quinta-feira, 15 de março de 2012

Pressupostos Processuais. Pressupostos relativos ao Tribunal

Os pressupostos processuais correspondem ao conjunto de requisitos de admissibilidade do julgamento do mérito da causa, cuja observância se torna indispensável para a regularidade da constituição da instância.
Constituem-se, assim, como condições de admissibilidade[1] para que o Tribunal aprecie o pedido formulado na acção, pronunciando-se sobre o mérito da causa e projectando uma força de caso julgado material, e não, pelo contrário, proferindo uma decisão de mera forma, com projecção de força de caso julgado formal.
Do art. 494.º CPC, com a epígrafe “Excepções dilatórias” e art. 89.º CPTA, cuja epígrafe é “Fundamentos que obstam ao prosseguimento do processo”, extraem-se os principais pressupostos processuais, cuja falta leva à ocorrência de excepções dilatórias, ocasionando, em princípio, a absolvição da instância.
Os pressupostos processuais podem reconduzir-se a pressupostos relativos aos sujeitos do processo (englobando os pressupostos relativos ao tribunal e às partes) e a pressupostos relativos ao objecto do processo.

Neste momento, vamos tratar apenas dos pressupostos relativos ao tribunal

Assim, e na sequência da definição supra, estes pressupostos constituem-se como os requisitos dos quais dependem a competência do tribunal.
O art. 13.º CPTA estabelece que “o âmbito da jurisdição administrativa e a competência dos tribunais administrativos, em qualquer das suas espécies, é de ordem pública e o seu conhecimento precede o de qualquer outra matéria”.
Deste modo, o âmbito da jurisdição administrativa e a competência do tribunal, fixada, segundo o art. 5.º, n.º 1 ETAF, no momento da propositura da acção, deve ser conhecida em primeiro lugar, antes de qualquer outra questão.
O conhecimento da competência do tribunal decorre do preenchimento sucessivo da competência em razão da: jurisdição, matéria, hierarquia e território.

A competência em razão da jurisdição impõe que se verifique se a acção deve ser proposta perante a jurisdição administrativa e fiscal, ou perante os tribunais judiciais (quanto às categorias de tribunais, art. 209.º CRP).
O art. 212.º, n.º 3 CRP estabelece que “compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais”. De igual modo, o art. 1.º n.º 1 ETAF vem reforçar idêntico critério, consagrando “uma cláusula geral de delimitação do âmbito da jurisdição administrativa, em razão da natureza da relação jurídica em litígio”[2].
Não obstante a consagração de tal critério, o art. 4.º ETAF vem delimitar o âmbito da jurisdição administrativa, estabelecendo matérias consideradas incluídas – delimitação positiva (n.º1 do art. 4.º) ou excluídas – delimitação negativa (n.º 2 e 3 do art. 4.º) do âmbito da jurisdição administrativa. Vasco Pereira da Silva realça que “a enumeração em causa é meramente exemplificativa de um critério mais amplo, constante da cláusula geral de qualificação, que delimita o âmbito da jurisdição administrativa em razão da natureza da relação jurídica em litígio” manifestando a sua “«estranheza» perante certas interpretações” que procedem “a análises meramente literais das diferentes alíneas do artigo 4.º do ETAF”[3].
Mário Aroso de Almeida, referindo-se às situações de convergência e divergência entre o art. 1.º n.º 1 e o art. 4.º do ETAF, propõe a sua conjugação nos seguintes moldes[4]:
  • quanto às matérias que já pertenciam ao âmbito da jurisdição por aplicação do princípio geral do art. 1.º, n.º 1, pertencerão, obviamente, à jurisdição administrativa;
  • quanto às matérias divergentes, deve considerar-se a norma do art. 4.º como especial, prevalecendo, assim, sobre o que resultaria do art. 1.º[5];
  • consequentemente, só quanto às matérias que não vêm previstas no art. 4.º ou em legislação avulsa, é que se recorreria ao art. 1.º.

Como ponto prévio às competências em razão da matéria (isto é, quanto à distribuição da competência entre os tribunais administrativos e os tribunais tributários, em razão da qualificação das matérias como de Direito Administrativo ou de Direito Tributário ou Fiscal) e da hierarquia (em função do nível hierárquico do tribunal), importa, previamente, referir que o art. 8.º ETAF consagra como órgãos da jurisdição administrativa e fiscal:
  • O Supremo Tribunal Administrativo, compreendendo uma secção de contencioso administrativo e uma secção de contencioso tributário (arts. 11.º a 30.º do ETAF);
  • Os tribunais centrais administrativos, compreendendo, cada um, uma secção de contencioso administrativo e uma secção de contencioso tributário (arts. 31.º a 38.º ETAF), que se constitui como tribunal de segunda instância; e
  • Os tribunais administrativos de círculo (arts. 39.º a 44.º ETAF) e os tribunais tributários (arts. 45.º a 50.º ETAF), que se constituem como tribunais de primeira instância, podendo funcionar agregados, assumindo então a designação unitária de tribunais administrativos e fiscais (art. 3.º, n.º 3 Decreto-Lei n.º 325/2003)

Assim, e não obstante as competências em razão da matéria e da hierarquia serem distintas (actuando aquela no plano horizontal e esta no plano vertical) e sucessivas, por facilidade de exposição e razões de síntese, menciona-se, em conjunto, as principais disposições legais:
  • A competência do Supremo Tribunal Administrativo encontra-se estabelecida nos art. 24.º e 25.º ETAF (quanto à competência da Secção de Contencioso Administrativo) e nos art. 26.º e 27.º ETAF (quanto à competência da Secção de Contencioso Tributário);
  • A competência dos tribunais centrais administrativos encontra-se definida no art. 37.º ETAF (quanto à competência da Secção de Contencioso Administrativo) e no art. 38.º ETAF (quanto à competência da Secção de Contencioso Tributário);
  • A distinção da competência entre os tribunais administrativos de círculo e os tribunais tributários reside nos arts. 44.º e 49.º ETAF. De realçar que, tal como resulta do art. 44.º ETAF, compete aos tribunais administrativos de círculo, na sua qualidade de tribunais de primeira instância, conhecer “de todos os processos do âmbito da jurisdição administrativa, com excepção daqueles cuja competência, em primeiro grau de jurisdição, esteja reservada aos tribunais superiores e da apreciação dos pedidos que nestes processos sejam cumulados”.

Após a verificação sucessiva do enquadramento da matéria no âmbito da jurisdição administrativa, depois de distribuída a causa pela espécie de tribunal competente e, dentro dessa espécie, pelo tribunal hierarquicamente competente, há que definir qual seja esse concreto tribunal, falamos então da competência territorial.
Claro está, que esta definição só se coloca quando a acção dever ser proposta nos tribunais de 1ª ou 2ª instância, na medida em que o Supremo Tribunal Administrativo é “o órgão superior da hierarquia dos tribunais administrativos e fiscais” (art. 212.º, n.º1 CRP), tendo jurisdição em todo o território nacional, cfr art. 1.º Decreto-Lei n.º 325/2003.
Este diploma legal, fundamental na delimitação da competência territorial, foi alterado pelos Decretos-Lei n.º 182/2007 e 190/2009.
Está assim em causa saber:
  • Em qual concreto tribunal de primeira instância deve a acção ser proposta, designadamente, se no tribunal com sede em Almada, Aveiro, Beja, Braga, Castelo Branco, Coimbra, Funchal, Leiria, Lisboa, Loulé, Mirandela, Penafiel, Ponta Delgada, Porto, Sintra ou Viseu – art. 39.º, n.º 1 ETAF, art. 3.º, n.º 1 Decreto-Lei n.º 325/2003 (na redacção dada pelo D. L. n.º 182/2007) e Portarias n.º 1418/2003 e 1214/2007; ou
  • Qual o concreto tribunal de segunda instância competente, se o Tribunal Central Administrativo Sul (com sede em Lisboa) ou o Tribunal Central Administrativo Norte (com sede no Porto) – art. 31.º ETAF e art. 2.º Decreto-Lei n.º 325/2003 (na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 182/2007) e art. 8.º do mesmo diploma.  

A competência territorial surge definida nos arts. 16.º a 22.º CPTA. A regra geral, constante do art. 16.º, é a de que “os processos, em primeira instância, são intentados no tribunal da residência habitual ou da sede do autor ou da maioria dos autores”. Naturalmente que, como regra geral, pode ser afastada em diversas situações, acontecendo tal, designadamente, em matéria de processos relacionados com bens imóveis (art. 17.º CPTA), em matéria de responsabilidade civil (art. 18.º CPTA), em matéria relativa a contratos (art. 19.º CPTA), em situações de cumulação de pedidos (art. 21.º CPTA) e em diversos processos constantes no art. 20.º CPTA. Deste art. 20.º deve salientar-se que, nos termos do seu n.º 1, as acções que tenham como entidade demandada as Regiões Autónomas, as autarquias locais e demais entidades de âmbito local, as pessoas colectivas de utilidade pública e concessionários por prática ou omissão de normas e actos administrativos, devem ser intentadas no tribunal da área da sede dessa entidade.
O art. 22.º CPTA estabelece que, quando da aplicação dos critérios enunciados não for possível determinar a competência territorial, é competente o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa.

Após definido o local relevante para a decisão quanto à competência territorial (arts. 16.º a 21.º CPTA), há que identificar qual o tribunal que exerce jurisdição sobre esse local. Para este efeito, recorre-se ao mapa anexo ao Decreto-Lei n.º 325/2003, onde se encontra definida a área de jurisdição dos tribunais de primeira instância.
Quanto à segunda instância, conforme o art. 2.º do Dec. Lei n.º 325/2003 (na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 187/2007), o Tribunal Central Administrativo Norte tem como área de jurisdição o conjunto das áreas de jurisdição dos Tribunais Administrativos de Círculo e Tributários de Aveiro, Braga, Coimbra, Mirandela, Penafiel, Porto e Viseu, ao passo que o Tribunal Central Administrativo Sul tem como área de jurisdição o conjunto das áreas de jurisdição dos Tribunais Administrativos de Círculo e Tributários de Almada, Beja, Castelo Branco, Funchal, Leiria, Lisboa, Loulé, Ponta Delgada e Sintra              

Por último, deve ser referido que a competência do tribunal administrativo está ainda dependente da inexistência de convenção arbitral. Assim, e nos moldes em que tal seja permitido (vide arts. 180.º a 187.º CPTA), ocorrendo a violação de convenção arbitral (arts. 494.º e 495.º CPC), tal constitui-se como uma excepção dilatória, dependente de alegação das partes, e não, como acontece nos outros casos de incompetência do tribunal, de conhecimento oficioso.

Tal como já foi referido, a competência do tribunal é o primeiro pressuposto a ser apreciado, tal como resulta da parte final do art. 13.º CPTA, sendo que “a única questão para que um tribunal incompetente é competente é para apreciar a sua incompetência”[6].

A incompetência do tribunal em razão da jurisdição – incompetência absoluta – é de conhecimento oficioso, devendo, assim, ser declarada a incompetência, seguindo-se a absolvição da instância.
No entanto, o art. 14.º, n.º 2 CPTA permite ao interessado requerer a remessa do processo ao tribunal competente, no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado da decisão que declare a incompetência.

A incompetência do tribunal em razão da matéria, de conhecimento oficioso, deverá seguir, segundo Mário Aroso de Almeida, o regime do art. 14.º, n.º 2 CPTA por considerar que quando este artigo se refere a jurisdição administrativa, pretenderá englobar, apenas, os tribunais administrativos.

A incompetência em razão da hierarquia ou do território – incompetência relativa – segue o regime estabelecido no art. 14.º, n.º 1 CPTA, devendo o processo ser remetido, oficiosamente, ao tribunal administrativo competente.

De seguida, e para concluir, realizamos a seguinte síntese:


Quadro-Síntese
Competência do Tribunal
Concretização
Arts. 13.º CPTA e 5.º/1 ETAF
Em razão da jurisdição
Jurisidição Administrativa e Fiscal
Vs Jurisdição Civil
Arts. 209.º e 212.º/3 CRP
e arts. 1.º e 4.º ETAF
Em razão da matéria
Tribunais Administrativos (área administrativa)
Vs Tribunais Tributários (área tributária); ou
Secção de Contencioso Administrativo
Vs Secção de Contencioso Tributário
Arts. 24.º e 25.º Vs 26.º e 27.º;
Art. 37.º Vs art. 38.º;
Art. 44.º Vs art. 49.º

STA: arts. 11.º a 30.º;
TCA: arts. 31.º a 38.º;
TAC e TT: 39.º a 44.º e 45.º a 50ª
(todos do ETAF)
Em razão da hierarquia
STA; ou
TCA; ou
TAF/TAC

Em razão do território
TCA Norte ou TCA Sul;
TAF Almada, Aveiro, Beja, Braga, Castelo Branco, Coimbra, Funchal, Leiria, Lisboa (TAC), Loulé, Mirandela, Penafiel, Ponta Delgada, Porto, Sintra, ou Viseu
Arts. 16.º a 22.º CPTA;
Art. 31.º ETAF e arts. 2.º e 8.º DL 325/2003;
Art. 39.º/1 ETAF, art. 3.º/1 DL 325/2003 e Portarias n.º 1418/2003 e 1214/2007




Bibliografia:
Almeida, Mário Aroso de, Manual de Processo Administrativo, Almedina, Coimbra, 2010.
Marques, J. P. Remédio, Acção Declarativa à luz do Código Revisto, 3ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2011.
Raposo, João de Freitas, “Os Pressupostos Processuais no Nóvel Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, in Estudos de Homenagem ao Professor Doutor Germano Marques da Silva, Almedina, Coimbra, 2004, pp. 183 a 201.
Silva, Vasco Pereira da, O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise, 2ª edição, Almedina, Coimbra, 2009.

Sítios Internet:


Nuno Santos
Aluno n.º 19915
Subturma 2


[1] Distinguindo-se das condições de existência e das condições de procedência da acção.
[2] Vasco Pereira da Silva, O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise, 2ª edição, Almedina, Coimbra, p.488
[3] Vasco Pereira da Silva, O Contencioso Administrativo…, p. 491.
[4] Mário Aroso de Almeida, Manual de Processo Administrativo…, p. 156
[5] Sem esquecer que o critério do art. 1 ETAF resulta de imposição constitucional (art. 212.º, n.º 3), no entanto, o Prof. Areoso de Almeida entende que a esta interpretação não são oponíveis argumentos de inconstitucionalidade.
[6] Mário Aroso de Almeida, Manual de Processo Administrativo, Almedina, Coimbra, 2010, p.208.

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