A primeira realidade a tomar em consideração é
desde logo o fundamento constitucional do dever de indemnizar da administração
pública, desde que a administração cause um dano, há hoje um fundamento
constitucional dessa responsabilidade no Art.º 22 da CRP.
A
Responsabilidade civil da administração pública é um tema relativamente recente
com a exceção da responsabilidade por erro judiciário (art. 2403º do Código
Civil de 1867), só mais tarde, em Portugal viria a ser consagrada responsabilidade
civil extracontratual das entidades públicas, primeiro, com a reforma do Código
Civil feita em 1930 com o art. 2399º ), e ainda mais tarde surge o Código
Administrativo de 1936 (Relativamente à responsabilidade das autarquias locais dispunham
os artigos 366.º e 367.º).
E
viria a ver alargado o seu âmbito à Administração pública, com o Decreto-lei nº
48.051, de 21 de Novembro de 1967 que veio a fixar o quadro legal da
responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas coletivas
públicas por atos de gestão pública (ficando embora excluídos do seu âmbito os
casos a que fosse aplicável regime diferente constante de leis especiais). Estabelecia
o artigo 1.º do referido Decreto-Lei: «a responsabilidade civil extracontratual
do Estado e demais pessoas públicas no domínio dos actos de gestão pública
rege-se pelo disposto no presente diploma, em tudo o que não esteja previsto em
leis especiais». Estabelecia-se assim o princípio de que a responsabilidade
civil extracontratual do Estado e demais pessoas coletivas públicas no que aos atos
de gestão pública se refere passaria a reger-se por aquele diploma legal. E o
seu artigo 3.º contemplava a responsabilidade civil extracontratual dos
«titulares do órgão e dos agentes administrativos do Estado e demais pessoas
colectivas públicas» perante terceiros pela prática de atos ilícitos que
ofendessem os direitos destes ou as disposições legais destinadas a proteger os
seus interesses (caso tivessem excedido os limites das suas funções ou se, no
desempenho destas e por causa destas, tivessem procedido dolosamente).
A
Constituição de 1933 no seu art. 8º, nº 17, contemplava, entre os direitos dos
cidadãos, o de reparação de toda a lesão efetiva conforme dispuser a lei, mas, sempre
ou quase sempre, ele foi tomado ao contrário do direito a indemnização em caso
de revisão de sentença criminal injusta (art. 8º, nº 20) como dirigindo-se
contra os particulares, e não contra o Estado. Seria com a Constituição de 1976
que o princípio conseguiria ser estabelecido com toda a amplitude, no art. 22º
(21º inicial e, apesar das dúvidas que suscita, intocado até hoje).
A
Administração pública pode ser responsável por atos e omissões praticados ao
abrigo da gestão pública, mas pode ser também responsável por atos e omissões
praticados ao abrigo da gestão privada.
A
responsabilidade da gestão privada da administração pública, é regulada pelo código
Civil.
A
responsabilidade civil pelos atos de gestão pública, à semelhança do que
acontece no âmbito do Direito privado, pode diferenciar dois tipos de Responsabilidade:
contratual ou extracontratual. A responsabilidade contratual é regulada pelo Código
dos Contratos Públicos e a extracontratual por ato de gestão pública, regulada
na Lei 67/2007 de 31 de Dezembro.
Em
termos jurisprudenciais o Tribunal de conflitos tem vindo a considerar atos de
gestão pública «os praticados pelos órgãos ou agentes da Administração no
exercício de um poder público, isto é, no exercício de uma função pública, sob
o domínio de normas de direito público, ainda que não envolvam ou representem o
exercício de meios de coerção» e que são atos de gestão privada «os praticados
pelos órgãos ou agentes da Administração em que esta aparece despida de poder,
e, portanto, numa posição de paridade com o particular ou os particulares a que
os atos respeitam, nas mesmas condições e no mesmo regime em que poderia
proceder um particular, com inteira subordinação às normas de direito privado»
(Acórdão do Tribunal de Conflitos, de 4 de Abril de 2006, Proc. n.º 08/03-70).
Em
termos evolutivos em termos de organização judiciária administrativa chegamos ao
25 de abril de 1974 com a seguinte estrutura, nesta data existia no topo da
hierarquia o Supremo Tribunal Administrativo que estava dependente do conselho
de ministros, duas auditorias administrativas, uma em Lisboa e outra no Porto,
dependentes do Ministério das finanças, e tribunais tributários distritais de
1ª instância, um Tribunal de 2ª instância para matérias fiscais dependentes do
Ministério das finanças, que também tinha na sua dependência duas auditorias
fiscais que conheciam de matéria aduaneira.
Com
o DL 250/74 o STA e as auditorias administrativas passaram para o Ministério da
Justiça, onde estavam integrados os Tribunais Judiciais, mantendo-se, num
entanto os Tribunais fiscais na dependência do Ministério das finanças.
Só
em 1984 com a publicação do ETAF foi estabelecida uma nova organização
judiciária para a jurisdição administrativa. Foram criados 3 Tribunais
administrativos de círculo (Lisboa, Porto e Coimbra) e o STA, trazendo grandes
alterações à justiça administrativa em Portugal, que na estrutura dos tribunais
administrativos que no estatuto do juízes, quer no processo administrativo.
Quanto aos Tribunais deixam de se chamar auditorias passando a Tribunais
administrativos de Circulo e passam de dois para três, quanto aos juízes deixam
de ser nomeados pelo executivo, passando a ser nomeados pelo conselho superior
dos tribunais administrativos e fiscais, órgão idêntico ao conselho superior de
magistratura, no plano processual são introduzidos novos instrumentos processuais
e em especial a responsabilidade civil extracontratual de administração.
Com
a revisão constitucional de 1989, no art. 212 n.º 3 veio a ser atribuída aos
tribunais administrativos a competência para «…dirimir os litígios emergentes
das relações jurídicas administrativas», ficando aqui desde logo expresso a
vontade do poder constituinte obrigar o estado a ciar as condições necessárias
ao alargamento do âmbito da jurisdição administrativa, dotando o pais dos
tribunais administrativos necessários a permitir que todos os litígios
administrativos pudessem ser submetidos à justiça administrativa.
Em
1996 é criado o Tribunal Central Administrativo integrado no Ministério da
justiça, como Tribunal de 2ª instância com uma secção de contencioso
administrativo e outra de contencioso Tributário.
É
com a reforma da justiça administrativa de 2002/2004 que a organização
judiciária administrativa terá a sua modificação mais significativa,
concretizando a vontade expressa em 1989 pelo poder constituinte, com o novo
ETAF de 2002 a criar 16 Tribunais administrativos e fiscais, dois Tribunais
Centrais administrativos e o Supremo Tribunal Administrativo.
Como
ficou expresso, com a evolução da responsabilização da administração pública,
teria que evoluir também simultaneamente a jurisdição administrativa,
fundamentalmente em dois aspetos: tornar a justiça administrativa independente
do poder executivo e alargar a sua jurisdição no sentido da sua aproximação ao
cidadão.
À
luz do art. 51.º, n.º 1, al.h) do ETAF de 1984 nas ações de responsabilidade
civil do estado o critério operativo de repartição de competências entre
Tribunais administrativos e tribunais comuns era a qualificação do ato como de
gestão pública ou de gestão privada
A
independência da justiça administrativa relativamente ao poder executivo e a
sua aproximação em termos físicos às populações veio a permitir alargar o
âmbito da jurisdição administrativa nomeadamente no que se refere à
responsabilidade civil do estado, se anteriormente, a justiça administrativa
estava muito longe dos cidadãos, mais virada para o estado, a partir de 2004 o
cidadão poderia ter um acesso mais próximo à justiça administrativa, e aos
olhos do povo os Tribunais administrativos passaram a ser verdadeiros
Tribunais.
Hoje
em dia é dominante a posição de que os tribunais administrativos são
competentes para apreciar questões de responsabilidade civil extracontratual de
uma pessoa de direito público, deixando de ser relevante a circunstância de a
responsabilidade emergir de um ato de gestão pública ou de gestão privada, nos
termos da al.g) do n.º 1 do art.4º do ETAF. O interesse na distinção entre ato
de gestão pública ou de gestão privada, passa a ser relevante para a
determinação do regime substantivo aplicável, já que quanto ao âmbito de
jurisdição, determinando-se a natureza da entidade cuja responsabilização
extracontratual é requerida, serão competentes os Tribunais Administrativos
caso estejamos perante uma entidade pública. (posição defendida na jurisprudência, conflito 13/07 de 26.09.2007, e
conforme posição de, entre outros, Sérvulo Correia “contencioso
Administrativo”, Diogo Freitas do Amaral e Aroso de Almeida “Grandes Linhas da
Reforma do Contencioso Administrativo).
Este
entendimento, permite-nos avançar que é com a evolução da responsabilidade
civil extracontratual que os tribunais administrativos evoluem para serem
considerados verdadeiros tribunais equiparando-se à justiça dos tribunais
comuns nas suas características essenciais, neste sentido a posição de Santos
Serra “existindo agora uma cláusula
positiva de demarcação da competência da jurisdição administrativa, a fronteira
entre justiça administrativa e a dita justiça comum sai clarificada, e os
tribunais administrativos, esses, ganham um espaço privativo de actuação - um
conjunto nuclear de tarefas que os torna, finalmente, verdadeiros e próprios
tribunais, compondo uma jurisdição administrativa e fiscal autónoma, em tudo
equivalente à chamada jurisdição comum, inclusive no nível de garantias
prestadas a quem se lhe dirige em busca de protecção;” “A Nova Justiça Administrativa e Fiscal
Portuguesa”, Congresso Nacional e Internacional de Magistrados, VI Assembleia
da Associação Ibero-americana dos Tribunais de Justiça Fiscal e Administrativa,
Cidade do México, 28 de Agosto de 2006”
Só
perfilhando deste entendimento se pode sustentar a irrelevância de estarmos
perante um ato de gestão pública ou de gestão privada, que dê origem a
responsabilidade civil extracontratual, para a determinação da competência dos
Tribunais Administrativos ou dos Tribunais comuns. Só existido a confiança do
particular nos tribunais administrativos, na sua independência face ao poder
executivo, poderemos avançar na justiça administrativa, deixando para trás os
seus traumas, e afirmar plenamente a sua autonomia e defender a sua afirmação
como uma justiça plena e capaz de julgar a administração mesmo quando esta
pratica atos de gestão privada que dê origem à sua responsabilidade
extracontratual perante um particular.
Hoje
em dia os Tribunais administrativos são órgãos exclusivamente jurisdicionais, no
plano da responsabilidade civil extracontratual, espaço de atuação da justiça
administrativa inclui hoje: a) todas as questões de responsabilidade civil
extracontratual da Administração, independentemente dessa responsabilidade
emergir de uma atuação de gestão pública ou de gestão privada; 2) as questões
em que haja lugar a responsabilidade civil extracontratual das pessoas
coletivas de direito público, incluindo a resultante do exercício da função
jurisdicional e da função legislativa. (conforme Santos Serra igualmente na
intervenção supra citada).
Se
em termos de âmbito jurisdição administrativa os traumas se encontram superados
parece-nos que em termos substantivos poder-se-ia ter ido mais além do que aquilo
que a Lei n.º 67/2007 prescreve atualmente, uma vez que em primeiro lugar esta limita
a responsabilidade civil por danos decorrentes da função legislativa a atos
voluntários por Acão, ignorando a omissão. E mesmo quanto à acão, exclui os atos
normativos de direito comunitário derivado. Em segundo lugar relega para segundo
plano o reenvio prejudicial para o TJ, ao exigir que seja o TC a declarar a
omissão de atos legislativos, que potencialmente possam estar contrários ao
direito comunitário. Em terceiro lugar, a Lei n.º 67/2007, limita a
indemnização a danos anormais, o que colide frontalmente com a jurisprudência
comunitária.
Concluindo,
estamos perante uma avanço enorme em termos de justiça administrativa, em que
se tentou alcançar um maior equilíbrio entre as obrigações do Estado – a
obrigação de prestar inerente a um estado social, de exercer o Poder do estado e
a obrigação de indemnizar pelos danos causados pelas suas ações. Mas não se
avançou tando como se poderia ter avançado, alguns traumas persistem, os
cidadãos continuam a ter alguma razão de queixa relativamente ao direito interno,
sendo o direito da união europeia a protege-los de forma mais equilibrada, justa
e eficaz.
Paulo Luis Rodrigues Mota
| Aluno 17915 | Sub-turma 2 | Noite
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