sexta-feira, 30 de março de 2012

Âmbito do poder judicial de condenação à prática de acto devido:



Os poderes de pronúncia do tribunal estão consagrados expressamente no art. 71º CPTA, tal como indicado na epígrafe. Está em causa saber até onde pode o tribunal decidir incidindo o maior problema sobre as situações que, não sendo vinculadas, atribuem à Administração uma ampla margem de conformação da sua decisão. O que se pretende no fundo com este artigo é tentar alcançar um equilíbrio entre a tutela dos direitos dos particulares mas também a necessidade de assegurar que o juiz não interfira no âmbito da esfera própria da Administração (revela uma consagração do regime previsto no art. 3º nº1 CPTA). Nas palavras do Prof. Dr. Sérvulo Correia, “o problema não é, com efeito, que o juiz administrativo exerça o poder de injunção, mas antes que ele vele por mantê-lo no quadro da função jurisdicional do Estado”[1].

Os poderes de pronúncia dos tribunais administrativos são diferentes consoante estejam em causa poderes vinculados ou discricionários da Administração. Quando é um acto vinculado entende-se que o juiz, pela mera aplicação da lei, pode condenar a Administração, sem mais, a praticar o acto devido sem que isso implique uma ingerência nas tarefas da Administração. É aquilo a que se chama “sentenças de condenação em sentido estrito”. Por outro lado, se estiver em causa um poder discricionário, apenas será possível que o tribunal, verificando a ilegalidade do acto de indeferimento ou da omissão, remeta a questão ao órgão competente para este a resolver mediante as vinculações que o juiz entender que se devem verificar no caso. Estamos neste caso perante as “sentenças indicativas”.

Deve entender-se que, à semelhança do que acontece no Direito Alemão que influenciou esta norma, o juiz administrativo deve envidar todos os esforços para poder proferir uma sentença de condenação em sentido estrito. Isto acontecerá quando estiver em causa um poder vinculado ou quando, sendo um poder discricionário, se verifique o que costuma ser chamado pela doutrina de situações de redução da discricionariedade a zero. Mas, mesmo quando esteja em causa uma omissão, o juiz não se pode limitar a verificar a ilegalidade e remeter a questão para a Administração, tem de reconhecer do fundo da causa e pronunciar-se sobre o direito alegado pelo particular.

Entende-se que, quando estão em causa poderes vinculados, não há uma colisão entre o princípio da separação de poderes e a condenação da Administração e até temos esta situação consagrada no CPTA, nomeadamente nos artigos 3º nº3 e 167 nº6 onde se admite a prolação de sentenças substitutivas de actos administrativos. Já no exercício de poderes discricionários (que são considerados limites à possibilidade de condenação judicial à prática do acto devido pela Administração) o debate assume outros contornos. O juiz pode, e tem que, “explicitar as vinculações a observar pela Administração na emissão do acto devido”[2] mas ainda assim resta uma margem (ainda que pequena) de discricionariedade onde o poder judicial não pode interferir.

É ainda importante referir que o art. 71º nº2 admite que seja proferida uma sentença condenatória em sentido estrito quando esteja em causa uma redução da discricionariedade a zero. Daqui pode também retirar-se que o juiz deve esgotar os termos do litígio de tal forma que terá de apreciar e indicar as vinculações a que a Administração está obrigada na prática do acto mas também a situação de uma eventual redução da discricionariedade a zero. Esta figura é um avanço no aperfeiçoamento das formas de controlo dos poderes discricionários da Administração.

A referência, no art. 3º nº3 CPTA, a poderes “estritamente vinculados” tem duas interpretações possíveis:

1.       Entender-se que não devem ser abrangidas as situações de redução da discricionariedade a zero; ou

2.       Que estas não são situações de redução da discricionariedade a zero mas sim situações em que, pela interpretação das normas aplicáveis, se conclui que é um poder vinculado e não discricionário.

Exemplo dado por HUERGO LORA[3] é aquele em que a Administração procede à hierarquização das várias opções possíveis. Se o juiz determinar a ilegalidade da primeira, é possível que recorra à hierarquização feita e condene a Administração a resolver a situação em favor do segundo classificado.

Outro exemplo dado pelo mesmo autor é uma situação em que, existindo apenas duas hipóteses de actuação, a Administração recusa a prática de determinado acto com base em certos factos, os quais não surgem provados no processo, conduzindo à invalidade do acto praticado. Se a Administração não for capaz de carrear para o processo dados novos que permitam sustentar a posição tomada, nem os tribunais os consigam obter, poderá este último concluir não existir fundamento possível para o acto de recusa e assim condenar a Administração à prática do acto recusado ou deverá, ainda assim, limitar-se a devolver o assunto à Administração? Sem prejuízo de uma análise casuística, nada impede a consideração de se estar perante uma situação de redução da discricionariedade a zero pelo que poderá, o juiz, condenar a Administração a praticar o acto no único sentido possível, de acordo com os dados existentes e provados.

Podemos então dizer que a redução da discricionariedade a zero tem duas vertentes, que se complementam entre si:

·         Uma em que a interpretação das regras ou princípio conduz à conclusão de apenas existir uma opção de actuação para a Administração apesar do poder discricionário que lhe foi conferido e

·         Outra vertente que assenta na constatação de que a Administração “já esgotou” a sua discricionariedade durante o procedimento ou na prática do próprio acto (em função da fundamentação do mesmo) e leva o juiz a poder condenar a Administração à prática de um acto com determinado conteúdo[4].


Será que o deferimento tácito poderia considerar-se como uma forma de solucionar a inércia da autoridade administrativa? Sim, mas apresenta outro problema. Quando está em causa um poder vinculado não surgem grandes problemas pela consagração da figura do deferimento tácito. Já quando há poderes discricionários envolvidos a questão é mais controversa porque para a Administração decidir sobre estes casos tem de ter o maior e melhor conhecimento possível da situação real em apreço e dos interesses envolvidos.
Assim sendo, o silêncio deverá continuar a relevar para o efeito da utilização desta acção de condenação à prática do acto decido em que a Administração exerça o seu poder discricionário mas tem de haver um especial cuidado para que o juiz não ultrapasse os poderes de pronúncia que, em tal situação, caibam.

Bibliografia


·         Almeida, Mário Aroso, O Novo regime do Processo nos Tribunais Administrativos, 2ª edição, pág. 213.

·         Portocarrero, Maria Francisca, Reflexões sobre os poderes da pronúncia do tribunal num novo meio contencioso - a acção para a determinação da prática de acto administrativo legalmente devido – na sua configuração no art. 71º do CPTA, in Separata de ARS IVDICANDI – estudos em homenagem ao prof. Dr. António Castanheira Neves, volume 3, 2010.

·         Proença, André Rosa Lã País - As duas faces da condenação à prática do acto devido. Lisboa, 2005. Tese apresentada à Faculdade de Direito de Lisboa. Págs. 68 a 97.



[1] Les limites au pouvoir d’injonction du juge administratif, in Estudos de Direito Processual Administrativo, Lex, 2002
[2] Redacção do artigo 71º nº2 CPTA
[3] Las pretensiones de condena en el contencioso asministratif, Arazandi, Navarra, 2000.
[4] André Rosa Lã País Proença - As duas faces da condenação à prática do acto devido. Lisboa, 2005. Tese apresentada à Faculdade de Direito de Lisboa.


Leonor Catarina Costa Nunes, 17394

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