A mais óbvia das repercussões resultantes do Código de Processo nos
Tribunais Administrativos (CPTA), prende-se com as implicações subjacentes à introdução
da possibilidade de os tribunais administrativos, condenarem a Administração
à prática de atos administrativos ilegalmente omitidos, e a sua projeção, na tradicional
figura do indeferimento tácito, que o CPA acolheu no seu art. 109.°.
Este é um ponto em que, independentemente
de vir ou não a ter lugar uma revisão do CPA, a entrada em vigor do CPTA se projeta
diretamente sobre o regime consagrado naquele Código.
Na verdade, o CPTA procede à abolição da figura do indeferimento tácito.
É, com efeito, o que resulta do disposto nos arts. 67.°,
nº 1, alínea a), e 51º, nº4 do
CPTA, que excluem a possibilidade da utilização de um meio impugnatório, de
anulação, como modo de reação contra as situações de incumprimento omissivo do
dever de praticar atos administrativos.
E de facto, a partir do momento em que o CPTA introduz a possibilidade de
se proporem ações direcionadas com vista a tutelar pretensões dirigidas à condenação da Administração à prática de atos administrativos
ilegalmente recusados ou omitidos, não se justifica continuar a prever a
impugnação anulatória de indeferimentos tácitos.
Importa no entanto, recordar que a figura do indeferimento tácito só fazia
sentido pela necessidade de ficcionar um objeto de impugnação, no modelo
tradicional do contencioso estritamente impugnatório, de matriz francesa.
Porém, e a partir do momento em que se deixa de fazer depender o acesso à
jurisdição administrativa, da existência de um ato administrativo passível de
impugnação, deixa de ser necessário ficcionar a existência de um tal ato nas
situações em que ele não exista.
A omissão da Administração perante o requerimento do particular, deve ser
tratada como uma omissão pura e simples.
É por isso, e nos mesmos termos, que essa omissão é tratada no CPTA, onde,
e sempre que fala de indeferimento (por
exemplo, nos arts. 69.°, n.º 2, ou 79.°, n.º 4), se refere a um ato
expresso, de conteúdo negativo, e nunca
a uma situação de pura inércia ou omissão, em que não existe qualquer ato
administrativo (o
silêncio da administração não se reconduz a um ato administrativo) e, portanto, não há por que falar de indeferimento (nomeadamente nos arts. 69.°, n.º1, e 79.°, n.º 5).
Com efeito, com a entrada em vigor do CPTA, o art. 109.°, n.º1, do CPA, dever-se á considerar tacitamente revogado,
na parte em que se refere a uma
faculdade de o interessado "presumir
indeferida (a sua) pretensão, para poder exercer o respectivo meio legal de
impugnação".
Face ao mencionado, o preceito deve passar a ser interpretado como
significando que, a falta de decisão administrativa, confere ao interessado a faculdade de lançar mão do meio de tutela
adequado à proteção dos seus interesses.
A partir do momento em que o silêncio da Administração deixa de ter de
ser objeto de um recurso contencioso de anulação, deixa de haver qualquer razão
para que ele continue a ser artificialmente configurado como um ato jurídico
formal, de algum modo equiparado ao ato administrativo, o fantasioso ato de indeferimento tácito.
Tal como atrás referido, o silêncio da Administração pode passar a ser
configurado como um mero facto cuja ocorrência, uma vez decorrido o prazo
legal, abre o acesso à via contenciosa, nas mesmas condições em que muitos
outros factos jurídicos o fazem.
Ora, daqui resulta a desnecessidade e a inconveniência de se querer
continuar a imputar ao silêncio da Administração um sentido negativo.
A partir de 01/01/2004, permanecendo a Administração em silêncio, sem
deferir a pretensão do interessado, não há por que falar de uma faculdade do
interessado de presumir que a Administração indeferiu, para poder reagir
contra esse pretenso indeferimento.
Só por razões atávicas se há-de querer continuar a ver na inércia da
Administração uma atitude de sentido negativo.
O interessado está confrontado com um facto neutro, que é a omissão, que
pode ter sido determinada pelas mais variadas razões e que, só por si, não
exprime uma manifestação de vontade da Administração.
Uma vez expirado o prazo legal e havendo, por isso, uma situação de efetivo
incumprimento do dever de decidir, o interessado tem a possibilidade de
reclamar, de recorrer para o superior hierárquico do órgão omisso ou para o
delegante, porventura para a tutela e, sendo caso disso, para o tribunal
administrativo competente, para valer, pela positiva, o seu direito a uma
decisão que foi ilegalmente preterido.
Quanto ao resto, o regime estabelecido no art.º 109º do CPA, continua a ser
necessário, mesmo na vigência do novo contencioso administrativo, na medida em
que lhe cumpre determinar o prazo a partir do qual se consuma o incumprimento
do dever de decidir, e, portanto, em que o interessado se pode considerar
dispensado de continuar a aguardar a decisão da Administração e legitimado a
fazer valer por outros meios a sua pretensão.
Nuno Cabral
Aluno nº 17942
Subturma 2
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