sábado, 17 de março de 2012

A revogação tácita do art.º 109º do CPA, pelas novas alterações introduzidas no âmbito do Contencioso Administrativo, nomeadamente ao nível do previsto no art.º 66º e segs. do CPTA.


A mais óbvia das repercussões resultantes do Código de Processo nos Tribunais Administra­tivos (CPTA), prende-se com as implicações subjacentes à introdução da possibilidade de os tribu­nais administrativos, condenarem a Administra­ção à prática de atos administrativos ilegalmen­te omitidos, e a sua projeção, na tradicional figura do indeferimento tácito, que o CPA acolheu no seu art. 109.°.

 Este é um ponto em que, inde­pendentemente de vir ou não a ter lugar uma revisão do CPA, a entrada em vigor do CPTA se projeta diretamente so­bre o regime consagrado naquele Código.

Na verdade, o CPTA procede à abolição da fi­gura do indeferimento tácito.

 É, com efeito, o que resulta do disposto nos arts. 67.°, nº 1, alí­nea a), e 51º, nº4 do CPTA, que excluem a possibilidade da utilização de um meio impug­natório, de anulação, como modo de reação contra as situações de incumprimento omissivo do dever de praticar atos administrativos.
E de facto, a partir do momento em que o CPTA intro­duz a possibilidade de se proporem ações direcionadas com vista a tutelar pretensões dirigidas à conde­nação da Administração à prática de atos administrativos ilegalmente recusados ou omitidos, não se justifica continuar a prever a impugnação anulatória de indeferimentos tácitos.


Importa no entanto, recordar que a figura do indeferi­mento tácito só fazia sentido pela necessidade de ficcionar um objeto de impugnação, no modelo tradicional do contencioso estritamen­te impugnatório, de matriz francesa.

Porém, e a par­tir do momento em que se deixa de fazer de­pender o acesso à jurisdição administrativa, da existência de um ato administrativo passível de impugnação, deixa de ser necessário ficcionar a existência de um tal ato nas situações em que ele não exista.

A omissão da Administração perante o requerimento do particular, deve ser tratada como uma omissão pura e simples.

É por isso, e nos mesmos termos, que essa omissão é tratada no CPTA, onde, e sempre que fala de indeferimento (por exemplo, nos arts. 69.°, n.º 2, ou 79.°, n.º 4), se refere a um ato expresso, de conteúdo negativo, e nunca a uma situação de pura inércia ou omissão, em que não existe qual­quer ato administrativo (o silêncio da administração não se reconduz a um ato administrativo) e, portanto, não há por que falar de indeferimento (nomeadamente nos arts. 69.°, n.º1, e 79.°, n.º 5).


Com efeito, com a entrada em vigor do CPTA, o art. 109.°, n.º1, do CPA, dever-se á considerar tacitamente revogado, na parte em que se refere a uma faculdade de o interessado "presumir indeferida (a sua) pretensão, para poder exercer o respectivo meio legal de impugnação".

Face ao mencionado, o preceito deve passar a ser interpretado como significando que, a falta de decisão administra­tiva, confere ao interessado a faculdade de lançar mão do meio de tutela adequado à proteção dos seus interesses.


A partir do mo­mento em que o silêncio da Administração dei­xa de ter de ser objeto de um recurso conten­cioso de anulação, deixa de haver qualquer ra­zão para que ele continue a ser artificialmente configurado como um ato jurídico formal, de algum modo equiparado ao ato administrativo, o fantasioso ato de indeferimento tácito.

Tal como atrás referido, o silêncio da Administração pode passar a ser configurado como um mero facto cuja ocor­rência, uma vez decorrido o prazo legal, abre o acesso à via contenciosa, nas mesmas condições em que muitos outros factos jurídicos o fazem.

Ora, daqui resulta a desnecessidade e a in­conveniência de se querer continuar a imputar ao silêncio da Administração um sentido nega­tivo.

A partir de 01/01/2004, permanecendo a Administração em silêncio, sem deferir a pretensão do interessado, não há por que falar de uma facul­dade do interessado de presumir que a Admi­nistração indeferiu, para poder reagir contra esse pretenso indeferimento.

Só por razões atávicas se há-de querer continuar a ver na inércia da Administração uma atitude de sentido negati­vo.

O interessado está confrontado com um fac­to neutro, que é a omissão, que pode ter sido determinada pelas mais variadas razões e que, só por si, não exprime uma manifestação de vontade da Administração.

Uma vez expirado o prazo legal e havendo, por isso, uma situação de efetivo incumprimento do dever de decidir, o interessado tem a possibilidade de reclamar, de recorrer para o superior hierárquico do órgão omisso ou para o delegante, porventura para a tutela e, sendo caso disso, para o tribunal administrativo competente, para valer, pela positiva, o seu direito a uma decisão que foi ilegalmente preterido.

Quanto ao resto, o regime estabelecido no art.º 109º do CPA, continua a ser necessário, mesmo na vigência do novo contencioso administrativo, na medida em que lhe cumpre determinar o prazo a partir do qual se consuma o incumprimento do dever de decidir, e, portanto, em que o interessado se pode considerar dispensado de continuar a aguardar a decisão da Administração e legitimado a fazer valer por outros meios a sua pretensão.


Nuno Cabral
Aluno nº 17942
Subturma 2

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