Os poderes de pronúncia do
tribunal estão consagrados expressamente no art. 71º CPTA, tal como indicado na
epígrafe. Está em causa saber até onde pode o tribunal decidir incidindo o
maior problema sobre as situações que, não sendo vinculadas, atribuem à Administração
uma ampla margem de conformação da sua decisão. O que se pretende no fundo com
este artigo é tentar alcançar um equilíbrio entre a tutela dos direitos dos particulares
mas também a necessidade de assegurar que o juiz não interfira no âmbito da
esfera própria da Administração (revela uma consagração do regime previsto no
art. 3º nº1 CPTA). Nas palavras do Prof. Dr. Sérvulo Correia, “o problema não
é, com efeito, que o juiz administrativo exerça o poder de injunção, mas antes
que ele vele por mantê-lo no quadro da função jurisdicional do Estado”[1].
Os poderes de pronúncia dos
tribunais administrativos são diferentes consoante estejam em causa poderes
vinculados ou discricionários da Administração. Quando é um acto vinculado
entende-se que o juiz, pela mera aplicação da lei, pode condenar a Administração,
sem mais, a praticar o acto devido sem que isso implique uma ingerência nas
tarefas da Administração. É aquilo a que se chama “sentenças de condenação em
sentido estrito”. Por outro lado, se estiver em causa um poder discricionário,
apenas será possível que o tribunal, verificando a ilegalidade do acto de
indeferimento ou da omissão, remeta a questão ao órgão competente para este a
resolver mediante as vinculações que o juiz entender que se devem verificar no
caso. Estamos neste caso perante as “sentenças indicativas”.
Deve entender-se que, à
semelhança do que acontece no Direito Alemão que influenciou esta norma, o juiz
administrativo deve envidar todos os esforços para poder proferir uma sentença
de condenação em sentido estrito. Isto acontecerá quando estiver em causa um
poder vinculado ou quando, sendo um poder discricionário, se verifique o que
costuma ser chamado pela doutrina de situações de redução da discricionariedade
a zero. Mas, mesmo quando esteja em causa uma omissão, o juiz não se pode
limitar a verificar a ilegalidade e remeter a questão para a Administração, tem
de reconhecer do fundo da causa e pronunciar-se sobre o direito alegado pelo
particular.
Entende-se que, quando estão em
causa poderes vinculados, não há uma colisão entre o princípio da separação de
poderes e a condenação da Administração e até temos esta situação consagrada no
CPTA, nomeadamente nos artigos 3º nº3 e 167 nº6 onde se admite a prolação de
sentenças substitutivas de actos administrativos. Já no exercício de poderes
discricionários (que são considerados limites à possibilidade de condenação
judicial à prática do acto devido pela Administração) o debate assume outros
contornos. O juiz pode, e tem que, “explicitar as vinculações a observar pela Administração
na emissão do acto devido”[2]
mas ainda assim resta uma margem (ainda que pequena) de discricionariedade onde
o poder judicial não pode interferir.
É ainda importante referir que o
art. 71º nº2 admite que seja proferida uma sentença condenatória em sentido
estrito quando esteja em causa uma redução da discricionariedade a zero. Daqui
pode também retirar-se que o juiz deve esgotar os termos do litígio de tal
forma que terá de apreciar e indicar as vinculações a que a Administração está
obrigada na prática do acto mas também a situação de uma eventual redução da
discricionariedade a zero. Esta figura é um avanço no aperfeiçoamento das formas
de controlo dos poderes discricionários da Administração.
A referência, no art. 3º nº3
CPTA, a poderes “estritamente vinculados” tem duas interpretações possíveis:
1. Entender-se
que não devem ser abrangidas as situações de redução da discricionariedade a
zero; ou
2. Que
estas não são situações de redução da discricionariedade a zero mas sim
situações em que, pela interpretação das normas aplicáveis, se conclui que é um
poder vinculado e não discricionário.
Exemplo dado por HUERGO LORA[3]
é aquele em que a Administração procede à hierarquização das várias opções
possíveis. Se o juiz determinar a ilegalidade da primeira, é possível que
recorra à hierarquização feita e condene a Administração a resolver a situação
em favor do segundo classificado.
Outro exemplo dado pelo mesmo
autor é uma situação em que, existindo apenas duas hipóteses de actuação, a Administração
recusa a prática de determinado acto com base em certos factos, os quais não
surgem provados no processo, conduzindo à invalidade do acto praticado. Se a Administração
não for capaz de carrear para o processo dados novos que permitam sustentar a
posição tomada, nem os tribunais os consigam obter, poderá este último concluir
não existir fundamento possível para o acto de recusa e assim condenar a Administração
à prática do acto recusado ou deverá, ainda assim, limitar-se a devolver o
assunto à Administração? Sem prejuízo de uma análise casuística, nada impede a
consideração de se estar perante uma situação de redução da discricionariedade
a zero pelo que poderá, o juiz, condenar a Administração a praticar o acto no
único sentido possível, de acordo com os dados existentes e provados.
Podemos então dizer que a redução
da discricionariedade a zero tem duas vertentes, que se complementam entre si:
·
Uma em que a interpretação das regras ou
princípio conduz à conclusão de apenas existir uma opção de actuação para a Administração
apesar do poder discricionário que lhe foi conferido e
·
Outra vertente que assenta na constatação de que
a Administração “já esgotou” a sua discricionariedade durante o procedimento ou
na prática do próprio acto (em função da fundamentação do mesmo) e leva o juiz
a poder condenar a Administração à prática de um acto com determinado conteúdo[4].
Será que o deferimento tácito
poderia considerar-se como uma forma de solucionar a inércia da autoridade
administrativa? Sim, mas apresenta outro problema. Quando está em causa um
poder vinculado não surgem grandes problemas pela consagração da figura do
deferimento tácito. Já quando há poderes discricionários envolvidos a questão é
mais controversa porque para a Administração decidir sobre estes casos tem de
ter o maior e melhor conhecimento possível da situação real em apreço e dos
interesses envolvidos.
Assim sendo, o silêncio deverá
continuar a relevar para o efeito da utilização desta acção de condenação à
prática do acto decido em que a Administração exerça o seu poder discricionário
mas tem de haver um especial cuidado para que o juiz não ultrapasse os poderes
de pronúncia que, em tal situação, caibam.
Bibliografia
·
Almeida, Mário Aroso, O Novo regime do Processo nos Tribunais Administrativos, 2ª
edição, pág. 213.
·
Portocarrero, Maria Francisca, Reflexões sobre os poderes da pronúncia do
tribunal num novo meio contencioso - a acção para a determinação da prática
de acto administrativo legalmente devido – na sua configuração no art. 71º do
CPTA, in Separata de ARS IVDICANDI – estudos em homenagem ao prof. Dr.
António Castanheira Neves, volume 3, 2010.
·
Proença, André Rosa Lã País - As duas faces da condenação à prática do
acto devido. Lisboa, 2005. Tese apresentada à Faculdade de Direito de
Lisboa. Págs. 68 a 97.
[1] Les limites au pouvoir d’injonction du juge administratif, in Estudos de Direito Processual Administrativo, Lex, 2002
[4] André
Rosa Lã País Proença - As duas faces da
condenação à prática do acto devido. Lisboa, 2005. Tese apresentada à
Faculdade de Direito de Lisboa.
Leonor Catarina Costa Nunes, 17394
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