Blog da cadeira de Contencioso Administrativo & Tributário da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa - Subturma 2. Aqui iremos administrar uma terapia com base na psicologia existencial aquela que tem como questão central o melhoramento do indivíduo e a sua evolução. Este tipo de psico-análise está predominantemente indicada para pessoas com um alto nível de escolaridade, e que possuem uma aptidão de adivinhação e exploração interior.
sexta-feira, 27 de abril de 2012
Processos Cautelares
O CPTA prevê no art.36º,nº1 os processos urgentes, isto é, situações em que há a necessidade de obter, com urgência, uma pronúncia sobre o mérito da causa, de forma mais célere do que a exigida na tramitação normal. Entre estas situações estão as providências cautelares (al.e).
Segundo o art.112ºnº1, no processo cautelar o autor dirige-se ao tribunal para a obtenção de providências adequadas a assegurar a utilidade da sentença a proferir num processo declarativo, isto é, a impedir que durante a pendência do processo declarativo se constitua uma situação irreversível ou se produzam danos de tal modo gravosos que ponham em perigo a utilidade da decisão naquele processo.
Os procedimentos cautelares são meios processuais acessórios, cuja utilização só faz sentido quando acoplados a um meio processual principal, cuja efectividade visam assegurar.
Os processos cautelares revestem-se das seguintes características:
Instrumentalidade: o processo cautelar só pode ser desencadeado por quem tenha legitimidade para intentar um processo principal. Por este motivo, se o processo cautelar for intentado em momento anterior ao da instauração do processo principal ele é intentado como “preliminar” (113º,nº1) e por isso, as providências cautelares que vierem a ser adoptadas caducam, se o requerente não fizer uso no prazo de 3 meses do meio principal adequado. As providências também caducam se o processo principal estiver parado durante mais de três meses por negligência do interessado (123º,nº1).
Provisoriedade: possibilidade de o tribunal revogar, alterar, ou substituir na pendência do processo principal a sua decisão de adoptar ou recusar a adopção de providências cautelares se tiver ocorrido uma alteração relevante das circunstâncias inicialmente existentes (124º,nº1). O tribunal não pode, através de uma providência cautelar antecipar a título definitivo a constituição de situações que só a decisão a proferir no processo principal pode proporcionar.
Sumariedade: o tribunal deve proceder a meras apreciações perfunctórias baseadas num juízo sumário sobre os factos a apreciar evitando uma análise aprofundada. Assim é proporcionada em tempo útil a tutela cautelar.
Providências cautelares podem ser conservatórias e antecipatórias:
O art.112º CPTA consagra uma cláusula aberta, considerando que, quem tenha legitimidade para intentar um processo junto dos tribunais administrativos, pode solicitar uma providência. O nº2 admite que se podam adoptar as providências típicas que se encontrem especificadas no CPC. E apresenta um elenco exemplificativo de outras: suspensão da eficácia de actos administrativos; atribuição provisória da disponibilidade de um bem; autorização provisória ao interessado para iniciar ou prosseguir uma actividade; regulação provisória de uma situação jurídica, através da imposição do dever de pagamento de quantias ou da adopção ou abstenção de condutas.
O art.120º,nº1 adopta a classificação de providências cautelares em duas categorias: providencias conservatórias e antecipatórias. A contraposição entre elas procura a tutela de situações finais ou estáticas e aquelas que são situações jurídicas instrumentais ou dinâmicas. As primeiras são aquelas em que a satisfação do interesse do titular não depende de prestações de outrem, apenas pretende que os demais se abstenham da adopção de condutas que ponham em causa a situação em que está investindo; e nas segundas, a satisfação do interesse do titular depende da prestação de outrem, pretender obter a prestação necessária à satisfação do seu interesse. As primeiras adoptam providências conservatórias, as segundas antecipatórias.
A providência conservatória por excelência é a suspensão da eficácia do acto administrativo (112º,nº2a) e 128º e 129º). É a providência cautelar a adoptar ao serviço dos processos de impugnação de actos administrativos em que o autor reage contra uma modificação introduzida na ordem jurídica por um acto de conteúdo positivo que ele pretenderia que não tivesse sido praticado, na medida em que é a única providencia que permite impedir a execução de actos administrativos (153ºCPA).
Nas providências antecipatórias, situação em que o interessado pretende obter uma prestação à adopção de medidas que podem envolver ou não a pratica de actos administrativos. Concretiza-se na intimação cautelar a adopção das medidas necessárias para minorar as consequências do retardamento da decisão sobre o mérito da causa.
Não pertence apenas aos particulares a legitimidade para recorrerem à justiça administrativa em defesa dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, mas também ao Ministério Publico e a quem quer que actue no exercício da acção popular ou impugne um acto administrativo com fundamento num interesse directo e pessoal (120º,nº2 e 3).
As providências cautelares tanto podem ser requeridas em momento anterior como simultaneamente ou após a propositura da acção principal (114º,nº1). Não existe qualquer prazo para as requerer. Quando, no entanto, a propositura da acção principal estiver sujeita a prazo e a acção não tiver sido proposta dentro desse prazo o processo cautelar já não pode ser intentado (116º,nº2d).
Forma dos processos cautelares:
O art.114º,nº1 do CPTA estabelece que, mesmo quando é desencadeado simultaneamente com o processo principal, o processo cautelar é desencadeado mediante a apresentação de um requerimento autónomo. Este requerimento deve satisfazer os requisitos impostos no nº3 ao que acresce o nº6, a indicação do valor do processo cautelar.
Ao modelo comum de tramitação ai previsto o art.132º introduz nos seus nºs4 e 5 pequenas adaptações apenas aplicáveis aos processos em que seja requerida a adopção de providências relativas a procedimentos de formação de contratos. No nº4 ao estabelecer-se que o requerimento cautelar seja acompanhado de “todos os elementos de prova” não deve ser interpretado no sentido de excluir a possibilidade da produção de prova durante o procedimento e designadamente a prova testemunhal, mas apenas de que, em derrogação ao disposto no art.114º,nº3 a prova documental não pode ser junta ate ao encerramento da discussão no processo mas deve ser desde logo produzida com o requerimento cautelar.
Ao contrário do que sucede nos processos declarativos, a tramitação dos processos cautelares compreende a emissão de despacho liminar pelo juiz, que recai imediatamente sobre o requerimento cautelar, em momento prévio ao da citação da entidade requerida e dos eventuais contra-interessados (116º).
Em princípio, o despacho liminar só deve ser de rejeição do requerimento cautelar, na falta de qualquer dos requisitos impostos ao requerimento que o requerente não tenha suprido na sequência de notificação para o efeito ou quando o tribunal considere que é evidente ou manifesta a existência de excepções dilatórias insupríveis de conhecimento oficioso.
Uma vez proferido o despacho liminar e a admissão do requerimento cautelar, os requeridos são citados, nos termos do art.117º para deduzir oposição no prazo de dez dias. A citação é simultânea, salvo no caso do art.115º.
Critérios de atribuição das providências cautelares:
O art.120º determina os critérios que devem orientar o juiz numa decisão que envolve a possibilidade de adoptar os mais diversos tipos de providências cautelares. O nº1 do art.120º nas suas alíneas b) e c) estabelece critérios diferenciados consoante se trate de conceder providências conservatórias ou providencias antecipatórias, bem como no nº2. As alíneas b) e c) do nº1 prevêem, respectivamente, requisitos respeitantes à concessão de providências de tipo conservatório e antecipatório; o nº2 institui um requisito complementar que é comum à concessão de ambos os tipos de providências. A alínea a) do nº1 contém uma norma derrogatória para situações excepcionais.
Critério do periculum in mora: é o primeiro e o mais importante dos critérios de que depende a atribuição de providências cautelares. O CPTA entende existir no art.120º,nº1 alíneas b) e c). Anteriormente admitia-se o risco da “produção de prejuízos em difícil reparação”, agora as providências cautelares também devem ser concedidas quando exista o “fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado”. O que implica a rejeição de critérios fundados na susceptibilidade da avaliação pecuniária dos danos. Assim, o que interessa é a viabilidade do restabelecimento da situação que deveria existir se a conduta ilegal não tivesse tido lugar, ex: o risco da demolição de um edifício ou da liquidação de uma empresa.
Critério da aparência do bom direito: a atribuição de providências cautelares depende de um juízo, por parte do juiz, sobre o bem fundado da pretensão. O juiz deve avaliar o grau de probabilidade de êxito do requerente no processo, também o comportamento judicial e extrajudicial que o requerido tenha entretanto assumido na medida em que tal comportamento implique atitude de desrespeito pela legalidade.
Quando está em causa a atribuição de uma providência conservatória, o art.120º,nº1 b) estabelece que uma vez demonstrado o periculum in mora, a providência será concedida, a menos que “seja manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada ou a formular”. No caso de estar em causa uma providencia antecipatória, o art.120º,nº1 c) estabelece que ainda que demonstrado o periculum in mora a providência, só será concedida quando seja de admitir “que a pretensão formulada ou a formular pode vir a ser julgada procedente”. Critério da ponderação de interesses: o art.120º,nº2 estabelece que ainda que se preencha a previsão de qualquer daquelas duas alíneas as providências ainda podem ser recusadas, quando seja de entender que a atribuição da providência provocaria danos desproporcionados em relação aqueles que pretenderia evitar que fossem causados aos interesses do requerente.
O preenchimento da previsão da alínea b) ou c) do nº1 é fundamental porque constitui o primeiro passo para a concessão da providência ao indicar que a posição do requerente é digna de protecção.
Bibliografia:
ALMEIDA, Mário Aroso de, “Manual de Processo Administrativo”, Almedina, 2010
Mónica Roseiro nº17469
quinta-feira, 26 de abril de 2012
Prazos de entrega das peças processuais da simulação
Caros alunos,
É indispensável que nos organizemos para preparar a simulação, marcando datas para a entrega das peças processuais.
A petição inicial e o requerimento de tutela cautelar devem ser entregues pelos alunos responsáveis pela sua elaboração impreterivelmente até o dia 4 de Maio, sexta feira.
A contestação da Petição pela entidade demandada e pelos interessados, assim como a contestação do requerimento de tutela cautelar deve ser entregue até o dia 14 de Maio, 2ª feira.
A sentença deve ser estar concluída no dia 23 de Maio.
Qualquer atraso na entrega prejudica a elaboração das peças ulteriores e a igualdade de tratamento dos vários sujeitos processuais, pelo que não se admitem prorrogações do prazo.
Quem ainda não optou por um dos papeis processuais deve fazê-lo agora.
Bom trabalho!
Ana Gouveia Martins
É indispensável que nos organizemos para preparar a simulação, marcando datas para a entrega das peças processuais.
A petição inicial e o requerimento de tutela cautelar devem ser entregues pelos alunos responsáveis pela sua elaboração impreterivelmente até o dia 4 de Maio, sexta feira.
A contestação da Petição pela entidade demandada e pelos interessados, assim como a contestação do requerimento de tutela cautelar deve ser entregue até o dia 14 de Maio, 2ª feira.
A sentença deve ser estar concluída no dia 23 de Maio.
Qualquer atraso na entrega prejudica a elaboração das peças ulteriores e a igualdade de tratamento dos vários sujeitos processuais, pelo que não se admitem prorrogações do prazo.
Quem ainda não optou por um dos papeis processuais deve fazê-lo agora.
Bom trabalho!
Ana Gouveia Martins
terça-feira, 24 de abril de 2012
Hipótese da simulação de julgamento
Caros alunos,
Envio-vos a hipótese de simulação. São livres e devem acrescentar pormenores ao caso se contribuir para o interesse da simulação e elaboração das peças processuais.
Bom trabalho!
Ana Gouveia Martins
Envio-vos a hipótese de simulação. São livres e devem acrescentar pormenores ao caso se contribuir para o interesse da simulação e elaboração das peças processuais.
Bom trabalho!
Ana Gouveia Martins
FACULDADE DE DIREITO DE LISBOA
CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO
SIMULAÇÃO DE JULGAMENTO
O Governo português, de acordo com as promessas de “racionalização” da rede hospitalar pública, anunciou o encerramento para o final do mês de Maio de vários estabelecimentos hospitalares, entre eles, a famosa maternidade “Alfredo dos Campos”. João Bemnascido, cujo primeiro filho deverá nascer durante o mês de Maio, está revoltado com o encerramento da maternidade onde nasceu e onde pretende que nasça o seu primeiro filho. Considera que a decisão de encerramento desse estabelecimento hospitalar, contraria o interesse público, pois os utentes da sua área de influência, deveriam ter sido ouvidos e pretende impugnar a decisão do Governo, no que toca ao encerramento, em concreto da maternidade “Alfredo dos Campos”. Um dia depois de ter contactado um advogado para o efeito, o Presidente da Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo, tendo em conta o anúncio do Governo, determina que todas as grávidas que estejam a ser acompanhadas na referida maternidade deverão passar a ser acompanhadas em outros estabelecimentos hospitalares, como meio de preparar o encerramento. João Bemnascido fica ainda mais revoltado e decide impugnar o acto do Presidente da ARSLVT, por considerá-lo lesivo dos seus interesses e da sua família.
Na sequência do início do processo, uma das maternidades PPP que iria receber os pacientes da maternidade “Alfredo dos Campos”, pretende constituir-se como contra-interessada, para defesa do número de partos contratados na referida PPP, que em seu entender, depende do encerramento da maternidade “Alfredo dos Campos”. O Governo limita-se a dizer que a decisão de encerramento é política, não podendo ser resolvida por um qualquer tribunal. Já o Presidente da ARSLVT, vem dizer que está nas suas competências zelar pelo bom funcionamento dos estabelecimentos hospitalares sob seu controlo.
Quid iuris?
(N.B. Trata-se de uma hipótese meramente académica pelo que qualquer semelhança com factos e personagens da vida real é pura coincidência O presente texto constitui apenas uma hipótese de trabalho, destinado a delimitar as questões jurídicas objecto da simulação, podendo (devendo) os pormenores concretos do caso ser completados ou reconstruídos, na simulação de julgamento a realizar em cada uma das turmas).
segunda-feira, 23 de abril de 2012
Câmara do Porto entrega à Soares da Costa terrenos do Plano Pormenor das Antas
A Câmara do Porto vai transferir “alguns lotes de terrenos” para a Soares da Costa, no âmbito de um acordo extrajudicial relacionado com o Plano de Pormenor das Antas (PPA), revela o Relatório de Prestação de Contas do município. Com isto, a Câmara evita pagar os 8,6 milhões de euros que a empresa reivindicava em tribunal, entregando-lhe os terrenos prometidos no âmbito do Plano de Pormenor das Antas (PPA).
“O município e a Soares da Costa acordaram extrajudicialmente transmitir, em cumprimento do protocolo de 07 de Dezembro de 2000 [...], alguns lotes de terrenos resultantes da operação de loteamento”, escreve-se no relatório e contas da Câmara referente a 2011, a que a Lusa teve hoje acesso.
O acordo agora alcançado “vem de encontro à sentença já transitada em julgado, na qual o tribunal exigiu ao município o pagamento” de cerca de 8,6 milhões de euros, acrescenta-se no documento, que vai ser analisado na reunião camarária de terça-feira.
Em 2000, a Câmara comprometeu-se a entregar à empresa um terreno de quase 48 mil metros quadrados na zona das Areias (Campanhã), mas o presidente da autarquia, Rui Rio, decidiu não cumprir o protocolo, considerando que o mesmo “lesava de forma gravíssima o erário público municipal”.
Em 2009, o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto deu razão à empresa, intimando a câmara “a transferir, de imediato” o imóvel, ou, “não sendo cumprida essa obrigação”, a pagar uma indemnização de quase 5,9 milhões de euros.
Quando a Câmara quis cumprir a decisão, a Soares da Costa recusou celebrar a escritura, avançando com uma acção executiva para exigir “o pagamento da indemnização em dinheiro” que tinha sido “arbitrada em alternativa à entrega do bem”.
A Câmara apresentou recurso para o Tribunal Central Administrativo do Norte, ao mesmo tempo que tentava chegar a acordo com a Soares da Costa.
Em Março de 2011, a Câmara aprovou por unanimidade a proposta de Rui Rio para entregar à Soares da Costa o terreno prometido no PPA, para evitar pagar quase nove milhões de euros.
No início de Janeiro, fonte da Câmara e da empresa adiantaram à Lusa que o processo judicial movido estava suspenso, já que a nova administração da empresa tinha mostrado uma postura mais dialogante.
“Com a mudança de administração, a Soares da Costa passou a ter uma posição mais dialogante e mais sensata, pelo que o processo continua pendente no Tribunal Central Administrativo Norte”, revelou então à Lusa o gabinete de comunicação da Câmara do Porto.
Nessa altura, fonte oficial da Soares da Costa disse à Lusa que “está a ser delineado um acordo” que “satisfaça o interesse de todas as partes”.
camara-do-porto-entrega-a-soares-da-costa-terrenos-do-plano-pormenor-das-antas
Bruno M. Santos Almeida
n.º 17614
“O município e a Soares da Costa acordaram extrajudicialmente transmitir, em cumprimento do protocolo de 07 de Dezembro de 2000 [...], alguns lotes de terrenos resultantes da operação de loteamento”, escreve-se no relatório e contas da Câmara referente a 2011, a que a Lusa teve hoje acesso.
O acordo agora alcançado “vem de encontro à sentença já transitada em julgado, na qual o tribunal exigiu ao município o pagamento” de cerca de 8,6 milhões de euros, acrescenta-se no documento, que vai ser analisado na reunião camarária de terça-feira.
Em 2000, a Câmara comprometeu-se a entregar à empresa um terreno de quase 48 mil metros quadrados na zona das Areias (Campanhã), mas o presidente da autarquia, Rui Rio, decidiu não cumprir o protocolo, considerando que o mesmo “lesava de forma gravíssima o erário público municipal”.
Em 2009, o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto deu razão à empresa, intimando a câmara “a transferir, de imediato” o imóvel, ou, “não sendo cumprida essa obrigação”, a pagar uma indemnização de quase 5,9 milhões de euros.
Quando a Câmara quis cumprir a decisão, a Soares da Costa recusou celebrar a escritura, avançando com uma acção executiva para exigir “o pagamento da indemnização em dinheiro” que tinha sido “arbitrada em alternativa à entrega do bem”.
A Câmara apresentou recurso para o Tribunal Central Administrativo do Norte, ao mesmo tempo que tentava chegar a acordo com a Soares da Costa.
Em Março de 2011, a Câmara aprovou por unanimidade a proposta de Rui Rio para entregar à Soares da Costa o terreno prometido no PPA, para evitar pagar quase nove milhões de euros.
No início de Janeiro, fonte da Câmara e da empresa adiantaram à Lusa que o processo judicial movido estava suspenso, já que a nova administração da empresa tinha mostrado uma postura mais dialogante.
“Com a mudança de administração, a Soares da Costa passou a ter uma posição mais dialogante e mais sensata, pelo que o processo continua pendente no Tribunal Central Administrativo Norte”, revelou então à Lusa o gabinete de comunicação da Câmara do Porto.
Nessa altura, fonte oficial da Soares da Costa disse à Lusa que “está a ser delineado um acordo” que “satisfaça o interesse de todas as partes”.
camara-do-porto-entrega-a-soares-da-costa-terrenos-do-plano-pormenor-das-antas
Bruno M. Santos Almeida
n.º 17614
Sangalhos/Av. Caminho: Limites entre freguesias gera “guerra” entre autarcas
As Juntas de Freguesia de Sangalhos e de Avelãs de Caminho estão de candeias às avessas, por causa dos limites entre as duas freguesias.
O problema é antigo e não se vislumbra solução fácil, por isso, António Floro, autarca da freguesia de Sangalhos, equaciona recorrer ao Tribunal Administrativo para pôr cobro ao desentendimento que persiste há décadas.
Na última sexta-feira, em conferência de imprensa, o autarca sangalhense criticou a autarquia vizinha de Avelãs de Caminho, que é liderada por César Andrade, por recentemente ter colocado quatro placas toponímicas em ruas que diz pertencerem à freguesia de Sangalhos, entre o Bicarenho e S. João de Azenha.
Como é visível na fotografia, existem ruas que têm duas placas toponímicas diferentes, colocadas uma pela Junta de Freguesia de Sangalhos e a outra pela autarquia de Avelãs de Caminho.
“No sábado, recebo uma chamada de pessoas do Bicarenho e de S. João de Azenha a dizerem-me que pessoal da Junta de Avelãs de Caminho andava a colocar placas toponímicas ao lado das nossas, ou seja, a darem outro nome às ruas da freguesia de Sangalhos”, acusou António Floro que conta: “por vontade de alguns populares, as placas da discórdia deveriam ser arrancadas”. Contudo, o autarca entende que deverá ser o Tribunal a decidir, uma vez que a breve reunião, realizada entre si, César Andrade e o presidente da edilidade, Litério Marques, não permitiu chegar a um consenso.
“Não quero chegar lá e arrancar as placas. Não é assim que se resolvem as coisas”, revela, admitindo que em causa estão muitos hectares de terreno. Por isso, vai levar esta questão no próximo dia 23, à Assembleia de Freguesia.
César Andrade sustenta a sua posição com base em cartografia oficial: “os limites estão definidos pela Carta Administrativa Oficial de Portugal. São limites pelos quais todos nos regemos e que são do conhecimento da Câmara e de todas as Juntas. Se os terrenos em causa estão registados como sendo de Sangalhos, os serviços competentes é que devem corrigir esses erros”. O autarca de Avelãs de Caminho conta ainda que há uma década esta autarquia colocou placas toponímicas que foram vandalizadas e arrancadas: “queremos boa vizinhança e não alimentamos polémicas. Mas a verdade é que os mapas nunca foram contestados. Como autarca, limito-me a administrar a freguesia através dos limites geográficos oficiais”.
António Floro considera que os limites estão errados, acrescentando que o seu homólogo de Avelãs de Caminho “se agarra ao que mais lhe interessa, ou seja, a mapas mal traçados, em Lisboa”. Por isso, admite ter de recorrer a Tribunal.
http://www.jb.pt/2012/04/sangalhosav-caminho-limites-entre-freguesias-gera-guerra-entre-autarcas/
Bruno M. Santos Almeida
n.º 17614
O problema é antigo e não se vislumbra solução fácil, por isso, António Floro, autarca da freguesia de Sangalhos, equaciona recorrer ao Tribunal Administrativo para pôr cobro ao desentendimento que persiste há décadas.
Na última sexta-feira, em conferência de imprensa, o autarca sangalhense criticou a autarquia vizinha de Avelãs de Caminho, que é liderada por César Andrade, por recentemente ter colocado quatro placas toponímicas em ruas que diz pertencerem à freguesia de Sangalhos, entre o Bicarenho e S. João de Azenha.
Como é visível na fotografia, existem ruas que têm duas placas toponímicas diferentes, colocadas uma pela Junta de Freguesia de Sangalhos e a outra pela autarquia de Avelãs de Caminho.
“No sábado, recebo uma chamada de pessoas do Bicarenho e de S. João de Azenha a dizerem-me que pessoal da Junta de Avelãs de Caminho andava a colocar placas toponímicas ao lado das nossas, ou seja, a darem outro nome às ruas da freguesia de Sangalhos”, acusou António Floro que conta: “por vontade de alguns populares, as placas da discórdia deveriam ser arrancadas”. Contudo, o autarca entende que deverá ser o Tribunal a decidir, uma vez que a breve reunião, realizada entre si, César Andrade e o presidente da edilidade, Litério Marques, não permitiu chegar a um consenso.
“Não quero chegar lá e arrancar as placas. Não é assim que se resolvem as coisas”, revela, admitindo que em causa estão muitos hectares de terreno. Por isso, vai levar esta questão no próximo dia 23, à Assembleia de Freguesia.
César Andrade sustenta a sua posição com base em cartografia oficial: “os limites estão definidos pela Carta Administrativa Oficial de Portugal. São limites pelos quais todos nos regemos e que são do conhecimento da Câmara e de todas as Juntas. Se os terrenos em causa estão registados como sendo de Sangalhos, os serviços competentes é que devem corrigir esses erros”. O autarca de Avelãs de Caminho conta ainda que há uma década esta autarquia colocou placas toponímicas que foram vandalizadas e arrancadas: “queremos boa vizinhança e não alimentamos polémicas. Mas a verdade é que os mapas nunca foram contestados. Como autarca, limito-me a administrar a freguesia através dos limites geográficos oficiais”.
António Floro considera que os limites estão errados, acrescentando que o seu homólogo de Avelãs de Caminho “se agarra ao que mais lhe interessa, ou seja, a mapas mal traçados, em Lisboa”. Por isso, admite ter de recorrer a Tribunal.
http://www.jb.pt/2012/04/sangalhosav-caminho-limites-entre-freguesias-gera-guerra-entre-autarcas/
Bruno M. Santos Almeida
n.º 17614
Os efeitos e a força jurídica das sentenças no processo administrativo
Os efeitos e a força jurídica das
sentenças no processo administrativo
As sentenças no processo
administrativo - É designado por sentença o acto pelo qual o juíz decide a
causa principal ou algum incidente que apresente a estrutura de uma causa. O
que releva, aqui, é a consideração das sentenças em que o juíz profere uma
decisão de fundo ou uma decisão de mérito sobre a causa principal – excluindo
quer as sentenças formais (por ex. as sentenças de absolvição da instância por
falta de pressupostos processuais), quer as que decidem meros incidentes
processuais (art. 156.º/2 do CPC).
1.1. Sentenças quanto ao conteúdo (= quanto aos
efeitos que produzem).
Assim classificadas, as sentenças
correspondem, tendo em conta o princípio do pedido, às espécies de acções
quanto ao fim; temos, entre as sentenças declarativas (num sentido amplo, como
sentenças proferidas em processos declarativos), as sentenças de simples
apreciação (ou declarativas em sentido estrito), as sentenças de condenação e
as sentenças constitutivas.
As sentenças de simples apreciação
contêm a declaração da existência ou inexistência de um direito (ou relação
jurídica) ou de um facto (art. 4.º/2-a) do CPC), caracterizando-se por não
implicarem, por si, a alteração de relações jurídicas substantivas. As
sentenças condenatórias estabelecem o dever de prestação de um facto, positivo
ou negativo, de uma coisa ou de uma quantia, pressupondo o respectivo direito
do demandante (art. 4.º/2-b) do CPC). As sentenças podem ser de condenação
genérica, quando não seja possível, no momento da decisão, a concretização da
prestação ilíquida em falta. Por fim, temos as sentenças constitutivas, que produzem
ou autorizam uma alteração na ordem jurídica existente, criando, modificando ou
extinguindo uma relação ou situação jurídica ou um “status” (art. 4.º/2-c) do
CPC.
Independentemente da espécie de
acção, todas as sentenças negativas ou de improcedência do pedido podem ser
consideradas como sentenças meramente declarativas, visto que não alteram as
relações ou situações jurídicas existentes.
Não se pode falar propriamente de
sentenças executivas, dado que, nestas acções, a pronúncia final do juiz
limita-se a declarar encerrado o procedimento material de execução em que se
tomam as providências destinadas à reparação efectiva do direito ou do preceito
violado.
No âmbito das sentenças
simplesmente declarativas, na acção administrativa especial, quando haja
pedidos impugnatórios, o juiz, em caso de provimento, declara a invalidade
(nulidade) de uma decisão (concreta ou normativa) da Administração, sentença
essa que também pode implicar obrigações específicas para a Administração.
Nas sentenças condenatórias, é
possível considerar as hipóteses peculiares de a condenação implicar a
intimação de uma autoridade pública para a adopção ou para a abstenção de
comportamentos, e sobretudo, a de poder haver a condenação à omissão ou mesmo à
prática de um acto administrativo.
As sentenças positivas, nas
diversas espécies de acções, podem ter um dispositivo complexo, que combine os
efeitos condenatório, declarativo ou constitutivo, conforme a pretensão do
autor e as circunstâncias do caso concreto (por ex., nas acções sobre
contratos, são condenatórias as sentenças de provimento em matéria de
responsabilidade contratual, declarativas as que interpretam uma cláusula
contratual, e constitutivas as que invalidam o contrato).
É importante considerar situações
singulares como a de as sentenças administrativas poderem ter efeitos
substitutivos de uma actuação administrativa, bem como o caso especial das
sentenças de declaração da ilegalidade por omissão de normas regulamentares, que,
sendo na aparência simplesmente declarativas, fixam um prazo para o suprimento
da omissão declarada. Devem mencionar-se as sentenças condenatórias à prática
de acto administrativo, quando tenha havido uma decisão (expressa) de
indeferimento: embora o dispositivo seja condenatório, pressupõe a anulação do
acto negativo e poderá porventura gerar efeitos complementares daí resultantes.
Devem ser consideradas como
categoria autónoma, as sentenças de execução, que, embora proferidas no decurso
de “processos executivos”, têm efeitos declarativos: podem ser condenatórias, quando
especificam os actos ou operações que devem ter lugar para a execução de uma
sentença ou determinam a entrega de uma coisa ou o pagamento de uma quantia;
declarativas quando determinam a nulidade de actos administrativos contrários à
sentença ou declaram a existência de uma causa legítima de inexecução;
constitutivas (extintivas), quando anulam actos de manutenção; ou
substitutivas, quando produzem os efeitos de um acto administrativo devido e
vinculado.
2. Os efeitos das sentenças de anulação de actos
administrativos
Continua a prever-se a existência
de acções impugnatórias em que o pedido e a sentença se limitam à anulação de
actos administrativos, não sendo obrigatória a cumulação do pedido anulatório
com o da reconstituição da situação hipotética actual (nem sequer com o de condenação
à prática do acto administrativo devido).
Permanece a importância do velho
problema da determinação dos efeitos da sentença de mera anulação. O efeito
directo da sentença de provimento do pedido de anulação é o efeito
“constitutivo”, que se traduz na invalidação do acto impugnado, eliminando-o desde
que se verificou a ilegalidade, isto é, em regra, ressalvados os casos de
ilegalidade superveniente, desde a sua prática – eficácia “ex tunc” da
sentença.
Foi salientado pela doutrina, por
um lado, o dever para a Administração, de executar a sentença, colocando a
situação de facto de acordo com a situação de direito constituída pela decisão
judicial de anulação – isto é, reconheceu-se a existência de um efeito
“repristinatório” ou, mais amplamente, de um efeito reconstitutivo da sentença,
que impõe, na medida em que tal for necessário e possível a reconstituição da
situação que teria existido se não tivesse sido praticado o acto ilegal ou se o
acto tivesse sido praticado sem a ilegalidade – princípio da reconstituição da
situação hipotética actual.
Por outro lado, existe o dever,
para a Administração, de respeitar o caso julgado, conformando-se com o
conteúdo da sentença e com as eventuais limitações que daí derivam, para o
eventual exercício futuro dos seus poderes – isto é, reconhece-se um efeito
conformativo ou preclusivo (ou inibitório) da sentença, que proíbe a “reincidência”,
excluindo a possibilidade de a Administração praticar um acto idêntico com os mesmos
vícios individualizados e condenados pelo juiz administrativo, sob pena de
nulidade, por ofensa do caso julgado (a nulidade atinge os actos que repitam
vícios que estiveram na base da sentença anulatória). É assim que a doutrina e
a jurisprudência passam a referir os “efeitos ultra constitutivos” da sentença
de anulação que se manifestariam no respectivo processo de execução.
O CPTA determina em que consiste o
dever de execução de sentenças de anulação de actos administrativos, no art.
173.º/1). Associado à sentença anulatória, está o dever de conformação com a
sentença como limite preclusivo, em caso de prática de novo acto; o princípio
da reconstituição da situação hipotética actual enquanto critério de conteúdo
da execução devida. O princípio da execução efectiva pode impor à
Administração, além da prática de actos com eficácia retroactiva, para remediar
os efeitos imediatos do acto anulado, o dever de remover, reformar ou
substituir actos jurídicos e alterar situações de facto que entretanto surgem,
cuja manutenção seja incompatível com a execução integral da sentença (art.
173.º/2).
O fundamento dos efeitos “ultra constitutivos”
da decisão anulatória de um acto administrativo está na autoridade da sentença,
incluindo a sua força executiva, associada ao carácter retroactivo da anulação
por ilegalidade.
O dever de “coloar” a situação de
facto de acordo com a situação de direito, reconstruindo a situação sem a ilegalidade,
é desencadeado pela sentença, mas decorre de determinações do direito
substantivo (também a anulação administrativa (“revogação anulatória, na
expressão legal) tem efeito retroactivo, por força do n.º 2 do art. 145.º do
CPA) – não é imprescindível, portanto, para justificar o dever de
reconstituição, a inclusão no conteúdo da sentença anulatória da decisão sobre
os direitos dos particulares em face da Administração (não só porque o dever
existe sem tal pronúncia condenatória, mas também porque esses direitos podem
até não existir no caso, não ter figurado no processo ou não ter aparecido nele
em todas as suas dimensões, em especial nos casos de impugnação de actos pelo
MP ou por titulares da acção popular ou de meros interesses de facto). O
alcance da sentença é, portanto, a delimitação não só do efeito conformativo,
mas também do próprio efeito reconstitutivo; depende dos fundamentos da decisão
de anular, isto é, da concreta ilegalidade demonstrada, não se limitando à
consideração do dispositivo da sentença – por outras palavras, o alcance da
sentença decorre do carácter normativo (negativo) da pronúncia anulatória.
Na realidade, as anulações não
produzem necessariamente os mesmos efeitos: o conteúdo dos deveres de
conformação e de reconstituição há-de ser variável conforme o vício dado como
provado, o tipo de acto anulado e o regime legal da actividade, nos termos que
constituem os pressupostos lógico-normativos da sentença. A qual, desta forma,
para além da consequência invalidatória contida no seu dispositivo, contribui
para a definição do direito substantivo aplicável àquele caso (por isso segundo
o Prof. Vieira de Andrade, a sentença não produz automaticamente o efeito
repristinatório da situação anterior, antes cria o dever para a Administração
de reconstruir a situação hipotética actual).
Além disso, o processo de execução
de sentenças de anulação de actos administrativos não é um verdadeiro processo
executivo, que se limite a extrair consequências materiais da sentença anterior
(que, já em si, seria, então, constitutiva, declarativa e condenatória), mas,
sim, um processo com dimensões declarativas, cuja sentença vai, num momento
posterior, conhecer da situação e produzir ou concretizar autonomamente esses
efeitos condenatórios (e eventualmente outros, constitutivos, simplesmente
declarativos ou mesmo substitutivos).
A lei, além de permitir, em geral,
que o tribunal difira a instrução do pedido condenatório para um momento
posterior ao da decisão sobre a legalidade da acção administrativa, que
constituirá o “pedido principal” (art. 90.º/3), prevê especificamente a
realização de uma instrução contraditória destinada a permitir ao tribunal
especificar o conteúdo dos actos e operações que a Administração deve praticar
para reconstituir a situação na sequência da anulação de um acto administrativo
(art. 95.º/4).
Ou seja, mesmo quando há cumulação
dos pedidos anulatório e reconstitutivo e o juiz vai decidir logo no momento
declarativo toda a questão, a lei confere uma relativa autonomia processual aos
momentos em que se julga da validade do acto, relativamente àqueles em que se especificam
os actos e operações necessários à reconstituição da situação. O tribunal, quando
a conduta devida dependa de valorações administrativas, não pode especificar
senão as vinculações a que a Administração está sujeita e terá muitas vezes de
fazer uma instrução complementar, com a colaboração da Administração,
solicitando-lhe “uma proposta fundamentada sobre a matéria”, para especificar o
próprio conteúdo das operações e actos vinculados (art. 95.º/3 e 4).
Tendo em conta os espaços de
autonomia administrativos abertos na sequência da anulação judicial, parece
adequado afirmar que, no processo de execução de sentenças de anulação de actos
administrativos, o juiz não se limita a reafirmar o que já tinha sido decidido
no processo de impugnação, mas, sim, define a solução jurídica do caso, tendo
em conta a posição administrativa, que poderá até ter entretanto alterado
significativamente a situação (a sentença de anulação pode, conforme os
fundamentos e as situações, produzir um “efeito vinculante pleno” (em caso de vinculação
legal), “um efeito semi-pleno” (relativo a momentos discricionários) ou um
efeito secundário ou instrumental” (quando seja possível a renovação).
O dever positivo que resulta para
a Administração da sentença de mera anulação é, afinal, o dever de reexaminar a
situação de facto à luz da lei aplicável e da sentença, e o dever de actuar em
termos legais e correctos em face desse exame – com esse alcance, dir-se-á que
os efeitos “ultra constitutivos” se resumem afinal a uma condenação genérica à
resolução administrativa de um caso concreto, condicionada e orientada pelos
termos da fundamentação anulatória.
O dever de actuação da
Administração é diferente, consoante o fundamento da anulação judicial proíba,
ou não, a renovação do acto – se a invalidade tiver sido decretada por vícios
de forma, de procedimento (ou mesmo de “decisão”), poderá a Administração
praticar validamente um novo acto de igual conteúdo (assim, se a anulação teve
como fundamento um vício de forma, o tribunal não pode, em execução de
sentença, ordenar a prática de acto contrário, mas apenas a prática de novo
acto, havendo dever de decidir) – a renovação do acto não é uma excepção, uma
situação de inexecução legítima, mas uma das formas de cumprimento da sentença
anulatória.
O dever de reconstituição da
situação hipotética actual será diferente, conforme o grau de discricionariedade
administrativa quanto ao conteúdo do acto – os actos de conteúdo vinculado ou
em que a discricionariedade tenha sido em concreto eliminada são actos de
prática por decisão judicial (nesse caso, o interessado optará certamente pela
cumulação, pois que o juiz poderia logo condenar a Administração à prática do
acto).
Uma questão importante é a de
saber qual a lei aplicável aos novos actos, praticados em execução da sentença
– por um lado, a reconstituição da situação hipotética parece exigir que tais
actos se refiram ao momento da prática do acto; por outro lado, o certo é que se
trata da reconstituição da situação hipotética actual e que os actos são
praticados num momento posterior, não podendo ignorar à data da sua prática.
Nos termos do art. 128.º/1-b) do CPA, têm eficácia retroactiva os actos que
executem sentenças anulatórias de actos, salvo se estes actos forem
“renováveis”, parecendo que assim se pretende conferir eficácia retroactiva, ou
não, conforme se trate de um acto de execução favorável ou desfavorável ao
impugnante. Só que esta indicação normativa da lei do procedimento não é
suficiente e nem sempre corresponderá à melhor solução, no caso ter efeitos
retroactivos se favoráveis a terceiros (avulta neste contexto o grande problema
de determinar o alcance invalidante dos vícios de forma e de procedimento, que
em regra, permitem a renovação do acto – a revalorização do direito das formas
não autoriza que se ignore a ilegalidade, mas deve admitir-se a retroactividade
dos efeitos do acto renovador se não houver razões substanciais que a isso
obstem [art. 128.º/2-a) do CPA].
Se atendermos ao art. 132.º/2-i),
o CPA torna claro que o conceito de acto consequente há-de ser entendido como
um conceito funcional-material e que deve excluir-se a generalização
indiscriminada da nulidade, com as suas consequências arrasadoras; pelo
contrário, o CPA impõe um dever de ponderação dos interesses em presença nas
situações da vida cuja reconstituição é determinada pela anulação de um acto
administrativo:
a)
Serão
nulos apenas os actos consequentes cuja manutenção seja incompatível com a reconstituição
da situação hipotética exigida pela anulação (art. 173.º/2 do CPTA);
b)
Mesmo
quando se trate de actos nulos por essa razão, os seus efeitos poderão manter-se
em face da existência de interesses legítimos de contra-interessados. A
situação jurídica dos beneficiários de actos consequentes do acto anulado só é
garantida quando os danos causados pela anulação sejam de difícil ou impossível
reparação e se, além disso, for manifestada a desproporção entre o interesse na
manutenção da situação e o interesse na execução da sentença anulatória – o que
é uma solução legalista e desequilibrada em favor da execução. Tal benefício só
é considerado, mesmo para efeitos de indemnização pelos danos causados pela
anulação, quando os actos tenham sido praticados há mais de um ano e os
terceiros deconheçam sem culpa a precariedade da situação – quando uma
ponderação razoável dos interesses dos terceiros apontaria para a protecção da boa-fé
e não do desconhecimento.
O dever de
cumprimento da sentença pode também implicar o dever de não a defraudar,
através da aprática de actos que lhe retirem o sentido útil ou impossibilitem a
execução específica. Assim, por ex., poderá modificar-se uma norma ou um plano
urbanístico para conseguir ultrapassar o alcance de uma sentença que anulou um
acto com fundamento na violação da norma ou do plano, tal como pode extinguir-se
um serviço para causar uma situação de impossibilidade de execução específica
de uma sentença que implica a reintegração de um funcionário.
3. Os limites do caso julgado nas acções
administrativas
A consideração dos efeitos das
sentenças mostra que o alcance objectivo do caso julgado tem, no processo
administrativo, algumas especialidades, quando está em causa uma decisão de
anulação de actos administrativos – não releva só o dispositivo da sentença,
relevam também os fundamentos da anulação, justamente porque desencadeiam consequências
normativas para o caso, seja quanto à possibilidade de renovação dos actos
anulados, seja quanto ao conteúdo dos deveres de reconstituição da situação de
facto de acordo com o direito pronunciado.
As sentenças, em regra, produzem
os seus efeitos apenas entre as partes – é natural que a decisão proferida pelo
juiz no processo valha para os interessados, aqueles que lá estiveram ou deveriam
ter estado (art. 155.º/2). Essa regra é axiomática, quando esteja em causa
obrigações decorrentes da sentença, em face do princípio do contraditório e dos
direitos fundamentais de audiência e de defesa.
No que respeita aos processos de
impugnação de actos administrativos, as sentenças de anulação são sentenças
constitutivas, que produzem a eliminação do acto da ordem jurídica. O efeito constitutivo,
enquanto efeito de facto da sentença, vale erga omnes, na medida em que ninguém
pode pretender que, relativamente a si, o acto não foi anulado.
Este efeito soma-se, sem se confundir,
com o efeito assertivo do caso julgado, enquanto acto jurisdicional, nos termos
do qual o acto era ilegal e estava ferido de invalidade – é em relação a este
outro efeito que se põe o problema de saber se o caso julgado é oponível a todos
ou apenas pode valer entre as partes.
Relativamente aos efeitos
desfavoráveis da sentença anulatória quanto aos prejudicados pela anulação do
acto, tem de se concluir, em geral, que apenas se produzem inter partes –
embora, na prática, se deva ter em conta que as partes não são apenas o
demandante e a entidade demandada, mas também os contrainteressados, sendo o
litisconsórcio necessário nos processos impugnatórios, por ex., quando tenham
legítimo interesse na manutenção do acto. (art. 155.º/2, parte final). Por
outro lado, o caso julgado não será oponível a um terceiro que queira, por ex.,
pedir o reconhecimento do direito a uma indemnização com fundamento na
ilegalidade do acto anulado.
A mesma ideia vale também no que
respeita ao alcance subjectivo das sentenças que sejam desfavoráveis por
recusarem o pedido de anulação ou por, anulando embora o acto, não considerarem
determinado fundamento de invalidade – um terceiro relativamente ao processo,
interessado na anulação ou no alargamento do alcance material da sentença, não está
vinculado pelo julgado. No entanto, isso não terá importância prática, seja porque
há um prazo curto para a impugnação de actos anuláveis, seja porque o juiz tem
o dever de se pronunciar sobre todos os vícios invocados no processo e, ainda,
o dever oficioso de verificar a existência de quaisquer outras ilegalidades do
acto impugnado (art. 95.º/2).
No que respeita aos efeitos
favoráveis da sentença anulatória – isto é, ao alcance da anulação de um acto
administrativo desfavorável ou na parte em que o seja -mas embora fosse
perfeitamente defensável que os efeitos aproveitassem a todas as pessoas
prejudicadas pelo acto anulado, a regra parece ser também a da produção dos
efeitos inter partes, ainda que se admita a decisão de extensão desses efeitos
a outras pessoas.
No processo administrativo existe
uma excepção à regra que limita os efeitos das sentenças às partes: as
sentenças de declaração de ilegalidade de normas, no caso de impugnação
abstracta, têm força obrigatória geral – aqui não é só o facto da eliminação da
norma do ordenamento jurídico que se há-de opor a todos, independentemente de
terem, ou não, sido partes no processo; é a própria ilegalidade do regulamento
que, nos termos definidos pela lei e pelo juiz (art. 76.º do CPTA), se impõe na
ordem jurídica objectiva e, portanto, a todos, independentemente de terem sido
partes no processo.
Esta é uma solução natural, em
vista do objecto do processo – aqui trata-se de um processo configurado em
termos objectivistas, à semelhança da fiscalização judicial da
constitucionalidade, em que se discute a validade da norma e em que a
legitimidade principal cabe ao MP, indiciando que a finalidade primária é a
defesa da legalidade (só o MP pode pedir a declaração de ilegalidade com força
obrigatória geral sem que a aplicação da norma tenha sido recusada em 3 casos
concretos (art. 73.º do CPTA).
Deve ser visto como um caso
especial, o dos efeitos das sentenças nas acções populares.
Em função da iniciativa e da
finalidade de defesa de valores comunitários, percebe-se que as sentenças tenham,
em princípio, eficácia, sem prejuízo do direito de autoexclusão da
representação (”opting out”), que pode ser exercido pelos titulares de direitos
ou interesses legalmente protegidos.
4. A extensão dos efeitos das sentenças
É admissível, ainda que em termos
limitados, a extensão dos efeitos das sentenças transitadas em julgado (art.
161.º/1 do CPTA). A extensão pode beneficiar outras pessoas, que se encontrem
na mesma situação jurídica, quer tenham recorrido ou não à via judicial (desde
que não haja sentença transitada em julgado quanto às que recorrem aos
tribunais), a não ser que haja contrainteressados (n.º 5). No nº 2 do mesmo
preceito temos que só quando tenham sido proferidas cinco sentenças transitadas
em julgado, ou três sentenças, se proferidas em processos formalmente
seleccionadas nas situações de processos em massa, nos termos do art. 48.º.
A extensão é, em primeiro lugar,
solicitada à Administração e, na falta de êxito da pretensão, ao tribunal que
tenha proferido a sentença, seguindo-se os trâmites do processo de execução de
sentenças de anulação de actos administrativos, devendo a sentença ser havida
por uma sentença de mérito, susceptível de recurso, nos termos gerais. A
solução legal adoptada gera algumas perplexidades.
Por um lado, parece ser estreita,
na medida em que exige que tenham sido proferidas várias sentenças, mesmo das
relativas a processos escolhidos em situações de processos em massa.
Por outro lado, verifica-se que,
nas situações de processos em massa, tal como resulta do n.º 5 do art. 48.º, ao
remeter para o art. 176.º, os efeitos da sentença proferida nos processos-modelo
podem, a requerimento do interessado, ser imediatamente estendidos aos
processos suspensos, para efeitos de execução – pelo que a exigência dos três
processos nessas hipóteses, só vale afinal para aqueles que não tivessem
recorrido à via judicial.
Por fim, a norma, ao admitir o
pedido de extensão de efeitos da sentença anulatória de actos administrativos a
quem não tenha lançado mão da via judicial no momento próprio, pode fragilizar
a estabilidade do acaso decidido. Embora tal não seja admissível quando haja contrainteressados
e, de todo o modo, se limite a estas situações massivas, onde a igualdade de
tratamento é importante, fica a questão sobre se não seria de exigir, nesses
casos, uma prova da diligência processual ou, pelo menos, de boa-fé dos
beneficiados. A lei permite genericamente - sem restrições decorrentes das
condições referidas – a extensão dos efeitos da sentença anulatória a quem
tenha impugnado o mesmo acto noutro processo – solução prevista no n.º 6 do
art. 161.º, que se justifica quando não tenha havido ou pedido haver coligação
ou apensação de processos.
Bibliografia:
Andrade, José Carlos Vieira de – A Justiça Administrativa (Lições)
Cláudia Sofia Monteiro Pereira nº 18083
domingo, 22 de abril de 2012
Notícias do dia - com a intervenção dos Tribunais Administrativos
"Podia ter acontecido uma catástrofe" no Marquês
O vereador lisboeta José Sá Fernandes afirmou este domingo que "podia ter acontecido uma catástrofe" no Túnel do Marquês caso não tivessem sido feitos os estudos ordenados pelo tribunal na sequência da providência cautelar que interpôs contra a obra.
Em declarações à Lusa a propósito do quinto aniversário da abertura ao trânsito do Túnel do Marquês, uma bandeira eleitoral de Pedro Santana Lopes em Lisboa, Sá Fernandes insistiu que esta não era "uma obra essencial" e destacou que o estudo de avaliação/impacte ambiental realizado por ordem do Tribunal Administrativo "permitiu modificar questões estruturais, mas também pontos essenciais como a ventilação e a segurança".
Sá Fernandes interpôs, enquanto advogado, uma providência cautelar em 2004 contra a construção do túnel, alegando falhas no projecto. O tribunal decidiu a paragem da obra e a realização de estudos.
Para o actual vereador da maioria liderada por António Costa (PS), "perante os factos e a ausência dos estudos necessários", o tribunal "não teve alternativa" senão mandar suspender a construção, o que se prolongaria por sete meses.
"Foi uma obra mal preparada e mal estudada. Se o tribunal não a mandasse parar podia ter acontecido uma catástrofe, como aconteceu no Terreiro do Paço com as obras no túnel do metropolitano", sustentou, acrescentando que "o que muitos parecem ignorar é que o túnel que está hoje feito é substancialmente diferente daquele que se pretendia fazer", graças aos contributos dos estudos feitos já durante a obra.
Sá Fernandes acredita que a infra-estrutura "facilita sobretudo a entrada de carros na cidade e não resolve questões de fundo como a mobilidade e a qualidade ambiental em artérias como a Avenida Fontes Pereira de Melo ou a Avenida da Liberdade".
A obra começou a ser construída em 2003, gerando forte contestação, incluindo a providência cautelar que obrigou à paragem da empreitada interposta por José Sá Fernandes. O túnel abriu ao trânsito em 25 de Abril de 2007, mas só há três semanas ficou concluído, com a abertura da saída para a Avenida António Augusto de Aguiar.
in Correio da Manhã, 22 de Abril de 2012
Vânia Canhoto
Aluna nº 18449
COMENTÁRIO
A SENTENÇAS DO TAF DE BRAGA – FACTURAS FALSAS
Ø Sentença
do TAF de Braga de 2009-04-30 – Processo n.º 171/08 BEBRG – relativa a IRC
Ø Sentença
do TAF de Braga de 2009-05-11 – Processo n.º 294/08 BEBRG – relativa a IVA
Proponho-me a dar
a conhecer duas sentenças do Tribunal Administrativo e Fiscal de
Braga que recaíram sobre o mesmo relatório inspectivo, embora uma delas se
debruce sobre as correcções aritméticas em sede de Imposto sobre o Rendimento
das Pessoas Colectivas (IRC) que resultaram daquele relatório e a outra sobre
as correcções aritméticas em sede de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA).
As correcções
aqui em causa, para além de outras que foram efectuadas, tiveram como base
indícios de facturas simuladas, que não correspondiam a verdadeiras prestações
de serviços.
As duas
Impugnações foram distribuídas a dois juízes diferentes e tiveram decisões
diferentes: a decisão relativamente às liquidações de IVA foi
desfavorável à Fazenda Pública; a decisão na Impugnação relativa às
liquidações de IRC foi favorável à Fazenda Pública.
Poderá,
eventualmente, questionar-se a justeza e a coerência, ou a falta delas, no
resultado obtido após estas duas decisões.
Em síntese, a
Administração Fiscal, no âmbito de acção de inspecção procedeu a correcções
aritméticas, as quais deram origem a liquidações adicionais de IRC e IVA.
- Para efeitos de IRC, a Administração Tributária (AT),
considerou que os custos relevados na contabilidade não satisfaziam o
estabelecido no nº 1 do art.º 23.º do Código do IRC, dado que «resultaram
de operação simulada pois, na realidade, não houve qualquer prestação de
serviços efectiva».
- Para efeitos de IVA, a AT, considerou que o IVA deduzido deveria ser corrigido, «nos termos dos nºs 2, 3, 4 e 6 do art.º 19.º do Código do IVA».
O sujeito passivo
interpôs duas Impugnações para o Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga –
uma relativamente às liquidações de IRC e outra relativa às liquidações de IVA.
A decisão foi desfavorável
à Fazenda Pública na Impugnação relativa às liquidações de IVA, mas favorável
relativamente às liquidações de IRC.
- No âmbito do IRC (Processo n.º 171/08 BEBRG)
«A questão a
decidir, é a de saber se as facturas emitidas pela tal firma fornecedora
correspondem a operações comerciais reais ou se são facturas não suportadas por
qualquer negócio económico real e efectivamente realizado entre a Impugnante e
aquele fornecedor e/ou seja, se essas transacções comerciais foram
efectivamente realizadas e não se trataram de negócios fictícios.
( … )
Determina o n.º 1
do art.º 23 do Código do IRC que para o apuramento do imposto devido,
consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para
a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a impostos ou para a manutenção
da fonte produtora.
Daí que seja
curial rejeitar como custos as quantias tituladas por facturas quando, após
averiguações sérias e credíveis, a AT concluiu haver sérios indícios de que
aquelas titulavam operações simuladas e consequentemente, que tais custos não
são reais. E considerando que o IRC visa a tributação do lucro real, não é
permitido a dedução de custos fictícios.
Perante os
indícios concretos e objectivos, à Impugnante competia provar que os custos
eram reais, por corresponderem a prestações de serviço, de mão-de-obra efectivamente
fornecidas que foram efectivamente pagas comprovando os custos contabilizados
nos termos do art.º 23.º do Código do IRC.
Assim, a
Impugnante não logrou, fazer prova de que as facturas emitidas em …
correspondiam a serviços prestados pela sociedade fornecedora, pelo que improcede o vício alegado
pela Impugnante.»
- No âmbito do IVA (Processo n.º 294/08 BEBRG)
«(…) A
primeira questão a decidir, é a de saber se são legais as correcções
aritméticas à matéria tributável efectuadas pela administração tributária e das
quais resultaram as liquidações aqui impugnadas.
(…)
Porque a
liquidação adicional de IVA tem por fundamento o não reconhecimento das
deduções declaradas pela Contribuinte, compete à AT fazer prova de que estão
verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação, constantes do
art.º 82.º n.º 1 do CIVA, ou seja, tendo o juízo da AT assentado na
consideração de que as operações e o valor mencionado nas facturas em causa não
corresponde à realidade, haverá de demonstrar a existência de indícios sérios
de que as operações referidas nas facturas foram simuladas.
(…)
A este propósito,
convirá referir que a administração não se pode limitar a uma fundamentação
formal do juízo que formula quanto à dedução indevida por parte do sujeito passivo.
Exige-se-lhe, ademais, que demonstre o bem fundado desse juízo, provando os
indícios que o sustentam dessa forma possibilitando a conclusão de ser correcta
a sua fundamentação material.
(…)
No caso dos
autos, como resulta da matéria de facto provada, a AT considerou que as
facturas contabilizadas pela Impugnante, não correspondem a efectivas operações,
com base em certos factos indiciários.
A impugnante
alega que os factos recolhidos pela AT não constituem, na sua perspectiva,
indícios sérios e objectivos que, só por si, e com forte probabilidade suportem
a conclusão de que as operações tituladas pelas facturas são simuladas.
A doutrina,
unanimemente, aponta três elementos constitutivos da simulação:
- A
divergência entre a vontade real e a vontade declarada;
- O acordo
simulatório;
- A intenção
de enganar terceiros.
Os indícios
recolhidos relativamente à emitente das facturas respeitam apenas a aspectos
meramente formais e exclusivamente respeitantes ao referido emitente, dos quais
nada se pode extrair relativamente à existência de um acordo simulatório celebrado
entre o emitente das facturas e a impugnante.
(…)
Finalmente,
embora a AT invoque a norma do n.º 4 do art.º 19.º do CIVA para fundamentar as
correcções efectuadas, o certo é que o mesmo resulta inaplicável no caso
concreto.
Por duas razões:
- Em primeiro
lugar a administração tributária não alegou que o prestador de serviços não
entregou nos cofres do Estado o imposto liquidado;
- Em segundo
lugar, nenhum indício relevante foi apresentado no sentido de sustentar que a
Impugnante sabia ou devia saber que a emitente das facturas não dispunha de
adequada estrutura empresarial susceptível de exercer a actividade declarada (o
juízo conclusivo que a administração tributária formulou a este propósito é
insubsistente: da verificação, em alguns contratos celebrados entre a
Impugnante e a emitente das facturas, da exigência de apresentação de
documentos comprovativos da sua situação perante a segurança social não
decorre, como conclusão, que a firma … tinha conhecimento que a empresa
subcontratada não possuía adequada estrutura empresarial susceptível de exercer
a actividade em causa).
Concluindo: os
factos indiciários recolhidos pela administração tributária não permitem
concluir pela simulação das operações tituladas pelas facturas, nomeadamente
na perspectiva da existência de um acordo simulatório entre a Impugnante e o
emitente. Por isso, entendemos que é ilegal a desconsideração do
direito à dedução do IVA por parte da Impugnante o que necessariamente acarreta
a ilegalidade das liquidações impugnadas.»
ü
Comentário Final referente às duas
decisões diferente do TAF de Braga
Após o exposto, e
tendo em consideração as decisões diferentes do TAF de Braga que recaíram sobre
o mesmo relatório da Inspecção Tributária, importa referir que, talvez
encontremos, ou não, algum sentido nesta duplicidade de decisões se ponderarmos
que as exigências de prova decorrentes da lei de um e outro imposto são
diferentes. Enquanto no IRC basta haver sérios indícios de que
certas facturas titulam operações simuladas e consequentemente, que tais custos
não são reais e por isso não aceites, nos termos do art.º 23.º do Código do IRC
– dado que o IRC visa a tributação do lucro real, não é permitida a dedução de
custos fictícios, no IVA, se a Administração Tributária
invocar os nºs 3 e 4 do art.º 19.º do Código do IVA, como foi o caso, então
terá de juntar ao relatório factos concretos que provem o acordo simulatório
existente entre o emitente das facturas e o utilizador com a intenção de
enganar terceiros (neste caso, a Administração Tributária) e que a empresa
utilizadora das facturas sabia ou devia saber que a emitente das facturas não
dispunha de adequada estrutura empresarial susceptível de exercer a actividade
declarada.
sábado, 21 de abril de 2012
O Processo de Partes
Portugal abandonou a visão objetivista, que seridia como seu modelo processual baseada no princípio da legalidade a sua conformação numa atuação administrativa, prosseguindo o interesse público. Nesta concepção, tanto a administração como os particilares não eram considerados partes, pois todo o processo girava em torno do ato administrativo, absorvendo tudo o resto.
Existia uma mera relação de poder, não passando disso mesmo.
É em 1976 que a Constituição faz braço de ferro a essa relação íntima da Administração e o poder jurisdicional, integrando o contencioso administrativo no poder judicial. Contudo, essa separação
não foi logo efetuada de modo claro. Nos dias de hoje regemo-nos por uma concepção subjetivista, tutelando so direitos e as posições jurídicas dos particulares.
Assim sendo, o Tribunal consagra a regra de que tanto a Administração como os particulares, são partes, princípio da igualdade, consagrado no artº 6º do C.P.T.A.. Este artigo possibilita que qualquer uma das partes seja sancionada pelo Tribunal, por litigância de má fé. Já no referente ao regime das custas, qualquer uma das partes pode ser responsabilizada e condenada ao seu pagamento. O princípio de boa fé e cooperação das partes, presente no artº 8º do C.P.T.A., concluem tal ideia. Com esta consagração rompe-se de vez com o elo que ainda ligava o contencioso administrativo português ao modelo objetivista. Passa-se dum processo sem partes, de uma promiscuidade clara entre a Administração e Poder Judicial, a um processo de partes, em que o particular e a Administração, se encontram na mesma situação processual, tendo ambos o dever de colaborar com o Juíz na procura da verdade. O artº 268º da Constituição, bem como o artº 209º, consagram a inclusão do contencioso administrativo no Poder Judicial, bem como a tutela dos direitos e interesses dos administrados.
O Contencioso Português, acolhendo uma tutela subjetivista, traduzida na intervenção dos sujeitos privados, visa a proteção dos seus direitos subjetivos, de acordo com o artº 9º nº 1 do C.P.T.A.
Contudo ao lado dos sujeitos particulares referidos supra, têm de ser considerados o ator popular e o ator público, atuando estes em defesa da legalidade e do interesse público, preservando assim uma vertente objetiva, dentro de um processo organizado de modo subjetivo.
Como conclusão é de enaltecer tal evolução, já que é de louvar a inclusão dos sujeitos das relações multilaterais no processo, trazendo com isso uma maior igualdade e melhor justiça.
José Glória, nº 17830, sub 2
ACESSO DOS PARTICULARES AOS DOCUMENTOS DA ADMINISTRAÇÃO III
ANOTAÇÃO A SENTENÇA DO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO DO CÍRCULO DE LISBOA
CÉLIA REIS*
*Assistente estagiária da Faculdade de Direito de Lisboa e Jurista do
Departamento de Assuntos Jurídicos e Contencioso da CMVM
I. SENTENÇA DO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO DO CÍRCULO DE LISBOA.
“A.,
melhor id. a fls. 2 dos autos, veio requerer a intimação da Comissão do Mercado
de Valores Mobiliários (CMVM) a emitir reprodução da documentação solicitada
pelo requerente em 24.1.2000.
Alega em síntese que, invocando a sua qualidade de
contribuinte e accionista da Companhia B., do Banco C., do Banco D. e do Banco
E., e o art. 48 n°2 da Constituição da República Portuguesa e disposições
aplicáveis do Código de Procedimento Administrativo, solicitou à requerida em
24.1.00 que colocasse à sua disposição o parecer do Banco de Portugal em que
este não se opunha à compra pelo Banco F. de uma posição qualificada nos Bancos
controlados pela Companhia B., não tendo a CMVM satisfeito a sua pretensão no
prazo legal de dez dias de que dispunha para o fazer, em violação dos seus
direitos constitucionalmente consagrados e vertidos ao nível do direito
ordinário no Código de Procedimento Administrativo e na Lei 83/95 de 31.8.
Notificada
a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, alegou, em síntese, na resposta
que apresentou, que o requerimento referido pelo requerente, a solicitar a
emissão da certidão do Parecer do Banco de Portugal, não foi recebido pela
CMVM, pelo que não houve indeferimento de tal pedido, não se verificando,
assim, o pressuposto processual exigido pelo art. 82 da Lei de Processo nos Tribunais
Administrativos, devendo a requerida ser, por isso, absolvida da instância.
Ainda que
assim não fosse, alega a requerida, sempre o pedido de intimação deveria ser
julgado
improcedente,
por a CMVM não ter disponibilidade sobre o documento em causa e estar sujeita a
sigilo profissional quanto às informações nele contidas.
Notificado
o requerente da resposta apresentada pela CMVM, e para se pronunciar, querendo,
sobre o alegado não recebimento do requerimento a solicitar a emissão da
certidão em causa, aquele nada veio dizer.
O
Ministério Público emitiu parecer no sentido do indeferimento do pedido de
intimação, por não resultar provado que o requerente formulou, junto da
autoridade requerida, nos termos do art. 62 do Código de Procedimento
Administrativo, o pedido de emissão da certidão que pretende agora, através deste
meio processual, obter.
Dispõe o
art. 82 n°1 da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos que “a fim de
permitir o uso dos meios administrativos ou contenciosos, devem as autoridades
públicas facultar a consulta de documentos ou processos e passar certidões, a
requerimento do interessado ou do Ministério Público, no prazo de 10 dias,
salvo em matérias secretas ou confidenciais.”
Decorrido
o prazo referido sem que o processo ou documento seja facultado ou a certidão
passada, “pode o requerente, dentro de um mês, pedir ao tribunal
administrativo de círculo a intimação da autoridade para satisfazer o seu
pedido” (n°2).
O meio
processual acessório regulado nos arts. 82 a 85 da Lei de Processo nos
Tribunais
Administrativos,
constituiu um dos afloramentos processuais do direito à informação previsto no
art. 268 n°1 da Constituição da República Portuguesa.
Este
direito à informação tem de ser exercitado, e o seu exercício compreende, in
casu, conforme resulta dos preceitos referidos, duas fases: uma fase pré
judicial, que se inicia com o requerimento dirigido pelo interessado ou pelo
Ministério Público à autoridade pública para que lhe seja facultado o documento
ou processo ou emitida a certidão; e uma fase judicial, que tem início com o
pedido de intimação da autoridade pública a quem foi dirigido o pedido e que o
não satisfez no prazo de dez dias, formulado, no prazo de um mês, pelo
requerente ao Tribunal (neste sentido, Santos Botelho, “Contencioso
Administrativo”, Anot., 2ª ed. Almedina, 1999, p. 444, 445).
Um dos
pressupostos processuais a observar neste meio processual, prende-se com a
necessidade de demonstrar ter sido anteriormente accionada a fase pré judicial.
A possibilidade prevista no n°2 do art. 82 de pedir a intimação da autoridade
pública a facultar o documento ou processo ou emitir a certidão é conferida
apenas se esta não tiver satisfeito, dentro do prazo de dez dias, o pedido que
lhe foi dirigido pelo interessado ou pelo Ministério Público.
A
legitimidade passiva assistirá, neste meio processual, precisamente, à
autoridade pública a quem foi dirigido o pedido e o não satisfez, ao autor da
conduta omissiva.
Ora, no
caso dos autos, não resulta demonstrado que a fase pré judicial foi accionada,
que o requerente tenha formulado à CMVM o pedido de emissão de certidão do
parecer do Banco de Portugal, pedido que esta não tenha satisfeito no prazo de
dez dias sobre a sua recepção.
O
requerente alega tê-lo feito, juntando cópia de requerimento dirigido à
requerida (cfr. fls. 6). Não faz no entanto prova de que tal requerimento tenha
sido entregue à requerida ou, de outra forma, por esta recebido.
Não o faz
nem mesmo quando notificado do teor da resposta desta e para se pronunciar
acerca da questão da não recepção do requerimento, por esta suscitada.
Ora,
constituindo a demonstração de tal facto, pressuposto processual do pedido de
intimação, e não tendo sido feita, deve o pedido ser, com esse fundamento,
indeferido.
Mas,
ainda que assim não fosse, sempre o pedido de intimação formulado pelo
requerente deveria ser rejeitado. Com efeito,não estamos, no caso dos autos, no
âmbito de aplicação do art. 61 do Código de Procedimento Administrativo, isto
é, o pedido em questão não diz respeito a um procedimento administrativo no
qual o requerente tenha um interesse directo, não se trata de um procedimento
por si ou contra si instaurado. E sim, no âmbito das situações previstas nos
arts. 64 ou 65 do Código de Procedimento Administrativo (extensão do direito à
informação prevista no art. 61 a quem prove ter um interesse legítimo no
conhecimento dos elementos solicitados, e princípio da Administração aberta).
Invocando
a sua qualidade de accionista da Companhia B., do Banco C., do Banco D. e do
Banco E., o requerente pretende que a CMVM coloque à sua disposição cópia do
Parecer do Banco de Portugal não se opondo à compra pelo Banco F. de uma
posição qualificada nos bancos controlados pela Companhia B. (Banco C., Banco
D. e Banco E., e/ou G.) - cfr. fls. 6.
O direito
à informação e ao acesso aos documentos administrativos admite restrições, na
medida em que sejam estritamente necessárias à protecção de outros valores
constitucionalmente consagrados.
Trata-se
de um direito análogo a direitos liberdades e garantias, ao qual se aplica o
regime previsto no art. 18 da Constituição da República Portuguesa. Restrições
atinentes à tutela do segredo comercial ou industrial, ou relativo à
propriedade literária, artística ou científica, à intimidade da vida privada, à
segurança interna e externa, à investigação criminal.
Sendo o
parecer pretendido da autoria do Banco de Portugal, entidade dotada de poderes
de autoridade pública, e onde decorre/decorreu o procedimento no âmbito do qual
foi emitido o parecer em causa, a sua cópia deverá ser requerida a essa
autoridade, à qual, como refere a requerida, competirá opor à pretensão as
excepções que entenda aplicáveis.
Alega a
CMVM ter recebido o Parecer em causa no âmbito da cooperação que desenvolve
designadamente
com o Banco de Portugal nos termos dos arts. 373 e 374 do Código dos Valores
Mobiliários,
estando em relação às informações recebidas nesse âmbito, sujeita a sigilo
profissional.
É
efectivamente o que resulta dos arts. 354 e 355 do Código aprovado pelo
Decreto-Lei n° 486/99 de 13 de Novembro.
Daí que,
a recusa de emissão da certidão em questão por parte da CMVM, que não é a
autora do
parecer e
o recebeu com sujeição a sigilo profissional, fosse, in casu,
admissível.
Pelo que,
com este fundamento, sempre se impunha o indeferimento do presente pedido de
intimação.
*
Por tudo
o exposto, tudo visto e considerado, indefiro o pedido de intimação da CMVM
formulado por A..
Custas
pelo requerente, fixando-se a taxa de justiça em 12.000$00 e a procuradoria em
metade
daquela. Registe
e notifique.”
II. ANOTAÇÃO.
Sumário
A LEGITIMIDADE PASSIVA NO EXERCÍCIO DO
DIREITO DOS PARTICULARES DE ACESSO À
INFORMAÇÃO ADMINISTRATIVA.
1.
Procedimentos de cooperação da CMVM.
2.
Utilização da informação recebida através de um procedimento de cooperação num
procedimento
de supervisão contínua: acesso dos particulares à informação administrativa
não procedimental.
2.
(Continuação) Acesso dos particulares à informação administrativa não
procedimental: critério do dominus do processo.
3.
Utilização da informação recebida através de um procedimento de cooperação num
procedimento
de supervisão que se traduza na prática de actos administrativos: acesso dos
particulares
à informação administrativa procedimental.
4.
Conclusões.
A decisão
reproduzida decidiu o pedido de intimação, deduzido contra a Comissão do
Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), para satisfazer um pedido de passagem de
certidão, nos termos do artigo 82.º da Lei de Processo nos Tribunais
Administrativos1 (LPTA).
A decisão
transcrita aborda duas questões fundamentais em sede do meio processual
acessório de intimação para consulta de documentos ou passagem de certidões,
consagrado nos artigos 82.º a 85.º da LPTA, a saber:
i) Um problema
de índole processual: na situação que constituiu objecto dos autos, não
resultou
provado o
preenchimento de um dos pressupostos processuais do meio processual em causa: o
accionamento
pré judicial da autoridade administrativa - nos termos gerais do
acesso à informação administrativa, regulado nos artigos 61.º a 64.º do Código
do Procedimento Administrativo (CPA), quando se trate de informação
procedimental, e na Lei de Acesso aos Documentos da Administração2 (LADA), quando se pretenda o acesso a informação não procedimental - para a
prestação da informação pretendida pelo particular, e o decurso do prazo de
10 dias sobre o pedido dirigido à autoridade administrativa, sem que se mostre
satisfeita a pretensão manifestada.
Com
efeito, estatui o artigo 82.º, n.ºs 1 e 2, da LPTA, que só verificado este
pressuposto se pode
passar ao
accionamento judicial da autoridade administrativa para a consulta de
documentos ou passagem de certidões.
Nos autos
em que foi proferida a decisão transcrita, por não se verificar esse
pressuposto, o Tribunal deparou-se, logo à partida, com a impossibilidade de
deferir o pedido do requerente, porquanto a falta do pressuposto processual em
causa o impediria, segundo os quadros gerais do Direito Processual Civil
(subsidiariamente aplicável ao processo nos Tribunais Administrativos, nos
termos do artigo 1.º da LPTA), de conhecer do mérito da causa, devendo ser
negada a pretensão do requerente.
ii) Uma questão
de natureza material: não obstante a ausência de verificação do pressuposto
processual
referido, o Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa acrescentou que, ainda
que o preenchimento do pressuposto processual tivesse sido assegurado pelo
requerente, não poderia ser deferido o seu pedido, atento o teor do
documento a que pretendia, através dos autos, aceder.Nesta segunda
parte da fundamentação da decisão, o Tribunal abordou a delicada questão de
saber quais são os limites ao exercício do direito de acesso dos
particulares à informação administrativa, consagrado na nossa Lei Fundamental
(artigo 268.º, n.ºs 1 e 2, da Constituição). A própria sentença transcrita refere
esse direito como direito análogo a direitos liberdades e garantias, ao qual
se aplica o regime previsto no artigo 18.º da Constituição, nos termos do
qual (n.º 2) as restrições legais a esse tipo de direito (que só podem ocorrer
nos casos expressamente previstos na
Constituição, não estando na disponibilidade do legislador ordinário) devem limitar-se
ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses
constitucionalmente protegidos.
O Tribunal Administrativo do
Círculo de Lisboa entendeu que, por i) a autoridade dministrativa
requerida
não ser a autora do documento a que o requerente pretendia aceder e ii) por o ter
recebido com sujeição a sigilo profissional, a recusa de emissão de
certidão do documento em causa seria admissível.
O comentário
que se segue cinge-se a esta última questão. Tentamos contribuir para a
delimitação das restrições do exercício ao direito de acesso dos particulares à
informação administrativa, numa situação concreta: quando a informação
(documento) em causa tiver sido produzida por outra autoridade administrativa,
que não a destinatária do pedido, e recebida por esta última no âmbito da cooperação
que estabelece com aquela e, em consequência, sujeita a sigilo profissional. A
análise dividir-se-á em duas partes, sendo feita a análise do regime do direito
dos particulares de acesso àquele tipo de informação administrativa i) quando
ela não assuma natureza procedimental, e ii) quando revista essa
natureza.
As
reflexões que se seguem serão produzidas com base no regime jurídico que
conforma a actuação de uma concreta autoridade administrativa – a CMVM; cremos,
não obstante, que até onde o paralelismo dos regimes jurídicos próprios o
permitir, as conclusões a que chegarmos poderão ser estendidas a qualquer
outra autoridade administrativa.3
A LEGITIMIDADE PASSIVA NO EXERCÍCIO DO
DIREITO DOS PARTICULARES
DE ACESSO À INFORMAÇÃO ADMINISTRATIVA.
Na
sentença que se comenta, colocou-se a questão de saber se a CMVM poderia emitir
certidão4 de um parecer elaborado pelo Banco de Portugal,
tendo o Tribunal entendido que não, uma vez que “Sendo o parecer pretendido
da autoria do Banco de Portugal, entidade dotada de poderes de autoridade pública,
e onde decorre/decorreu o procedimento no âmbito do qual foi emitido o parecer
em causa, a sua cópia deverá ser requerida a essa autoridade, à qual, como
refere a requerida, competirá opor à pretensão as excepções que entenda
aplicáveis.”
A questão
que nos ocupa de seguida é se, e, em caso afirmativo, em que
situações, pode a CMVM permitir aos particulares que exerçam o seu direito
de acesso à informação administrativa, quando estejam em causa documentos
emanados de outras autoridades nacionais.A resposta a esta questão pode não ser
a mesma em todas as situações. Parece-nos curial, para determinar qual seja
essa resposta, proceder à análise das funções que competem à CMVM, e à consequente
determinação do âmbito em que aquela pode deter documentos elaborados por
outras autoridades administrativas. É essa análise que em seguida empreendemos.
1.
Procedimentos de cooperação da CMVM.
É
atribuição da CMVM, nos termos do artigo 4.º, n.º 1, al. b), do seu Estatuto,
exercer as funções de supervisão, nos termos do Código dos Valores Mobiliários
(CódVM).
No âmbito
das suas atribuições, a CMVM coopera, designadamente, com outras autoridades
nacionais
que exerçam funções de supervisão e de regulação do sistema financeiro
(artigos 4.º, n.º 2,al. a), do Estatuto da CMVM e 353.º, n.º 2, do CódVM) -
como é o caso do Banco de Portugal e do Instituto de Seguros de Portugal (cf. o
artigo 374.º, n.º 1, do CódVM).
Os
procedimentos de cooperação estabelecidos no CódVM podem, nomeadamente, consistir
na
realização
de consultas mútuas e na troca de informações, mesmo quando sujeitas
a segredo
profissional
(artigo 374.º, n.º 2, al.s b) e c), respectivamente, do referido Código).
Nos
termos do artigo 373.º do CódVM, a cooperação referida obedece aos princípios
de reciprocidade,de respeito pelo segredo profissional, e de utilização
restrita da informação para fins de supervisão.
Dos
normativos referidos resulta, então, que a cooperação é configurada pelo
legislador como um dos instrumentos ao serviço das atribuições de supervisão
da CMVM.
Os
procedimentos de supervisão consagrados no CódVM englobam figuras de
natureza vária. Cremos poder estabelecer uma cisão (e aqui tomaremos apenas em
consideração os procedimentos de supervisão relevantes para as reflexões que se
seguem) entre a supervisão contínua, que consistirá no permanente
acompanhamento da actividade das entidades sujeitas à sua supervisão (as
referidas no artigo 359.º do CódVM) e do funcionamento dos mercados de valores
mobiliários, designadamente verificando o pontual cumprimento da lei e dos
regulamentos (cf. os artigos 362.º e 360.º, n.º 1, al.s a) e b), do CódVM), e a
supervisão que se traduz na prática de actos administrativos, integrada
pela aprovação de actos, concessão de autorizações, realização de
registos e formulação de ordens e recomendações concretas (artigo
360.º, n.º 1, al.s c), d), e f), respectivamente, do CódVM).
Tanto
numa sede como noutra, pode surgir a inclusão, nos processos organizados
pela CMVM, de documentos da autoria de outras autoridades administrativas; no
caso dos autos em que foi proferida a sentença que ora se comenta, o parecer do
Banco de Portugal destinava-se a integrar um procedimento de supervisão
contínua de certa entidade.
Estamos
em crer que a determinação da resposta à questão que colocámos – pode a CMVM
permitir o acesso à informação administrativa, quando estejam em causa
documentos elaborados por outras autoridades administrativas? – passará,
exactamente, e num primeiro passo, por verificar se o documento em causa se
integra num procedimento de supervisão contínua ou, diversamente, num procedimento
de supervisão que se traduza na prática de acto administrativo.
2.
Utilização da informação recebida através de um procedimento de cooperação num
procedimento
de supervisão contínua: acesso dos particulares à informação administrativa
não procedimental.
Como foi
considerado na decisão que agora se comenta, o parecer do Banco de Portugal a
que o
requerente
pretendia aceder integrava-se num procedimento da competência própria do Banco
de Portugal, e não da CMVM. A CMVM recebeu cópia desse parecer no âmbito das
suas funções de supervisão contínua.
O
exercício, pela CMVM, das suas funções de supervisão contínua não integra
qualquer processo destinado à prática de um acto administrativo. É levado a
efeito um acompanhamento da actividade das entidades sujeitas à supervisão da
CMVM e do funcionamento dos mercados de valores mobiliários, que não tem como
objectivo a prática, a final, de qualquer acto administrativo, mas apenas
manter a CMVM a par da conduta dos agentes do mercado, de modo a poder exercer
as suas competências.
Assim,
todas as informações que sejam incluídas em procedimentos de supervisão
contínua não podem ser consideradas informações procedimentais.
O CPA
estabelece uma clara cisão, no que respeita ao acesso dos particulares à
informação
administrativa,
entre a informação integrada num procedimento administrativo e a restante
informação administrativa. Os artigos 61.º a 64.º do CPA regulam o direito dos
particulares a ser informados pela Administração sobre o andamento e as resoluções
definitivas dos procedimentos (cf. o artigo 61.º, n.º 1, do CPA); já o
artigo 65.º daquele Código, que consagra o princípio da administração aberta
(em consonância com o disposto no artigo 268.º, n.º 2, da Constituição),
refere-se ao acesso a arquivos e registos, mesmo que não se encontre em
curso qualquer procedimento, remetendo a regulação desse acesso para diploma
próprio (a LADA).
Ora,
tendo-se como procedimento administrativo, nos termos do artigo 1.º, n.º 1, do
CPA, a sucessão ordenada de actos e formalidades tendentes à formação e
manifestação da vontade da Administração, e tendo a Administração formas
típicas de manifestação da vontade (o regulamento, o acto, e o contrato
administrativos), temos de concluir que, uma vez que, nos procedimentos de
supervisão contínua, a CMVM não produz qualquer manifestação de vontade segundo
as formas legalmente tipificadas (reduzindo-se a sua actividade ao
acompanhamento dos mercados e respectivos agentes, como referimos já), nos
procedimentos de supervisão contínua da CMVM não estamos perante procedimentos
administrativos.
Do mesmo
modo, a base documental desses procedimentos não pode qualificar-se como rocesso
administrativo, nos termos do artigo 1.º, n.º 2, do CPA, porquanto os
actos e formalidades que se traduzem em documentos não integram qualquer
procedimento administrativo.
Esta
conclusão permite-nos colocar a nossa análise fora do âmbito da informação
procedimental. O acesso aos documentos integrados nos procedimentos de
supervisão contínua da CMVM deve ser considerado no âmbito da informação
administrativa não procedimental que, como se referiu supra, é regida
i) pelo
artigo 268.º, n.º 2, da Constituição, que consagra o direito dos cidadãos de
acederem aos arquivos e registos administrativos, sem prejuízo do disposto na
lei em matérias relativas à segurança externa e interna, à investigação
criminal e à intimidade das pessoas, (sendo o conteúdo desta norma reproduzido
pelo artigo 65.º do CPA), e
ii) pela
LADA.A LADA, que consagra, no seu artigo 1.º, o acesso dos cidadãos aos documentos
administrativos,define com enorme amplitude este conceito, incluindo nele
(artigo 4.º, n.º 1, al. a)), quaisquer suportes de informação gráficos,
sonoros, visuais, informáticos ou registos de outra natureza, elaborados ou detidos
pela Administração Pública, designadamente processos, relatórios, estudos,
pareceres, actas, autos, circulares, ofícios-circulares, ordens de serviço,
despachos normativos internos, instruções e orientações de interpretação legal
ou de enquadramento da actividade ou outros elementos de informação.
Quanto à
delimitação do direito de acesso a tais documentos, o artigo 7.º, n.º 1, da
LADA consagra o direito de todos a acederem à informação. Não obstante,
são estabelecidas três restrições de acesso aos documentos, uma de índole
temporal, e as outras atendendo ao conteúdo dos documentos:
i) quando
se trate de documentos constantes de processos não concluídos, o acesso é
diferido até ao decurso de um ano após a elaboração do documento (artigo
7.º, n.º 4, da LADA);
ii) os documentos
nominativos5 só podem ser comunicados, mediante prévio
requerimento, à pessoa a quem os dados pessoais nele contidos digam respeito,
ou a terceiro que obtenha autorização escrita daquela pessoa ou que demonstre
interesse directo, pessoal e legítimo no acesso ao documento, mas neste último
caso, quando haja parecer da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA)
em sentido favorável à revelação do documento (artigos 8.º e 15.º, n.º 2, da
LADA);
iii) o
acesso a documentos cuja comunicação ponha em causa segredos comerciais,
industriais ou sobre a vida interna das empresas pode ser recusado pela
Administração (artigo 10.º, n.º 1, da LADA)
– a
Administração pode requerer à CADA que se pronuncie sobre a possibilidade de
revelação do documento quando tenha dúvidas sobre a sua qualificação, a natureza
dos dados a revelar ou a possibilidade da sua revelação (artgo 15.º, n.º 3, da
LADA).
Não deixe
de se sublinhar que as restrições indicadas ao acesso a documentos
nominativos e a
documentos
cuja comunicação ponha em causa segredos comerciais, industriais ou sobre a
vida
interna
das empresas são impostas pela tutela de outros direitos
fundamentais protegidos pela
Constituição,
nos termos do regime aplicável aos direitos, liberdades e garantias (artigo
18.º da
Constituição),
e de acordo com o que o artigo 268.º, n.º 2, da Constituiçção, especificamente
nesta sede, prevê. Está em causa, nestas restrições, a protecção do direito da
reserva à intimidade da vida privada, bem como da liberdade de iniciativa
económica.
Há que
averiguar, então, como se aplica o regime descrito à situação que nos ocupa.
Não
obstante a ampla definição da LADA do que seja um documento administrativo,
e da consagração do direito de acesso a favor de todos – o que poderia
indiciar que qualquer documento detido pela
CMVM, é um
documento administrativo ao qual aquela entidade tem de permitir o acesso dos particulares,
independentemente da autoria desse documento - , cremos que o intérprete tem de
retirar designadamente na questão que nos ocupa: a legitimidade passiva no
exercício do direito dos particulares de acesso à informação administrativa.
Os
artigos 12.º e seguintes da LADA fixam o regime do exercício do direito de
acesso. No artigo 14.º,o diploma estatui que em cada departamento
ministerial, secretaria regional, autarquia, instituto e associação pública
existe uma entidade responsável pelo cumprimento da obrigação de permitir o
acesso à informação administrativa. O requerimento de acesso (artigo 13.º) é
apreciado por essa entidade, que, no prazo de 10 dias, deve (entre outras
possibilidades) informar que não possui odocumento e, se for do seu
conhecimento, qual a entidade que o detém (artigo 15.º, n.º 1, al. c)).
As normas
indicadas parecem apontar-nos a solução.Parece que o legislador pretendeu que
os requerimentos de acesso à informação sejam dirigidos às autoridades
administrativas que, quanto ao «processo» a que se pretende aceder, assumam a
função de dominus do processo. Ou seja, quando o legislador diz, no
referido artigo 15.º, n.º 1, al. c), da LADA,que a autoridade administrativa
deve, sendo o caso, informar o requerente que não possui o documento,
não nos parece que esteja aqui em causa uma referência à posse enquanto
situação de facto, ou seja, ao simples facto de, fisicamente, existir uma
cópia de certo documento junto de uma autoridade administrativa,
independentemente de o original ter sido elaborado por outra, no âmbito das
suas
atribuições próprias.
Pelo
contrário, pensamos que o legislador teve em mente, ao referir-se a suportes
de informação
elaborados
ou detidos pela Administração Pública, as situações em que os documentos em causa foram
elaborados ou são detidos pela Administração porque se inserem num «procedimento»
(ainda que não seja um procedimento administrativo na acepção do artigo 1.º,
n.º 1, do CPA) desenvolvido no âmbito das atribuições próprias da autoridade
administrativa em causa.
Em suma,
quando o legislador, no artigo 4.º, n.º 1, al. a), da LADA, refere documentos
administrativos como todos os suportes de informação elaborados ou detidos pela
Administração Pública, quer apenas definir o conceito de documento, não tomando
posição sobre quem – dentro da vasta Administração Pública - deve ser
o destinatário do requerimento de acesso a tais documentos. Designadamente,
o legislador não pode ter querido que possa ser requerida a consulta ou
passagem de certidão de qualquer documento elaborado ou detido por qualquer
autoridade administrativa a qualquer outra autoridade administrativa (sob pena
de criar o caos na gestão das decisões de acesso à informação administrativa...).
Pensamos
que interpretação diversa, pelos resultados a que pode conduzir, e que passamos
a tentar demonstrar, tem de ser rejeitada.
2.
(Continuação) Acesso dos particulares à informação administrativa não
procedimental: critério do dominus do processo.
Voltemos
a focalizar-nos, então, no âmbito dos procedimentos de supervisão contínua da
CMVM.
Tratando-se
de um documento elaborado pela CMVM, ou que, por força da lei, regulamento, ou
determinação
da CMVM, lhe seja enviado pela entidade supervisionada ou pela entidade
gestora do mercado supervisionado, para ser integrado nesse processo, pensamos
que deve considerar-se, sim, estarmos perante documentos administrativos da
CMVM, para efeitos do artigo 4.º, n.º 1, al. a), da LADA, que estarão
sujeitos ao regime supra descrito.
Assinale-se
aqui que, ainda que os documentos a que o requerente pretende aceder,
integrados num procedimento de supervisão contínua da CMVM, não sejam
documentos nominativos ou documentos cuja comunicação ponha em causa segredos
comerciais, industriais ou sobre a vida interna das empresas6 (termos em que o respectivo acesso estaria legalmente condicionado, nos
termos que antes se expuseram, atenta a natureza dos documentos), sempre se
verificará a restrição temporal consagrada no artigo 7.º, n.º 4, da
LADA: o acesso será diferido até um ano após a sua elaboração ou integração no
processo pela CMVM.
Já a
mesma solução não nos parece ser a correcta quando o documento em causa seja um
documento elaborado por outra autoridade administrativa
Com
efeito, o parecer do Banco de Portugal havia sido recebido pela CMVM no âmbito
da cooperação que mantém com aquela autoridade administrativa, tendo sido
integrado num procedimento de supervisão contínua da CMVM.
O parecer foi, portanto,
elaborado por uma outra autoridade administrativa, no âmbito das suas
atribuições
públicas próprias, ou melhor, mais concretamente, no âmbito de um
procedimento
administrativo
próprio do Banco de Portugal. O documento administrativo em causa integrava-se,portanto,
num processo administrativo que integrava os documentos em que se traduziam os
actos e formalidades tendentes à formação e manifestação de vontade do Banco
de Portugal. O Banco de Portugal era a autoridade administrativa com
poderes para a prática do acto administrativo final no procedimento em que se
integrava aquele parecer, não a CMVM. A CMVM, como já referiu, apenas tinha uma
cópia do documento para integrar no processo que documentava a supervisão
contínua da entidade em causa.
Ora,
sendo o Banco de Portugal o dominus do processo administrativo em que se
integra o documento,a autoridade administrativa com ius imperii naquele
concreto processo, nunca poderia ser uma outra entidade – a CMVM - , que nem
sequer teve qualquer participação no procedimento administrativo emque o
parecer se integra, nem foi destinatária do mesmo, a decidir sobre a
possibilidade da respectiva revelação.
O
requerimento de consulta do documento ou de passagem da respectiva certidão
teria,necessariamente, de ser dirigido ao Banco de Portugal, e não à CMVM,
porquanto a CMVM não conhece as excepções que a autoridade
administrativa competente na matéria poderia deduzir para fundamentar a recusa
do requerimento.
Sublinhe-se
que admitir que uma autoridade administrativa, apenas pelo simples facto de ter
em seu poder cópia de um documento elaborado por uma outra autoridade
administrativa, no âmbito de um procedimento administrativo da sua competência
própria, no âmbito das suas atribuições próprias, tivesse poderes para
decidir sobre a possibilidade de revelação desse documento, seria defraudar
as intenções do legislador, contornando a aplicação das disposições legais
que regem a matéria.
Com
efeito, a decisão sobre o acesso à informação administrativa estaria a ser
decidida por alguém que, por não ser a autoridade administrativa dominus do
processo administrativo em que o documento se integra, não teria a informação
suficiente e necessária para poder avaliar o pedido, ou seja, não teria os
elementos suficientes para proceder à ponderação dos interesses em causa (designadamente,
para saber se estaria em causa uma situação que justificasse a aplicação dos
regimes, mais restritivos, do acesso a documentos nominativos ou documentos
cuja revelação ponha em causa segredos comerciais, industriais ou sobre a vida
interna das empresas).7
Termos em
que temos de concluir que, tratando-se de um parecer elaborado pelo Banco de
Portugal, no âmbito de um procedimento administrativo seu, cuja cópia a CMVM
detinha apenas no âmbito de um procedimento de supervisão contínua de
determinada entidade, bem andou o Tribunal Administrativo de Círculo de
Lisboa, na sentença que ora se comenta, ao decidir que não podia ser a CMVM a
decidir sobre a possibilidade de revelação desse documento.
Parece-nos
ser esta a interpretação que resulta da LADA. O acesso a documentos elaborados
por uma autoridade administrativa, ainda que integrados também em «processos»
(administrativos ou não, na acepção do artigo 1.º, n.º 2, do CPA) de outra(s)
autoridade(s) administrativa(s), só pode ser decidido pela autoridade
administrativa que os haja elaborado no âmbito de um processo seu.
Aliás,
para efeitos do regime de acesso fixado na LADA, esses documentos devem ser
havidos
unicamente
como documentos da autoridade administrativa que os elaborou, e de
nenhuma outra. Ou seja, para as autoridades administrativas que não elaboraram
os documentos, ainda que detenham, seja por que motivo for, cópia dos mesmos, não
é aplicável o regime de acesso à informação administrativa fixado na LADA (nem
qualquer outro), porque não se preenche o requisito do artigo 4.º, n.º 1, al.
a) do diploma: face à autoridade administrativa destinatária do
requerimento
de acesso – que não elaborou o documento - , o documento não
é um documento administrativo, nos termos do normativo referido, porque a
autoridade em causa, não obstante deter, fisicamente, uma cópia do documento,
não tem jurisdição sobre o mesmo.
Ora,
concluindo deste modo quanto à aplicação da LADA à situação que nos vem
ocupando, temos de concluir que, quanto aos documentos recebidos de outras
autoridades administrativas nacionais no âmbito da cooperação definida no
artigo 374.º do CódVM, para efeitos dos procedimentos de supervisão contínua
da CMVM (portanto, informação não procedimental), não poderá ser
invocado, perante a CMVM, o regime de acesso aos documentos da Administração
consagrado na LADA.
Assim, em
relação a documentos recebidos de autoridades nacionais com as quais a CMVM
coopera, e que não estão, pelos motivos expostos, sujeitos (junto da CMVM) ao
regime do direito de acesso dos particulares à informação administrativa, rege,
nos termos gerais, o dever de segredo da CMVM,consagrado genericamente
no artigo 354.º, n.º 1, do CódVM, e, especificamente quanto às informações
recebidas das autoridades com que a CMVM coopera, no já referido artigo 373.º
do CódVM, pelo que os documentos em causa não podem ser revelados. Com efeito,
não há nenhuma lei (designadamente a LADA) que imponha ou permita a divulgação
dos elementos sujeitos a segredo (artigo 354.º, n.º 4, do CódVM).
E não se
olvidem os interesses fundamentais que o legislador visou proteger quando
consagrou o dever de sigilo da CMVM:
i) interesses privados – dos
titulares da informação documentada, em que aquela não se torne do
domínio público (protegido
pelo artigo 26.º, n.º 1, da Constituição, tratando-se de informação
abrangida pela reserva da
vida privada), e
ii) interesses públicos - na
medida em que, ao quebrar a relação de confiança estabelecida com outras entidades,
mediante a revelação de informações fornecidas, a CMVM estaria a pôr em causa a
colaboração prestada por essas entidades.
Daí a
relevância da protecção legal do segredo profissional, que neste âmbito
encontra plena aplicação. Pelo que concordamos plenamente com a conclusão a
que chegou a sentença que agora se comenta: “(...) a CMVM ter recebido o
Parecer em causa no âmbito da cooperação que desenvolve designadamente com o
Banco de Portugal nos termos dos arts. 373 e 374 do Código dos Valores Mobiliários,
estando em relação às informações recebidas nesse âmbito, sujeita a sigilo
profissional. É efectivamente o que resulta dos arts. 354 e 355 do Código
aprovado pelo Decreto-Lei n° 486/99 de13 de Novembro. Daí que, a recusa de
emissão da certidão em questão por parte da CMVM, que não é a autora do parecer
e o recebeu com sujeição a sigilo profissional, fosse, in casu,
admissível.”(sublinhado nosso).
Aliás,
aproveitamos ainda o ensejo para acrescentar o seguinte: levando às últimas
consequências a aplicação do critério que tomámos por adequado para determinar
a legitimidade passiva no exercício do direito à informação administrativa,
entendemos que, em certas situações, a CMVM não poderá decidir sobre a
possibilidade de acesso a documentos elaborados por si própria, porque, por não
ser o dominus do procedimento administrativo em que esses documentos se
integram, e, em consequência,eles não constituirem, para si, documentos
administrativos, na acepção do artigo 4.º, n.º 1, al. a), da LADA. Passamos
a explicitar esta ideia. A CMVM tem competências no âmbito dos Mercados de
Valores Mobiliários, que não se inserem em procedimentos em que seja sua a
competência para a prolação da decisão final. A título meramente exemplificativo,
enunciam-se algumas dessas competências:
- nos
processos de autorização de instituições de crédito que sejam filiais de instituições
de crédito cuja sede se localize em país que não seja membro da União Europeia,
ou de instituições de crédito dominadas ou cujo capital ou os direitos de voto
inerentes àquele forem maioritariamente detidos por pessoas singulares
nacionais de país que não seja membro da União Europeia, ou por pessoas colectivas
cuja sede se localize em país que não seja membro da União Europeia, e sempre
que o objecto da instituição de crédito a autorizar compreenda alguma
actividade de intermediação financeira, a CMVM envia ao Banco de Portugal,
a pedido deste, informações sobre a idoneidade dos detentores de
participações qualificadas; não obstante, a autorização da instiuição de
crédito é da competência do Minstro das Finanças, que a pode delegar no Banco
de Portugal8;
- a
CMVM presta as mesmas informações ao Banco de Portugal no caso de alguém
pretender passar a deter participação qualificada em instituição de crédito, e
o objecto dessa instituição de crédito compreender alguma actividade de
intermediação financeira; a competência para a não dedução de oposição ao
projecto daquele que pretende passar a deter a participação qualificada é,
todavia, do Banco de Portugal9;
- a
CMVM troca informações com o Instituto de Seguros de Portugal para efeitos
da verificação do preenchimento dos requisitos legais pelos membros dos órgãos
das sociedades anónimas e das mútuas de seguros10, sendo
essa verificação da competência do Instituto de Seguros de Portugal.
As
informações acabadas de referir hão-de consubstanciar-se em documentos
elaborados pela própria CMVM, que são enviados ao Banco de Portugal e ao
Instituto de Seguros de Portugal, nos exemplos acabados de referir.
Ora,
nesta hipótese, atendendo a que a CMVM elabora os documentos referidos a pedido
de outra autoridade administrativa, cremos que, pela mesma ordem de motivos que
atrás expusemos, também estes não devem ser considerados documentos
administrativos da CMVM, mas sim da autoridade administrativa que tiver
jurisdição sobre o procedimento administrativo em que aquele documento se integrará.
É que a CMVM não tem, também nesta situação, disponibilidade jurídica sobre
os documentos referidos.
E, em
consequência, não obstante tratar-se de documentos administrativos
elaborados pela própria CMVM, esta não será a autoridade administrativa
perante a qual deverá ser invocado o direito de acesso à informação neles
contida, à luz da LADA.
Em
consequência, pensamos que a aplicação correcta das disposições legais que
regem a matéria implica que, também em relação a documentos elaborados pela
CMVM, mas para integrarem procedimento compreendido nas competências e
atribuições de outra autoridade administrativa, deve valer, para a CMVM, o
dever de sigilo consagrado no artigo 354.º, n.º 1, do CódVM, não havendo nenhuma
lei (designadamente a LADA) que imponha ou permita a divulgação dos elementos
sujeitos a segredo (artigo 354.º, n.º 4, do CódVM).
3.
Utilização da informação recebida através de um procedimento de cooperação num
procedimento
de supervisão que se traduza na prática de actos administrativos: acesso dos
particulares
à informação administrativa procedimental.
Além da
situação supra exposta, a CMVM pode ainda deter documentos (ou cópias)
elaborados por outras autoridades administrativas quando esses documentos são
necessários à instrução de processos administrativos. Neste caso, esses
documentos não integram procedimentos de supervisão contínua, mas sim
procedimentos de supervisão que se traduzem na prática de actos
administrativos, ou seja, procedimentos administrativos, propriamente ditos (artigo
1.º, n.º 1, do CPA), sendo necessários, nos termos da lei, à formação e
manifestação de vontade da CMVM.
Sublinhe-se
que a situação apreciada na sentença que se comenta não foi a que ora se passa
a tratar.
Nos autos
de intimação em causa, o documento a que o requerente pretendia aceder não
estava
integrado
em qualquer procedimento administrativo da competência da CMVM.
A título
meramente exemplificativo, enunciam-se algumas situações em que, para a prática
de certos actos administrativos, a CMVM recebe documentos elaborados por outras
autoridades nacionais:
- para o registo
de um intermediário financeiro (requisito necessário ao exercício lícito de
qualquer actividade de intermediação financeira, nos termos do artigo 295.º,
n.º 1, al. a), do CódVM), o processo administrativo junto da CMVM tem de ser
instruído com a autorização do Banco de Portugal (artigos 295.º, n.º 1,
al. a), e 298.º, n.º 3, do CódVM), quando o início da actividade do
intermediário financeiro em causa esteja sujeito a essa autorização;
- para o registo
de uma oferta pública de aquisição (OPA - artigo 114.º do CódVM) das acções
de uma instituição de crédito, o processo administrativo junto da CMVM tem de
ser instruído com a declaração, do Banco de Portugal, de não oposição à
aquisição (artigo 103.º, n.º 1 e 4, do RGICSF);
- para o registo
de uma OPA das acções de uma empresa de seguros, o processo administrativo
junto da CMVM tem de ser instruído com a declaração, do Ministro das
Finanças, de não oposição ao projecto de aquisição (artigo 44.º do DL
94-B/98, de 17 de Abril).
Ora,
neste caso, não obstante a CMVM receber documentos elaborados por outra
autoridade
administrativa,
o dominus do processo administrativo é a própria CMVM; é à CMVM que
compete a prática do acto administrativo que há de pôr termo ao respectivo
procedimento. Nos exemplos avançados, é a CMVM que tem competência para os
registos (dos intermediários financeiros e das OPAs), procedimento de
supervisão especificado no artigo 360.º, n.º 1, al. d), do CódVM.
A
qualificação da informação como procedimental prejudica, desde logo, a
possibilidade de a solução vir a ser a que antes defendemos, para as situações
em que os documentos recebidos de outras autoridades administrativas se
traduzem em informação não procedimental. Tratando-se de informação integrada
em procedimento administrativo, regem, como já referido, os artigos 61.º a 64.º
do CPA, enquanto o procedimento não estiver concluído, e a LADA, depois de
findo o procedimento.
Na
análise que se segue, e mantendo fidelidade ao critério que atrás erigimos como
adequado para determinar de que autoridade administrativa devem os
documentos ser considerados, passa a ser irrelevante se os documentos
integrados no processo administrativo (artigo 1.º, n.º 2, do CPA) são elaborados
pela CMVM, por outras autoridades administrativas, ou pelos próprios
particulares (designadamente, o interessado na prática do acto administrativo,
que requer o início do procedimento administrativo em causa).
Ou seja,
para efeitos da análise que se segue, tomaremos como informação
procedimental, de acordo com o sentido em que o artigo 1.º, n.º 1, do CPA,
aponta, toda a informação relevante para a formação e manifestação da vontade
da Administração Pública, ou seja, toda a informação relevante para a prática
de um determinado acto administrativo pela CMVM.
É que nas situações em que
estão em causa procedimentos de supervisão da CMVM que se traduzem na prática
de actos administrativos, a recepção de documentos elaborados por outras
autoridades administrativas nacionais já não se situa no âmbito da
cooperação meramente para efeitos de supervisão contínua dos mercados e dos
seus agentes.
Esses documentos, que, como
nos exemplos supra citados, provam o preenchimento de certos
requisitos
legais para a prática do acto administrativo que porá termo
ao procedimento, não obstante da autoria de outras autoridades, são, muitas
vezes, elaborados a pedido dos interessados na prática do acto administrativo,
e enviados por estes à CMVM. Mas mesmo sendo enviados pelas outras autoridades
administrativas, são-no no âmbito de um específico procedimento
administrativo, cujo dominus é a CMVM, porquanto é esta a autoridade
competente para a prática do acto administrativo que porá termo ao
procedimento. Logo, os documentos em causa, mesmo quando provenientes de outras
autoridades administrativas, terão de ser considerados como documentos da
CMVM.
Pelo
exposto, a análise que se segue vale para todos os documentos que (ao invés do
que acontecia na hipótese antes analisada) sejam de considerar documentos
administrativos da CMVM, por se integrarem em procedimento administrativo
da competência da CMVM, sejam elaborados por esta autoridade, por outras, ou
pelos particulares.
Nos
termos dos artigos 61.º, n.º 1, e 64.º, n.º 1, do CPA, têm direito a ser
informados sobre o
andamento
dos procedimentos administrativos e sobre os respectivos actos administrativos
finais os particulares que neles sejam directamente interessados, e
ainda as pessoas que provem ter interesse legítimo no conhecimento dos
elementos que pretendam. Esse direito à informação pode ser exercido mediante
pedido de prestação de informações, de consulta do processo ou de passagem de
certidão (artigos 61.º, n.º 2, e 63.º, n.ºs 1 e 3, respectivamente, do CPA).
Ficam
excluídos da possibilidade de exercício deste direito os documentos
classificados ou que
revelem segredo
comercial ou industrial ou segredo relativo à propriedade literária, artística
ou científica (artigo 63.º, n.º 1, do CPA); também o acesso aos documentos
nominativos fica
condicionado
à exclusão dos dados pessoais que não sejam públicos (artigo 63.º, n.º 2, do
CPA).11
Acresce
ainda que a doutrina administrativista tem vindo a desenvolver a ideia de que a
protecção conferida pelo artigo 62.º, n.º 1, do CPA a “documentos
classificados ou que revelem segredo comercial ou industrial ou segredo
relativo à propriedade literária, artística ou científica” deve ser estendida
aos casos em que esteja em causa a revelação de segredo profissional.12
Mesmo
quando o processo administrativo corresponda à base documental de um
procedimento já terminado, também existem restrições ao direito de acesso
determinadas pelo conteúdo dos
documentos
(cf. os artigos 8.º e 10.º da LADA, quanto aos documentos nominativos e àqueles
cuja revelação ponha em causa segredos comerciais, industriais ou sobre a vida
interna das empresas; e parece que a protecção de documentos sujeitos a segredo
profissional, defendida no âmbito do acesso a procedimentos administrativos
pendentes, valerá, igualmente, depois de os processos se encontrarem terminados).
Com
efeito, mesmo o direito de acesso dos particulares à informação
administrativa procedimental não encontra uma consagração ilimitada no
nosso ordenamento jurídico. Pelo contrário, é a própria Lei Fundamental que
admite limitações ao exercício daquele direito (cf. o art. 268.º, n.º 2, da Constituição),
que são as que se encontram consagradas nas normas que regulam o exercício de
tal direito, ou seja, o artigo 62.º do CPA, enquanto o processo não está findo,
e os artigos 8.º e 10.º da LADA, depois de terminado o processo administrativo.
Ora,
nesta sede, atenta a natureza administrativa do processo em que os
documentos estão integrados,suscita-se a questão de saber como conjugar o
regime regra de acesso a esses documentos (salvas as excepções, típicas,
a essa acessibilidade) com o dever de segredo que rege a actividade da
CMVM, nos termos do artigo 354.º, n.º 1, do CódVM, em relação a todos os
factos e elementos conhecidos pela CMVM no exercício das suas funções.
Não se
pode admitir que o dever de segredo da CMVM, com a amplitude que é consagrado
no artigo 354.º, n.º 1, do CódVM, frustre, absolutamente, o regime de acesso
dos particulares à informação integrada nos processos administrativos da sua
competência. Esse seria o resultado aparente de uma aplicação puramente literal
da norma, que se tem por inadmissível, uma vez que lesaria um direito fundamental
dos cidadãos, constitucionalmente garantido.
Parece-nos,
contrariamente, que quando se trata de informação administrativa
procedimental, o
regime
aplicável é o fixado na LADA ou nos artigos 61.º a 64.º do CPA (conforme o
processo se ache ou não findo, respectivamente), tratando-se de uma situação em
que, nos termos do artigo 354.º, n.º 4, do CódVM, o dever de segredo cede
porque a revelação dos elementos é não só permitida, como imposta, por lei.
Por isso,
cremos que a CMVM, não obstante o dever de segredo a que está sujeitas, tem a
obrigação de cumprir o regime legal atinente ao direito de acesso dos
particulares à informação administrativa. O dever de segredo quanto a
documentos integrados em procedimentos administrativos só se manterá em relação
aos elementos que, nos termos das próprias normas que regulam o acesso dos
particulares à informação administrativa procedimental, não possam ser
revelados, porque nesse caso não há lei que imponha ou sequer permita a
revelação desses elementos – não se preenche, portanto, a previsão do artigo
354.º, n.º 4, do CódVM, valendo plenamente o dever de segredo estatuído pelo
n.º 1 do mesmo artigo.
Assim,
se, por exemplo, num determinado processo administrativo, estiverem integrados
elementos cuja revelação ponha em causa segredo comercial ou industrial, esses
elementos não podem ser revelados, nos termos do artigo 62.º, n.º 1, do CPA, ou
do artigo 10.º, n.º 1, da LADA, continuando, nessa medida, abrangidos pelo
dever de segredo da CMVM, nos termos do artigo 354.º, n.º 1, do CódVM, não
havendo norma que permita o «levantamento» desse segredo. E por esse motivo – o
facto de os elementos estarem sujeitos, como se disse no exemplo, a segredo
comercial ou industrial e a segredo da CMVM - não pode ser exercido o
direito à informação administrativa procedimental pelos particulares.
Já quanto
aos documentos integrados em processo administrativo da competência da CMVM,
cujo acesso pelos particulares não seja excepcionado pelas normas referidas,
rege o direito de acesso aos mesmos, que a CMVM, enquanto autoridade
administrativa com competência para o efeito, deve garantir, a solicitação dos
interessados.
4.
Conclusões
Das
reflexões que produzimos a propósito da sentença do Tribunal Administrativo do
Círculo de Lisboa, parecem-nos ser de avançar as seguintes conclusões
fundamentais:
i) a
determinação da autoridade administrativa com legitimidade passiva no
exercício do direito à informação administrativa passa pela identificação
da autoridade administrativa que reveste o carácter de dominus do
«processo» (administrativo, na acepção do artigo 1.º, n.º 2, do CPA, ou não) em
causa, da autoridade que tem jurisdição sobre o mesmo;
ii)
tratando-se de informação não procedimental, o acesso à informação é
regido pela LADA,
invocável
contra a autoridade administrativa dominus do «processo»;
iii)
ainda que a CMVM detenha, no âmbito do exercício das suas funções, cópia dessa
informação,elaborada por outra autoridade administrativa, não a pode revelar,
porque, quanto a si, essa informação não está sujeita ao regime da LADA; o dever
de segredo da CMVM – artigos 373.º e 354.º, n.º 1, do CódVM - não é, nesta
situação, excepcionado por qualquer normativo legal;
iv)
tratando-se de informação procedimental, ou seja, toda a informação
relevante para a prática de um determinado acto administrativo pela CMVM, o
acesso à informação é regido pelos artigos 61.º a 64.º do CPA, tratando-se de
procedimento administrativo ainda não findo, ou pela LADA, se o procedimento já
tiver terminado, regimes jurídicos invocáveis contra a autoridade
administrativa dominus do processo administrativo;
v) o
carácter procedimental da informação torna irrelevante a autoria dos documentos
nele integrados;
vi) nas
situações em que o CPA e a LADA excluam a possibilidade de revelação de
elementos
integrados
em processos administrativos, mantém-se, também o segredo profissional da CMVM,
nos termos do artigo 354.º, n.º 1, do CódVM, por não haver norma que imponha ou
sequer permita a sua revelação;
vii) nas
situações em que o CPA e a LADA consagrem o acesso aos elementos integrados em
processos
administrativos da competência da CMVM, fica afastado o seu dever de segredo,
já que há normas legais que impõem a revelação dos elementos (artigo 354.º, n.º
4, do CódVM).
Pelo que
fica exposto, e uma vez que,
i) o
parecer a que o requerente pretendia aceder havia sido elaborado pelo Banco de
Portugal,
ii) o
referido parecer havia sido recebido pela CMVM no âmbito dos procedimentos de
cooperação que, nos termos da lei, estabelece com aquela autoridade, e apenas
para ser utilizado em procedimento de supervisão contínua, e
iii) o referido documento
estava abrangido pelo dever de segredo da CMVM,
cremos ser de sufragar o
decidido pelo Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa, na decisão comentada.
1 Aprovada pelo DL n.º 267/85, de 16 de Julho.
2 Aprovada pela Lei n.º n.º 65/93, de 26 de Agosto, e
alterada pela Lei n.º 8/95, de 29 de Março, e pela Lei n.º 94/99, de 16 de
Julho.
3 Esclarecemos que o regime jurídico a cuja análise se
procederá não é aplicável às informações integradas nos processos de
contraordenação
cujas instrução e decisão são da competência da CMVM (cf. os artigos 360.º,
n.º 1, al. e), e 408.º, n.º 1, do Código dos
Valores Mobiliários, aprovado pelo DL 486/99, de 13 de Novembro, e 9.º, al.
p), do Estatuto da CMVM, aprovado pelo DL 473/99,
de 8 de Novembro, e alterado pelo DL 232/2000, de 25 de Setembro). Não
obstante tratar-se de processos da competência da
CMVM, são processos de contra-ordenação, cujo
regime de acesso é regulado no Código de Processo Penal, aplicável ex vi do
artigo 433/82, de 27 de Outubro, na redacção do Decreto-Lei n.º 244/95, de
14 de Setembro.
4 No caso de tal lhe ter sido solicitado pela via
graciosa, o que, na situação em apreço nos autos, não aconteceu.
5 Quaisquer suportes de informação que contenham dados pessoais, ou seja,
informações sobre pessoa singular, identificada ou
identificável,
que contenham apreciações, juízos de valor ou que sejam abrangidas pela reserva
da intimidade da vida prvada, nos
termos do
artigo 4.º, n.º 1, al.s b) e c), da LADA.
6 Chamamos a atenção para o facto de, atentas as
entidades que estão legalmente sujeitas à supervisão da CMVM (artigo 359.º do
CódVM) e as actividades que exercem, ser recorrente que os documentos em
causa contenham elementos cuja revelação poria em
causa segredos comerciais ou sobre a vida interna das empresas. Sendo o
caso, como vimos já, a CMVM deve recusar o acesso,
podendo pedir parecer à CADA sobre a possibilidade de revelação dos
documentos, se tiver dúvidas quanto à qualificação do
documento. Perante a recusa, ao requerente restará a via jurisdicional da
intimação para consulta de documentos ou passagem de
certidões (artigo 17.º da LADA).
7 Neste sentido se pronunciou também o Tribunal Administrativo do Círculo de
Lisboa, na sentença proferida nos autos de intimação
para
passagem de certidão n.º 963/99, no passo em que afirmou que: “Na verdade o
próprio requerente atribui a autoria de diversos
documentos a entidades estranhas à requerida, na sua maior parte entidades
dotadas de poderes de autoridade pública, e assim
sendo, a ter direito de consulta ou de acesso a tais informações, o pedido
teria de ser dirigido a tais entidades que não à requerida.”(sublinhado nosso). À referida decisão do douto Tribunal nestes autos
parece subjazer também o entendimento de que,
independentemente
de uma autoridade administrativa deter, no âmbito dos procedimentos que são da
sua competência, cópia de
certos
documentos elaborados por outra autoridade administrativa, a consulta ou
passagem de certidão do documento em causa só
pode ser
pedida à autoridade administrativa autora do documento.
8 Cf. os artigos 24.º, 29.º, n.ºs 1 e 2, e 25.º do
Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF), aprovado
pelo DL 298/92, de 31 de Dezembro.
9 Cf. os artigos 103.º, n.º 7, 102.º, e 103.º, n.º 1, do
RGICSF.
10 Cf. o artigo 51.º, n.º 5, do DL 94-B/98, de 17 de
Abril
11 Também o artigo 82.º, n.ºs 1 e 3, da LPTA, relativo ao meio processual para
fazer face à recusa, injustificada, da Administração, do
exercício
do direito de acesso à informação, exclui o dever das autoridades
administrativas de permitirem esse acesso quando estejam
em causa matérias
secretas ou confidenciais, definindo o legislador como tais aquelas em que a
reserva se imponha para
prossecução de interesse público especialmente relevante ou para a tutela
de direitos fundamentais dos cidadãos.
12 MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA / PEDRO COSTA GONÇALVES / J. PACHECO DE AMORIM, Código do Procedimento
Administrativo
anotado, Coimbra, 1997, p. 332. Sublinhe-se que os AA.
referem o artigo 45.º do Código do Mercado de Valores Mobiliários – que, à data
da redacção do texto, regulava o dever de segredo da CMVM, em termos idênticos
aos que hoje resultam do artigo 354.º do
CódVM –
como um parâmetro limitativo da operatividade do regime de acesso à
informação administrativa (ob. cit., p. 325
Orlamdo Martins Aluno 20529 Turma Noite Sub- Truma 2
Subscrever:
Mensagens (Atom)