quinta-feira, 8 de março de 2012

Breve síntese histórica da justiça administrativa portuguesa até 1997

Antes de “25 de Abril de 1974” 

Em “25 de Abril de 1974” o contencioso administrativo encontrava-se repartido pelo
Supremo Tribunal Administrativo e pelas duas auditorias administrativas, a de Lisboa e a do
Porto.
O Supremo Tribunal Administrativo, funcionava junto da Presidência do Conselho de
Ministros, era composto por juizes livremente nomeados pelo Governo, e circunscrevia a
sua competência contenciosa ao conhecimento dos recursos de actos de ministros e
subsecretários de Estado e de órgãos dirigentes dos serviços personalizados do Estado.
As auditorias administrativas, por sua vez, funcionavam no edifício dos governos civis de
Lisboa e do Porto, e cingiam-se ao contencioso da administração local.

Depois de “25 de Abril de 1974”



No período “post 1974” há importantes momentos para a configuração actual do
contencioso administrativo português.
Desde logo, a Lei constitucional revolucionária n.º 4/74, de 14 de Maio, ao determinar a
exclusividade do exercício das funções jurisdicionais por “tribunais integrados no Poder
Judicial” (art.º 18.º). Em execução de tal desiderato, o Decreto n.º 250/74, de 12 de Junho,
integrou o Supremo Tribunal Administrativo e as auditorias administrativas no Ministério da
Justiça.
Por outro lado, o Decreto-Lei n.º 256-A/77, de 17 de Junho, impôs a fundamentação
obrigatória dos actos administrativos, e consagrou as teses defendidas por Freitas de Amaral
no tocante à execução das sentenças dos tribunais administrativos.
Foi também alargada a competência contenciosa do Supremo Tribunal Administrativo à
sindicabilidade dos actos em matéria administrativa de alguns órgãos superiores do Estado,
presidente da Assembleia da República, Conselho Superior do Ministério Público, 
Governador e Secretários-adjuntos de Macau.


Reforma de 1984/85 

Em 1984 dá-se a única grande reforma do contencioso administrativo.
Se bem que seja inegável um decisivo avanço no sentido da plena jurisdicionalização e
independência dos tribunais administrativos, a verdade é que tal reforma teve como
principal motivo próximo o descongestionamento do enorme número de processos em atraso,
através do que veio a redundar numa mera reorganização de competências de uns tribunais
para outros, analisada em sucessivas transferências de sobrecarga.
Já nessa altura Freitas do Amaral entendia ter sido mais avisado criar um Tribunal
Administrativo Central, de 2.ª instância, entre o Supremo Tribunal Administrativo e os
tribunais administrativos de círculo, a receber competências de ambos e também com
competência exclusiva para as questões relativas ao funcionalismo público.


Projecto de Código do Contencioso Administrativo 

Mais tarde, em 1990, Freitas do Amaral apresentou um Projecto de Código do Contencioso
Administrativo, visando não só “consolidar e alargar as garantias jurisdicionais dos
particulares que são a pedra de toque de um Estado de Direito e de um regime democrático”,
mas também reunir num texto único as matérias relativas ao contencioso e pulverizadas por
muitos diplomas legais.
O art.º 1.º, n.º 1, do Projecto em causa, define o contencioso administrativo como “as questões
litigiosas que envolvam duas ou mais pessoas colectivas públicas ou uma pessoa colectiva

pública e um particular, seja ele indivíduo ou pessoa colectiva privada, que por lei não estejam
submetidas à jurisdição de outros tribunais”, e estabelece a sua especificidade pela existência
de tribunais administrativos e de uma regulamentação própria. Como se vê, pretende
estabelecer-se o critério caracterizador do contencioso administrativo assente na relação
jurídica administrativa.
Por outro lado, projecta-se a consagração do “princípio da plenitude da garantia jurisdicional”,
segundo o qual “a toda a ilegalidade ou ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos,
resultante de acção ou omissão dos poderes públicos, corresponde uma forma adequada de
garantia jurisdicional no âmbito do contencioso administrativo” (art.º 6.º, n.º 1).
Consequentemente, se os meios regulados no Código não forem aptos a proporcionar a plena
garantia jurisdicional dos particulares face à Administração Pública, os tribunais
administrativos utilizarão as formas processuais necessárias a efectivar aquela garantia (art.º
6.º, n.º 2).
O que implica que a violação do princípio da plenitude possa envolver denegação de justiça,
tanto mais que o n.º 3 do art.º 6.º proíbe a abstenção de julgar “sob pretexto de falta ou
obscuridade da lei, carência de provas, inutilidade da decisão ou qualquer outro motivo que
envolva denegação de justiça”.
Acresce que os órgãos da jurisdição administrativa propostos são constituídos pelos Tribunais
Administrativos Regionais, pelo Tribunal Administrativo Central e pelo Supremo Tribunal
Administrativo.

Reforma de 1995 

Em 1995, o Governo fez aprovar na Assembleia da República uma proposta de lei,
pretendendo ser autorizado a legislar sobre o Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais
- Decreto n.º 266/VI.
Contudo, por iniciativa do Presidente da República, o Tribunal Constitucional, através do
Acórdão n.º 472/95, em apreciação preventiva da constitucionalidade, considerou que “[…]o
estatuto dos juizes, enquanto titulares de cada um dos órgãos de soberania não pode deixar de
se considerar como estando incluído no âmbito da norma do art.º 167.º, alínea l), da



Constituição [versão de 1989]. O que vale dizer que quanto a tal matéria - modificação do
estatuto dos juizes - não é legítima a concessão de uma autorização legislativa ao Governo
[...]”, e que, relativamente ao Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais se
trata de matérias que “directa ou indirectamente respeitam ao estatuto dos juizes enquanto
titulares de órgão de soberania”, pelo que “a composição e as competências do Conselho
Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais, nessa parte, pertencem também à reserva
absoluta da Assembleia da República, não sendo admissível que quanto a ela se peça e
conceda autorização legislativa”, vindo a pronunciar-se pela inconstitucionalidade das normas
constantes do art.º 1.º do Decreto n.º 266/VI, quando conjugado com o disposto nas alíneas f) e
g) do seu art.º 2.º.
Consequentemente o Presidente da República vetou o Decreto n.º 266/VI e devolveu-o à
Assembleia da República sem que haja notícia da expurgação das normas julgadas
inconstitucionais, ou da sua confirmação por maioria qualificada.


“Reforma” de 1996/97 

A reforma de 1996 surge no contexto de uma intenção de reforma global do contencioso
administrativo português, consubstanciada numa “Lei Orgânica dos Tribunais Administrativos
e Fiscais” e num “Código de Processo Administrativo Contencioso”
Nessa reforma global, releva a criação de um tribunal intermédio entre os tribunais
administrativos de círculo e o Supremo Tribunal Administrativo, destinado a receber um
grande elenco de competências cujo exercício cabia ao Supremo, por um lado, e a
aproximação do recurso contencioso ao figurino da acção, valorizando-se claramente os
restantes meios processuais principais ou acessórios, incluindo a execução das decisões, no
sentido da plena acessibilidade do cidadão à justiça administrativa, por outro.

Reforma intercalar - Tribunal Central Administrativo
 
Prevenindo a situação de ruptura da Secção do Contencioso Administrativo e no
respectivo Pleno do Supremo Tribunal Administrativo, procedeu-se à criação, desde logo, do
referido tribunal intermédio, que se designa por Tribunal Central Administrativo, única via
para se obter o descongestionamento (possível) da jurisdição administrativa daquele supremo
tribunal.



Cumprimentos,
João Gomes n.º 16422














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