Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Conflito Negativo de Jurisdição
Processo: 019/11
Data do Acordão:
09-02-2012
Tribunal:
CONFLITOS
Relator: SILVA
SALAZAR Descritores: CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO
Data de Entrada: 07-09-2011
Recorrente: MINISTÉRIO PÚBLICO, NO CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO, ENTRE A 2ª VARA DE COMPETÊNCIA MISTA CÍVEL E CRIMINAL DE GUIMARÃES E O TRIBUNAL ADMINISTRATIVO E FISCAL DE BRAGA
Acordam no Tribunal dos Conflitos:
O Exmo. Magistrado do Ministério Público junto do
Supremo Tribunal Administrativo veio, ao abrigo do disposto nos artigos 115º,
116º e 117° do C.P.C., requerer a resolução do conflito negativo de jurisdição
entre o Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga e a 2ª Vara de Competência
Mista Cível e Criminal de Guimarães, invocando que, em 2004, A………………. e outros
intentaram na dita 2ª Vara acção sob forma ordinária contra o B……………../
C……………..., e a D…………………., alegando, em síntese, que os Réus, nas obras que lhes
tinham sido adjudicadas para construção do lanço de auto-estrada A11/IP9
Braga/Guimarães, procederam a desaterros e movimentações de terras, bem como a
detonação de explosivo para fragmentação de rochas;
no decurso desses trabalhos houve rebentamentos
que deram origem a ondas de choque que abalaram e danificaram a estrutura e as
paredes exteriores e interiores da casa dos Autores, sito no lugar de
………………….., freguesia de Brito, tendo sido projectadas pedras resultantes da
fragmentação das rochas que partiram telhas, vidros e revestimentos de mármores
da dita moradia;
mais alegaram que a construção do referido lanço
de auto-estrada lhes diminuiu a qualidade ambiental, face ao ruído e à trepidação
que passou a existir, e ainda ao facto de terem construído um muro de suporte
de terras.
Por decisão de 28.11.07, porém, o Tribunal de
Guimarães declarou-se materialmente incompetente para conhecer dos pedidos
formulados e absolveu os Réus da instância, considerando para tanto que a causa
de pedir assentava na responsabilidade civil extra-contratual, baseada num
contrato de empreitada de obras públicas celebrado entre a E.P. - Estradas de
Portugal e as concessionárias rés para realização de um serviço público.
Por isso, entendeu tratar-se de uma actuação
inserida numa actividade de cariz ou natureza administrativa, sendo competentes
os Tribunais Administrativos para conhecer de acção, ao abrigo do disposto no
art.° 4°, n.° 1, alínea i), do ETAF.
Por sua vez, o TAF de Braga, por decisão de
14.01.2011, considerou-se igualmente incompetente, em razão da matéria, para
apreciar os pedidos formulados pelos autores, por entender que ao caso sub
judice não se aplicava o regime consagrado no art.° 4°, n.° 1, al. i), do ETAF,
uma vez que os factos que deram origem aos danos cuja indemnização se reclama
remontam a 2000/2002, altura em que não existia norma jurídica que sujeitasse
as sociedades de natureza privada, como os Réus, ao regime específico da
responsabilidade extracontratual do Estado e das demais pessoas colectivas do
direito público.
Colhidos os vistos, cabe decidir.
Em causa está o apuramento do foro competente, se
o comum, se o administrativo, para apreciação de responsabilidade civil por
danos causados a terceiros na execução, por sociedades de natureza privada, de
uma empreitada de obras públicas, tendo por objecto a construção de um lanço de
auto-estrada.
E, como sociedades anónimas que são, constituídas
nos termos da lei comercial, os réus regem-se pelo direito privado,
nomeadamente pela lei comercial, não alterando essa natureza o facto de ao
primeiro ter sido atribuída a concessão de um serviço público, como se vê,
entre outros, dos ensinamentos de Freitas do Amaral, que denomina entidades
como esta como “sociedades de interesse colectivo” (cfr. Curso de Direito
Administrativo, vol. I, p. 562 a 564), considerando ainda o regime da
responsabilidade civil aplicável a estas entidades, exteriores à Administração,
o que vem regulado no Código Civil (cfr. ob. cit., p. 564).
Como também é sabido, a competência material dos
tribunais judiciais é residual, face ao disposto nos art.°s 211º, n.° 1, da CRP,
18º, n.° 1, da LOFTJ aprovada pela Lei n.° 3/99, de 13/01, aplicável, - mas
idêntico ao actual art.° 26°, n.° 1, da LOFTJ aprovada pela lei n.° 52/2008, de
28/08 -, e 66° do CPC.
Assim, como muito bem se aponta no citado douto
parecer, a atribuição de competência aos Tribunais Administrativos dependeria
da aplicação do disposto no art.° 4°, n.° 1, al. i), do ETAF actual, segundo o
qual compete aos Tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação
de litígios que tenham nomeadamente por objecto a responsabilidade civil
extracontratual dos sujeitos privados aos quais seja aplicável o regime
específico da responsabilidade do Estado e demais pessoas colectivas de direito
público.
Na hipótese dos autos, não estamos perante entes
públicos, mas não se trata aqui também de pessoas de direito privado em relação
às quais exista norma legal que as submeta ao regime substantivo da
responsabilidade civil extracontratual aplicável ao Estado ou a outras pessoas
colectivas de direito público, norma essa que nem as partes apontam.
Por isso, dada a falta de disposição legal
substantiva, aplicável na hipótese dos autos, no sentido de atribuir às pessoas
jurídicas de direito privado, no caso, aos réus, o regime substantivo
específico da responsabilidade civil extracontratual respeitante aos entes
públicos, tal regime não lhes é aplicável, o que, determinando a sua exclusão
do disposto naquele art.° 4°, n.° 1, al. i), remete a situação concreta para a
esfera da competência residual dos Tribunais comuns, não competindo aos
Tribunais da ordem administrativa, mas sim aos Tribunais da ordem judicial, o
conhecimento do pedido de indemnização formulado contra sociedade de direito
privado por danos por esta causados ao seu autor no exercício da sua actividade
de construção no âmbito de concessão de obra pública.
É o que resulta do ensinamento de outros acórdãos
do Tribunal dos Conflitos, como o de 17/05/07 (proc. n.° 05/07) e o de 04/11/09
(proc. n.° 06/09), bem como do acórdão do STJ de 10/04/08 (proc. n.° 08B845) e
do acórdão do STA de 25/01/05 (proc. n.° 681/04).
Pelo exposto, acorda-se em declarar materialmente
competente para conhecer da acção em causa o Tribunal da jurisdição comum.
Sem custas.
Lisboa, 09 de Fevereiro de 2012. Manuel José da
Silva Salazar (Relator) - José Manuel da Silva Santos Botelho - Fernando
Pereira Rodrigues - Alberto Augusto Andrade de Oliveira - António da Silva
Gonçalves - Rosendo Dias José .
Rita Mourato Villaverde nº17523
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