terça-feira, 20 de março de 2012


Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Conflito Negativo de Jurisdição

Processo: 019/11
Data do Acordão: 09-02-2012
Tribunal: CONFLITOS
Relator: SILVA SALAZAR

Descritores: CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO

Data de Entrada: 07-09-2011

Recorrente: MINISTÉRIO PÚBLICO, NO CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO, ENTRE A 2ª VARA DE COMPETÊNCIA MISTA CÍVEL E CRIMINAL DE GUIMARÃES E O TRIBUNAL ADMINISTRATIVO E FISCAL DE BRAGA 

Acordam no Tribunal dos Conflitos:
O Exmo. Magistrado do Ministério Público junto do Supremo Tribunal Administrativo veio, ao abrigo do disposto nos artigos 115º, 116º e 117° do C.P.C., requerer a resolução do conflito negativo de jurisdição entre o Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga e a 2ª Vara de Competência Mista Cível e Criminal de Guimarães, invocando que, em 2004, A………………. e outros intentaram na dita 2ª Vara acção sob forma ordinária contra o B……………../ C……………..., e a D…………………., alegando, em síntese, que os Réus, nas obras que lhes tinham sido adjudicadas para construção do lanço de auto-estrada A11/IP9 Braga/Guimarães, procederam a desaterros e movimentações de terras, bem como a detonação de explosivo para fragmentação de rochas;
no decurso desses trabalhos houve rebentamentos que deram origem a ondas de choque que abalaram e danificaram a estrutura e as paredes exteriores e interiores da casa dos Autores, sito no lugar de ………………….., freguesia de Brito, tendo sido projectadas pedras resultantes da fragmentação das rochas que partiram telhas, vidros e revestimentos de mármores da dita moradia;
mais alegaram que a construção do referido lanço de auto-estrada lhes diminuiu a qualidade ambiental, face ao ruído e à trepidação que passou a existir, e ainda ao facto de terem construído um muro de suporte de terras.
Por decisão de 28.11.07, porém, o Tribunal de Guimarães declarou-se materialmente incompetente para conhecer dos pedidos formulados e absolveu os Réus da instância, considerando para tanto que a causa de pedir assentava na responsabilidade civil extra-contratual, baseada num contrato de empreitada de obras públicas celebrado entre a E.P. - Estradas de Portugal e as concessionárias rés para realização de um serviço público.
Por isso, entendeu tratar-se de uma actuação inserida numa actividade de cariz ou natureza administrativa, sendo competentes os Tribunais Administrativos para conhecer de acção, ao abrigo do disposto no art.° 4°, n.° 1, alínea i), do ETAF.
Por sua vez, o TAF de Braga, por decisão de 14.01.2011, considerou-se igualmente incompetente, em razão da matéria, para apreciar os pedidos formulados pelos autores, por entender que ao caso sub judice não se aplicava o regime consagrado no art.° 4°, n.° 1, al. i), do ETAF, uma vez que os factos que deram origem aos danos cuja indemnização se reclama remontam a 2000/2002, altura em que não existia norma jurídica que sujeitasse as sociedades de natureza privada, como os Réus, ao regime específico da responsabilidade extracontratual do Estado e das demais pessoas colectivas do direito público.
 As duas decisões transitaram em julgado.
 A Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer no sentido de deverem ser declarados competentes para conhecer da acção em causa os Tribunais Judiciais.
Colhidos os vistos, cabe decidir.
Em causa está o apuramento do foro competente, se o comum, se o administrativo, para apreciação de responsabilidade civil por danos causados a terceiros na execução, por sociedades de natureza privada, de uma empreitada de obras públicas, tendo por objecto a construção de um lanço de auto-estrada.
 Como tem sido entendimento praticamente unânime, a competência em razão da matéria afere-se em função dos termos em que a acção é proposta, sendo determinada pela forma como o autor configura a acção na sua dupla vertente de pedido e de causa de pedir — cfr., a título de exemplo, os acórdãos do T. Conflitos de 91.01.31 (AD 361) e de 2007.05.17 (proc. n.° 5/07), e os acórdãos do STA de 93.05.13 (proc. n.° 31478), de 96.05.28 (proc. n.° 39911), de 99.03.03 (proc. n.° 40222), e de 2000.09.26 (proc. n.° 46024), apontados naquele douto parecer.
 Ora, na acção em causa são réus, primeiro, B…………………. e C……………………., a quem foi atribuída, ao abrigo do disposto no DL n.° 248-A/99, de 06.07, a concessão da concepção, projecto, construção, financiamento, exploração e conservação do lanço de auto-estrada A11/IP9 Braga - Guimarães (cfr. art.° 42° da petição inicial da acção, a fls. 25-26 destes autos, e art°s. 1° e 2° do referido diploma), e, segundo, D……………………………….., a quem aquele primeiro Réu adjudicou a obra de abertura e construção desse lanço de auto-estrada (cfr. art.° 44° da referida petição, a fls.26).
 Por outro lado, o que os autores pretendem, por meio daquela acção, é a condenação dos Réus no pagamento de indemnizações por prejuízos decorrentes de danos causados nas casas de que são proprietários em consequência dos trabalhos de construção do referido lanço de auto-estrada, os quais se prolongaram até meados de 2003.
E, como sociedades anónimas que são, constituídas nos termos da lei comercial, os réus regem-se pelo direito privado, nomeadamente pela lei comercial, não alterando essa natureza o facto de ao primeiro ter sido atribuída a concessão de um serviço público, como se vê, entre outros, dos ensinamentos de Freitas do Amaral, que denomina entidades como esta como “sociedades de interesse colectivo” (cfr. Curso de Direito Administrativo, vol. I, p. 562 a 564), considerando ainda o regime da responsabilidade civil aplicável a estas entidades, exteriores à Administração, o que vem regulado no Código Civil (cfr. ob. cit., p. 564).
Como também é sabido, a competência material dos tribunais judiciais é residual, face ao disposto nos art.°s 211º, n.° 1, da CRP, 18º, n.° 1, da LOFTJ aprovada pela Lei n.° 3/99, de 13/01, aplicável, - mas idêntico ao actual art.° 26°, n.° 1, da LOFTJ aprovada pela lei n.° 52/2008, de 28/08 -, e 66° do CPC.
Assim, como muito bem se aponta no citado douto parecer, a atribuição de competência aos Tribunais Administrativos dependeria da aplicação do disposto no art.° 4°, n.° 1, al. i), do ETAF actual, segundo o qual compete aos Tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham nomeadamente por objecto a responsabilidade civil extracontratual dos sujeitos privados aos quais seja aplicável o regime específico da responsabilidade do Estado e demais pessoas colectivas de direito público.
Na hipótese dos autos, não estamos perante entes públicos, mas não se trata aqui também de pessoas de direito privado em relação às quais exista norma legal que as submeta ao regime substantivo da responsabilidade civil extracontratual aplicável ao Estado ou a outras pessoas colectivas de direito público, norma essa que nem as partes apontam.
 À data em que ocorreram os factos em que se funda a acção (nos anos de 2001 e 2002 e até meados de 2003), e mesmo em que a acção em causa deu entrada em Juízo (2004), ainda estava em vigor o regime da responsabilidade do Estado e demais pessoas colectivas de direito público constante do DL n.° 48051, de 21.11.1967, que apenas era aplicável a entidades, funcionários ou agentes públicos, pelo que, face ao princípio geral da aplicação das leis no tempo consagrado pelo art.° 12° do Cód. Civil, não era, nem é, aplicável aos réus, na situação concreta dos autos, o actual regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas colectivas de direito público, que só por força da Lei n.° 67/2007, de 31/12, é aplicável também a entidades de direito privado.
Por isso, dada a falta de disposição legal substantiva, aplicável na hipótese dos autos, no sentido de atribuir às pessoas jurídicas de direito privado, no caso, aos réus, o regime substantivo específico da responsabilidade civil extracontratual respeitante aos entes públicos, tal regime não lhes é aplicável, o que, determinando a sua exclusão do disposto naquele art.° 4°, n.° 1, al. i), remete a situação concreta para a esfera da competência residual dos Tribunais comuns, não competindo aos Tribunais da ordem administrativa, mas sim aos Tribunais da ordem judicial, o conhecimento do pedido de indemnização formulado contra sociedade de direito privado por danos por esta causados ao seu autor no exercício da sua actividade de construção no âmbito de concessão de obra pública.
É o que resulta do ensinamento de outros acórdãos do Tribunal dos Conflitos, como o de 17/05/07 (proc. n.° 05/07) e o de 04/11/09 (proc. n.° 06/09), bem como do acórdão do STJ de 10/04/08 (proc. n.° 08B845) e do acórdão do STA de 25/01/05 (proc. n.° 681/04).
Pelo exposto, acorda-se em declarar materialmente competente para conhecer da acção em causa o Tribunal da jurisdição comum.
Sem custas.
Lisboa, 09 de Fevereiro de 2012. Manuel José da Silva Salazar (Relator) - José Manuel da Silva Santos Botelho - Fernando Pereira Rodrigues - Alberto Augusto Andrade de Oliveira - António da Silva Gonçalves - Rosendo Dias José .

Rita Mourato Villaverde nº17523

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