Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo: 063/10
Data do Acordão:
03-03-2010
Tribunal: 2
SECÇÃO
Relator: DULCE
NETO
Descritores: PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO,RECLAMAÇÃO DE ACTO PRATICADO
PELO ÓRGÃO DA EXECUÇÃO FISCAL,NOTIFICAÇÃO,CONTESTAÇÃO,NULIDADE PROCESSUAL
Sumário: I - A reforma operada no Código de Processo Civil
pelo Dec.Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro, e pelo Dec.Lei nº 180/96, de 25 de
Setembro, ampliou o âmbito tradicional do princípio do contraditório previsto
no n.º 3 do artigo 3.º, trazendo uma noção mais lata de contraditoriedade, com
origem na garantia da participação efectiva das partes no desenvolvimento de
todo o litígio, mediante a possibilidade de, em plena igualdade, influírem em
todos os elementos (factos, provas, questões de direito) que se encontram em
ligação com o objecto da causa e que em qualquer fase do processo apareçam como
potencialmente relevantes para decisão.
II - Razão por que o juiz deve facultar às partes a
oportunidade de se pronunciarem sobre qualquer questão que as possa afectar e
que ainda não tenham tido possibilidade de contraditar, mesmo tratando-se de
questões meramente de direito e que sejam de conhecimento oficioso. Só assim
não será em casos de manifesta desnecessidade, por se tratar de questão simples
e incontroversa.
III - Apesar de o CPPT não prever, para o processo de
reclamação regulado nos artigos 276.º e seguintes, o articulado de resposta à
contestação da Fazenda Pública, tal não obsta à necessidade de observância do
princípio do contraditório sempre que nesta seja suscitada questão que obste ao
conhecimento da reclamação e que o reclamante não tenha tido possibilidade de
contraditar, devendo, em tal, caso, o juiz determinar a sua notificação para se
pronunciar, possibilitando-lhe influir activamente na decisão pela apresentação
de argumentos jurídicos que possam contribuir para um real debate contraditório
e que possam ser ponderados na decisão.
IV - A falta de observância desse dever implica a prática de
uma nulidade processual nos termos previstos no artigo 201.º, n.º 1, do CPC.
Nº Convencional: JSTA00066320 Nº do Documento: SA220100303063
Data de Entrada: 29-01-2010
Recorrente: A...
Recorrido 1: FAZENDA PÚBLICA
Votação: MAIORIA COM 1 VOT VENC
Meio Processual: REC JURISDICIONAL.
Objecto: SENT TAF LEIRIA PER SALTUM. Decisão: PROVIDO.
Área Temática 1: DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL.
Legislação Nacional: CPC96 ART3 N3 ART153 ART201 N1 ART205 N1.
CPPTRIB99 ART98 ART276.
CONST97 ART20 N1.
Jurisprudência Nacional: AC STA PROC21070 DE 1997/04/09.; AC
STAPLENO PROC42385 DE 2001/10/02.; AC STAPLENO PROC38441 DE 2002/03/20.; AC STA
PROC18409 DE 1994/10/19 IN AP-DR DE 1997/01/20 PAG2360.; AC STA PROC21050 DE
1998/03/11.; AC STA PROC16653 DE 2002/01/30.; AC TC 177/00 DE 2000/03/22.; AC
TC 358/98 DE 1997/05/12.; AC STA PROC794/99 DE 1999/11/18.; AC STA PROC2038/01
DE 2001/07/05.; AC STA PROC732/99 DE 2000/02/16.
Referência a Doutrina: MANUEL DE ANDRADE NOÇÕES ELEMENTARES
DE PROCESSO CIVIL PAG176.
LEBRE DE FREITAS INTRODUÇÃO AO PROCESSO CIVIL CONCEITOS E
PRINCÍPIOS GERAIS À LUZ DO CÓDIGO REVISTO PAG96.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário
do Supremo Tribunal Administrativo:
1. A…, com os demais sinais dos autos, recorre para este
Supremo Tribunal da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, de
improcedência da reclamação que deduziu, ao abrigo do disposto nos artigos 276º
e seguintes do CPPT, contra o acto praticado pelo órgão da execução fiscal no
âmbito do processo executivo n.º 1350-2006-01033301 e apensos contra si
instaurado para cobrança de dívidas tributárias, que lhe determinou a entrega,
no prazo de 20 dias, das chaves do imóvel que nesse processo foi arrematado
pela sociedade “B…, LDA”.
Terminou a sua alegação enunciando as seguintes conclusões:
I. Salvo o devido e merecido respeito, o Recorrente não se
conforma com a douta sentença proferida nos presentes autos.
II. A ausência de notificação ao recorrente da contestação
da Fazenda Pública constitui nulidade, nos termos do art. 201.° do CPC.
III. Nos termos do artigo 3.°, n° 3 do CPC, o Juiz deve
observar e fazer cumprir ao longo de todo o processo, o princípio do
contraditório.
IV. A falta de notificação da referida contestação da
Fazenda Pública viola, ainda, o princípio da proporcionalidade ínsito no Estado
de Direito Democrático, plasmado no art. 2.° da CRP e, ainda, os princípios dos
direitos fundamentais a uma tutela judicial efectiva e a um processo equitativo,
previsto no art. 20.°, n° 1 a 4 da CRP.
V. Nestes termos, julgando procedente a arguida nulidade
processual por violação do art. 3.°, n° 3 do CPC, art. 2.° e art. 20.° n° 1 a 4
da CRP deve ser ordenada a anulação de todos os actos subsequentes ao
articulado de contestação apresentado em juízo pela Fazenda Pública e como
consequência, anulada a decisão de que ora se recorre, com todas as
consequências legais.
Sem Prescindir,
VI. A reclamação foi apresentada tempestivamente pelo
Recorrente.
VII. Em 08.10.2009, o Recorrente foi citado pelo Serviço de
Finanças das Caldas da Rainha, através do ofício n° 7149 de 2009.10.01, nos
termos do qual “a presente citação substitui a citação efectuada através do
n/of. n° 6497, que, por lapso, indicava o prédio como sendo da freguesia de
Vidais quando deveria ser Carvalhal Benfeito)."
VIII. O Recorrente foi citado do aludido ofício n° 7149, em
08.10.2009, nos termos do qual se comunica ao Recorrente a substituição do
ofício n° 6497 de 2009.09.10 anteriormente remetido, considerando-se a citação
efectuada nesta data.
IX. Em consequência foi anulada a anterior citação de
15.09.2009, iniciando-se deste modo o prazo de 10 dias para reclamar nos termos
do art. 276° do CPPT.
X. O Recorrente apresentou tempestivamente reclamação contra
o acto notificado, em 28.10.2009.
XI. Face ao exposto, é forçoso concluir pela tempestividade
da petição inicial apresentada pelo Recorrente, devendo a douta decisão
recorrida ser anulada, com as demais consequências legais.
De novo sem Prescindir,
XII. A douta sentença recorrida dá como provado que o
Recorrente foi citado pelo oficio n° 7149, de 2009.10.01, em substituição da
nota de citação anteriormente feita, constante do oficio n° 6497.
XIII. A douta decisão enuncia que o Recorrente foi citado em
14.09.2009.
XIV. Nos factos provados, a douta sentença enuncia que o
Recorrente foi notificado pelo oficio n° 7149, de 2009.10.01, remetido pelo
Serviço de Finanças das Caldas,
XV. Ou seja, a data de elaboração do ofício é posterior a
data de citação enunciada na douta sentença.
XVI. Face ao exposto, infere-se que a douta sentença
recorrida é nula nos termos da alínea c), do n° 1, do art. 668.º CPC, devendo
ser anulada, com as demais consequências legais.
Sem Prescindir e ad cautelam,
XVII. A reclamação do art. 276.° do CPPT é o meio processual
adequado para reagir contra o acto praticado pelo Órgão de Execução Fiscal,
XVIII. É o próprio Serviço de Finanças das Caldas da Rainha,
que o indica como o meio processual adequado.
XIX. A nota de citação para entrega das chaves do imóvel
carece de aplicabilidade e fundamento, não sendo aplicável ao caso concreto,
devendo ser declarada nula e de nenhum efeito.
XX. Salvo melhor entendimento, o reclamante, visando atingir
actos ou decisões praticadas no âmbito de um processo de execução fiscal, está
adstrito a fazê-lo pelo meio processual previsto no art. 276° do CPPT, isto é,
através da reclamação.
XXI. No que diz respeito à ausência de conclusões, salvo
melhor entendimento, a não formulação das mesmas não é motivo de ineptidão ou
rejeição da petição.
XXII. Por último, no que diz respeito ao regime de subida da
reclamação, se a mesma obteve subida imediata foi porque assim o entendeu o
Chefe do Serviço de Finanças das Caldas da Rainha, sendo tal regime de subida
alheio ao Recorrente.
XXIII. Face ao exposto, por a reclamação ser legal e
tempestiva, deve ser revogada a decisão recorrida, ordenando-se a baixa do
processo para conhecimento do fundamento da reclamação apresentada pelo
Recorrente.
XXIV. Por tudo o exposto, salvo melhor opinião, a douta
sentença recorrida violou o disposto nos art. 3.°, n° 3 CPC e art. 2.° e 20.°,
n° 1 a 4 da CRP, art. 668.°, n° 1, al. c) do CPC e no art. 276.° do CPPT.
Nestes termos e nos demais que Vossas Excelências mui
doutamente suprirão, dando provimento ao recurso, julgando-o procedente em
conformidade com as presentes conclusões e revogando a douta sentença
recorrida, farão, como de costume, inteira e sã JUSTIÇA.
1.2. A Recorrida – FAZENDA PÚBLICA – não apresentou
contra-alegações.
1.3. O Exmo. Procurador-Geral-Adjunto emitiu douto parecer
no sentido de ser negado provimento ao recurso, por entender, em suma, que não
assiste razão ao Recorrente quer no que toca à invocada nulidade processual por
falta de notificação da contestação da Fazenda Pública, quer no que toca à
questão da adequação do meio processual utilizado para reagir contra o acto de
notificação do executado para entrega das chaves do imóvel vendido e tempestividade
dessa reclamação, quer, finalmente, no que toca à nulidade da decisão recorrida
por oposição entre os fundamentos e a decisão.
1.4. Com dispensa dos vistos dos Exmºs Juízes Conselheiros
Adjuntos, atenta a natureza urgente do processo, cumpre decidir as questões
colocadas, as quais se resolvem mediante uma exclusiva actividade de aplicação
e interpretação de normas jurídicas.
* * *
2. Na sentença recorrida deu-se como assente a seguinte
matéria de facto:
1. Em 14-03-2007, no âmbito dos PEF 135020060103301 e Aps e
1350200601007858, foi efectuada penhora do imóvel inscrito na respectiva matriz
predial sob o artigo n° 845 urbano e n° 500 rústico, da freguesia de Carvalhal
Benfeito, Caldas da Rainha, pertença do reclamante.
2. No âmbito dos mesmos PEF foi igualmente efectivada a
penhora dos veículos automóveis marca SCANIA, matrícula … e MITSUBISHI
matrícula …;
3. Por despacho de 15-06-2008 do Sr. Chefe do Serviço de
Finanças, foi indicado o dia 1908-2009 pelas 10.00h para a venda dos veículos,
a qual foi efectuada por proposta em carta fechada, cuja abertura veio a ser
adiada para o dia 20-10-2008;
4. Posteriormente, na qualidade de credores com garantia
real, foram citados o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, IP, e
a firma C…, Lda., os quais apresentaram reclamação de créditos, tendo a esta
última desistido da reclamação;
5. O veículo de matrícula … foi adjudicado a D…, filha do
executado, no exercício do seu direito de remição, pelo valor de € 2.751,00,
valor este que foi aplicado nos autos;
6. O outro veículo, de matricula …, não teve propostas na
venda judicial, e foi vendido posteriormente, por negociação particular, tendo
sido adjudicado a E…, pelo valor de € 6.000,00;
7. No que respeita ao bem imóvel, supra citado, deu-se o direito
de remição a D…, a qual não efectuou o depósito do preço apesar de devidamente
notificada para o efeito, pelo que se acabou por adjudicar o prédio por €
68.100,00 ao proponente da melhor proposta – B…, Lda., com o NIPC …;
8. Existe a Reclamação de Créditos que corre termos no TAF
de Leiria, com n° 1346/09.8 BELRA, em que é executado o ora reclamante, e os
PEF estão apensos a esse.
9. O ora reclamante foi notificado pelo oficio n° 7149, de
2009.10.01, remetida pelo Serviço de Finanças das Caldas da Rainha, (em
substituição da nota de citação anteriormente feita, constante do ofício n°
6497, proferida no âmbito do PEF) para, no prazo de 20 dias, entregar no
Serviço de Finanças exequente, as chaves do imóvel descrito em "1",
deste probatório, adjudicado a referida B…, Lda.;
10. O ora reclamante pedira o pagamento em 12 prestações
mensais, iguais e sucessivas, o que foi deferido, com suspensão da venda do
imóvel penhorado pelo período de 12 meses - cfr. despacho de fls. 17-19 do
processo, datado de 26.7.2007, cujo teor se dá por reproduzido;
11. Por despacho de fls. 19, dos autos, datado de 26.7.2007,
foi proferido despacho a designar a venda do veículo … e do veículo …;
12. O executado, ora reclamante, foi notificado de tal
despacho, referido em "10" e "11", supra, por oficio de
18.6.2008, a fls. 36;
13. Cfr. fls. 57, dos autos, consta despacho do OEF, entre o
mais: “Uma vez que se mostra paga parte substancial da dívida, ao abrigo do
artigo 893º do CPC, determino o adiamento da abertura para 20.10.2008”;
14. Tal despacho, referido em "13" supra, foi
notificado ao Executado pelo oficio n° 6601, registo n° RS758280569PT;
15. O despacho de fls. 100, do processo, determinou a venda
do imóvel, pelo valor base de € 86.510,00, nos termos do artigo 248º do CPPT,
designando, para tal, o dia 19.1.2009;
16. O Executado, ora reclamante, foi notificado do despacho
que determinou a venda do imóvel, cfr. fls. 101, a qual foi concretizada a
09.12.2008;
17. Por ofício de 23.6.2009, dirigido à B… Lda., foi a esta
comunicada a venda e adjudicação por € 68.100,00 do imóvel descrito em
"1" supra, cfr. fls. 184 do processo;
18. Efectuados os pagamentos do preço, IMT e Imposto de Selo
devidos foi passado o respectivo Título de Adjudicação à firma B… Lda., que
consequentemente requereu a entrega do bem.
19. Para o efeito foi citado o executado em 14.09.2009, nos
termos do artº 928º do CPC, para proceder à entrega do bem com a consequente
entrega das chaves do imóvel.
20. A fls. 52 do PA junto (fls. 70 do PEF) constam os
seguintes informação e despacho, que, por traduzirem a documentação de suporte
respectiva, se transcreve:
«(...) Aos 02 de Outubro de 2009, faço os presentes autos
conclusos com a seguinte informação:
- Foram os mesmos instaurados por dívidas de IVA dos anos de
2005 e 2006 no valor de € 32.038,42, Coimas Fiscais do ano de 2006 no valor de
€ 1791,32, e IRS (ret. fonte) no valor de € 32,00.
- Em 14.03.2007 foi efectuada (via SIPA) a penhora do prédio
misto inscrito na respectiva matriz urbana sob o art.º 845 e rústica sob o artº
500 da freguesia de Carvalhal Benfeito, descrito na CRP sob o n° 01247/980128,
e efectivado o respectivo registo na Conservatória do Registo Predial.
- Foi igualmente efectuada a penhora (via SIPA) dos veículos
marca SCANIA matrícula … e MITSUBISHI matrícula ….
- Dado o incumprimento do plano prestacional, solicitado nos
termos do artº 196° do CPPT, por despacho de 15.06.2008 do Sr. Chefe de
Finanças foi designada a marcação da venda dos veículos para o dia 19.08.2008
às 10 horas, ao balcão deste SF.
- O valor fixado para a venda foi de € 10.000,00 para o
veículo matricula … e de € 2000,00 para o veículo de matrícula ….
- Para o veículo matrícula … encontra-se registada uma
penhora efectuada pelo IGFSS de Leiria no valor de € 51.195,89 e para o veículo
de matricula … o registo de uma penhora efectuada pela firma C… Lda no valor de
€ 8.490,18 (proc. judicial n° 1113/060 TBCLD), pelo que, foram os referidos
credores devidamente citados nos termos do art° 240° do CPPT para reclamarem os
seus créditos.
- A Segurança Social reclamou créditos no valor de €
108.512,80 e a firma C… Lda veio aos autos desistir da reclamação de créditos
alegando ter sido regularizado o crédito com o executado.
- Em 19.08.2008 (data designada para a venda) o executado
efectuou um pagamento nos termos do art.° 264° do CPPT (pagamento por conta) no
valor de € 12.000,00.
- Por despacho do Sr. Chefe de Finanças exarado nos autos em
19.08.2009, foi determinado o adiamento da abertura das propostas, ao abrigo do
disposto no art° 893° do CPC, para o dia 20.10.2008.
- No dia 20.10.2008 o veículo de matrícula … foi adjudicado
a filha do executado, D…, no exercício do direito de remição, pelo valor de €
2.751,00, cujo pagamento do depósito do preço foi efectuado na mesma data.
- Para o veículo de matrícula … não foram apresentadas
propostas, pelo que, por despacho de 20.10.2008 do Chefe de Finanças foi
determinada a venda por negociação particular, tendo sido fixado o valor de €
5.000,00.
- O veículo foi adquirido em 15.12.2008 por E… pelo valor de
€ 6.000,00.
- Para a venda do imóvel supra identificado foi designado o
dia 19.01.2009, por despacho de 03.11.2008 do Chefe de Finanças, exarado nos autos
a fls. 100, tendo sido fixado, nos termos da alínea a) do n° 1 do art. 250° do
CPPT, o valor de € 86.510,00 (oitenta e seis mil quinhentos e dez euros), sendo
de € 71.510,00 a parte urbana e de € 15.000,00 a parte rústica.
- Foram citados os credores com garantia real, C… Lda, o F…
e o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social de Leiria, e efectuada a
citação ao cônjuge, nos termos e para os efeitos determinados no artº 239° do
CPPT.
- Reclamaram os seus créditos a Segurança Social no valor de
€ 109.251,68 e o F… no valor de € 29.077,75.
- No dia 19.01.2009 (dia da venda do imóvel), vem o
executado ao autos efectuar um pagamento por conta, no valor de € 1.800,00,
requerendo o adiamento da abertura das propostas por um período de 60 dias,
petição que foi aceite pelo Chefe de Finanças, conforme despacho a fls. 154.
- Em 16.03.2009 o executado volta a apresentar pedido de
adiamento da abertura das propostas por um período não superior a 28 dias,
tendo em vista a resolução de financiamento bancário.
- O Sr. Chefe de Finanças determina novo adiamento para o
dia 17.04.2009 (despacho a fls. 171).
- No dia 17.04.2009, para além da presença obrigatória de 2
funcionários encontrava-se também presente a filha do executado, D…, que, no
acto da abertura das propostas manifestou interesse no exercício do direito de
remição.
- A única proposta existente foi apresentada, via internet,
pela firma B…, Lda., pelo valor de € 68.100,00.
- Uma vez exercido o direito de remição, e dada a
indisponibilidade do proponente remidor de efectuar o pagamento quer da
totalidade quer de 1/3 do depósito do preço, foi o/a mesmo/a advertido/a que
iria ser notificado/a para efectuar o pagamento total no prazo de 15 dias, nos
termos do art° 256.° do CPPT e n° 2 art° 897.° do CPC.
- Em 17.04.2009 foi emitida a competente notificação para o
domicílio fiscal de D…, cujo AR foi assinado pelo seu pai Sr. A… em 23.04.2009.
- Dado o tempo decorrido sem que tivesse sido efectuado o
depósito do preço, foi o imóvel adjudicado ao proponente B… Lda. em 23.06.2009,
pelo valor de € 68.100,00.
- A notificação emitida em 23.06.2009 foi recebida em
24.06.2009 e o respectivo pagamento do depósito do preço foi efectuado em
01.07.2009 conforme guia mod. 50 a fls 186 dos autos.
- Efectuados os pagamentos do preço, IMT e Imposto de Selo
devidos foi passado o respectivo Titulo de Adjudicação à firma B… Lda., que
consequentemente requereu a entrega do bem.
- Para o efeito foi citado o executado em 14.09.2009, nos
termos do art° 928.º do CPC, para proceder a entrega do bem com a consequente
entrega das chaves do imóvel.
- Encontra-se sanada a falha na citação, na qual, por lapso,
foi indicado que o imóvel pertencia à freguesia de Vidais quando deveria ser de
Carvalhal Benfeito.
- Os produtos das vendas do veículo matricula … e do imóvel
encontram-se a aguardar graduação de créditos por parte do TAF de Leiria.
- A tratar-se de uma reclamação deduzida nos termos do art°
276° do CPPT deveria a mesma ter sido apresentada no prazo de 10 dias a contar
da notificação (art° 277.° do CPPT), o que, na sequência da notificação
efectuada ao executado em 14.09.2009, se revela intempestiva.
S.F. Caldas da Rainha, 2 de Outubro de 2009
DESPACHO
Atendendo ao disposto no art° 278° do CPPT, remeta-se a
presente reclamação ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria.
S.F. Caldas da Rainha, 02 de Outubro de 2009.
O Chefe de Finanças (...).».
* * *
3. As questões a decidir no presente recurso – considerando
que o «thema decidendum» do mesmo é estabelecido pelas conclusões da respectiva
alegação – consistem em saber se:
- ocorreu uma nulidade processual, por não ter sido
notificada ao Reclamante, ora Recorrente, a contestação apresentada pela
Fazenda Pública, ma medida em que tal consubstancia a violação do direito ao
contraditório previsto no artigo 3.º, n.º 3 do CPC, do princípio da
proporcionalidade previsto no art. 2.° da CRP, e do direito a uma tutela
judicial efectiva e a um processo equitativo plasmado no art. 20.°, n° 1 a 4 da
CRP;
- a sentença padece de nulidade, nos termos previstos no
artigo 125º do CPPT e artigo 668.º, n.º 1 alínea c) do CPC, por oposição entre
os fundamentos e a decisão;
- a sentença incorreu em erro ao julgar que era errado o
meio processual utilizado e que era intempestiva a petição de reclamação para
efeitos de convolação na forma de processo adequada
Por se tratar de questão que pode prejudicar o conhecimento
dos vícios que vêm imputados à sentença, importa começar pela apreciação da
invocada nulidade processual.
3.1. Da nulidade processual.
Está em causa uma eventual nulidade secundária, anterior à
sentença, e traduzida, essencialmente, na violação do direito ao contraditório
previsto no artigo 3.º, n.º 3 do CPC, por virtude de o Reclamante, ora
Recorrente, não ter sido notificado da contestação apresentada pela Fazenda
Pública.
No que concerne à sucessão processual que releva para a
apreciação desta questão, há que reter que após a apresentação da contestação
pela Fazenda Pública e emissão de parecer pelo Ministério Público, foi
imediatamente proferida a sentença, sem que ao Reclamante tivesse sido dada a
oportunidade de se pronunciar sobre o conteúdo da contestação e teor do parecer
do Ministério Público, e sem que tivesse tido, entretanto, qualquer intervenção
no processo.
Tal nulidade pode ser suscitada no recurso interposto da
sentença, pois que embora as nulidades secundárias em que o tribunal haja
porventura incorrido só possam ser, em princípio, conhecidas mediante
reclamação a deduzir no prazo geral de 10 dias previsto artigo 153.° do CPC, o
certo é que, por força do n.º 1 do artigo 205.° do mesmo Código, esse prazo tem
de ser contado do conhecimento da nulidade pelo interessado. E, no caso
vertente, face à sucessão processual acima exposta, o prazo para arguição da
nulidade não se tinha ainda iniciado quando foi proferida a decisão recorrida -
por falta de conhecimento, pelo interessado, da irregularidade alegadamente
cometida - a qual, desse modo, dá cobertura à referida nulidade.
Aliás, a irregularidade cometida só se consumou
verdadeiramente com a pronúncia da decisão judicial, pois como se deixou
devidamente explicitado no acórdão desta Secção e Tribunal proferido em
9/04/1997, no recurso n.º 21070, «a nulidade acabou por ficar implicitamente
coberta ou sancionada pela sentença, dado que a nulidade cometida se situa a
seu montante e o dever omitido se encontra funcionalizado à sua prolação, pelo
que tal nulidade processual se tornou também vício formal da sentença que lhe
deu cobertura.».
Em suma, e como se referiu no acórdão deste Tribunal de
30/01/2002, proferido no recurso n° 26653, neste tipo de situações «o recurso
interposto da sentença é o meio adequado de reagir e de apreciar nulidades
processuais anteriores à publicação daquela, que não a reclamação para o
tribunal perante o qual as nulidades ocorreram». Neste sentido, vejam-se,
aliás, os seguintes acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo
Tribunal Administrativo:
- de 19 de Outubro de 1994, no recurso com o n.º 18409,
publicado no Apêndice ao Diário da República de 20 de Janeiro de 1997, págs.
2360 a 2363;
- de 24 de Abril de 1996, no recurso com o n.º 19917,
publicado no Apêndice ao Diário da República de 18 de Maio de 1998, págs. 1283
a 1291;
- de 9 de Abril de 1997, no recurso com o n.º 21070,
publicado no Apêndice ao Diário da República de 9 de Outubro de 2000, págs. 890
a 896.
- de 15 de Setembro de 1999, no recurso com o n.º 45312, in
Cadernos de Justiça Administrativa 18-51,
- de 11 de Março de 1998, no recurso n.º 21050, in base de
dados jurídico-documentais do Ministério da Justiça.
E os seguintes acórdãos do Pleno da Secção do Contencioso
Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo, com texto integral em
http://www.dgsi.pt:
- de 2 de Outubro de 2001, proferido no recurso com o n.º
42385;
- de 20 de Março de 2002, proferido no recurso com o n.º
38441.
Pelo que a presente arguição está em tempo e a via utilizada
para o efeito é a própria.
Dito isto, cumpre indagar da ocorrência da arguida nulidade
processual, por omissão de notificação da contestação apresentada pela Fazenda
Pública, onde esta suscitara a questão do erro na forma de processo, no
entendimento de que o objecto da pretensão do Reclamante era, afinal, a
anulação da venda efectuada na execução e que o meio processual idóneo para tal
efeito era a acção para anulação de venda e não a presente reclamação - posição
que foi igualmente defendida pelo Ministério Público e que veio a ser acolhida
na decisão recorrida, sem que nunca tivesse sido dado ao Reclamante a
possibilidade de se pronunciar sobre tal excepção.
Como se sabe, as nulidades processuais são quaisquer desvios
do formalismo processual seguido, em relação ao formalismo processual prescrito
na lei, e a que esta faça corresponder – embora não de modo expresso – uma
invalidação mais ou menos extensa de actos processuais(() Cf. MANUEL DE
ANDRADE, in “Noções Elementares de Processo Civil”, pág. 176.).
A nulidade invocada pelo Recorrente não consta do rol
exaustivo de nulidades insanáveis que o legislador consagrou no artigo 98.º do
CPPT, motivo por que será à luz do regime do art. 201.º e segs. do Código de
Processo Civil que deveremos aferir se estamos perante uma irregularidade
processual susceptível de ser qualificada como nulidade (secundária).
Nos termos do art. 201.º, n.º 1, do CPC, “a prática de um
acto que a lei não admita, bem como a omissão de um acto ou de uma formalidade
que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a
irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa”.
Ou seja, as nulidades, enquanto violações da lei processual,
têm que revestir uma de três formas: a) prática de um acto proibido; b) omissão
de um acto prescrito na lei; c) realização de um acto imposto ou permitido por
lei, mas sem as formalidades requeridas. E, concomitantemente, têm de poder
influir no exame ou na decisão da causa.
Por seu turno, o n.º 3 do artigo 3.º do CPC estabelece que
“o juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio
do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade,
decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso,
sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem”.
É o chamado princípio do contraditório, que, sobretudo após
a reforma operada pelo Dec.Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro, e pelo Dec.Lei nº
180/96, de 25 de Setembro, se transformou numa das pedras basilares em que
assenta todo o nosso Código de Processo Civil.
Com efeito, essa norma, introduzida pela referida reforma,
veio ampliar o âmbito tradicional do princípio do contraditório, trazendo uma
noção mais lata de contraditoriedade, com origem na garantia da participação
efectiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, mediante a
possibilidade de, em plena igualdade, influírem em todos os elementos (factos,
provas, questões de direito) que se encontram em ligação com o objecto da causa
e que em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para
decisão.
Dele decorre, pois, o dever de facultar sempre às partes a
oportunidade de, antes de a decisão ser proferida, se pronunciarem sobre
qualquer questão que as possa afectar e que ainda não tenham tido possibilidade
de contraditar, mesmo tratando-se de questões meramente de direito e que sejam
de conhecimento oficioso. Só assim não será em casos de manifesta desnecessidade,
por se tratar de questão simples e incontroversa.
Aliás, o Tribunal Constitucional tem vindo a considerar a
consagração do princípio do contraditório como algo integrado no direito de
acesso aos tribunais, consagrado no artigo 20.º da Constituição da República
Portuguesa Cfr., nomeadamente, o Acórdão nº 177/00, proferido em 22/03/2000 e o
Acórdão nº 358/98, proferido em 12/05/1997, consultáveis no seguinte endereço
electrónico: http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos. e, como já
deixou sublinhado, «o processo de um Estado de Direito (processo civil
incluído) tem, assim, de ser um processo equitativo e leal. E, por isso, nele,
cada uma das partes tem de poder fazer valer as suas razões (de facto e de
direito) perante o tribunal, em regra, antes que este tome a sua decisão. É o
direito de defesa, que as partes hão-de poder exercer em condições de
igualdade. Nisso se analisa, essencialmente, o princípio do contraditório, que
vai ínsito no direito de acesso aos tribunais, consagrado no artigo 20º nº1, da
Constituição.».
Por conseguinte, o escopo principal do princípio do
contraditório deixou de ser a defesa, no sentido negativo de oposição ou
resistência à actuação alheia, para passar a ser a influência, no sentido
positivo de direito de influir activamente, no desenvolvimento e no êxito do
processo Cfr. LEBRE DE FREITAS, in “Introdução ao Processo Civil, Conceitos e
Princípios Gerais à luz do Código Revisto", 1996, pág. 96.. Daí que, mesmo
relativamente às questões de direito, a norma proíba as decisões-surpresa, ou
seja, decisões baseadas em fundamento que não tenha sido considerado
previamente pelas partes, enquanto violadoras do princípio do contraditório -
conforme, aliás, o Supremo Tribunal de Justiça tem tido oportunidade de afirmar
Cfr., entre outros, os acórdãos de 18/11/1999, Proc. nº 794/99; de 16/02/2000,
Proc. nº 732/99; de 5/12/2000, no Proc. nº 3247/00, e de 05/07/2001, Proc. nº
2038/01.
É neste contexto que se justifica e compreende que nenhuma
decisão deve ser tomada pelo juiz sem que previamente tenha sido dada ampla e
efectiva possibilidade à parte contra quem é dirigida de a discutir, de a
contestar e de a valorar, com vista a evitar decisões surpresa. E a
inobservância deste contraditório consubstanciará, fatalmente, uma nulidade processual
se a omissão do convite à parte para tomar posição sobre qualquer questão que a
possa afectar e que ainda não tenha tido possibilidade de contraditar, for
susceptível de influir no exame ou decisão da causa.
Exposta esta doutrina, e passando à análise da questão
suscitada, resta-nos dizer que propendemos a entender que foi, efectivamente,
violado o princípio do contraditório, uma vez que não foi dada ao Reclamante
qualquer possibilidade de se pronunciar sobre a excepção invocada pela Fazenda
Pública e secundada pelo Ministério Público, obstativa do conhecimento do
mérito da reclamação e que, analisada na decisão recorrida, veio a determinar a
improcedência da reclamação por erro na forma de processo e impossibilidade de
convolação na forma de processo adequada «por intempestividade e falta de
aptidão da petição para tal.».
É certo que, como diz o Exm.º Magistrado do Ministério
Público no seu douto parecer, o CPPT não prevê, para o processo de reclamação
regulado nos artigos 276.º e seguintes, qualquer resposta ou réplica à
contestação da Fazenda Pública. Todavia, tal não obsta à necessidade de
observância do disposto no n.º 3 do art.º 3.º do CPC sempre que a Fazenda
Pública suscite qualquer excepção ou questão que obste ao conhecimento da
reclamação, devendo, em tal, caso, o juiz determinar a notificação do
reclamante para se pronunciar, querendo, no prazo geral de 10 dias.
Por outro lado, não se pode afirmar que a irregularidade
cometida não tem potencialidade para influenciar a decisão sobre a matéria da
adequação do meio processual utilizado e possibilidade de convolação, pois,
abstractamente, as considerações que o Reclamante possa fazer podem influenciar
a decisão desta questão, até porque não se pode dizer que é totalmente evidente
e inquestionável que o executado não pode usar o processo de reclamação para
arguir, como arguiu, irregularidades processuais que, alegadamente, terão sido
praticadas ao longo do processo executivo e que, na sua perspectiva, determinam
a anulação de todo o processado (incluindo a venda), desobrigando-o da entrega
das chaves em conformidade com o pedido que formula na reclamação.
Razão por que seria de elementar prudência que o julgador
tivesse dado cumprimento ao dever legal de convidar o Reclamante a tomar
posição sobre a referida questão, possibilitando-lhe influir activamente na
respectiva decisão pela apresentação de argumentos jurídicos que contribuíssem
para um real debate contraditório e que pudessem ser ponderados na decisão
(independentemente de serem nela atendidos ou não).
Em conclusão, a irregularidade cometida constitui nulidade
processual à face do disposto no art. 201.º, n.º 1, do CPC, o que implica a
anulação de todo o processado após a contestação apresentada pela Fazenda
Pública, devendo os autos voltar ao TAF de Leiria para que aí se dê observância
ao mencionado princípio e se profira, no momento próprio, nova decisão.
Face à procedência desta questão, fica prejudicado o
conhecimento das demais suscitadas no recurso.
* * *
4. Face ao exposto, acordam os juízes da Secção de
Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder
provimento ao recurso e anular todo o processado posterior à contestação da
Fazenda Pública, determinando a descida dos autos ao Tribunal de 1ª Instância
para que aí se proceda à notificação dessa peça processual ao Reclamante e para
que seja proferida, no momento próprio, nova decisão.
Sem custas, dado que a Recorrida não contra-alegou.
Lisboa, 3 de Março de 2010. - Dulce Neto(relatora) – Alfredo
Madureira Vencido. Negaria provimento ao presente recurso jurisdicional,
confirmando a impugnada sentença, com a fundamentação invocada pelo Exmº.
Procurador Geral Adjunto neste S.T.A. que, com a devida vénia, subscrevo. -
Valente Torrão.
Rita Mourato VillaverdeNº17523
sub-turma 2
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