sem necessidade de maiores indagações, que se encontra verificado o requisito do periculum in mora, no sentido de que os prejuízos para os interesses que a Recorrente visa assegurar no processo principal, não poderão, seguramente, ser adequadamente compensados, mesmo que, no final da acção principal, se venha a considerar que tem razão e o acto suspendendo seja judicialmente anulado ou declarado nulo.

X. Face ao exposto, deverá a respectiva sentença ser revogada pelo Tribunal ad quem, e substituída por outra que entenda que a factualidade provada é suficiente para permitir a demonstração do preenchimento do requisito do periculum in mora (e bem assim, em face da verificação dos demais requisitos conceder a providência cautelar requerida) ou, caso assim não entenda, o que não se concede, deverá ser a presente sentença revogada, por errada aplicação do direito aplicável e por evidentes deficiências instrutórias (e erro manifesto, por insuficiência, no apuramento da matéria de facto relevante dada como provada), devendo o Tribunal a quo refazer a matéria de facto provada (após inquirição das testemunhas) e com base na nova e alargada matéria de facto voltar a decidir do pedido da Requerente, ora Recorrente.

Y. Por último, mal andou o tribunal a quo, laborando em erro de julgamento, quando erroneamente, não levou a cabo a v) análise do requisito constante do nº 2 do artigo 120º do CPTA, com base no alegado argumento de “que a medida cautelar requerida se encontrava necessariamente votada ao insucesso”.

Z. Impõe-se que seja na presente sede levada a cabo a análise do requisito de ponderação de interesses previsto nos termos do nº 2 do artigo do 120º do CPTA, por forma a assegurar a decisão de decretamento de providência cautelar, fundamento último do presente recurso, com base nos argumentos que se passam a expender.

AA. A propósito da ponderação dos interesses em presença verifica-se que os danos que resultam da concessão da providência cautelar conservatória requerida (no caso, que não se concede, de se vir a considerar que o acto não é ilegal) são, segundo se pode antever, diminutos ou mesmo inexistentes, já que a Recorrida poderá, continuar a contar com o exercício da actividade profissional da Recorrente (desde que a Junta Médica se pronuncie no sentido da Recorrente já se encontrar em estado de saúde compatível com essas funções), sem que daí se antecipem quaisquer lesões para os interesses prosseguidos pela Recorrida.

BB. Bem ao invés, da não suspensão do acto, resultariam um conjunto significativo de danos, nomeadamente, o elevar do desprestígio profissional da Recorrente e o denegrir, também acrescido, do seu bom nome (profissional), sendo que o não decretamento da providência pode mesmo levar, como se disse, à impossibilidade da Recorrente regressar à vida profissional na entidade recorrida.

CC. Por todo o exposto, padece a sentença recorrida, também aqui, de um flagrante e decisivo erro de julgamento, por errada aplicação do direito ao caso (quando considerou não considerar o requisito em questão), termos em que se requer a V. Exª. seja em sede de recurso jurisdicional, levada a cabo a análise do presente requisito, concluindo-se pelo decretamento da providência cautelar atenta a verificação do requisito consagrado no nº 2, do artigo 120.º do CPTA, porquanto, no presente caso concreto, numa perspectiva de confronto dos diversos interesses em causa se apresenta manifestamente favorável a manutenção do “status quo” existente, devendo nesses termos a providência cautelar requerida ser decretada».

Termina requerendo a procedência do recurso e em consequência, seja:

«(i) A decisão do Tribunal a quo, sobre a matéria de facto dada como assente, alterada nos termos supra expostos.

(ii) A sentença declarada nula por nulidade decorrente da proibição de prova testemunhal quanto ao requisito de “fumus boni iuris”.

(iii) Subsidiariamente, a sentença recorrida considerada revogada nos termos e com os fundamentos acima indicados, no segmento respeitante à alegada falta de verificação do requisito do “fumus boni iuris” (alínea a), do nº 1, do artigo 120º do CPTA).

(iv) Subsidiariamente, a sentença recorrida considerada revogada nos termos e com os fundamentos acima indicados, no segmento respeitante à alegada falta de verificação do requisito do “periculum in mora” (alínea b), do nº 1, do artigo 120º do CPTA) procedendo à análise do requisito referente à ponderação de interesses, atento o respectivo carácter subsidiário quanto à alínea b) do nº 1 do artigo 120º do CPTA (nº 2, do artigo 120º do CPTA), considerando o respectivo preenchimento.

(v) Subsidiariamente, devem baixar os autos ao Tribunal a quo para que este Tribunal supra o défice instrutório, procedendo à ampliação da matéria de facto provada, através da audição das testemunhas oportunamente indicadas pelo Recorrente, e consequentemente emita nova sentença».

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O recorrido CENTRO HOSPITALAR DE SÃO JOÃO E.P.E. contra alegou no sentido da improcedência total do recurso, concluindo da seguinte forma:

«1ª - Face ao exposto, torna-se claro que não se mostra evidente a procedência da acção principal - inexistência de fumus boni iuris.

2ª - Não foi evidenciado e provado a existência de qualquer prejuízo de difícil reparação ou situação de facto consumado - inexistência de periculum in mora.

3ª - De qualquer maneira, e pelas razões expostas, a ponderação dos interesses em confronto aponta para a recusa da concessão da providência requerida».

*

A Digna Magistrada do Ministério Público junto deste Tribunal notificada nos termos e para os efeitos previstos nos artºs 146º e 147º do CPTA não emitiu qualquer pronúncia.

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Com dispensa de vistos, nos termos do disposto no artº 36º, nºs 1 e 2 do CPTA, os autos foram submetidos à Conferência para julgamento.
2 - FUNDAMENTOS

2 – 1 - MATÉRIA DE FACTO

Da decisão recorrida resultam assentes os seguintes factos:

«1) A requerente iniciou funções enquanto Médica Interna do Internato Geral em 01/01/1987, tendo concluído com aproveitamento o internato.

2) Em 01/01/1989, a requerente iniciou funções na categoria de Médica Interna do Internato Complementar de Otorrinolaringologia, nos serviços do requerido, tendo tornado posse em 26/05/1989, cargo que concluiu em 30/01/1993, com a classificação final de 19,7 valores, obtendo, assim, o grau de Assistente de Otorrinolaringologia, com grande distinção, passando, a partir da mesma data, a Assistente Eventual de Otorrinolaringologia.

3) Em 10/02/1994, a requerente tomou posse, após concurso em que obteve a classificação de 19,2 valores, como Assistente de Otorrinolaringologia no Serviço de Otorrinolaringologia do requerido, com efeitos retroactivos a 02/12/1993, em regime de tempo completo.

4) Em 25/06/2002, a requerente obteve aprovação no concurso de habilitação ao grau de Consultora de Otorrinolaringologia da carreira médica hospitalar, passando, a partir desse exacto momento, a Assistente Graduada de Otorrinolaringologia (cfr. publicação no Diário da República, II Série n.º 144, de 25/06/2002), categoria que, de resto, mantém.

5) A requerente apresentou atestado médico em 02/05/2006, mantendo-se em baixa médica até 30/06/2006.

6) A requerente esteve em gozo de licença sem vencimento, autorizada por despacho do Conselho de Administração do requerido em 05/05/2006, desde 01/07/2006 a 29/09/2006.

7) A requerente apresentou atestado médico em 30/09/2006, mantendo-se em baixa médica até 04/12/2006.

8) A requerente compareceu a junta médica em 05/12/2006, 06/03/2007 e 03/07/2007, tendo sido emitido parecer no sentido da impossibilidade da requerente regressar ao serviço e designada data para realização de nova junta médica, nos termos previstos no artº 11º, nº 2, al. b) do Decreto Regulamentar nº 41/90, de 29 de Novembro.

9) A requerente compareceu a junta médica em 16/10/2007, tendo sido emitido parecer no sentido de ocorrer eventual incapacidade permanente para o serviço, com recomendação ao respectivo serviço sugerindo a apresentação à junta médica da Caixa Geral de Aposentações, nos termos previstos no art.º 11º, n.º 2, al. g) do Decreto Regulamentar nº 41/90, de 29 de Novembro.

10) Em 27/11/2007, 06/03/2008, 18/06/2008 e 12/09/2008 foi a requerente notificada, além do mais, para comparecer no prazo de 10 dias úteis no Hospital de S. João, Serviço de Gestão de Recursos Humanos, Posto de Atendimento n.º 01, munido(a) do respectivo Bilhete de Identidade, cartão de Contribuinte, número Identificação Bancária (NIB) e declaração da Segurança Social (caso tenha efectuado descontos).

11) A requerente apenas compareceu nos serviços do requerido em 26/09/2008 - data em que preencheu e assinou o requerimento dirigido à Caixa Geral de Aposentações.

12) Em 27/11/2008, o requerido expediu ofício nº 29749, acompanhado de aviso de recepção, dirigido à requerente e de cujo teor consta, além do mais, o seguinte:

“(…)

Levo ao conhecimento de V. Ex.ª, que deverá comparecer no próximo dia 09 de Dezembro de 2008, pelas 15:15 horas, no Serviço de Verificação de Incapacidades do Centro Distrital do Porto, (…), a fim de ser submetido a exame médico, conforme ofício enviado a estes Serviços.

(…)”.

13) Em 09/12/2008, a requerente não compareceu à junta médica a que se refere o descrito no ponto anterior.

14) Em 23/11/2009, por meio de telecópia, o requerido solicitou à Caixa Geral de Aposentações a prestação de informação sobre a situação profissional da requerente, mencionando que a mesma foi submetida a junta médica de aposentação em 9 de Dezembro de 2008.

15) Em 22/12/2009, a Caixa Geral de Aposentações prestou a seguinte informação: “(…) a interessada faltou a uma Junta Médica no Serviço de Verificação de Incapacidades do Centro Distrital do Porto, no dia 09-12-2008, sem que tenha justificado a falta. (…)”.

16) Em 07/01/2010, o Conselho de Administração do requerido deliberou o seguinte:

“(…)

O Conselho de Administração tomou conhecimento da informação do Serviço de Gestão de Recursos Humanos sobre a assiduidade da Sra. Dra. L… (…). Analisado o histórico da assiduidade e de acordo com a informação recebida da Caixa Geral de Aposentações em 22 de Dezembro de 2009, verifica-se que [a requerente] faltou, no dia 9 de Dezembro de 2008, à Junta Médica (…), data a partir da qual se encontra ausente do Hospital de S. João, sem qualquer justificação.

Face ao exposto, o Conselho de Administração decidiu:

1. Considerar injustificadas, para todos os efeitos, as faltas dadas [pela requerente] desde o dia 9 de Dezembro de 2008 até 31 de Dezembro de 2009.

2. Instaurar um Processo Disciplinar à Sra. Dra. L….

3. (…).

(…)”.

17) Em 27/05/2010, o Instrutor do processo disciplinar nº 08-D10 proferiu o despacho que se segue:

“(…)

Por deliberação do Conselho de Administração do Hospital de S. João EPE, datada de 7 de Janeiro de 2010, foi instaurado um processo disciplinar à arguida, Dr.ª L…, Assistente Graduada de Otorrinolaringologia.

Pelo presente instrumento e no cumprimento do disposto no n.º 3, do art.º 39º, do anexo à Lei n.º 58/2008, de 9 de Setembro, quer o Conselho de Administração, quer o arguido, quer ainda o participante, tomam conhecimento da data de início do referido processo disciplinar.

(…)”.

18) Foram enviadas notificações à requerente, acompanhadas do respectivo aviso de recepção - com o intuito de a notificar do despacho descrito no ponto anterior e marcação de data para a sua audição - em 27/05/2010 e em 30/06/2010, sucedendo que aquela não atendeu, nem procedeu ao subsequente levantamento da correspondência na estação dos CTT.

19) Em 23/07/2010, foi publicado no Diário da República, 2ª série, n.º 142, Aviso n.º 14633/2010, do Hospital de São João, E.P.E., com o seguinte teor:

“(…)

L…, arguida no processo disciplinar n.º 08/-D10, fica V. Ex. notificada para nos termos e efeitos estatuídos no n.º 2 do artigo 46º, do anexo à Lei n.º 58/2008, de 9 de Setembro, e no âmbito do processo disciplinar n.º 08-D10, mandado instaurar pelo Conselho de Administração do Hospital de São João, E.P.E., em 7 de Janeiro de 2010, prestar declarações na qualidade de arguida.

Para o efeito, deve comparecer, no Hospital de São João, E.P.E., dia 3 de Setembro de 2010, às 09.30 h no Gabinete do Instrutor do processo, sito no piso 2, corredor central de acesso à zona de ambulatório, porta com a indicação UIG PD- Director.

(…)”.

20) Em 03/09/2010, a requerente não compareceu para prestar declarações no âmbito do processo disciplinar n.º 08-D10, nem apresentou qualquer justificação.

21) Em 16/10/2010, foi proferida acusação, cujo teor consta de fls. 54 a 62 do processo administrativo, e que aqui se considera como inteiramente reproduzida para todos os efeitos.

22) A requerente foi notificada da acusação descrita no ponto anterior em 27/10/2010.

23) Em 11/11/2010, a requerente apresentou defesa escrita, juntando documentos, requerendo a junção de diversos elementos documentais e indicando testemunhas.

24) Em 31/05/2011, foi proferido o seguinte despacho pelo instrutor:

“(…)

Considerando que, no âmbito da apresentação da defesa da arguida L… e das diligências probatórias por si requeridas, é pretendido que a instrução do presente processo disciplinar inquira uma das testemunhas de defesa – M… - sobre matéria da acusação, nomeadamente acerca dos artigos 3º a 13° e 19° a 22°, determino:

1. Recusar a produção da referida prova testemunhal sobre a matéria da acusação, por considerar a diligência manifestamente impertinente e contrária às regras do ónus da prova, em processo disciplinar, nos termos do no 1, do artigo 53º, do anexo à Lei nº 58/2008, de 9 de Setembro - Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores Que Exercem Funções Públicas.

2. Uma vez que compete, em exclusivo, ao titular da acção disciplinar o ónus da prova dos factos constitutivos da infracção imputada à ora arguida, e considerando que a respectiva produção de prova já ocorreu em momento oportuno, nada mais há a considerar sobre a instrução já concluída nos termos do artigo 48° do já mencionado diploma legal.

3. Estando assegurado, ab integro, o direito constitucional da defesa da arguida que, oportunamente, apresentou os factos que contraditam a argumentação plasmada em sede de acusação, os depoimentos das testemunhas a serem inquiridas só deverão incidir sobre os factos constantes dos artigos 112° a 120°, 125° a 134°, 140° a 142° da defesa escrita.

(…)”.

25) Em 31/05/2011, foi também proferido o seguinte despacho pelo instrutor:

“(…)

Considerando que, no âmbito da apresentação da defesa da arguida L… e das diligências probatórias por si requeridas, é pretendido que a instrução do presente processo disciplinar, aceite a prova documental:

a) Os documentos ora juntos pela arguida.

b) Requerer que seja notificado o Departamento de Recursos Humanos do HSJ para vir aos autos:

c)

I. Cópia do processo individual da arguida

II. Última junta médica da arguida em seu poder

III. Regulamento, ofícios ou normas internas existentes a respeito da justificação e comunicação de faltas por parte dos trabalhadores.

d) Mais se requer que sejam oficiados os CTT para vir aos autos informar sobre a data em que foi conseguida a entrega da carta com o registo RC 114069054 PT.

Determino:

1. Quanto à alínea a), todos os documentos juntos pela arguida, são aceites e passam a constituir prova.

2. Quanto à alínea b), pontos I e II é documentação que está disponível e pode ser solicitada a consulta ou a sua confiança pela defesa da arguida, sempre que entender, não vendo esta instrução nenhuma vantagem em onerar os autos com tal património documental; o ponto III, porque são do domínio público, o conjunto de normas existentes no Hospital a respeito da justificação e comunicação de faltas por parte dos trabalhadores, estando todas disponíveis, mais legislação no sítio da intranet do Hospital, a instrução não vê pertinência nem necessidade em juntar aos autos as mesmas.

3. Quando à alínea d), a defesa fez prova documental, documento n.º 1, que como já se disse foi aceite e é bastante e suficientemente esclarecedora, pelo que se revelou inútil qualquer pedido de esclarecimento aos CTT.

26) Foram inquiridas as testemunhas indicadas pela requerente.

27) Em 20/06/2011, foi elaborado relatório final, cujo teor consta de fls. 195 a 247 do processo administrativo (e que aqui se considera como inteiramente reproduzido para todos os efeitos), e que propõe a aplicação à requerente da pena de demissão, nos termos do preceituado no art.º 18º, n.º 1, al. a) da Lei n.º 58/2008, de 9 de Setembro.

28) Em 20/06/2011, o Conselho de Administração do requerido aprovou a proposta de demissão formulada pelo instrutor do presente processo disciplinar nos termos e com os fundamentos aduzidos e, na mesma data, o Presidente do mesmo Conselho de Administração proferiu despacho de aplicação da referida pena à requerente».

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2.2 - O DIREITO:

O recurso jurisdicional interposto pela recorrente será apreciado à luz dos parâmetros estabelecidos nos artºs 660º, nº 2, 664º, 684º, nº 3 e 4, e 685º-Aº todos do CPC aplicáveis ex-vi artº 140º do CPTA.

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QUESTÕES A DECIDIR:

1. DA INSUFICIÊNCIA DA MATÉRIA DE FACTO ASSENTE E DA PRODUÇÃO DE PROVA TESTEMUNHAL QUANTO AO REQUISITO DO “fumus boni iuris”:

E quanto a esta questão, pretende a recorrente que sejam levados aos factos provados, para preenchimento do requisito previsto na al. a), do nº 1 do artº 120º do CPTA, factos por si alegados no requerimento inicial que se prendem com o teor dos certificados do seu processo individual, designadamente quanto ao seu percurso profissional sem registo de medidas disciplinares [artºs 44º e 45º desta alegação de recurso], a “sua” justificação para ter faltado à Junta Médica, o facto do seu marido se ter deslocado à Segurança Social para informar que a recorrente tinha faltado à Junta Médica e ter falado com uma funcionária do referido Centro que ficou de lhe dizer como devia agir, e ainda juízos meramente subjectivos e conclusivos como são os referidos no artº 39 desta alegação de recurso.

Mas, não lhe assiste qualquer razão, neste segmento de recurso, tratando-se tão-somente de uma repetição de tudo quanto alegou em sede de petição inicial e que justificadamente foi desconsiderado na selecção dos factos provados como se constata da decisão recorrida.

Na verdade, o que a recorrente reitera neste recurso jurisdicional, é a tentativa de transformar este processo cautelar em processo principal, pretendendo que sejam dados como provados factos [e consequências dos mesmos] que necessitam de prova a produzir, prova esta que, pela natureza deste processo, não poderá aqui ser feita [tratam-se de factos que ou foram impugnados na sua totalidade ou foram impugnadas as ilações retiradas pela recorrente, pelo que nunca poderiam ser levados à matéria assente].

Por outro lado, também é irrelevante para a decisão a proferir, pretender tirar ilações de um parecer jurídico que inicialmente se pronunciou sobre a prescrição do procedimento disciplinar, designadamente, quando esta conclusão se mostra afastada e fundamentada pelo presente processo acusatório que deu origem à deliberação suspendenda e, por isso, expressamente impugnada pelo recorrido.

Igualmente é irrelevante para os requisitos a apreciar nesta sede cautelar em que não se exige uma análise exaustiva dos factos alegados que o marido da recorrente se tenha deslocado ao Centro de Segurança Social e tenha falado com uma funcionária acerca deste assunto, quando se mostra documentalmente provado que a recorrente não justificou, como lhe era exigido, a falta do dia 09/12/2008 à Junta Médica.

Face ao exposto e sem necessidades de quaisquer outras considerações é manifesta a falta de razão da recorrente no que a este aspecto concerne.

E o mesmo se passa com a alegada “nulidade da decisão recorrida” decorrente da “proibição de prova testemunhal” [com vista ao preenchimento do requisito “fumus boni iuris”], pois também aqui apenas importa apurar se as ilegalidades imputadas ao acto suspendendo ocorrem ou não, mas sem necessidade de fazer uma análise exaustiva, como aliás decorre expressamente do despacho judicial proferido a fls. 314 [cfr. nº 3 do artº 118º do CPTA].

Deste modo, é também nossa opinião que, no caso concreto, nenhuma necessidade havia de ouvir as testemunhas arroladas pela recorrente, dado que todos os factos por ela alegados como susceptíveis de integrar o requisito fumus boni iuris foram tidos em conta na decisão recorrida, através da análise perfunctória que lhe é exigida.

Aliás, mais uma vez a recorrente olvida que na análise deste requisito, importa apenas apurar se as ilegalidades imputadas ao acto suspendendo são flagrantes, ostensivas e evidentes, mas sem necessidade de fazer uma análise exaustiva, pois nesse caso, este processo deixaria de ter natureza cautelar, para passar a ter natureza de processo definitivo.

2. DO ERRO DE JULGAMENTO [AL. A) DO Nº 1 DO ARTº 120º DO CPTA]:

Na análise deste requisito, em que a evidência das ilegalidades apontadas deve ser palmar e sem necessidade de eloquentes indagações, abdicaremos de tecer quaisquer considerações jurisprudenciais e doutrinais, dada a abundância e mesmo excesso constante quer das alegações de recurso, quer da decisão recorrida, pelo que, nos limitaremos a analisar singelamente os factos apurados e interpretá-los à luz da norma prevista na al. a), do nº 1, do artº 120º do CPTA.

E porque a recorrente continua a reiterar tudo quanto vem referindo desde o requerimento inicial, limitando-se a discordar da análise feita na decisão recorrida, vejamos o que a este respeito aqui foi decidido:

«No seguimento do que se expendeu, importa averiguar, em moldes de sumaria cognitio, se é evidente a procedência da pretensão principal, ou seja, se é patente ou não, nestes autos, a ilegalidade do acto suspendendo.

Na verdade, e desde logo, é convicção deste Tribunal que não são manifestos ou inequivocamente evidentes, nos termos que se escalpelará de seguida, os fundamentos nos quais a requerente assenta a sua pretensão.

Vejamos:

A requerente imputa ao acto em apreciação as seguintes ilegalidades:

a) Prescrição do procedimento disciplinar, nos termos do disposto no art.º 6º, n.ºs 1 e 2 do ED;

b) Ineptidão da acusação nos termos do art.º 37º, n.º 1 do ED, em virtude da violação do disposto no art.º 48º, n.º 3 do ED;

c) Omissão de realização de diligências requeridas e essenciais para a defesa, em violação do preceituado no art.º 37º, n.º 1;

d) Violação dos princípios da proporcionalidade e da culpa;

e) Erro quanto aos pressupostos do acto;

f) Falta de fundamentação;

g) Violação dos princípios da justiça e da boa-fé.



No que concerne à invocada prescrição do procedimento disciplinar, a requerente defende que a mesma se verifica, atento o preceituado no art.º 6º da Lei n.º 58/2008, de 9 de Setembro (doravante, ED), visto que entende que na data em que o procedimento disciplinar teve início - no seu entender, em 07/01/2010 - já tinha decorrido mais de um ano desde a prática do acto que o requerido reputa como infracção disciplinar (09/12/2008).

Por outro lado, ainda acrescenta que, ainda que o requerido apenas tenha tido conhecimento da não realização da mencionada junta médica através do ofício da Caixa Geral de Aposentações, de 22/12/2009, a verdade é que foram ultrapassados os 30 dias previstos no art.º 6º, n.º 2 do ED, pois que a requerente apenas teve conhecimento da acusação em 27/10/2010. De resto, argumenta a requerente que não está em causa uma infracção continuada, uma situação típica de falta de assiduidade, cujo fundamento seriam as próprias faltas injustificadas, mas sim um facto temporalmente delimitado e explicativo das alegadas faltas injustificadas.

Ora, não obstante a requerente clamar pelo decretamento da providência, quanto à ilegalidade acabada de descrever e que imputa ao acto em apreço, à luz da al. a) do n.º 1 do art.º 120º do CPTA, a verdade é que tal não é possível, visto que não subsiste nesta situação a evidência manifesta que é apanágio do citado normativo legal.

Com efeito, a verificação da ocorrência da prescrição do procedimento disciplinar, nos termos em que a requerente invoca, depende da indagação dos exactos factos que estribam a decisão punitiva. O que quer dizer que a solução diverge consoante a pena de demissão decorra da actuação da requerente no tocante à junta médica designada para 09/12/2008, ou da ausência da requerente no serviço a partir dessa mesma data.

Adicionalmente, a solução a encontrar depende ainda da qualificação da infracção como continuada ou como esgotando-se numa só actuação, pois que o prazo estipulado no art.º 6º, n.º 1 do ED não dispensa tal distinção. Acresce que, para efeitos do previsto no art.º 6º, n.º 2 do ED interessa ainda determinar a data em que a infracção foi conhecida, bem como a data em que o procedimento disciplinar foi instaurado.

Por conseguinte, e contrariamente à tese sufragada pela requerente, não vislumbra este Tribunal que ocorra o necessário carácter de evidência exigido pelo art.º 120º, n.º 1, al. a) do CPTA para decisão da questão da prescrição do procedimento disciplinar.


Em segundo lugar, esgrime a requerente que a decisão disciplinar suspendenda padece de nulidade em virtude do preceituado no art.º 37º, n.º 1 do ED, dado que a acusação não respeita as exigências vertidas no art.º 48º, n.º 3 do mesmo ED. Com efeito, argui a requerente que o requerido não procedeu à indicação, para cada uma das infracções imputadas, do dever profissional violado, do normativo legal aplicável e da concreta pena aplicável para essa infracção, sucedendo que os deveres alegadamente violados pela requerente são enunciados de modo descontextualizado, sem concretização fáctico-jurídica, isto é, de modo conclusivo e sem qualquer subsunção nas normas adequadas.

Ora, como é bom de ver, também não é manifesta a ocorrência da ilegalidade apontada, antes sendo absolutamente indispensável proceder ao escrutínio da acusação e do relatório final elaborados pelo órgão instrutor do processo disciplinar, no sentido de avaliar se a acusação se encontra suficientemente substanciada por forma a permitir o adequado, correcto e justo direito de defesa por banda da requerente.

Em terceiro lugar, clama a requerente que foi recusada a produção de prova por si requerida - documental e testemunhal -, prova essa dotada de interesse para a boa decisão da causa, o que traduz a omissão de diligências essenciais para a descoberta da verdade material, que é sancionada com a nulidade, em conformidade com o disposto no art.º 37º, n.º 1 do ED.

No que concerne a este ponto, não pode deixar-se de ponderar o descrito nos pontos 23, 24, 25 e 26 do probatório coligido, o que significa que ao Tribunal cumpre, em face do alegado, a indagação quanto à essencialidade das diligências requeridas pela requerente e que foram rejeitadas pelo instrutor do processo disciplinar.

Assim sendo, é inevitável concluir, uma vez mais, que a necessidade de tal tarefa investigatória é demonstrativa, por si só, da falta de evidência da procedência de tal vício.

A requerente atribuiu, ainda, ao acto agora em crise, a violação dos princípios da proporcionalidade e da culpa quanto à pena disciplinar seleccionada, dado que, em virtude do preceituado nos art.ºs 18º e 20º do ED, subsistem razões determinantes da aplicação de uma pena diversa da que foi aplicada à agora requerente, pois que até a infracção em discussão - eventual violação do dever de assiduidade - não deve conduzir automaticamente à demissão do funcionário, sendo ainda que não foram relevadas quaisquer circunstâncias atenuantes da pena, designadamente, a descrita no art.º 22º, al. a) do ED, ou mesmo considerado o previsto no art.º 23º do mesmo diploma, atenta a situação de baixa médica em que a requerente se encontrava, e que certamente a impediu de proceder ao levantamento da notificação para comparecer na junta médica a realizar em 09/12/2008 mais celeremente.

Adita também, que a falta de ponderação do disposto nos mesmos art.ºs 22º e 23º do ED é conducente à violação destes mesmos preceitos.

No entanto, também aqui falece o entendimento espraiado pela requerente, uma vez que a decisão quanto à violação dos referenciados princípios e normativos legais implica o exame crítico da factualidade invocada, sendo certo que, nesta matéria, subsiste divergência entre as partes no que concerne ao nível de excelência da prestação do serviço pela requerente, divergência esta que, naturalmente, imporá a produção de prova em sede de processo principal, ainda a propor.

A requerente reclama que o acto suspendendo padece de erro nos seus pressupostos, esgrimindo que não ocorrem, sequer, factos susceptíveis de integrarem o conceito de infracção disciplinar, uma vez que não ocorreu a prática de faltas injustificadas. Argumenta a título de fundamento que, contrariamente à indicação fornecida pela Caixa Geral de Aposentações ao requerido, não faltou à junta médica que se encontrava agendada para a data de 09/12/2008 e, muito menos, que tal falta seja injustificada. E estriba o seu entendimento, por um lado, na circunstância de apenas ter sido notificada para comparecer à dita junta no dia seguinte àquele que se encontrava designado; por outro lado, na circunstância de o seu marido se ter inteirado do procedimento seguido em tais situações e da informação transmitida de que seria convocada para nova junta médica.

Contudo, como de resto remanesce cristalinamente dos autos, não só o requerido impugna a sobredita falta de notificação atempada para comparecer na junta médica, como impugna também o facto de tal ausência ter sido devidamente justificada, até porque a informação prestada pela Caixa Geral de Aposentações se apresenta em sentido totalmente oposto à posição agora avançada pela requerente.

Quer isto significar, portanto, que a apreciação do vício em causa se encontra dependente de clarificação factual a que não cabe proceder em sede cautelar. Por essa razão, também não se verifica aqui o condicionalismo para o decretamento da providência no âmbito do que se encontra previsto no artº 120º, nº 1, al. a) do CPTA.

Finalmente, a requerente imputa ao mesmo acto a existência de falta de fundamentação - argumentando que o Conselho de Administração se limita a remeter a fundamentação da sua decisão para os fundamentos constantes da proposta do instrutor do processo disciplinar, sem qualquer indicação das razões de facto ou de direito que conduzem àquela decisão - e a violação dos princípios da justiça e da boa-fé, desrespeito este que assenta na constelação fáctica já apontada, a que acresce a circunstância do requerido ter procedido ao pagamento das remunerações à requerente durante mais de um ano, sem ter efectuado qualquer diligência, e, posteriormente, ter instaurado procedimento disciplinar em que alega a insustentabilidade da manutenção da relação laboral.

Porém, estes vícios consubstanciam ilegalidades que, pela sua específica natureza, não possuem, em regra, o necessário pendor da “ evidência “. Antes exigem uma tarefa de peculiar indagação por parte do Julgador.

O que quer dizer que se impõe, no caso versado, a indagação da ocorrência de circunstâncias que possam justificar a actuação do requerido.

E, assim sendo, não se verifica a “ evidência “ exigida e pressuposta na al. a) do nº 1 do artº 120º do CPTA.

Por conseguinte, atento o acervo argumentativo de natureza jurídica que a requerente esgrime, apresenta-se claro que não é evidente a procedência da pretensão principal, inexistindo, por essa razão, fundamento para o decretamento da providência requerida a coberto da al. a), do nº 1 do artº 120º do CPTA».

Ora, esta análise acabada de transcrever não nos merece qualquer censura, pois, não detectamos nela qualquer erro de julgamento, tendo, ao invés, procedido a uma interpretação e conclusão perfeitamente compatível com a lei vigente.

Na verdade, todas as ilegalidades apontadas pela recorrente à deliberação suspendenda não resultam evidentes, flagrantes e a “olho nu” e, daí a tentativa inglória de tentar produzir prova testemunhal acerca de algumas delas; porém, como supra referimos, da análise dos autos, não vislumbramos que tal produção de prova se imponha.

E, deste modo, nenhuma das ilegalidades invocadas, se apresenta de molde a permitir o decretamento imediato da providência, na medida em que não existem sumariamente demonstrados elementos objectivos que permitam concluir pela ilegalidade ostensiva e grave que evidencie a procedência da acção principal a interpor.

Assim, considerando a exaustão das considerações efectuadas no Tribunal a quo, e o acerto das mesmas, somos a concluir que inexiste o alegado erro de julgamento na apreciação do requisito do fumus boni iuris previsto na al. a), do nº 1 do artº 120º do CPTA, estando as ilegalidades apontadas longe de ser manifestas, não sendo por isso evidente a procedência da pretensão a formular pela recorrente na acção principal.

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3. DO ERRO DE JULGAMENTO [AL. B) DO Nº 1 DO ARTº 120º DO CPTA – VERTENTE PERICULUM IN MORA]:

No âmbito desta alínea, permite-se que a providência cautelar conservatória seja concedida caso “haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal (periculum in mora) e não seja manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada ou a formular nesse processo ou a existência de circunstâncias que obstem ao seu conhecimento de mérito (fumus non malus juris)”.

Nesta análise, o requisito do fumus non malus juris [alínea b)] não é tão exigente, não impondo um juízo de certeza sobre o bom ou mau direito, sendo suficiente a formulação de um juízo negativo sobre a aparência de mau direito.

Por outro lado, através do requisito do periculum in mora, pretendeu-se impedir que durante a pendência da acção principal a situação de facto se altere e se consolide de forma a que a sentença nela proferida, sendo favorável, se esvazie de eficácia prática.

Ou seja, se se verificarem os demais requisitos para a concessão da providência cautelar, a mesma terá de ser concedida, como refere o Prof. Aroso de Almeida, in “O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos”, Almedina, 4ª edição, págs. 299 e 300 “desde que os factos concretos alegados pelo requerente inspirem o fundado receio de que, se for recusada, se tornará depois impossível, no caso de o processo principal vir a ser julgado procedente, proceder à reintegração, no plano dos factos, da situação conforme à legalidade - é este o sentido a atribuir à expressão facto consumado”.

Igualmente deverá ser concedida sempre que, não se preveja que esta impossibilidade de reintegração devido à demora do processo principal, quando os factos concretos alegados pelo requerente inspirem o fundado receio da produção de prejuízos de difícil reparação no caso da providência ser recusada e isto, quer porque a reintegração no plano dos factos se perspectiva difícil, seja porque pode haver prejuízos que, em qualquer caso, se produzirão ao longo do tempo e que a reintegração da legalidade não é capaz de reparar, total ou parcialmente – cfr. neste sentido a obra supra citada do Prof. Aroso de Almeida.

Daí que, como refere o Prof. Vieira de Andrade, in Justiça Administrativa, 8ª edição, pág. 348 “o julgador deverá fazer um juízo de prognose, colocando-se na situação futura de uma hipotética sentença de provimento, para concluir se há, ou não, razões para recear que tal sentença venha a ser inútil, por se ter consumado uma situação de facto incompatível com ela, ou por entretanto se terem produzido prejuízos de difícil reparação para quem dele deveria beneficiar, que obstem à reintegração específica da sua esfera jurídica”.

A prova, ainda que sumária, quer do fundado receio de constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação, pertencem ao requerente da providência - cfr. artº 342º, nº 1, do Código Civil.

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Aqui chegados, revertamos ao caso concreto, analisando então o periculum in mora, uma vez que o requisito do fumus non malus iuris não se mostra sindicado neste recurso jurisdicional, porque julgado verificado.

Quanto ao periculum in mora, insiste a recorrente nos argumentos apresentados ao longo do processo, referindo ainda que existe contradição na fundamentação e decisão na análise deste requisito.

Mas, mais uma vez, também este segmento do recurso se mostra votado ao insucesso.

Vejamos, então, o que a este respeito se escreveu na decisão recorrida e, apenas na vertente supra referida, dispensando-nos mais uma vez de quaisquer considerações doutrinais e jurisprudências, por abundantes nos autos:

«A requerente, neste domínio, clama que caso não seja concedida a providência (…), haverá um risco efectivo de constituição de uma situação de facto consumado ou, pelo menos, a produção de prejuízos de difícil reparação, visto que é de assumir que irá ser aberta uma vaga para preenchimento de lugar para o cargo que vinha exercendo de Assistente Graduada de Otorrinolaringologia (…), revelando-se, a partir daí, de todo em todo impossível a reintegração específica na esfera jurídica da requerente, nomeadamente, por referência ao previsto no artº 173º, nº 4 do CPTA.

Acrescenta que apenas com a suspensão dos efeitos do acto aqui em discussão se logrará impedir que a reputação profissional da requerente fique irreversivelmente afectada, visto que, um despacho da autoria do Conselho de Administração da Requerida que determina a sua imediata demissão é lesivo e atentatório da sua esfera jurídica pessoal, mais concretamente, do seu bom nome profissional. Estriba a sua tese no entendimento de que, da execução desta decisão administrativa resultam, inevitavelmente, prejuízos de natureza moral decorrentes da afectação da imagem e bom nome da requerente, que acarretam sua humilhação e perda de reputação perante os colegas, pacientes e alunos, acarretando angústia trazida pelo sentimento de injustiça, bem como nas circunstâncias de, por um lado, exercer a carreira médica na qual é essencial a transmissão de uma imagem de estabilidade, seriedade, credibilidade, perante pacientes, colegas e demais pessoal hospitalar e, por outro lado, de ser docente da Faculdade de Medicina do Porto - muito embora não exercesse este cargo por motivo de baixa por doença -, o que impõe a manutenção de uma imagem de conduta profissional irrepreensível.

Clama a requerente, portanto, que o não decretamento da presente providência suspensiva conduzirá à formulação de um juízo de censura vexatório e desprestigiante e com efeito estigmatizante.

Alega, também, a circunstância de não poder prosseguir com o Doutoramento na área da Medicina, já iniciado mas entretanto interrompido por motivo de doença.

O requerido, contrariando a postura da requerente, responde que, atenta a sua natureza jurídica e o disposto nos DL nºs 233/2005, de 29 de Dezembro e 30/2011, de 2 de Março, deixou de haver quadros de pessoal, antes existindo uma flexibilidade no número de profissionais em cada serviço em função das suas necessidades, o que implica que não haverá qualquer impedimento legal em que a mesma reassuma um lugar da sua categoria no mapa de pessoal do Serviço de Otorrino, que naturalmente será criado. Contesta, por isso, que possa ocorrer situação de facto consumado.

No tocante à reputação profissional da requerente, defende o requerido que a mesma não será afectada, visto que aquela está ausente do serviço e da Faculdade de Medicina há mais de 5 anos.

Ora, atento todo o acervo argumentativo esgrimido pelas partes e sopesando todos os elementos legais e jurisprudenciais pertinentes, é nosso entendimento que a requerente não logra provar a existência de periculum in mora.

Na verdade e em bom rigor, a requerente não invoca qualquer prejuízo concreto, para além de um alegado impedimento de execução de uma futura sentença de eventual procedência.

Com efeito, diga-se já que todos os prejuízos que a requerente alega e que se prendem com o eventual preenchimento de vaga aberta em sequência da sua demissão são hipotéticos e não passam de mera especulação, pois que dependem, em primeiro lugar, de uma sentença que julgue procedente a acção - o que não é certo - e, em segundo lugar, de não ser possível, em sede de execução de sentença de procedência do pedido, reconstituir a situação hipotética em que a requerente se encontraria.

Com efeito, para além da incerteza quanto à favorabilidade, para a requerente, da sentença que irá ser proferida em acção principal ainda a ser proposta, nada obsta, a nosso ver, à execução dessa mesma sentença, atento o teor e os efeitos do acto que ali se encontra em crise, assomando, por isso, credível a reconstituição da carreira da requerente com os inerentes efeitos a nível de vencimento.

Acrescente-se que, a tese avançada pela requerente quanto à impossibilidade de reconstituição da situação de facto no caso de ser recusado o decretamento da presente providência não se mostra coerente com o preceituado nos art.ºs 14º e 15º do Decreto-Lei nº 233/2005, de 29 de Dezembro, pois que, para os funcionários que - como no caso da requerente - pertencem ao quadro de pessoal, o seu lugar mantém-se, extinguindo-se apenas aquando da respectiva vacatura. Daí que, se a requerente obtiver a procedência da sua pretensão na acção principal que vier a propor, naturalmente que a execução de tal sentença imporá a reposição da vaga entretanto indevidamente extinta.

No que tange à invocação de que apenas com a suspensão dos efeitos do acto aqui em discussão se logrará impedir que a reputação profissional da requerente fique irreversivelmente afectada - visto que, um despacho da autoria do Conselho de Administração da Requerida que determina a sua imediata demissão é lesivo e atentatório da sua esfera jurídica pessoal, mais concretamente, do seu bom nome profissional -, bem como ao entendimento de que, da execução desta decisão administrativa resultam, inevitavelmente, prejuízos de natureza moral decorrentes da afectação da imagem e bom nome da requerente, que acarretam sua humilhação e perda de reputação perante os colegas, pacientes e alunos, acarretando angústia trazida pelo sentimento de injustiça, impõe-se referir que a requerente encontra-se afastada do serviço de otorrinolaringologia do requerido e da Faculdade de Medicina há mais de 5 anos. O que quer dizer que, não só não possui pacientes perante quem deva defender a sua reputação, como igualmente não contacta com alunos de Medicina. Com efeito, dimana claramente do probatório que a requerente não exerce prática clínica ou docência há mais de 5 anos - destaca-se que dos autos não consta qualquer alegação ou demonstração de que a requerente continue a exercer a actividade médica ou a docência noutros estabelecimentos -, o que indicia um alheamento quer da requerente quanto a eventuais pacientes e alunos, quer destes para com a requerente.

Sendo assim, não se vislumbra como pode ser afectada a reputação da requerente, ou de que modo é que a imagem de estabilidade, seriedade, credibilidade, perante pacientes, colegas e demais pessoal hospitalar é posta em causa. E o mesmo se pode afirmar no que respeita à reclamada formulação de um juízo de censura vexatório e desprestigiante e com efeito estigmatizante, bem como à circunstância de não poder prosseguir com o Doutoramento na área da Medicina, dado que, nesta parte, não cuida de demonstrar a impossibilidade de prossecução do mesmo.

Desta feita, não se verifica, pelas razões enunciadas, qualquer prejuízo de difícil reparação ou situação de facto consumado, pelo que, não se verifica o requisito enunciado no art.º 120º, n.º 1, al. b) do CPTA, relativo ao periculum in mora».

Esta análise, fundamentação e decisão não comportam em si, qualquer contradição, mostrando-se, ao invés, bem alicerçada, rebatendo cada um dos argumentos apresentados pela recorrente [e que agora são repetidos nesta sede de recurso].

É que a recorrente continua a confundir factos, com conjecturas que ela própria elabora e, talvez, só por isso, encontre contradição no decidido e supra transcrito, esclarecendo-se, desde já, que nada é alegado de concreto que permita concluir, num juízo de prognose que se verifique fundado receio de facto consumado ou prejuízos de difícil reparação, salientando-se apenas que a interpretação feita dos artºs 14º e 15º do DL nº 233/2005 de 29/12 se mostra correcta, uma vez que, fazendo a recorrente parte do quadro residual, não poderá ver a sua vaga ocupada por outrem [extingue-se apenas pela vacatura, o que significa que nada impede que a recorrente venha a ser reposicionada se assim se decidir na acção principal].

E, se por um lado, os demais factos alegados não se mostram suficientes para integrar estes requisitos, designadamente, os prejuízos de difícil reparação, por outro lado, também não se pode produzir prova testemunhal em relação a factos abstractos e meramente hipotéticos que nunca justificariam o preenchimento dos mesmos, como alegadamente, parece pretender a recorrente.

Atento o exposto e porque não se justificam quaisquer outras considerações, mantém-se, na íntegra, o decidido a este respeito na decisão recorrida.

Finalmente, quanto à violação do disposto no nº 2 do artº 120º do CPTA, mais uma vez, é patente a falta de razão da recorrente, uma vez que, a ponderação de interesses ali prevista, pressupõe o preenchimento, neste caso concreto, do disposto na al. b) do mesmo normativo, o que, como vimos, não sucedeu.

Daí que, também neste segmento nada há a apontar à decisão recorrida, inexistindo, portanto, a alegada omissão do conhecimento deste requisito.

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3 - DECISÃO:

Nestes termos, acordam, em conferência, os juízes deste Tribunal em negar provimento ao recurso.
Custas a cargo da recorrente.
Notifique.
DN.
Processado com recurso a meios informáticos, tendo sido revisto e rubricado pela relatora (cfr. artº 138º, nº 5 do CPC “ex vi” artº 1º, do CPTA).

Porto, 13 de Janeiro de 2012
Ass. Maria do Céu Neves
Ass. Carlos Carvalho
Ass. José Veloso

Rita Mourato Villaverde
nº17523
Sub-turma2