segunda-feira, 12 de março de 2012

OS PODERES DO JUÍZ ADMINISTRATIVO

                          OS PODERES DO JUÍZ ADMINISTRATIVO

    Não faria sentido falar nos poderes do juíz administrativo sem falar na evolução do contencioso administrativo. Daí, proponho uma breve referência à evolução deste  para enquadrar e para que seja de melhor compreensão a evolução dos poderes do juíz administrativo.
    Só quando teve lugar a reforma do Contencioso Administrativo, aguardada desde a revisão constitucional de 1989[1], com a aprovação do novo Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (Lei n.º 13/02, de 19/2) e do Código de Processo dos Tribunais Administrativos (Lei n.º 15/02, de 22/2) é que os juízes dos tribunais de jurisdição administrativa e fiscal se tornaram independentes (artigo 3º do ETAF e artigo 216º da CRP) em que a justiça administrativa jurisdicionalizada tornou os Tribunais Administrativos "orgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo" (artigo 1º, nº1 do ETAF e artigo 212º, nº3 CRP), orgãos independentes (artigo 2º do  ETAF) para protecção dos administrados, particulares titulares de direitos e não como objectos do poder[2], afectados por actos lesivos da Administração, associado ao reconhecimento de um direito fundamental de acesso à Justiça Administrativa e deixando para trás o divórcio entre o texto constitucional e a realidade.
    Existe, então, após ruptura com o velho contencioso, Constituição de 1976, uma tutela jurisdicional efectiva não opcional, que foi sendo “aperfeiçoada” ou antes, tem evoluído até aos dias de hoje, quer através das sucessivas revisões constitucionais (nomeadamente as de 1982, de 1989 e de 1997), quer “através da evolução prática constitucional (em especial da legislação e da jurisprudência do Tribunal Constitucional e dos tribunais administrativos)”[3], abandonando-se, asssim, de uma forma evolutiva, a ideia de auto-controlo limitado e objectivo da Administração em prol de um sistema jurisdicionalizado e subjectivo em que o juíz, com poderes idênticos aos outros juízes, um poder pleno só obtido com as reformas de 2002, o poder de julgar e condenar a Administração Pública, um verdadeiro poder de injunção.
    Este poder está intimamente ligado à execução de sentenças dos  tribunais administrativos, jurisdicionalização do Contencioso Administrativo e de natureza subjectivista em que as sentenças não devem ficar dependentes da vontade da Administração, antes têm de ser cumpridas, os tribunais administrativos são verdadeiros tribunais, não são mais orgãos administrativos especiais. Para tal foi de fulcral importância o D. L. Nº 256-A/77 que estabelecia, no âmbito do aperfeiçoamento do regime de impugnação contenciosa, regras que compreendiam a responsabilização civil, disciplinar e penal da Administração e dos seus funcionários por actos e omissões praticadas, não esquecendo no plano da” adequação da realidade legislativa à nova ordem constitucional”[4], os aspectos ligados ao regime de fundamentação dos actos administrativos e a execução das sentenças dos tribunais administrativos. Não obstante, “No respeito pelo princípio da separação e interdependência dos poderes, os tribunais administrativos julgam do cumprimento pela Administração das normas e princípios jurídicos que a vinculam e não da conviniência ou oportunidade da sua actuação”, ou seja, foi , posteriormente, consagrado pela Lei n.º 15/02, de 22/2, no seu artigo 3º, nº1, o CPTA, o limite ao poder de julgar dos tribunais administrativos quanto à actuação da Administração, estamos perante um limite material de legalidade e não de mérito sobre a actuação.
   Com a reforma de 1984/85, depois da Revisão da Constituição em 1982, que veio acentuar a vertente de protecção jurídica invidual, agora no artigo 268, nº3 CRP,  que continua a consagrar uma garantia, “de recurso contencioso, com fundamento em ilegalidade, contra quaisquer actos definitivos e executórios”, mas acrescenta dois outros elementos: que ela diz respeito a tais actos, “independentemente da sua forma”, “bem como para obter o reconhecimento de um direito ou interesse legalmente protegido”[5]. este reconhecimento está directamente ligado à acentuação da dimensção subjectiva do contencioso administrativo. Na sequência da revisão de 1982, surgiram dois diplomas de extrema importância, o D.L. nº 129/84 de 27 de Abril, estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF) e o D.L. nº 267/85 de 16 de Julho (LEPTA) que refletiram uma reforma profunda, a primeira, segundo Sérvulo Correia, “levada a cabo pelo regime democrático institucionalizado pela Constituição de 1976”[6]. De salientar, no âmbito desta reforma, a consagração do princípio do contraditório na organização do recurso de anulação como um verdadeiro processo de partes, em que o particular e Administração possuem, em termos de igualdade,  possibilidade de intervir no processo.
   Seguindo a linha de pensamento que teve início supra, em 1989, na revisão da Constituição, estabeleceu-se que os tribunais administrativos e fiscais constituiriam uma jurisdição própria (artigos 211º e 214º da CRP de 1989), consumando-se assim a institucionalização plena da Justiça Administrativa iniciada em 1976 (Era o fim da confusão entre administrar e julgar)[7]. A este nível, distinto da jurisdação comum, vem associado o reconhecimento de a institucionalização da jurisdição administrativa  tem por “objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais” (artigo 214º, nº 3 de acordo com a numeração da revisão de 1989)[8]. Do ponto substantivo, o legislador constituinte afasta a concepção actocêntrica que caracterizava o Direito Administrativo, tendo agora como figura central a relação jurídica administrativa, processualmente falando, abandona-se a ideia de Contencioso Administrativo como uma realidade objectiva e limitada à verificação da legalidade, consagrando-se agora particulares e Administração como partes num processo, sujeitos processuais, em que o principal objectivo é a protecção dos direitos individuais.
   Com a revisão da Constituição em 1997, assiste-se a uma nova abordagem pelo legislador constituinte no que diz respeito à garantia constitucional de acesso à justiça administrativa. Três pontos essenciais: o primeiro, centra-se no Processo Administrativo que tem como princípio basilar o da protecção plena e efectiva dos direitos dos particulares; o segundo, a consagração de um sistema de jurisdição plena, o juíz goza de todos os poderes necessários e adequados à protecção dos direitos dos particulares, independentemente dos meios processuais ou de se tratar de tutela principal, cautelar ou executiva; por fim em terceiro, inclusão expressa da  impugnação de normas no conteúdo da garantia constitucional.
   Assim, depois de um Contencioso Administrativo que teve origem num recurso hierárquico jurisdicionalizado em que os poderes do juíz eram limitados à anulação dos actos administrativos, surge um contencioso pleno e subjectivo, em que as sentenças dos tribunais administrativos não se defrontam com qualquer limitação, antes devem ter como princípio orientador os direitos dos particulares necessitados de tutela.
    Em jeito de conclusão, podemos dizer que só em janeiro de 2004, quando entram em vigor, finalmente, os diplomas do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (Lei n.º 13/02, de 19/2) e do Código de Processo dos Tribunais Administrativos (Lei n.º 15/02, de 22/2), muito por culpa, também, da adopção demasiado tardia de medidas legislativas e regulamentos complementares, a formação de novos juízes, a instalação de novos tribunais e da vactio legis prevista é que o juíz administrativo tem efectivamente um poder judicial independente, fruto da jurisdicionalização da justiça administrativa que se reflete na efectividade das sentenças aquando da condenação da Administração por actos praticados ou omissões lesivas de direitos dos particulares. O direito contitucionalmente consagrado de acesso à Justiça Administrativa protege os administrados quanto à legalidade dos actos e garante a capacidade dos tribunais administrativos para dirimir os litígios emergentes das relações jurídidas, mas não quanto ao poder discricionário da administração, pois aí já estamos no âmbito da pretensa conveniência ou oportunidade da actuação, na ponderabilidade da actuação, no mérito da decisão da Administração.

Nuno Carvalho
Aluno nº 17913
[1] remonta a 1990 o primeiro anteprojecto de reforma,  Gouveia Martins, Ana  “A Evolução do Contencioso Administrativo na Vigência da Constituição de 1976”;
[2] liberalismo político, Administração agressiva, lógica actocentrica, ideia de executariedade;
[3] Pereira da Silva, Vasco “O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise”, pág. 185;
[4] Pereira da Silva, Vasco “O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise”, pág. 191;
[5] Pereira da Silva, Vasco “O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise”, pág. 196;
[6] Pereira da Silva, Vasco “O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise”, pág. 197;
[7] Estado Liberal, o sistema do administrador-juíz
[8] Pereira da Silva, Vasco “O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise”, pág. 200;

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