segunda-feira, 12 de março de 2012


Europeização do Contencioso Administrativo

Em Portugal, o tema do Direito Administrativo europeu remonta ao prof. Dr. Marcelo Caetano embora não fosse referido com essa expressão. Inicialmente houve uma “europeização” dos direitos fundamentais fomentada pela criação das Comunidades Europeias e pela crescente harmonização que incidia especialmente sobre matérias económicas. Com o tratado de Maastricht e com a criação da União Europeia propriamente dita houve um aumento da pressão que o Direito da União exercia sobre o direito interno dos estados para que estes se adaptassem àquele e passou a falar-se de europeização ao invés de comunitarização. Esta questão, não meramente terminológica, justifica-se uma vez que a União Europeia possuía mais dois pilares para além do comunitário: o da política externa e de segurança comum e cooperação de justiça e assuntos internos. O alargamento das Comunidades Europeias a matérias não económicas fez com que a europeização dos direitos estaduais passasse a significar, para além de que os direitos nacionais tinham de se adaptar ao direito da União, que o Direito Europeu penetrava nos sistemas jurídicos estaduais.
Após a europeização dos Direitos Constitucionais dos Estados surgiu a europeização nomeadamente do Direito Administrativo já que havia o dever de os estados aplicarem o Direito da União como sua fonte interna e com as inerentes características. A repercussão deste acontecimento no Contencioso Administrativo manifesta-se em questões como a função do Contencioso Administrativo e o seu âmbito, os poderes de cognição do juiz administrativo, o controlo judicial do poder discricionário, de entre outros. Com o surgimento de fontes europeias relevantes em matéria de Contencioso Administrativo tem vindo nos últimos tempos a intensificar-se a europeização.
No entendimento do prof. Dr. Vasco Pereira da Silva, o fenómeno da europeização tem uma dupla vertente: a criação de um Direito Administrativo ao nível europeu e a convergência dos sistemas de Direito Administrativo dos estados-membros da União Europeia. Salienta ainda o ilustre professor que há uma “dependência administrativa do Direito Europeu” e uma “dependência europeia do Direito Administrativo” na medida em que o Direito Europeu só é passível de concretização através do Direito Administrativo e a “introspecção” ou penetração do Direito Europeu nos ordenamentos nacionais tem conduzido a uma aproximação dos Direitos Administrativos vigentes na Europa. Concluímos então que os Direitos Administrativos Europeus não estão sujeitos apenas a influências internas mas também a influências por parte da União Europeia que se manifesta nomeadamente na circunstância de os tribunais administrativos serem, várias vezes, chamados a resolver litígios que envolvem questões de Direito Europeu.
Um dos instrumentos que mais tem contribuído para a europeização é a concessão de providências cautelares pelos tribunais estaduais para assegurar a tutela efectiva dos direitos subjectivos baseados no direito comunitário, figura que deve a sua criação à jurisprudência do Tribunal de Justiça[1].
Em Portugal, só após a reforma de 2004 surgiu um Processo Administrativo destinado à protecção plena e efectiva dos direitos dos particulares e que se pode dizer integrado na lógica de europeização que já se vinha vivendo em outros estados-membros tal como a Alemanha, a França ou a Itália.

A europeização pode suscitar problemas relevantes que convém analisar:
·         Quando há invocação perante um tribunal nacional da invalidade de uma norma ou de um acto de Direito Europeu como devem os tribunais nacionais decidir? O juiz nacional não tem competência para declarar a nulidade ou anular esse acto dado o princípio da separação entre a jurisdição nacional e a europeia mas se pelo menos tiver dúvidas sobre ela e entender que a resposta é condição da boa resolução do litígio está obrigado, mesmo que da sentença do tribunal em causa caiba recurso jurisdicional no âmbito do direito interno, a suscitar perante o TJ a questão prejudicial de apreciação de invalidade do acto de Direito Europeu – caso Foto-Frost[2] – apesar de não estar expressamente previsto no Tratado os estados membros seguem-no pacificamente. A justificação avançada para esta solução é a da aspiração a uma uniformidade de aplicação do Direito Europeu e também por razões de segurança jurídica.
·         Pode ainda suscitar-se a questão da possível violação do princípio da igualdade: para assegurar a efectividade do Direito Europeu, este tem de moldar os direitos nacionais. Não podem os particulares ficar sujeitos a condições mais desfavoráveis no âmbito da aplicação do direito interno do que resultaria da aplicação do Direito Europeu. Como exemplo podemos indicar o caso da responsabilidade extracontratual do estado por incumprimento do Direito Europeu. É sabido que o TJ admite a responsabilidade extracontratual dos estados gerada por actos não normativos nomeadamente os administrativos e os jurisdicionais. O critério para a efectivação da reparação é a reposição da situação hipotética actual e deve também ser esse o critério adoptado quando a violação se dá apenas no plano interno. Está previsto no 4º/2 a), 2ª parte CPTA e na lei também não pode ser (nem é!) outro o critério adoptado (art. 3º nº1 da lei 67/2007). Caso as soluções divergissem poderia gerar-se uma situação de discriminação negativa quando se aplicasse o direito de fonte interna e poderia, no limite, levar à discriminação de nacionais perante não nacionais.
É ainda importante ressalvar que o fenómeno da europeização do Direito Administrativo não pode ser interpretado como destruindo as especificidades que os direitos nacionais apresentam. Esta solução é imposta pelo princípio da subsidiariedade (previsto no Tratado da União Europeia, na versão resultante do Tratado de Lisboa assim como nas anteriores). Os estados-membros devem ser capazes de criar um Direito Administrativo nacional que dê plena eficácia ao Direito Europeu na respectiva ordem interna e no tocante ao Contencioso Administrativo, nomeadamente através de uma justiça célere, de qualidade e eficaz. Se não o conseguirem fazer o Direito Europeu terá de se substituir aos Direitos Administrativos nacionais.
Começa a discutir-se o nascimento de um Direito Administrativo global que já vai em estado adiantado no que diz respeito à OMC mas que ainda não pode ser generalizado.




[1] Tomando como exemplo o acórdão Antonissen de 20 de Fevereiro de 2007. – Processo C-344/95.
[2] Acórdão do Tribunal de Justiça de 22 de Outubro de 1987. – FOTO-FROST contra HAUPTZOLLAMT LUEBECK- OST. – pedido de decisão prejudicial apreciado pelo Finanzgericht Hamburg. – Incompetência dos tribunais nacionais para declararem a invalidade dos actos comunitários – Processo 314/85.


Bibliografia

· SILVA, Vasco Pereira da, O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise, 2ª edição, Almedina, 2009, págs.106 a 150.
· Quadros, Fausto, A europeização do Contencioso Administrativo in Estudos em Homenagem ao prof. Dr. Marcello Caetano no centenário do seu nascimento, 2006.

Leonor Catarina Costa Nunes, 17394

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