segunda-feira, 7 de maio de 2012

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo: 01187/11
Data do Acordão: 19-04-2012
Tribunal: 1 SUBSECÇÃO DO CA
Relator: RUI BOTELHO
Descritores: EXPROPRIAÇÃO POR UTILIDADE PÚBLICA
PLANO DE PORMENOR
PRINCÍPIO TEMPUS REGIT ACTUM
Sumário:I - O princípio “tempus regit actum” manda aferir a legalidade do acto administrativo pela situação de facto e de direito existente à data da sua prolação.
Nº Convencional: JSTA000P14016
Nº do Documento: SA12012041901187
Data de Entrada: 28-12-2011
Recorrente: A...
Recorrido 1: AM DO PORTO
Votação: UNANIMIDADE
Aditamento:


Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:
I Relatório
A……, com melhor identificação nos autos, veio interpor recurso da sentença do TAF do Porto, de 30.12.10, que negou provimento ao recurso contencioso de anulação que deduziu contra a deliberação da ASSEMBLEIA MUNICIPAL DO PORTO, de 27.12.2002, que declarou a utilidade pública, com carácter urgente, das expropriações necessárias à execução do Plano de Pormenor ……, na parte em que declara a utilidade pública da expropriação do seu prédio identificado nos autos.

Após convite para o efeito, o recorrente apresentou as seguintes conclusões:
1ª Dando por integralmente reproduzida a matéria de facto dada como assente pelo Tribunal a quo (a que acresce a demais realidade que resulta dos autos), importa sublinhar, como factualidade essencial a atender para o que aqui se discute, que (i) a execução do projecto imobiliário previsto no PPA já foi iniciada com a construção do novo Estádio ……, dos novos acessos rodoviários (incluindo o reperfilamento da Avenida ……) e de alguns dos edifícios programados (Estádio …… e edifícios envolventes e na Alameda ……), e que (ii) até à presente data, nem a Entidade Recorrida nem qualquer outra entidade entraram na posse, total ou parcial, da parcela expropriada, não obstante essa faculdade resultar expressamente do acto aqui impugnado, como consequência directa da ‘urgência’ da sua expropriação.
3ª O essencial desta acção e recurso: para uma adequada e efectiva tutela jurisdicional do Recorrente, mais do que escalpelizar individualmente cada um dos vícios do acto impugnado (como fez o Tribunal recorrido), importa aqui verificar, em concreto, se, decorridos 8 anos da data da publicação do acto impugnado e da expropriação do terreno do Recorrente, a fundamentação oferecida e intenções programadas/anunciadas pela Recorrida se concretizaram efectivamente no local, designadamente quanto ao previsto para a parcela expropriada (sem que daqui resulte obviamente qualquer ingerência do Julgador/Tribunais no âmbito das competências e atribuições próprias da Recorrida, ao contrário do que se pode ler na Sentença sub Judice).
3ª.1 Em nome dos princípios e fins da verdade material e da justa composição do litígio, não nos poderemos imitar a analisar separada, individual e descontextualizadamente cada um dos vícios imputados pelo Recorrente ao acto impugnado (onde, no limite e em termos exclusivamente formais, até poderá não se apurar qualquer fundamento para a anulação ou declaração de nulidade, ainda que não seja esse o caso dos presentes autos), devendo sim, à semelhança do que se prevê no âmbito da interpretação da lei (art. 9° do CC), atender-se à unidade do procedimento e acto administrativos aqui em causa, ponderando as concretas e diversas circunstâncias de facto existentes à data em que aqueles foram iniciados e praticados, e as que actualmente, decorridos 8 anos sobre essa data, se verificam no local.
3ª.2 Se, por hipótese, como considerou o Tribunal recorrido, o acto administrativo impugnado, à data e nas circunstâncias em que foi praticado, estava suficientemente fundamentado (designadamente, quanto à necessidade e urgência da expropriação, onde se invocou o campeonato europeu de futebol de 2004), já assim não se poderá concluir quando, actualmente, decorridos 8 anos desde aquela data, analisando em concreto a realidade sobre a qual aquele acto se pretendia aplicar, verificamos que a parcela expropriada ainda não foi sequer ocupada pela Recorrida ou por qualquer outra entidade, mantendo-se ainda o Recorrente ai a residir: como pode o Tribunal recorrido ignorar estes factos actuais que tornam obsoleta, irreal, desajustada e desproporcional a fundamentação inicialmente oferecida pela Recorrida aquando da prática do acto administrativo impugnado?
3ª.3 É esta unidade do acto administrativo e este contexto táctico que importa atender no julgamento do presente recurso e que o Tribunal recorrido desconsiderou, privilegiando uma justiça norteada por referências puramente formais, em prejuízo do princípio da prevalência do fundo sobre a forma e da verdade material, também designado por princípio favor actionis ou pro actione.
4ª A nulidade da Sentença recorrida por omissão de pronúncia (art. 668°. n° 1, d.. 1ª parte, do CPC, aplicável ex vi art. 1° da LPTA): o Tribunal recorrido, em violação do disposto no art. 660°, n° 2, do CPC, e não obstante terem sido dados como provados factos que as suportam de pleno, não se pronunciou acerca de todas as questões enunciadas pelo Recorrente nas suas Alegações de 10.11.2009, pelo que, por não se verificar aqui a excepção prevista no n° 2 do art. 660º, do CPC, teremos de concluir que a Sentença sub judice é nula por omissão de pronúncia nos termos do art. 668°, n° 1, d), 1ª parte, do CPC, aplicável ex vi art. 1° da LPTA.
4ª.1 As questões sobre as quais o Tribunal recorrido não se pronunciou são as seguintes: (i) em primeiro lugar, a propósito do vicio da falta de fundamentação do acto administrativo impugnado, designadamente no que se refere à urgência, necessidade, proporcionalidade e fim da expropriação desta parcela, o Tribunal recorrido nada disse quanto ao facto de as infra-estruturas e obras de reperfilamento da Avenida …… já se encontrarem executadas e de, não obstante isso, a parcela expropriada ao Recorrente, não ter, até à presente data, sido ocupada pela Recorrida ou por qualquer outra entidade, continuando, aliás, aquele a residir na moradia que aí se encontra implantada (cfr. n° 26, alíneas d. e e. das Alegações do Recorrente de 10.11.2009, bem como Facto B. dado como provado na Sentença recorrida); (ii) em segundo lugar, quanto à ilegalidade das soluções, pressupostos e fundamentação do PPA, o Tribunal recorrido também nada disse quanto àqueles mesmos factos, igualmente sublinhados a este propósito pelo Recorrente (cfr. Ponto G., designadamente o n° 58 das Alegações do Recorrente de 10.11.2009), nem quanto ao que ficou referido no Ponto G., designadamente nos n°s. 55, 58 e 59 das Alegações do Recorrente de 10.11.2009, bem como no Facto B. dado como provado na Sentença recorrida); (iii) por último, o Tribunal recorrido nada disse quanto ao imputado vício de violação de lei, traduzido no desrespeito e inobservância dos princípios da proporcionalidade e da igualdade (cfr. Ponto D. das Alegações do Recorrente de 10.11.2009).
5ª O erro de julgamento da Sentença recorrida quanto aos vícios imputados ao acto administrativo impugnado: os elementos/informações constantes do art. 10°, n° 1, do Código das Expropriações: o Tribunal recorrido errou na apreciação que fez deste vício procedimental do acto impugnado, pois, não obstante admitir que a notificação ao Recorrente da resolução de expropriar não incluiu todos os elementos/informações referidos nas alíneas do art. 10°, n° 1, do Código das Expropriações (em concreto, a alínea d.), considerou que não se tratava de uma formalidade essencial, podendo o Recorrente colmatar essa omissão da Recorrida (?!)
5ª.1 É manifestamente reprovável o entendimento do Tribunal recorrido de que a informação em falta na notificação remetida ao Recorrente, correspondente ao previsto em instrumento de gestão territorial para os imóveis a expropriar e para a zona da sua localização (alínea d. do art. 10°, n° 1, do Código das Expropriações), não constitui formalidade essencial, por o aquele poder obtê-la através da consulta do PPA.
5ª.2 O Tribunal recorrido confunde ‘formalidade essencial’ com ‘informação essencial’: a ‘formalidade essencial’ é a notificação da resolução de expropriar (art 10°, n° 5, do Código das Expropriações), enquanto que a ‘informação essencial’ corresponde ao conteúdo dessa mesma notificação e que, de acordo com o art. 10º, n° 1, do Código das Expropriações, deve conter várias menções, entre as quais, a informação do que se encontra previsto em instrumento de gestão territorial para os imóveis a expropriar e para a zona da sua localização (alínea d. deste preceito legal).
5ª.3 O que o Tribunal recorrido deveria ter verificado era se a informação omitida pela Recorrida na notificação efectuada ao Recorrente era ou não essencial, adiantando-se, desde já, que nada no art. 10°, n° 1, do Código das Expropriações, permite essa conclusão: este preceito legal suporta até conclusão diversa, sendo imperativo ao prescrever que “A resolução de requerer a declaração de utilidade pública da expropriação deve ser fundamentada, mencionado expressa e claramente as informações/elementos referidos nas várias alíneas subsequentes.
5ª.4 No limite, todas as informações/elementos referidos nas alíneas do art. 10º, n° 1, do Código das Expropriações, podem ser obtidas/conhecidas pelos administrados mediante consulta do procedimento administrativo em que se insere esta resolução de expropriar: a nota essencial está em apurar se a lei exige ou não esta referência no acto impugnado e exige. Para além de ser um elemento a considerar pelo próprio autor do acto, o legislador entendeu não ser exigível ao administrado, afectado com a expropriação que se anuncia nessa resolução de expropriar que lhe é notificada, diligenciar nesse sentido, deslocando-se aos serviços administrativos públicos das Entidades Expropriantes e consultando, as mais das vezes, documentos técnicos, com informações não imediatamente apreensíveis por todos os cidadãos (no caso concreto, a análise e compreensão de plantas do Plano Director Municipal do Porto e respectivo Regulamento, documentos que, como se sabe, envolvem as mais diversas matérias e informações, de carácter técnico). Ora, parece-nos, até por referência ao princípio da prossecução do interesse público no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos e ao princípio da colaboração de Administração com os particulares (arts. 4° e 7° do CPA, e art. 268° da Constituição), que tamanha exigência e diligência não pode ser oponível ao Administrado/Recorrente, tanto mais que é a própria lei (art. 10°, n° 1, d., do Código das Expropriações), como se demonstrou, que prescreve esta informação como obrigatória no conteúdo da notificação a efectuar ao Expropriado da resolução de expropriar.
5ª.5 No sentido da obrigatoriedade e da manifesta relevância desta informação, afastando o entendimento do Tribunal recorrido de que não se trata de “formalidade essencial”, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 28.07.2004, Processo n° 01403/02, www.dgsi.pt.
6ª. A violação do direito fundamental de propriedade privada do Recorrente em articulação com os princípios da urgência e da necessidade das expropriações por utilidade pública: ainda que se admitisse como bastante e suficiente a fundamentação oferecida pela Recorrida na Resolução de Expropriar, a verdade é que do que aí se diz não vislumbramos qualquer factualidade que justifique a urgência deste específico projecto e expropriação, limitando-se a deliberação em apreço a afirmar a declaração daquela utilidade e a qualificar esta expropriação como urgente (a única referência que é feita quanto a esta urgência é a seguinte: “Considerando a necessidade da sua execução a curto prazo, face ao programa de faseamento da execução das infra-estruturas estabelecido e, de modo a garantir a conclusão atempada destas infra-estruturas e dos equipamentos necessários é realização do «Euro 2004 - Campeonato Europeu de Futebol”).
6ª.1 De facto, (i) ‘curto-prazo’ não significa urgência; (ii) o terreno expropriado ao Recorrente não se inclui em nenhuma das 2 fases de execução das infra-estruturas, como se pode confirmar pelo ‘programa de faseamento da execução das infra-estruturas’, demonstrado na ‘Planta de faseamento da execução de infra-estruturas’, onde se previu o seguinte: “1ª Fase (a concluir até 2004); 2ª Fase (a partir de 2004)”; (iii) a parcela expropriada não foi cometida à construção das ‘infra-estruturas e dos equipamentos necessários à realização do «Euro 2004-Campeonato Europeu de Futebol” (este lote mantém-se intacto, sem qualquer ocupação ou posse, aí residindo o Recorrente! como sempre), mas sim, portanto, à construção de edifícios multiusos (habitação, comércio e serviços), com 6 pisos; (iv) ainda que esta expropriação tivesse sido pensada e fundamentada, parcialmente, para a execução de infra-estruturas ou equipamentos, a verdade é que as mesmas já foram totalmente executadas (pelo menos na parte em que poderiam determinar a expropriação desta parcela), sem que tivesse sido ocupada qualquer área do terreno do Recorrente (o que demonstra igualmente que não se verifica aqui a invocada urgência, para além da desnecessidade desta expropriação para esse efeito); (v) o Recorrente continua a residir na moradia objecto desta expropriação, sem que a Recorrida, ou quaisquer outras entidades, tenham tomado posse da mesma (decorridos que estão 8 anos desde a data da publicação da declaração de utilidade pública expropriativa).
6ª.2 Qual é, então, o fundamento para atribuir utilidade pública e urgência à expropriação da moradia do Recorrente?! Objectivamente, os destinatários do acto impugnado não conseguem, a partir do mesmo, apreender as razões determinantes e justificativas da urgência e necessidade desta expropriação, tanto mais que, em concreto e nos terrenos adjacentes, se constata que as razões invocadas pela Recorrida na Resolução de Expropriar já foram concretizadas, sem que tenha sido necessário, sequer, tomar posse administrativa da moradia e terreno expropriados, onde o Recorrente continua a viver.
6ª.3 Do mesmo modo, qual é, então, a razão para esta expropriação, quando o próprio Recorrente pode executar, por si ou por terceiros, a solução que aí se pretende executar (construção de edifício destinado à habitação e serviços)? Estando em causa um projecto que implica um especial sacrifício para o particular, amputando-se o seu direito fundamental de propriedade privada e de residência por causa que deveria ser de utilidade pública, em nome e por imperativos constitucionais, decorrentes designadamente dos arts. 62°, n° 1, e 266°, nº 2 da Constituição, impunha-se uma cabal fundamentação da opção efectuada.
6ª.4 Sublinhe-se que é, designadamente, na análise e julgamento deste vício do acto impugnado que importa, à semelhança do que se prevê no âmbito da interpretação da lei (art 9° do CC), atender à unidade do procedimento e acto administrativos aqui em causa, ponderando as concretas e diversas circunstâncias de facto existentes à data em que aqueles foram iniciados e praticados e as que, actualmente, decorridos 8 anos sobre essa data, se verificam no local: o acto administrativo até pode estar devida e/ou suficientemente fundamentado do ponto de vista da sua legalidade formal e atendendo às circunstâncias em que o mesmo foi praticado, mas se, em concreto, decorridos alguns anos desde a data da sua prática, ponderando as condições específicas e actuais do tempo em que o mesmo se aplica, se constatar que essa fundamentação não se justifica nem nunca se justificou, então deverá o intérprete/julgador, concluir pela anulabilidade ou declaração de nulidade desse acto administrativo: a realidade que se verifica à data do julgamento demonstra por si só a ilegalidade do acto, dos seus pressupostos e efeitos.
6ª.5 Foi esta unidade do acto administrativo e este contexto fáctico que o Tribunal recorrido desconsiderou, privilegiando uma justiça norteada por referências puramente formais, em prejuízo do princípio da prevalência do fundo sobre a forma e da verdade material, também designado por princípio favor actionis ou pro actione.
6ª.6 Idêntico raciocínio deve ser feito quanto à necessidade desta expropriação: se é certo que, de acordo com a fundamentação oferecida e relatório do PPA, o acto administrativo impugnado foi praticado com o fim/objectivo último de requalificação desta zona da cidade do Porto (como afirma o Tribunal recorrido), a verdade é que não nos poderemos nunca abstrair do fim concreto para o qual as diversas parcelas de terreno aí localizadas foram, efectivamente, expropriadas, pois é por referência a esse fim concreto (cuja identificação é, aliás, legalmente imposta) que se há-de apurar a legalidade do mesmo e se efectivam as mais diversas garantias dos expropriado (designadamente o direito de reversão, onde, naturalmente, se deve atender ao fim concreto que determinou a expropriação da parcela em causa; se assim não fosse, nem se compreenderiam as normas do art. 5°, n°s. 2 e 9º do Código das Expropriações).
6ª.7 O que é relevante e importa apreciar no âmbito deste recurso contencioso de anulação, em concreto quanto à necessidade da expropriação em causa, é, pois, se o destino previsto para a parcela expropriada ao Recorrente foi efectivamente concretizado ou se, pelo contrário, assim não se verificou: a admitir-se a fundamentação do Tribunal a quo, estaria aqui encontrada a solução para o incumprimento das entidades expropriantes quanto aos fins (concretos) constantes das declarações de utilidade pública expropriativas e quanto aos prazos previstos na lei para a respectiva execução e concretização, num manifesto prejuízo das garantias legais e constitucionais dos expropriados.
6ª.8 Contra o que ficou decidido na Sentença recorrida, o reparcelamento de uma zona, por si só ou em conjugação com o fim desse reparcelamento, nunca poderá constituir uma causa de utilidade pública que justifique a expropriação: expropriação para reparcelar uma zona, sem que se preveja qualquer fim concreto para a parcela em causa? Este entendimento viola o princípio da necessidade e o princípio da utilidade pública expropriativa.
6ª.9 Nestes termos, sem grande dificuldade, duas conclusões: (i) esta expropriação não era (nem é) urgente e (ii) esta expropriação não era (nem é) necessária para a construção das infra-estruturas e equipamentos invocados na Resolução de Expropriar (que já foram executados sem intervenção nesta parcela). No sentido do que aqui se defende, cfr. os diversos arestos jurisprudenciais citados nas págs. 34-36 das Alegações do Recorrente de 13.05.2011.
7ª A violação do direito fundamental de propriedade privada do Recorrente em articulação com os princípios da proporcionalidade, da protecção dos direitos e interesses legítimos do Recorrente, da igualdade e da justiça: quanto ao princípio da proporcionalidade (constitucionalmente tutelado no art. 266°, n° 2, da Constituição, e legalmente previsto no art 2° do Código das Expropriações, e no art. 5°, n° 2, do CPA), não é admissível que uma moradia particular, onde residem os seus proprietários (como a que nos ocupa), seja expropriada (i) para a construção de edifícios multiusos (habitação, comércio e serviços), que até poderiam ser promovidos pelo próprio Recorrente, para posterior venda a outros particulares, ou (ii) como forma de pagamento a uma entidade (neste caso, a Câmara Municipal do Porto) pelos investimentos que esta possa ter feito nesta zona da Cidade (designadamente nos acessos rodoviárias ao novo Estádio do B…… e aos terrenos que foram cometidos a este clube, entretanto alienados ao C……, que, por sua vez, os vendeu ao grupo espanhol D……).
Por outro lado, seriam aqui ponderáveis outras soluções, como fazer participar os proprietários das parcelas expropriadas n promoção/construção dos edifícios que se pretendem construir nas parcelas expropriadas. Só desse modo seria demonstrado o respeito pelos critérios e exigências inerentes ao princípio da igualdade e da justiça na escolha dos terrenos para a execução deste projecto expropriante.
8ª A violação dos princípios da legalidade, da prossecução do Interesse público, da tutela da confiança dos particulares na Administração Pública e da boa fé: o acto impugnado não respeita o princípio de prossecução do interesse público a que legalmente está sujeito, (i) não só porque no terreno expropriado não são (nem foram) construídas quaisquer infra-estruturas ou equipamentos públicos, mas sim edifícios de habitação e de serviços que só serão construídos no futuro para venda no mercado imobiliário privado, (ii) mas também porque esta parcela de terreno (integrada na parcela do PPA n° 9.2) foi cometida à Recorrida como forma de pagamento das infra-estruturas realizadas na zona (de que são beneficiárias, na generalidade, entidades privadas), isto é, do investimento efectuado com a aprovação e execução do PPA.
Uma expropriação não pode ser efectuada como forma de pagamento (e de realização de receitas financeiras) a uma entidade pública pelo investimento efectuado pela mesma nas infra-estruturas que nos ocupam (acessos ao novo Estádio do B…… e aos lotes para construção de edifícios particulares), em especial: (i) porque essas infra-estruturas beneficiaram, em particular, um conjunto de entidades privadas, em especial o B……, a quem foi cometida cerca de metade do total da capacidade edificativa prevista no PPA (em 14 proprietários de terrenos abrangidos por esta intervenção urbanística, apenas 3, com 74% da área, na proporção de 51% do B……, de 15% da E…… e de 8% da Câmara Municipal do Porto, foram contemplados na operação de repartição dos direitos de acordo com o previsto no art. 132° do Decreto-Lei n° 380/99, de 22 de Setembro, numa manifesta violação do disposto no art. 131°, n° 1 e n° 2, b., desse mesmo Diploma Legal), e (ii) porque deverá ser toda a comunidade a suportar esses encargos e não, em especial, o Recorrente, através da expropriação da moradia onde reside (neste sentido, sem especiais dúvidas, a jurisprudência dos nossos tribunais superiores e a melhor doutrina referidas no Doc. 1 junto às nossas Alegações de 10.11.2009).
9ª O desvio de poder e a violação dos objectivos do Plano de Pormenor ……: o principal fundamento invocado para a elaboração do PPA foi a viabilização económica de um projecto de natureza privada, isto é, a expropriação do terreno do Recorrente teve como principal e determinante fundamento a necessidade que o B…… sentiu em construir o seu estádio: para concretizar esse projecto, no âmbito do reparcelamento previsto, atribuiu-se aos restantes terrenos do B….. cerca de metade da capacidade edificativa total prevista no PPA, de modo a que este clube a pudesse vender no mercado e assim assegurar receitas para a construção do estádio (o que já se verificou, com a venda pelo B……ao C… da generalidade dos terrenos e capacidade edificativa que o PPA lhe atribuiu). É precisamente esta a justificação que resulta expressamente do 2° parágrafo, da pág. 2, do Relatório do PPA, junto como Doc. 2 à Petição de Recurso.
9ª.1 A solução projectada para o terreno onde se situa a moradia do Recorrente não se enquadra em qualquer dos objectivos previstos no Regulamento do PPA, desenvolvidos no respectivo relatório e executados através da presente expropriação: ainda que essa solução pudesse integrar-se no objectivo mais amplo do PPA (de estruturação de uma nova área urbana de usos mistos), a verdade é que este objectivo não permite fundamentar a solução urbanística prevista para o terreno do Recorrente e consequente expropriação, pois essa estruturação, como resulta também do Relatório do PPA (cfr. pág. 10 do Relatório do PPA junto como Doc. 2 à Petição de Recurso), deverá ser “conseguida através da reconversão de terrenos hoje ocupados pelas instalações do E. C. P. e de outros terrenos e edifícios desocupados”, o que, como se sabe, não é o caso deste terreno do Recorrente.
9ª 2 Também na medida em que o acto administrativo impugnado viola, por referência ao benefício alcançado para o interesse público, o principio da proporcionalidade e da justiça, revelando-se a solução preconizada pelo PPA e esta expropriação como manifestamente desrazoáveis e incongruentes, terá de se constatar que o mesmo não serve qualquer um dos fins que a própria Administração Pública cometeu a este Plano.
9ª.3 Esta apreciação e julgamento do acto administrativo impugnado não determina a violação do principio da separação de poderes, pois do que aqui se trata é sempre, e só, de apreciar a legalidade daquele acto e actuação da Recorrida, independentemente do mérito da opção adoptada. Nestes precisos termos, a título de mero exemplo, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 05.02.2009, Processo n° 0562/08 (www.dgsi.pt).
10ª A (i)legalidade das soluções, pressupostos e fundamentação do PPA: apesar de o Tribunal recorrido não tecer, de forma expressa, quaisquer considerações acerca desta questão, porque reconhecida que ficou esta extensão do julgamento a efectuar nos presentes autos, a fim de evitar desnecessárias repetições, remete-se este Venerando Supremo Tribunal de Justiça para o que se disse nas págs. 46-51 das nossas Alegações de 10.11.2009.
11ª Para além do acto impugnado, é o próprio PPA que aquele pretende executar que também não respeita as normas jurídicas aplicáveis, como se conclui do Parecer dos Professores Vieira de Andrade e Fernanda Paula Oliveira junto como Doc. 23 ao nosso Requerimento de 22.04.2008, cujas conclusões se dão aqui por reproduzidas.
Só assim decidindo será cumprido o Direito e feita Justiça.

A entidade recorrida terminou, assim, a sua contra-alegação:
a) A douta decisão recorrida não merece censura por ter julgado totalmente improcedente o recurso contencioso interposto pelo Recorrente, pois tem subjacente uma aplicação e interpretação correctas dos normativos legais em causa na situação concreta.
b) A sentença recorrida não enferma de nulidade por omissão de pronúncia, porquanto a análise feita, pelo Tribunal, do acto recorrido, que conclui pela total inexistência dos vícios ao mesmo imputados, nas suas dimensões nucleares, esgota a necessidade de analisar outras eventuais questões suscitadas pelo Recorrente, por estas não serem susceptíveis, por si só, e face à inexistência dos demais vícios alegados, de determinar a procedência do recurso contencioso.
e) Inexiste, igualmente, qualquer erro de julgamento na apreciação dos vícios imputados ao acto recorrido, pois não se mostram verificados quaisquer dos vícios imputados ao acto recorrido.
d) Não se verifica, contrariamente ao sustentado pelo Recorrente, a falta de notificação do início do procedimento administrativo e dos elementos constantes do artigo 10.º n.° 1 do Código das Expropriações, na medida em que, foi o Recorrente, efectivamente, notificado, em 30.12.2002, da resolução de requerer a declaração de utilidade pública da parcela em causa, nos termos da Proposta acto com qual se inicia o procedimento administrativo de expropriação.
e) Foram facultados ao Recorrente, com a aludida notificação, todos os elementos exigidos pelo artigo 10º, n.° 1 do Código da Expropriações (CE), posto que o elemento consagrado na alínea c) desse preceito - o previsto em instrumento de gestão territorial para os imóveis a expropriar e para à zona da sua localização, estava, como bem decidido pelo Tribunal a quo, era acessível ao Recorrente através da consulta ao PPA.
f) A ausência expressa de tal elemento na notificação em apreço tal não poderá valer como falta de notificação da resolução de requerer a utilidade pública, a qual foi oportuna e suficientemente exposta ao Recorrente.
g) O acto recorrido não padece, igualmente, de vício de forma pela alegada falta de participação na diligência de avaliação e audiência prévia, isto porque, sendo o procedimento expropriativo especial, ao mesmo não são aplicáveis as disposições gerais previstas no Código de Procedimento Administrativo CPA, concretamente os artigos 95.°, 96.°, 97º por um lado, e o artigo 100.º, por outro, desse diploma.
h) O procedimento de expropriação prevê, assim, atenta a própria natureza urgente do mesmo, formas específicas de participação dos interessados, as quais foram devidamente asseguradas no procedimento expropriativo da “parcela 12”.
i) No que concerne à alegada preterição do direito de audiência prévia, além de esta indiscutivelmente obedecer a um regime específico no âmbito do procedimento de expropriação, o que, por si só, afasta a obrigatoriedade de observância do regime previstos no artigo 100.° do CPA, certo é que ainda que se entenda que tal diploma é igualmente aplicável neste domínio, o que apenas se concede por mera hipótese de raciocínio, certo é que a mesma seria sempre dispensável, nos termos o disposto no artigo 103.°, n.º, a) do CPA, por razões de urgência da decisão.
j) Não estava a autoridade recorrida obrigada a observar o disposto nos artigos 95.°, 96.° e 97.°, e, bem assim, no artigo 100.°, todos do CPA.
k) O acto recorrido não padece de falta ou insuficiência de fundamentação.
1) O Plano de Pormenor …… foi aprovado com vista ao desenvolvimento de um projecto urbano de intervenção na zona ……, para reabilitação de uma vasta área da cidade e realização das infra-estruturas indispensáveis ao Euro 2004.
m) O aludido Plano tenha embora na sua génese a necessidade de assegurar as infra-estruturas necessárias ao evento desportivo em causa, visava, igualmente, como se refere no respectivo Relatório estabelecer “uma estrutura de espaços públicos diversificados e o redesenho da malha urbana circundante...”
n) A expropriação da “parcela 12”, uma vez que se insere na área abrangida por esse plano, é necessária à execução do mesmo, concretamente ao reperfilamento da Avenida …… e ao reparcelamento aí previsto, e, como tal, à reabilitação urbana dessa zona da cidade
o) Na notificação da resolução de expropriar, foram integralmente juntas as propostas 103/02/DMS e l57/03/DMS, das quais consta a fundamentação bastante dessa resolução e o mesmo se diga em relação à deliberação da Assembleia Municipal, de 27.12.2002, que, em conjunto com a proposta anexa OF/677/0/DMS fundamenta expressa e devidamente, tanto de facto como de Direito, o acto que declara a utilidade pública das expropriações necessárias à execução do Plano de Pormenor …… e atribuição do carácter de urgência à mesma.
p) Encontram-se escrupulosamente cumpridos o artigo 125.° do CPA, bem como o 10.º e 13.°, n.° 1 do CE, tendo sido dado ao Recorrente conhecimento das razões que estiveram na base da expropriação, na sua globalidade, o que lhe permitia, querendo, impugnar o acto, como aliás veio a suceder, escopo que a obrigação legal de fundamentação dos actos visa, precisamente garantir, e que, in casu, foi indubitavelmente assegurado.
q) A atribuição de carácter urgente à expropriação, resulta de forma cristalina do teor da Proposta n.° 103/02/DMS, em que se invoca a “necessidade de execução a curto prazo, face ao programa de faseamento da execução das infra-estruturas e dos equipamentos necessários à realização do Euro 2004”.
r) A urgência do procedimento expropriativo em causa e, por inerência, da parcela 12 em causa está devidamente fundamentada, em cumprimento do disposto no artigo 15.° do CE.
s) É inquestionável a urgência da expropriação, na sua globalidade, e em concreto em relação à parcela 12, porquanto a mesma se revelava necessária, em primeira linha, à execução da sobras necessárias à realização do “Euro 2004” e, em segunda linha, da revitalização da malhar urbana daquela zona da cidade
t) A expropriação era necessária como meio para proceder à revitalização da cidade aprovada através do Plano de Pormenor ……., justificada pela importância dessa zona como nova centralidade da cidade, a qualificar em termos urbanísticos e ambientais, a par, naturalmente, de ser também um meio para execução das infra-estruturas do “Euro 2004”.
u) Tal intervenção pressupôs uma alteração fundiária de toda a área através de um processo de reparcelamento, para o qual foram necessários todos os terrenos da área, em que se inclui a “parcela 12”, com vista à criação de novos traçados de vias de circulação, reperfilamento dos existentes, criação de espaços verdes e outros espaços públicos e de novas zonas habitacionais e de comércio, exigências que obrigavam e legitimavam, ao abrigo do disposto no artigo 128.°, n.° 1 do DL 380/99, de 22.09, a Recorrida a expropriar os terrenos necessários para o efeito, entre os quais a “parcela 12”, inexistindo, destarte, qualquer violação dos princípios da necessidade e da proporcionalidade como pretende fazer crer o Recorrente.
v) Finalmente, inexiste qualquer desvio de poder ou violação dos objectivos do Plano de Pormenor ……, porquanto não se poderá perder de vista que, embora o Plano em causa tenha tido subjacente, em primeira linha, a necessidade de construção de infra-estruturas para realização do “Euro 2004”, o que é certo é que o mesmo foi também motivado, como resulta de forma clara e inequívoca do teor do mesmo, do respectivo relatório, das propostas subjacentes à DUP e demais elementos do processo administrativo junto autos, pela requalificação dessa zona da cidade, um interesse público de inquestionável relevância.
w) Como bem se refere na douta sentença recorrida, “sem prejuízo de se poder afirmar que a construção do estádio é o elemento catalizador da transformação (...), o PPA traduz algo bem maior do que a vontade do B...... em construir um novo estádio (...) Com efeito, e como que aproveitando esta deixa e bem assim o congregrar de esforços potenciado por um evento como o Euro 2004 (...) a Câmara Municipal do Porto decidiu levar a cabo um projecto urbano de intervenção, de grandes dimensões na zona ……, reabilitando uma vasta área, onde se localiza o Estádio ……, diversas unidades industriais, algumas das quais obsoletas, terrenos camarários e terrenos privados em abandono.”
x) São, de facto, interesses públicos os visados pelo PPA, os quais estão suficiente, necessária e expressamente enunciados no mesmo e foram devidamente ponderados para efeitos da decisão de enveredar pelo processo expropriativo, limitando os direitos de propriedade envolvidos, por razões de superior interesse público e não por mera arbitrariedade ou favorecimento de interesses, como veiculado pelo Recorrente.
y) Pelo exposto, andou bem o Tribunal a quo no julgamento efectuado da causa, não podendo ser apontado qualquer vício à decisão recorrida, motivo pelo qual deverá improceder o recurso interposto.
Termos em que, julgando-se improcedente o recurso, se fará inteira Justiça!

E respondeu às conclusões apresentadas pelo Recorrente da seguinte forma:
1. O Plano de Pormenor …… (PPA) prevê uma execução em duas fases - uma anterior e outra posterior ao Euro 2004 -, sendo certo que desde o início da respectiva execução até ao presente, o mesmo tem vindo a ser executado, apenas no se encontrando concluída a sua execução,
2. Quer pela complexidade jurídica e material dessa execução, nomeadamente pela extensão da área abrangida, quer pelos investimentos que a mesma implica.
3. O PPA corresponde, portanto, a uma “obra contínua” na acepção do n.° 3 do artigo 5.° do Código das Expropriações, de execução faseada no tempo e que nunca poderia ser levada a cabo de forma instantânea, em relação a todas as parcelas expropriadas
4. Aliás, no caso do recorrente, se outra razão não houvesse, sempre se mostraria justificada a prudência acrescida do Município, em avançar com as obras de construção que determinaram a expropriação da parcela em causa, face à circunstância de o mesmo residir, à data da DUP, nessa parcela, que exigiu, necessariamente, uma maior cautela, cm respeito pelos direitos fundamentais implicados.
5. De lembrar, por outro lado, o contributo do próprio recorrente no facto de não terem ainda sido concretizadas as operações necessárias à afectação da parcela em causa ao fim que motivou a expropriação, pela oposição ao processo expropriativo, em sede judicial, com a delonga daí decorrente.
6. Isto posto, o hiato de tempo decorrido desde a DUP que o Recorrente pretende ver anulada, até à data, e o facto de ainda não terem sido executadas as obras previstas para a dita parcela, não permitem, por si só, concluir pela desnecessidade e ausência de fundamentação da expropriação da mesma.
7 A parcela n.° 12 é, de facto, absolutamente essencial para a concretização do PPA, concretamente para o reperfilamento da Av. …… e à conclusão da construção da Alameda ……, e, bem assim, para a constituição da parcela 9.2 do PPA que aquela parcela integra, imprescindível para a operação de reparcelamento inerente à execução do PPA.
8. Face ao exposto, e atendendo a que não se mostram verificados quaisquer dos vícios imputados ao ato impugnado, deverá o recurso interposto ser julgado totalmente improcedente, confirmando-se a douta sentença recorrida, assim se fazendo inteira Justiça!”

O Magistrado do Ministério público junto deste Tribunal emitiu o seguinte parecer:
1. O presente recurso jurisdicional vem interposto da sentença do TAC do Porto que negou provimento ao recurso contencioso interposto da deliberação da Assembleia Municipal do Porto de 27.12.2002, publicada no D.R. II série de 5.2.2003, na parte em que declarou a utilidade pública de expropriação do prédio do recorrente - parcela 12. Alega o recorrente que a sentença é nula por omissão de pronúncia, imputando-lhe, ainda, erro de julgamento na análise de vários vícios que por ele eram apontados ao acto deliberativo e de que a mesma sentença conheceu.
1.1. Quanto à invocada nulidade, a sentença não terá conhecido do vício de violação dos princípios da proporcionalidade e da igualdade, bem como das matérias que refere nos pontos A. 11 e A. 12 da sua alegação (conclusões 4 e 4.1.).
Cremos que não tem razão. No que respeita a estas últimas matérias as mesmas consubstanciam meros argumentos ou razões aduzidas com vista à procedência dos vícios invocados, pelo que não consubstanciam questões de que o Tribunal devesse conhecer nos termos do art. 660° do CPC. Quanto ao vício referido acima, a sentença efectivamente conheceu do mesmo, quando apreciou a questão da desnecessidade da expropriação (ponto 2.B).
2. Quanto ao erro de julgamento na análise dos vários vícios que eram imputados ao acto há que dizer o seguinte:
De acordo com o disposto no art. 57° da LPTA há que analisar prioritariamente as invocadas ilegalidades de natureza material. A declaração de utilidade pública da expropriação da parcela em causa veio dar execução ao Plano de Pormenor …… (PPA), como refere a própria deliberação impugnada.
Não acompanhamos o recorrente no tocante ao alegado desvio de poder. Com efeito, tendo em consideração o relatório do Plano de Pormenor …… (PPA), nomeadamente no que diz respeito à zona da Avenida …… e Alameda …… (aqui em causa), parece-nos minimamente sustentável a versão da entidade recorrida, no tocante a esta parte, ao alegar que embora o Plano de Pormenor …… tenha tido subjacente, em primeira linha, a necessidade de construção de infra-estruturas para a realização do “Euro 2004”, o que é certo é que o mesmo foi também motivado pela requalificação dessa zona da cidade. Assim, à partida, não estaria excluída a prossecução de um interesse público.
Já no tocante ao vício de violação do princípio da proporcionalidade e do vício de violação do direito fundamental de propriedade privada, parece-nos que assistirá razão ao recorrente. Como se extrai da planta de fls. 76 dos autos, respeitante ao Plano de Pormenor ……, a área respeitante à parcela em causa está dentro da área de intervenção do PPA e integrará uma zona mista, a que alude o art. 8°. Alínea a) do Regulamento do PPA, publicado no DR II SERIE de 29.07.2002. O Executivo Municipal (cfr. sentença a fls. 1016 dos autos) em reunião de 16.04.2002, transmitida ao ora recorrente pelo oficio n° 11/02/DMPDM, datado de 22.04.2002, reconheceu a desnecessidade de demolição das moradias, onde se insere a do recorrente, para a abertura da Alameda ……. Adiante-se que das várias plantas constantes dos autos e do processo instrutor conclui-se que a moradia do recorrente se situa junto à confluência da Av. …… e a Alameda …… .
Por outro lado, das plantas de fls. 75 e 76 dos autos não se extrai que o reperfilamento desta avenida e a abertura de entradas para o túnel da Alameda obrigassem à demolição da moradia em causa. Aliás, como se pode facilmente observar da imagem de satélite, via Internet, nomeadamente através de serviço de pesquisa “maps.google.pt”, houve já lugar ao reperfilamento dessa avenida, bem como à construção do túnel ……, não obstante a moradia em questão ainda não ter sido demolida. Acresce que o prédio urbano pertencente ao ora recorrente, composto de cave, rés-do-chão e andar com logradouro, encontra-se habitado e em bom estado de conservação, não carecendo de reabilitação - cfr. pontos A e B da matéria de facto.
Nestes termos, opções como a consagrada no PPA, de demolição de casas de habitação, em bom estado de conservação, para proceder a edificações novas, com expropriação dos lotes dos proprietários iniciais, afastada que se mostra qualquer necessidade de requalificação urbanística, afigura-se-nos desnecessária e desadequada, violadora do princípio da proporcionalidade e do direito fundamental de propriedade privada. E esta ilegalidade do PPA transmitiu-se à deliberação impugnada.
3. Como assim, somos de parecer que deverá ser concedido provimento ao recurso jurisdicional, concedendo-se igualmente provimento ao recurso contencioso com anulação da referida deliberação.

Sem vistos, mas com distribuição prévia do projecto de acórdão, cumpre decidir.

II Factos

A sentença recorrida deu como assente a seguinte factualidade:
A. A aquisição do prédio urbano composto de casa de cave, rés-do-chão e andar com logradouro, com a área coberta de 92 m2 e área descoberta de 200 m2, situado na freguesia de …… - Avenida ……, 11.0 1668, na cidade do Porto, descrito na 12 Conservatória do Registo Predial do Porto sob o 2283/19971218, inscrito na matriz predial urbana com referência à aludida freguesia sob o artigo n.° 6083 mostra-se registada a favor do Recorrente - cfr. fls. 13 do PA junto aos autos.
B. A edificação existente no referido prédio encontra-se habitada e em bom estado de conservação, não carecendo de reabilitação - facto alegado pelo Recorrente e não impugnado e fls. 82 e 83 dos autos.
C. Com data de Outubro de 2001, foi elaborada “Informação” da autoria de F……, Lda, referente à parcela n.° 12, constando como proprietário o Recorrente, com o seguinte teor: “(...) 4 - Objectivos: Pré-negociação para aquisição por via do direito privado. (...)“Anexo a tal informação consta “Telefax” dirigido àquela empresa, tendo como remetente G……, advogado, com o seguinte teor: “(...) Ass.: Acesso ao estádio . - aquisição da parcela n.° 12 M” constituinte: A…… Exm.° Sr. Eng.° Os meus melhores cumprimentos. Na sequência da reunião havida nessa empresa em 05.NOV 2001, venho informar V Exa para os devidos efeitos que o m/ constituinte não está disponível nem interessado em negociar o prédio de sua propriedade, nem tão pouco lhe interessa considerar qualquer solução alternativa de realojamento ou substituição. (…)” - cfr. fls. 2 a 5 do PA junto aos autos.
D. O PPA foi aprovado por deliberação da Assembleia Municipal do Porto de 29.04.2002, e publicado pela Declaração n.° 236/2002 (2ª série), da Direcção-Geral do Ordenamento do Território e Desenvolvimento Urbano (D.G.O.T.D.U.), no Diário da República, II Série, n.° 173, de 29.07.2002 - cfr. fls. 52 do PA junto aos autos.
E. O Relatório do PPA tem o seguinte teor: “(...)A Câmara Municipal do Porto decidiu levar a cabo um projecto urbano de intervenção, de grandes dimensões, na zona … … reabilitando uma vasta área onde se localiza o Estádio ……, diversas unidades industriais, algumas das quais obsoletas, terrenos camarários e terrenos privados em abandono. O elemento dinamizador desta transformação foi a necessidade, sentida pelo B……, de construir um novo estádio de futebol, reconhecida a sua desadequação aos actuais parâmetros internacionais dos grandes recintos desportivos e viabilizando economicamente essa operação, através do aproveitamento imobiliário dos terrenos de sua propriedade, não utilizados para a construção do novo estádio. (...) 2.1.4.2. Avenida …… Importante eixo estruturador na zona Nordeste, foi sendo feito o seu prolongamento sucessivo para norte, daí apresentar ao longo do seu traçado diferentes características morfológicas. Define, sobretudo a Poente do Estádio, um importante sector residencial da Cidade, da classe média e alta, com uma estrutura urbana de média densidade. Em geral casas isoladas de dois ou três pisos com jardim, espaços de circulação claramente definidos, constituindo a Praça Francisco Sá Carneiro, um espaço público agregador, núcleo social, de comércio e serviços importante. A Norte do Estádio, apresenta uma tipologia de habitação de carácter cooperativista dos anos 70, composta por edifícios de 5 ou mais pisos, ocupado por actividades económicas de apoio aos residentes dos blocos (Cooperativa ……). (...) 3.1. Objectivos Tendo em conta as directivas expressas pela C.M do Porto, os diversos interesses em jogo e a análise da situação no terreno, foram definidos como objectivos a atingir pelo Plano, os seguintes: - Implantar o novo estádio, tendo em conta as valências urbanas deste novo tipo de equipamento, a pressão que vai gerar sobre os acessos e o estacionamento automóvel, o impacto visual do grande volume de construção, mas, acima de tudo, que o processo de renovação que essa implantação origina contribua para “coser” as malhas urbanas envolventes através dos novos espaços públicos a criar e da nova estrutura viária; - Localizar na zona …… dois outros equipamentos de grande capacidade de atracção, um pavilhão multiusos e uma superfície comercial de média dimensão, que contribuam para acentuar a sua centralidade; Estruturar uma nova área urbana de usos mistos - residência, comércio e serviços - que será conseguida através da reconversão dos terrenos hoje ocupados pelas instalações do F.C.P. e de outros terrenos e edifícios desocupados; - Estabelecer uma estrutura de espaços públicos diversificados, centrada no novo estádio, que assegure novas ligações urbanas com os bairros envolventes, nomeadamente ……., ……. e ……, rompendo com a barreira da VCI; - Estruturar uma nova rede de espaços e corredores verdes, que façam a ligação entre a estrutura verde existente e um conjunto de novas zonas e percursos verdes a criar; - Melhorar a acessibilidade e a circulação na Área de Intervenção, em especial na relação da rede local com a rede primária da cidade, aproveitando a rede viária a criar na A.L para melhorar a ligação entre zonas do tecido urbano da cidade, que actualmente sofrem de importantes descontinuidades;(...) Na atribuição das parcelas seguiram-se os seguintes critérios, limitados à disponibilidade de parcelas com dimensão adequada ao direito de edificabilidade de cada proprietário: - reduzir ao mínimo a subdivisão das malhas em parcelas e lotes, deixando aos proprietários a máxima liberdade para lotear de acordo com as suas conveniências; - atribuir os direitos de edificação, quando possível, na parcela original de cada proprietário. O quadro “Atribuição dos direitos de edificação” regista, para cada prédio, o direito de edificação e a parcela ou parcelas a atribuir a cada proprietário para satisfazer esse direito. Por várias razões, nomeadamente os reduzidos direitos de edificabilidade de alguns proprietários, a decisão de não subdividir todas as parcelas até à menor expressão, o lote, deixando algum grau de flexibilidade aos proprietários nessa operação e, finalmente, a impossibilidade de definir lotes de acordo com os direitos edificatórios, registam-se algumas diferenças, para mais ou para menos, entre o valor atribuído e o direito edificatório de cada proprietário. Por outro lado, pelas mesmas razões apontadas atrás e, também, por já decorrerem negociações entre a Câmara Municipal do Porto e alguns proprietários com vista à aquisição ou permuta de terrenos, não foi atribuída área de construção a alguns proprietários (Quadro “Proprietários não incluídos”). Os direitos de edificabilidade destes proprietários totalizam 24 411 m2. (...) Como resultado do pagamento à autarquia dos custos das infraestruturas por ela construídas, acrescido dos direitos dos proprietários não incluídos, resulta que revertem para o município as parcelas não atribuídas conforme quadro “Parcelas a utilizar pela C.MP. para implementação do Plano” as quais totalizam 108 261 m2. - cfr. fls. 48 a 74.
F. Do Relatório, relativamente à operação de reparcelamento, consta um quadro intitulado “Proprietários não incluídos “, integrando o mesmo o lote 11, correspondente à parcela n.° 12 - cfr. fls. 72 dos autos.
G. Do Relatório consta ainda o seguinte teor: “Apresenta-se de seguida um resumo dos dados quantitativos referentes ao reparcelamento:
1. Edificabilidade total do Plano…………………… 381 106 m2
2. Direitos de Edificabilidade – Total …………… 396 321 m2
3. Direitos de edificabilidade corrigidos………… 299 885 m2
4.Direitos de edificabilidade para pagamento de infraestruturas … Total (2-3) 96 436 m2
5. Direitos atribuídos ……………………………… 272 979 m2
6.Proprietários não incluídos (Direitos de edificabilidade) ……27 053 m2
7. Área edificável a gerir pela C.M.P … 108 261 m2 (para custear as infraestruturas e indemnizar os proprietários não incluídos)” – cfr. fls. 73 dos autos.
H. O PPA define a nova parcela 9.2, localizada em parte dos terrenos antigos designados no PPA por L9, L10, L11 e L12, correspondendo ao antigo terreno L11 a parcela identificada com o n.° 12 na “Planta Cadastral” relativa às expropriações necessárias à execução do PPA - cfr. fls. 81 dos autos.
I. Da planta denominada CKU 041 SE - “Planta de reparcelamento” - que integra o PPA decorre que a parcela 9.2 foi atribuída à Câmara Municipal do Porto para a implementação do plano - cfr. fls. 158-C dos autos.
J. Da planta denominada CKU 042 ED - “Planta de trabalho - zona norte” - que integra o PPA decorre que a parcela n.° 12 ocupa área para a qual se prevê a demolição - cfr. fls. 158-B dos autos.
K. Da planta denominada CKU 044 EA - “Planta de faseamento da execução de infraestruturas” - que integra o PPA decorre que a parcela n.° 12 apenas está abrangida pela área assinalada com a referência “1ª Fase (a concluir até 2004)” quanto à operação de reperfilamento da Avenida …… . - cfr. fls. 75 dos autos.
L. Da planta denominada CKU 001 EE - “Planta de implantação” - que integra o PPA decorre que a parcela n.° 12 se enquadra na denominada “zona mista” - cfr. fls. 76 dos autos.
M. Em 22.11.2002, foi aprovada, em reunião de câmara, a proposta n.° 103/02/DMS, no sentido da aprovação da planta cadastral e quadro identificativo anexo das expropriações necessárias à execução do PPA - de onde consta a parcela n.° 12, correspondente ao prédio propriedade do Recorrente, com a área de 370 m2 - e do requerimento à Assembleia Municipal da declaração de utilidade pública urgente das expropriações necessárias à execução daquele plano - cfr. fls. 42 a 47 dos autos.
N. Com data de 26.11.2002, foi subscrita pelo Director do Departamento de Planeamento e Gestão Urbanística da Câmara Municipal do Porto, com a referência OF/618/02/DMS, carta com o seguinte teor: “A Câmara Municipal do Porto, nos termos do estabelecido na alínea e) do n.° 7 do art.° 64° da Lei n.° 169/99, de 18 de Setembro, alterada pela Lei n.° 5-A/2002, de 11 de Janeiro, vem, em cumprimento do disposto no n.° 5 do artigo 10.º do Código das Expropriações (Lei n.° 168/99, de 18 de Setembro alterada pela Lei n.° 13/2002, de 19 de Fevereiro), notificar V. Ex. a que, em reunião do Executivo Municipal de 12 de Novembro de 2002 foi deliberado requerer a declaração de utilidade pública com carácter de urgência da parcela em assunto [parcela n.° 12], identificada no quadro em anexo e necessária à execução do Plano de Pormenor ……. “ - cfr. fls. 19 do PA junto aos autos.
O. Em anexo à carta de fls. 19 do PA junto aos autos, consta documento intitulado “Proposta n.° 103/O2/DMS”, com o seguinte teor: “Considerando que o Plano de Pormenor …… (...) procede à transformação da situação fundiária da sua área de intervenção estabelecendo uma estrutura de espaços públicos diversificados e o redesenho da malha urbana circundante e, assegurando a articulação com os bairros envolventes e a acessibilidade e circulação em toda a área, no respeito pelas Normas Provisórias (...); Considerando que cabe à Câmara Municipal do Porto a iniciativa da sua execução procedendo, com a colaboração das entidades públicas e privadas, à realização das infra-estruturas e dos equipamentos de acordo com o interesse público e os objectivos e prioridades estabelecidas no plano; Considerando a necessidade da sua execução a curto prazo, face ao programa de faseamento da execução das infra-estruturas estabelecido e, de modo a garantir a conclusão atempada destas infra-estruturas e dos equipamentos necessários à realização do “Euro 2004 - Campeonato Europeu de Futebol”; Considerando que as parcelas delimitadas a carmim na planta junta e identificadas no quadro anexo se encontram totalmente integradas na área de intervenção delimitada pelo Plano de Pormenor …… e são imprescindíveis à sua execução; Considerando ainda que a previsão dos encargos a suportar com a expropriação destas parcelas se estima no montante global de Euros: 3.139.425,01 (três milhões, cento e trinta e nove mil, quatrocentos e vinte e cinco euros e um cêntimo); (...)“, nos termos da qual se propõe que “(...) nos termos da alínea c) do n.° 7 do art. 64.º da Lei n.° 169/99, de 18 de Setembro, alterada pela Lei n.° 5-A /2002, de 11 de Janeiro, seja requerida à Assembleia Municipal do Porto a declaração de utilidade pública urgente das expropriações necessárias à execução do mencionado empreendimento (..)“ bem como quadro com identificação das parcelas a que se refere, nomeadamente a parcela n.° 12, a qual aparece associada ao nome do Recorrente, e com a indicação dos encargos a suportar com as expropriações - cfr. fls. 20 a 27 do PA junto aos autos.
P. Por deliberação de 27.12.2002, publicada no Diário da República, Apêndice n.° 21.11 Série, n.° 30, de 05.02.03, a pedido da Câmara Municipal, a entidade recorrida declarou a utilidade pública e atribuiu carácter urgente à expropriação das parcelas identificadas e assinaladas no quadro e planta anexos, entre as quais se inclui a parcela n.° 12, com vista à execução do PPA. Tal deliberação foi tomada ao abrigo dos artigos 1º, 12.°, 14.°, n.°s 2 e 3, e 15.°, CE, aprovado pela Lei n.° 169/99, de 18 de Setembro, do artigo 128.°, n.° 1, do Decreto-Lei n.° 380/99, de 22 de Setembro, do artigo 53.°, n.° 1, alínea r), da Lei n.° 169/99, de 18 de Setembro, alterada pela Lei n.° 159/99, de 14 de Setembro, e tem os fundamentos de facto e de direito expostos no Of/676/02/DMS - cfr. fls. 51 a 55 do PA junto aos autos.
Q. Em 30.12.2002, o Recorrente teve conhecimento de carta que lhe foi dirigida, subscrita pelo Director do Departamento de Gestão Urbanística da Câmara Municipal do Porto, com a referência OF/696/02/DMS, do seguinte teor: “Em cumprimento do disposto no n.° 5 do artigo 10.º do Código das Expropriações (Lei n.° 168/99, de 18 de Setembro), serve o presente para notificar V. Ex. a do teor da Proposta n.° 157/02/DMS aprovada em reunião camarária de 17 de Dezembro de 2002, que rectificou a resolução de requerer a declaração de utilidade pública com carácter de urgência das expropriações necessárias à execução do Plano de Pormenor ……, aprovada pela Proposta n.° 103/02/DMS em reunião camarária de 12 de Novembro de 2002. “- cfr. fls. 28 e 29 do PA junto aos autos.
R. Em anexo à carta de fls. 28 e 29 do PA junto aos autos, consta documento intitulado “Proposta n.° 157/02/DMS”, nos termos da qual se propõe que “(...) nos termos da alínea c) do n.° 7 do art. 64.º da Lei n.° 169/99, de 18 de Setembro, alterada pela Lei n.° 5- A/2002, de 11 de Janeiro, seja requerida à Assembleia Municipal do Porto a declaração de utilidade pública urgente das expropriações necessárias à execução do mencionado empreendimento (...)“ bem como quadro com identificação das parcelas a que se refere, nomeadamente a parcela n.° 12, a qual aparece associada ao nome do Recorrente, e com a indicação dos encargos a suportar com as expropriações, proposta esta que veio rectificar o conteúdo de outra anterior na medida em que veio incluir duas parcelas na planta cadastral relativa às expropriações necessárias à execução do PPA. - cfr. fls. 30 34 do PA junto aos autos.
S. Com data de 04.02.2003, foi subscrita pelo mandatário do Recorrente em sua representação carta dirigida ao Presidente da Câmara Municipal do Porto, nos termos da qual se requer o seguinte:
a. Esclarecimento sobre a necessidade da expropriação da parcela n.° 12 para a execução das infra-estruturas previstas no PPA a curto prazo, designadamente para a realização do Euro 2004 - Campeonato Europeu de Futebol;
b. Informação sobre se a parcela n.° 12, no âmbito da expropriação de que é objecto, irá ser adjudicada à Câmara Municipal do Porto ou a terceiros (entidades públicas ou privadas) e, neste último caso, a identificação do adjudicatário, caso o mesmo já seja conhecido;
c. Informação sobre se as obras de construção dos edifícios aí previstos serão promovidas pela Câmara Municipal do Porto ou por terceiros e calendarização prevista para tais obras;
d. Informação sobre se tais edifícios serão utilizados pela Câmara Municipal do Porto ou por qualquer outra entidade pública municipal ou se serão comercializados no mercado imobiliário - cfr. fls. 77 a 79 dos autos.
T. Em 28.02.2003, o Recorrente teve conhecimento de carta que lhe foi dirigida, subscrita pelo Director Municipal de Planeamento e Gestão Urbanística da Câmara Municipal do Porto, com o seguinte teor: “A Câmara Municipal do Porto vem, em cumprimento do disposto nos artigos 17°, n.° 1, 20. °, n.° 1, al. a), 21. n.° 1, todos do Código das Expropriações, aprovado pela Lei n.° 168/99, de 18 de Setembro, notificar V. Exa(s) que, por deliberação da Assembleia Municipal do Porto de 27 de Dezembro de 2002, publicada no D.R. n. ° 30 (Apêndice n.° 21), II Série, de 5 de Fevereiro de 2003, foi declarada a utilidade pública com carácter urgente das expropriações necessárias à execução do Plano de Pormenor ……, nas quais se inclui a parcela n.° 12 de que V. Ex.a(s) é proprietário. (...) “- cfr. fls. 41 dos autos.
U. Com data de 03.04.2003, o Director Municipal de Planeamento e Gestão Urbanística subscreveu carta dirigida ao mandatário do Recorrente com o seguinte teor: “Como se pode verificar das plantas que acompanham o Plano de Pormenor ……, (...) nomeadamente do desenho CKU 041 EE “Planta Reparcelamento” e do desenho CKU 042 ED, “Planta Trabalho - Zona Norte “, parte da parcela identificada com o 12 na Planta Cadastral relativa às expropriações necessárias à execução do mencionado Plano é abrangida, a Poente, pelo Reperfilamento da Av. …… (domínio público resultante do reparcelamento). Como se ver verifica ainda do desenho CKU 044 EA, “Planta de Faseamento da Execução de Infra-estruturas “, o Reperfilamento da Av. …… está incluído na primeira fase, pelo que deverá estar concluído até 2004. O Plano prevê na parte da parcela não utilizada com esta infra-estrutura, a edificação de zona mista (comércio, habitação e serviços). (...) O Plano define a nova parcela 9.2, localizada em parte dos terrenos antigos designados no plano por L9, L10, LV e L12 (ao antigo terreno L11 corresponde a parcela identificada com o n.° 12 na Planta Cadastral relativa às expropriações necessárias à execução do PPA) e destinada a edificação (zona mista). Esta nova parcela 9.2 foi atribuída à Câmara Municipal do Porto para a implementação do Plano (veja-se o quadro “parcelas a utilizar pela C.MP. para a implementação do Plano”- cfr. Planta de Reparcelamento - Desenho CKU 041 EE). (...) Nesta data, não foi ainda definido o procedimento que permita esclarecer Vossas Ex.ªs das questões enunciadas nos pontos c. e d. da Vossa comunicação de 04/02/2003, designadamente, sobre se será a Câmara Municipal do Porto a promover as obras de construção da parcela 9.2 ou se esta parcela será alienada pela C.MP. em hasta pública, de acordo com o previsto no n.° 3 do art. 129° do DL n.° 380/99, de 22 de Setembro. “- cfr. fls. 80 a 81 dos autos.
V. No âmbito do processo de discussão pública do Plano de Pormenor ……, foi contestada pelo ora Recorrente e outros, a necessidade de demolição de um conjunto de moradias com frente para a Av. ……, que fazem parte da Unidade de Execução 2, para a realização do PP, uma vez que as mesmas não constituem obstáculo à abertura da Alameda ……, tendo o Executivo Municipal, na sua reunião de 16.04.2002, decidido aquelas “sugestões/reclamações” mediante a “resposta” constante do “Relatório da Discussão Pública”, transmitida ao ora Recorrente pelo oficio nº 1 1/02/DMPDM, datado de 22.04.2002, “resposta” essa do seguinte teor:
Os moradores têm razão no que estritamente à Alameda diz respeito.
No entanto, a construção dos túneis de acesso à dita Alameda, elementos essenciais do plano, obriga ao alargamento da Av. …… para cima dos logradouros das referidas moradias e necessariamente à sua demolição” (fls. 398-399 dos presentes autos).
W. O Recorrente interpôs o presente recurso contencioso de anulação em 28.04.2003 - cfr. fls. 2 dos autos.

III Direito

1. Importa, antes de mais, objectivar com clareza aquilo que está em causa. Em primeiro lugar, o objecto do recurso contencioso é tão só e apenas a deliberação da ASSEMBLEIA MUNICIPAL DO PORTO, de 27.12.02, que declarou a utilidade pública, com carácter urgente, das expropriações necessárias à execução do Plano de Pormenor ……., na parte em que declara a utilidade pública da expropriação do prédio do recorrente, identificado nos autos, que o integra (estando assente que o prédio do recorrente faz parte da intervenção e da planta sobre que incide o plano de pormenor em apreço no desenvolvimento dos seus objectivos essenciais, a necessidade ou desnecessidade da expropriação da parcela do recorrente não pode ser avaliada neste recurso, mas apenas na impugnação do próprio Plano onde a parcela foi incluída. De resto, a pluralidade de razões que presidiram à elaboração do Plano estão enunciadas no seu Relatório, que integra a alínea E. dos factos provados, e visaram essencialmente o seguinte: (i)a construção de um estádio de futebol, (ii)localizar na zona um pavilhão multiusos e uma grande unidade comercial, (iii)estabelecer uma nova estrutura de espaços públicos diversificados, centrada no novo estádio, (iv)estruturar uma nova rede de espaços e corredores verdes, (v)melhorar a acessibilidade e a circulação na área de intervenção e zonas limítrofes, tudo circunstâncias que conduziriam à redefinição do uso e destino do espaço que abrangia). Portanto, não está em causa, nem nunca esteve, a apreciação do referido Plano, que é um acto normativo (de carácter regulamentar), sujeito a uma espécie diferente de processo (art. 63º e ss. da LPTA) cuja impugnação, por isso, jamais poderia coexistir no mesmo processo com a dos autos (e nem sequer mediatamente, pois aí do que se tratará será de um vício do acto recorrido por violação do diploma legal que suportou o PPA, que para o efeito teria de ser invocado); como também não está em causa a resolução de requerer a declaração de utilidade pública, um acto administrativo distinto, emitido anteriormente, proveniente de um outro órgão administrativo, a Câmara Municipal.
Em segundo lugar, como é evidente, na apreciação dos vícios imputados ao acto recorrido, e depois em parte assacados à sentença sob recurso, apenas pode relevar a realidade factual e jurídica contemporânea do acto pois só essa realidade foi tida em consideração pela Administração quanto o praticou, sendo irrelevantes as alterações surgidas ou constatadas posteriormente. Relembre-se que ao apreciar a legalidade de um acto administrativo está a apreciar-se o comportamento da Administração perante o contexto que se lhe deparou, tanto no plano dos factos como no do Direito. Esta é uma regra estrutural do Direito Administrativo, e do respectivo contencioso. Como se assinala no acórdão STA de 4.7.02, proferido no recurso 852/02, "É pacífica a jurisprudência deste Tribunal que afirma, no âmbito do contencioso administrativo, a vigência do princípio “tempus regit actum”, segundo o qual, a apreciação da legalidade dos actos administrativos deve ter em conta, apenas, a realidade fáctica existente no momento da sua prática e o quadro normativo então em vigor (Acórdãos STA de 6.2.02, no recurso 37633, Pleno, e de 7.2.02, no recurso 48295, entre muitos outros). De resto, no caso das expropriações por utilidade pública, se houver desconformidade entre o que se decidiu e a realidade constatada posteriormente é o próprio Código das Expropriações que contempla a possibilidade de os particulares atingidos pela expropriação poderem reagir se a situação se mantiver inalterada (veja-se o direito de reversão previsto no art. 5º).
Sobre este ponto (aspecto em que estrutura toda a sua alegação), e o vício de raciocínio em que incorre, as extensíssimas (51folhas), complexas e repetitivas alegações do recorrente são muito esclarecedoras. Para o efeito, olhe-se, como simples exemplos, para o que se afirma nos números 1, 2, 5, 8, 44, 45 e 48 da sua alegação:
“1. O presente recurso vem interposto da Sentença de 30.12.2010 que, assente numa perspectiva redutora e formalista dos vícios arguidos pelo Recorrente, negou provimento ao recurso contencioso de anulação e manteve incólume o acto recorrido.
2. No entanto, como se demonstrará, para além de não conhecer todas as questões que lhe foram submetidas pelo Recorrente (o que conduz à nulidade desta Sentença, por omissão de pronúncia, nos termos dos arts. 660°, n° 2, e 668°, n° 1, d., 1.ª parte, do CPC, aqui aplicáveis ex vi art. 1° da LPTA), o Tribunal a quo errou na apreciação que fez do acto recorrido e dos vícios que lhe foram imputados, privilegiando exclusivamente os aspectos formais do procedimento e acto administrativos sub judice, em detrimento dos valores/princípios materiais aplicáveis e da realidade (notória e incontornável) subjacente à presente acção (erro de julgamento).
5. Assim, em resumo, da factualidade descrita (e de outros factos notórios que, de acordo com o art. 514°, nº 1, do CPC, não carecem de alegação nem de prova, por serem de conhecimento geral, pelo menos de quem reside no Porto e conhece esta zona da cidade) importa reter, como essencial, que (i) a execução do projecto imobiliário previsto no PPA já foi iniciada com a construção do novo Estádio ……, dos novos acessos rodoviários (incluindo o reperfilamento da Avenida ……) e de alguns dos edifícios programados, e que (ii) até á presente data, nem a Entidade Recorrida nem qualquer outra entidade entraram na posse, total ou parcial, da parcela expropriada, não obstante essa faculdade resultar expressamente do acto aqui impugnado, como consequência directa da “urgência” da sua expropriação.
É sobre esta concreta realidade que importa agora aplicar o Direito e analisar o julgamento efectuado pelo Tribunal recorrido.
8. No entanto, aparte a omissão de pronúncia, que adiante se analisará, se é certo que em termos estritamente formais se poderá, por hipótese, conceder no julgamento efectuado e na Decisão proferida, a verdade é que já assim não se poderá concluir se, pelo contrário, atendermos a toda a realidade fáctica subjacente a esta acção e procedermos a uma análise integrada e sistemática de todas as questões/vícios aqui invocados pelo Recorrente.
De facto, para uma adequada e efectiva tutela jurisdicional do Recorrente, mais do que escalpelizar individualmente cada um dos referidos vícios do acto impugnado (como fez o Tribunal recorrido), importa aqui verificar, em concreto, se, decorridos 8 anos da data da publicação do acto impugnado e da expropriação do terreno do Recorrente, a fundamentação oferecida e intenções programadas/anunciadas pela Recorrida se concretizaram efectivamente no local, designadamente quanto ao previsto para a parcela expropriada, sem que daqui resulte obviamente qualquer ingerência do Julgador/Tribunais no âmbito das competências e atribuições próprias da Recorrida (ao contrário do que se pode ler na Sentença sub judice).
Isto é, em nome dos princípios e fins da verdade material e da justa composição do litígio, não nos poderemos limitar a analisar separada, individual e descontextualizadamente cada um dos vícios imputados pelo Recorrente ao acto impugnado (onde, no limite e em termos exclusivamente formais, até poderá não se apurar qualquer fundamento para a anulação ou declaração de nulidade, ainda que não seja esse o caso dos presentes autos), devendo sim, à semelhança do que se prevê no âmbito da interpretação da lei (art. 9º do CC), atender-se à unidade do procedimento e acto administrativos aqui em causa, ponderando as concretas e diversas circunstâncias de facto existentes à data em que aqueles foram iniciados e praticados e as que actualmente, decorridos 8 anos sobre essa data, se verificam no local
44. Assim, para o que aqui nos ocupa, se, por hipótese, como considerou o Tribunal recorrido, o acto administrativo impugnado, à data e nas circunstâncias em que foi praticado, estava suficientemente fundamentado (designadamente, quanto à necessidade e urgência da expropriação, onde se invocou o campeonato europeu de futebol de 2004), já assim não se poderá concluir quando, actualmente, decorridos 8 anos desde aquela data, analisando em concreto a realidade fáctica sobre a qual aquele acto se pretendia aplicar, verificamos que a parcela expropriada ao Recorrente ainda não foi sequer administrativamente ocupada pela Recorrida ou por qualquer outra entidade, mantendo-se ainda aquele aí a residir: como pode o Tribunal recorrido ignorar estes factos actuais e que, necessariamente, tornam obsoleta, irreal, desajustada e desproporcional a fundamentação inicialmente oferecida pela Recorrida aquando da prática do acto administrativo impugnado.
Foi esta unidade do acto administrativo e este contexto fáctico que o Tribunal recorrido desconsiderou, privilegiando uma justiça norteada por referências puramente formais, em prejuízo do princípio da prevalência do fundo sobre a forma e da verdade material, também designado por principio favor actionis ou pro actione.
45. Idêntico raciocínio é feito quanto à necessidade desta expropriação. O Tribunal recorrido, ignorando, mais uma vez, a realidade actual da parcela expropriada (sobre a qual nada diz, nem mesmo tendo dado como provado o facto de o Recorrente ainda residir na moradia e terreno expropriados), e socorrendo-se, agora, do fim último do PPA (requalificação desta zona da cidade do Porto), independentemente do fim concreto para o qual o terreno do Recorrente foi expropriado, conclui nos seguintes termos (cfr. págs. 40-41 da Sentença recorrida, fls. 1002-1003 dos autos):
48. Assim, demonstrado que está que o fim concreto para o qual a parcela de terreno do Recorrente foi expropriada (alargamento e reperfilamento da Avenida ……) já se encontra totalmente cumprido e executado, sem que, até à data, decorridos 8 anos da data da respectiva declaração de utilidade pública, tenha sido necessário ocupar, total ou parcialmente, essa mesma parcela de terreno, terá, inevitavelmente, de se concluir pela sua desnecessidade.
Consequentemente, dúvidas não podem existir quanto à ilegalidade (ainda que superveniente) do acto administrativo impugnado, de nada relevando se, no conjunto e para a realização do projecto expropriante, se incluía a parcela expropriada.” (negrito e sublinhado nossos)
Este conjunto de considerações mostra à evidência que, no essencial, o recorrente não discute os pontos fundamentais da sentença recorrida pretendendo, contudo, que ali se fez uma apreciação meramente formal dos vícios invocados, tendo somente em consideração a realidade existente no momento da prática do acto, ignorando a realidade posterior, a realidade actual. Como se disse atrás só a perspectiva da sentença está correcta, e, por isso, ali apenas se poderia apreciar a realidade que a Administração confrontou. Por outro lado, assim sendo, fica patente a inconsistência da argumentação do recorrente e, consequentemente, a inviabilidade do presente recurso. É que, para além das transcrições acima feitas, onde se inclui a de que “se é certo que em termos estritamente formais se poderá, por hipótese, conceder no julgamento efectuado e na Decisão proferida” (n.º 8) e a de que “Consequentemente, dúvidas não podem existir quanto à ilegalidade (ainda que superveniente) do acto administrativo impugnado” (n.º 48), a alegação do recorrente (e também as conclusões agora apresentadas) está pejada de considerações deste tipo donde resulta que apenas ataca a sentença porque ela não ponderou a realidade posterior ao acto, como pretendia, apresentando-se, a seu ver, como uma decisão essencialmente formal.

2. Mas, ao mesmo tempo que considera a sentença simplesmente “formal”, o recorrente, com uma pequena excepção, só imputou à deliberação impugnada vícios formais e violação de princípios gerais de direito (que servem para tudo) como resulta dos autos e da enunciação que deles fez no ponto 6 da sua alegação:
a. A falta de notificação ao Recorrente do início do procedimento administrativo de expropriação e consequente violação das garantias de participação procedimental dos interessados na actividade administrativa, designadamente na avaliação da parcela antes de ser proferida a resolução de expropriar;
b. A violação do direito de audiência dos interessados;
c. A falta de fundamentação;
d. A violação do direito fundamental de propriedade privada do Recorrente em articulação com os princípios da urgência e da necessidade das expropriações por utilidade pública;
e. A violação do direito fundamental de propriedade privada do Recorrente em articulação com os princípios da proporcionalidade, da protecção dos direitos e interesses legítimos do Recorrente, da igualdade e da justiça;
f. A violação dos princípios da legalidade, da prossecução do interesse público, da tutela da confiança dos particulares na Administração Pública e da boa-fé;
g. O desvio de poder e a violação dos objectivos do Plano de Pormenor ……;
h. A (i)legalidade das soluções, pressupostos e fundamentação do PPA “.
Para além desta alínea h), cujo conteúdo extravasa o objecto do recurso contencioso, e assim, não pode aqui ser apreciada, alguns dos restantes vícios (alíneas c) a g)) são relacionados com a discrepância entre a realidade existente no momento da prática do acto e a actual (para além disso, o desvio de poder nunca poderia ser colocado já que a expropriação da parcela do recorrente se inseria perfeitamente nos objectivos traçados no Relatório do PPA, assinalados na alínea E dos factos provados, no sentido de requalificar a redefinir a área de intervenção definida no Plano). Os outros dois (alíneas a/b) foram devidamente - exaustivamente - apreciados na sentença.

3. O recorrente imputa nulidade à sentença, por omissão de pronúncia, nos termos do art. 668º, n.º 1, d), 1.ª parte, do CPC, essencialmente por duas razões (i) quanto ao vício de falta de fundamentação que imputou ao acto recorrido, a sentença se não ter pronunciado sobre a realidade existente no momento da prática do acto e no momento actual e o mesmo ter acontecido também “à ilegalidade das soluções, pressupostos e fundamentação do PPA, o Recorrente não deixou de sublinhar esses factos” (n.ºs 11 e 12 da sua alegação); (ii) falta de pronúncia quanto ao “vício de violação de lei, traduzido no desrespeito e inobservância dos princípios da proporcionalidade e da igualdade” relacionando-o com a violação do direito de propriedade (n.º 13 e 50/52).
De acordo com o disposto no art. 668º, n.º 1, alínea d), do CPC é nula a sentença "Quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento". O conteúdo desta norma deve ser avaliado à luz do art. 660º, n.º 2, segundo o qual "O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras." Como se diz no acórdão deste Supremo Tribunal de 7.4.05, no recurso 1322/04, "a nulidade da sentença por omissão ou por excesso de pronúncia está relacionada com o dever do Juiz de conhecer de todas as questões que as partes lhe colocaram e apenas estas". Por outro lado, sempre haveria de distinguir entre questões e argumentos – razões, motivos - pois só a falta de ponderação das primeiras acarretaria nulidade por omissão de pronúncia. Questão, para este efeito, é tudo aquilo que é susceptível de caracterizar um vício, uma ilegalidade de um acto administrativo, de tal modo que a sua inconsideração seja determinante para o dar (ou não) como verificado.
Quanto à primeira invocada nulidade é patente que se não verifica, desde logo, porque a sentença recorrida não estava obrigada a pronunciar-se sobre a realidade posterior ao acto pelas razões que se deixaram referidas atrás (o que vale para todos os vícios arguidos pelo recorrente em que o confronto entre a realidade contemporânea do acto e a actual foi colocado). O Senhor Juiz pronunciou-se sobre o vício de forma, por falta de fundamentação, tendo em consideração a realidade existente na altura. Não estava obrigado a mais. Quanto ao PPA, também já se disse, não é objecto do recuso contencioso (pelos vistos foi alvo de um recurso autónomo, pendente no TCA) não tendo a sentença que apreciar os seus pressupostos e fundamentos e, muito menos, compará-los com a realidade actual, justamente pelas mesmas razões. Quanto à segunda, é patente que a decisão em apreço analisou o referido vício, até à exaustão (primeiro, explanando o problema em termos gerais, e, depois, confrontando-o com o caso dos autos, utilizando a seguinte expressão: “Regressando ao caso dos autos, importa fixar a solução expressa no PPA quanto à ocupação do solo, no que concerne à parcela n.° 12”), na sua alínea B) Desnecessidade da expropriação, discorrendo longamente sobre os referidos princípios, sobre o direito de propriedade e sobre a relação entre uns e outros, concluindo no sentido da jurisprudência deste STA e do Tribunal Constitucional, segundo o qual o direito de propriedade não é um direito absoluto, sendo que a possibilidade de expropriação constitui um dos seus limites ditado por razões sociais, de interesse público. Não ocorre, pois, igualmente, esta nulidade.

4. Vejamos, agora, as ilegalidades imputadas à sentença. Feitas as precisões que se enunciaram nos números 1 a 3 fácil é concluir que o recurso não pode proceder. De resto, é o próprio recorrente quem afirma que se não fosse a omissão consistente na falta de ponderação da realidade posterior ao acto a decisão até seria aceitável e a de que a ilegalidade do acto é “superveniente”. A sentença recorrida apreciou exaustivamente todos os vícios que foram imputados ao acto impugnado, com clareza e objectividade, respeitando todas as regras aplicáveis.
Sobre as ilegalidades referidas nas alíneas a/b do ponto 2. supra a sentença recorrida disse o seguinte:
“a. Falta de notificação ao Recorrente do início do procedimento administrativo bem como dos elementos constantes do n.° 1 do artigo 10.º do CE
Alega o Recorrente, em síntese, que não foi notificado do início do procedimento administrativo nem de quaisquer outros elementos relativos ao mesmo, designadamente os referidos no n.° 1 do artigo 10.º do CE, pelo que foram violados os artigos 55,° do CPA e 10.º do CE. Sobre este ponto, a autoridade recorrida não se pronunciou. O recorrido particular contesta, invocando que a resolução de requerer a declaração de utilidade pública da expropriação a que se refere o artigo 10.° do CE tem a natureza de acto preparatório da expropriação por utilidade pública e é o acto inicial e impulsionador do processo, tendo tal acto sido notificado ao Recorrente por oficio da Câmara Municipal do Porto com o n.° 696/02/DMS, de 19.02.2002.
A este propósito, é oportuno transcrever a redacção do artigo 10.º do CE:
Artigo 10.º
Resolução de expropriar
1 - A resolução de requerer a declaração de utilidade pública da expropriação deve ser fundamentada, mencionando expressa e claramente:
a) A causa de utilidade pública a prosseguir e a norma habilitante;
b) Os bens a expropriar, os proprietários e demais interessados conhecidos;
c) A previsão do montante dos encargos a suportar com expropriação;
d) O previsto em instrumento de gestão territorial para os imóveis expropriar e para a zona da sua localização.
2 - As parcelas a expropriar são identificadas através da menção das descrições e inscrições na conservatória a que pertençam e das inscrições matriciais, se não estiverem omissas, ou de planta parcelar contendo as coordenadas dos pontos que definem os limites das áreas a expropriar, reportadas à rede geodésica, e, se houver planta cadastral, os limites do prédio, desde que situados a menos de 300 m dos limites da parcela, em escala correspondente à do cadastro geométrico da propriedade ou, na falta deste, em escala graficamente representada não inferior a 1:1000, nas zonas interiores dos perímetros urbanos, ou a 1:2000, nas exteriores.
3 - Os proprietários e demais interessados conhecidos são identificados através do nome, firma, denominação, residência habitual ou sede.
4 - A previsão dos encargos com a expropriação tem por base a quantia que for determinada previamente em avaliação, documentada por relatório, efectuada por perito da lista oficial, da livre escolha da entidade interessada na expropriação.
5 - A resolução a que se refere o n.° 1 anterior é notificada ao expropriado e aos demais interessados cuja morada seja conhecida, mediante carta ou oficio registado com aviso de recepção.
Conforme se decidiu no Acórdão do STA, de 07.01.2009 (processo 0707/08), “A função primacial da notificação prevista no n.° 5 do art. 10.º do Código das Expropriações de 1999 é comunicar ao expropriado conteúdo da resolução de requerer a declaração de utilidade pública, dando-lhe conhecimento do início do procedimento de expropriação com antecedência em relação ao momento da declaração de utilidade pública, por forma a permitir-lhe defender nele adequadamente os seus interesses, designadamente poder influenciar a própria declaração de utilidade pública.” Quer dizer, a resolução de requerer a declaração de utilidade pública da expropriação consubstancia o acto que inicia o procedimento administrativo da expropriação. Conforme resulta da matéria assente, em 30.12.2002, o Recorrente teve conhecimento de carta que lhe foi dirigida, subscrita pelo Director do Departamento de Gestão Urbanística da Câmara Municipal do Porto, com a referência OF/696/O2IDMS, do seguinte teor: “Em cumprimento do disposto no n.° 5 do artigo 10.º do Código das Expropriações (Lei n. 168/99, de 18 de Setembro), serve o presente para notificar Vª Ex.° do teor da Proposta n.° 157/02/DMS aprovada em reunião camarária de 17 de Dezembro de 2002, que rectificou a resolução de requerer a declaração de utilidade pública com carácter de urgência das expropriações necessárias à execução do Plano de Pormenor ……, aprovada pela Proposta n.° 103/02/DMS em reunião camarária de 12 de Novembro de 2002.” - cfr. fls. 28 e 29 do PA junto aos autos. Também como resulta da matéria assente, em anexo à carta de fls. 28 e 29 do PA junto aos autos, consta documento intitulado “Proposta n.° 157/O2IDMS”, nos termos da qual se propõe que “(..) nos termos da alínea c) do n.° 7 do art. 64.º da Lei n.° 169/99, de 18 de Setembro, alterada pela Lei n.° 5-A/2002, de 11 de Janeiro, seja requerida à Assembleia Municipal do Porto a declaração de utilidade pública urgente das expropriações necessárias à execução do mencionado empreendimento (...)“ bem como quadro com identificação das parcelas a que se refere, nomeadamente a parcela n.° 12, a qual aparece associada ao nome do Recorrente, e com a indicação dos encargos a suportar com as expropriações - cfr. fls. 30 34 do PA junto aos autos. Por conseguinte, constata-se que o início do procedimento de expropriação foi notificado ao recorrente com a sua notificação da resolução de requerer a declaração de utilidade pública da expropriação em causa, da mesma constando:
a) A causa de utilidade pública a prosseguir - execução do PPA - e a norma habilitante - alínea e) do n.° 7 do artigo 64.° da Lei n.° 169/99, de 18 de Setembro, alterada pela Lei n.° 5-A/2002, de 11 de Janeiro;
b) Os bens a expropriar, os proprietários e demais interessados conhecidos, conforme quadro anexo à proposta que foi notificada ao Recorrente;
c) A previsão do montante dos encargos a suportar com a expropriação, tal qual consta do referido quadro.
(…)
Apenas não consta da referida notificação o previsto em instrumento de gestão territorial para os imóveis a expropriar e para a zona da sua localização, conforme decorre da alínea d) do n.° 1 do artigo 10.º do CE. Porém, atendendo à informação disponibilizada ao Recorrente, poderia o mesmo, através da consulta do PPA, ter acesso a tal informação pelo que se considera que a formalidade em causa - que impunha o fornecimento de informação - se degrada em não essencial.
Pelo exposto, improcede o vício de falta de notificação do Recorrente do início do procedimento administrativo bem como elementos constantes do n.° 1 do artigo 10.º do CE.
b. Falta de participação do Recorrente na diligência de avaliação e de audiência prévia
Antes de mais, importa esclarecer que, embora o Recorrente autonomize os dois vícios acima referidos, os mesmos serão analisados conjuntamente na medida em que a análise contende necessariamente - preterição de audiência prévia - com a do outro. Alega o Recorrente que a Câmara Municipal do Porto não o notificou, enquanto expropriado, da data, hora e local em que teve início a diligência de avaliação dos bens e da identificação do perito indicado para o efeito, como deveria, conforme disposto nos artigos 95.°, 96.° e 97.° do CPA. Por conseguinte, entende que, para além de violados aqueles artigos, foi também violado o princípio constitucional da participação dos interessados no procedimento administrativo. Mais alega o Recorrente que não foi notificado do projecto de decisão acerca da declaração de utilidade pública.
Sobre este ponto, a autoridade recorrida não se pronunciou.
O recorrido particular contesta, invocando que o procedimento expropriativo tem regulamentação especial, pelo que não se lhe aplica o disposto no CPA, não prevendo o n.° 4 do artigo 10.º do CE a notificação do interessado para a avaliação em causa nem a audiência dos interessados. Conforme decorre do artigo 10.º acima transcrito, um dos elementos que deve integrar a resolução de requerer a declaração de utilidade pública da expropriação é a previsão do montante dos encargos a suportar com a expropriação - cfr. alínea c) do n.° 1 - elemento este que, como vimos, consta, efectivamente daquela resolução. Sobre o assunto, permitimo-nos transcrever o que o Acórdão do STA, de 12/12/2002, processo n.° 046819, afirmou: «... como é jurisprudência deste Supremo Tribunal expressa designadamente no Ac. de 4.10.01, rec. 36854, não há, igualmente, lugar ao cumprimento do art° 100º do CPA (...). Em primeiro lugar porque, tratando-se de procedimento especial tal consulta não está prevista no CE onde, aliás, se prevêem as formas de participação dos interessados no procedimento. Depois, por razões ligadas à própria natureza urgente do procedimento que é incompatível com uma diligência desse tipo. De resto, esta solução sempre resultaria, claramente, do disposto no art° 103°, n.º 1, alínea a) do CPA, onde se prevê a dispensa de audiência dos interessados “quando a decisão seja urgente”, como é o caso». Não havendo lugar a audiência dos interessados - conforme resulta de jurisprudência uniforme do STA -, por maioria de razão não haverá lugar à notificação dos mesmos nos termos e para os efeitos dos artigos 94.° a 96.° do CPA, relativamente à realização da avaliação. Efectivamente, sendo a aquela resolução o primeiro acto do procedimento expropriativo e impondo a lei que o mesmo contenha já o resultado da avaliação dos bens a expropriar, tal implica que não tenha de haver lugar à notificação dos interessados para indicar perito ou formular quesitos no âmbito da diligência de avaliação.
Pelo exposto, não foram violadas as normas constantes dos artigos 94.° a 96.° e 100.º do CPA, pura e simplesmente porque as mesmas não são aplicáveis à diligência de avaliação em causa, pelo que improcedem os vícios arguidos pelo Recorrente de falta de notificação e de audiência prévia”.

Importa sublinhar, quanto à alínea a) acima reproduzida, para além do que ali se disse, que o recorrente demonstra à exaustão que soube, desde o início, qual o fim destinado para a sua parcela no PPA …… (tendo inclusivamente intervindo no processo de discussão pública do Plano, como se vê na alínea V. dos factos provados), como decorre das suas posições ao longo do processo, onde reivindica, repetidamente, que destinando-se a parcela, pelo menos em parte, à construção em propriedade horizontal por que razão não podia ele próprio, por si ou por terceiros, executar a solução para ali prevista (veja-se, por exemplo, a conclusão 6.3)
Porque não padece de qualquer ilegalidade, por se não se mostrarem violados os preceitos e princípios invocados pelo recorrente, confirma-se a sentença nos seus precisos termos (art. 714º, n.º 5, do CPC, na redacção aplicável, por remissão do art. 1º da LPTA).

IV Decisão

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam em negar provimento ao recurso e em confirmar a sentença recorrida.
Custas a cargo do recorrente fixando-se a Taxa de Justiça e a Procuradoria em, respectivamente, 400 e 200 euros.
Lisboa, 19 de Abril de 2012. – Rui Manuel Pires Ferreira Botelho (relator) – Jorge Artur Madeira dos SantosAlberto Acácio de Sá Costa Reis





Nuno Carvalho
Aluno nº 17913

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