sexta-feira, 25 de maio de 2012


Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo

Processo: 063/10
Data do Acordão: 03-03-2010
Tribunal: 2 SECÇÃO
Relator: DULCE NETO
Descritores: PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO,RECLAMAÇÃO DE ACTO PRATICADO PELO ÓRGÃO DA EXECUÇÃO FISCAL,NOTIFICAÇÃO,CONTESTAÇÃO,NULIDADE PROCESSUAL

Sumário: I - A reforma operada no Código de Processo Civil pelo Dec.Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro, e pelo Dec.Lei nº 180/96, de 25 de Setembro, ampliou o âmbito tradicional do princípio do contraditório previsto no n.º 3 do artigo 3.º, trazendo uma noção mais lata de contraditoriedade, com origem na garantia da participação efectiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, mediante a possibilidade de, em plena igualdade, influírem em todos os elementos (factos, provas, questões de direito) que se encontram em ligação com o objecto da causa e que em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para decisão.

II - Razão por que o juiz deve facultar às partes a oportunidade de se pronunciarem sobre qualquer questão que as possa afectar e que ainda não tenham tido possibilidade de contraditar, mesmo tratando-se de questões meramente de direito e que sejam de conhecimento oficioso. Só assim não será em casos de manifesta desnecessidade, por se tratar de questão simples e incontroversa.

III - Apesar de o CPPT não prever, para o processo de reclamação regulado nos artigos 276.º e seguintes, o articulado de resposta à contestação da Fazenda Pública, tal não obsta à necessidade de observância do princípio do contraditório sempre que nesta seja suscitada questão que obste ao conhecimento da reclamação e que o reclamante não tenha tido possibilidade de contraditar, devendo, em tal, caso, o juiz determinar a sua notificação para se pronunciar, possibilitando-lhe influir activamente na decisão pela apresentação de argumentos jurídicos que possam contribuir para um real debate contraditório e que possam ser ponderados na decisão.

IV - A falta de observância desse dever implica a prática de uma nulidade processual nos termos previstos no artigo 201.º, n.º 1, do CPC.
Nº Convencional: JSTA00066320
Nº do Documento: SA220100303063
Data de Entrada: 29-01-2010
Recorrente: A...
Recorrido 1: FAZENDA PÚBLICA
Votação: MAIORIA COM 1 VOT VENC
Meio Processual: REC JURISDICIONAL.
Objecto: SENT TAF LEIRIA PER SALTUM.
Decisão: PROVIDO.
Área Temática 1: DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL.
Legislação Nacional: CPC96 ART3 N3 ART153 ART201 N1 ART205 N1.
CPPTRIB99 ART98 ART276.
CONST97 ART20 N1.

Jurisprudência Nacional: AC STA PROC21070 DE 1997/04/09.; AC STAPLENO PROC42385 DE 2001/10/02.; AC STAPLENO PROC38441 DE 2002/03/20.; AC STA PROC18409 DE 1994/10/19 IN AP-DR DE 1997/01/20 PAG2360.; AC STA PROC21050 DE 1998/03/11.; AC STA PROC16653 DE 2002/01/30.; AC TC 177/00 DE 2000/03/22.; AC TC 358/98 DE 1997/05/12.; AC STA PROC794/99 DE 1999/11/18.; AC STA PROC2038/01 DE 2001/07/05.; AC STA PROC732/99 DE 2000/02/16.

Referência a Doutrina: MANUEL DE ANDRADE NOÇÕES ELEMENTARES DE PROCESSO CIVIL PAG176.

LEBRE DE FREITAS INTRODUÇÃO AO PROCESSO CIVIL CONCEITOS E PRINCÍPIOS GERAIS À LUZ DO CÓDIGO REVISTO PAG96.

Aditamento:

Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. A…, com os demais sinais dos autos, recorre para este Supremo Tribunal da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, de improcedência da reclamação que deduziu, ao abrigo do disposto nos artigos 276º e seguintes do CPPT, contra o acto praticado pelo órgão da execução fiscal no âmbito do processo executivo n.º 1350-2006-01033301 e apensos contra si instaurado para cobrança de dívidas tributárias, que lhe determinou a entrega, no prazo de 20 dias, das chaves do imóvel que nesse processo foi arrematado pela sociedade “B…, LDA”.

Terminou a sua alegação enunciando as seguintes conclusões:

I. Salvo o devido e merecido respeito, o Recorrente não se conforma com a douta sentença proferida nos presentes autos.

II. A ausência de notificação ao recorrente da contestação da Fazenda Pública constitui nulidade, nos termos do art. 201.° do CPC.

III. Nos termos do artigo 3.°, n° 3 do CPC, o Juiz deve observar e fazer cumprir ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório.

IV. A falta de notificação da referida contestação da Fazenda Pública viola, ainda, o princípio da proporcionalidade ínsito no Estado de Direito Democrático, plasmado no art. 2.° da CRP e, ainda, os princípios dos direitos fundamentais a uma tutela judicial efectiva e a um processo equitativo, previsto no art. 20.°, n° 1 a 4 da CRP.

V. Nestes termos, julgando procedente a arguida nulidade processual por violação do art. 3.°, n° 3 do CPC, art. 2.° e art. 20.° n° 1 a 4 da CRP deve ser ordenada a anulação de todos os actos subsequentes ao articulado de contestação apresentado em juízo pela Fazenda Pública e como consequência, anulada a decisão de que ora se recorre, com todas as consequências legais.

Sem Prescindir,

VI. A reclamação foi apresentada tempestivamente pelo Recorrente.

VII. Em 08.10.2009, o Recorrente foi citado pelo Serviço de Finanças das Caldas da Rainha, através do ofício n° 7149 de 2009.10.01, nos termos do qual “a presente citação substitui a citação efectuada através do n/of. n° 6497, que, por lapso, indicava o prédio como sendo da freguesia de Vidais quando deveria ser Carvalhal Benfeito)."

VIII. O Recorrente foi citado do aludido ofício n° 7149, em 08.10.2009, nos termos do qual se comunica ao Recorrente a substituição do ofício n° 6497 de 2009.09.10 anteriormente remetido, considerando-se a citação efectuada nesta data.

IX. Em consequência foi anulada a anterior citação de 15.09.2009, iniciando-se deste modo o prazo de 10 dias para reclamar nos termos do art. 276° do CPPT.

X. O Recorrente apresentou tempestivamente reclamação contra o acto notificado, em 28.10.2009.

XI. Face ao exposto, é forçoso concluir pela tempestividade da petição inicial apresentada pelo Recorrente, devendo a douta decisão recorrida ser anulada, com as demais consequências legais.

De novo sem Prescindir,

XII. A douta sentença recorrida dá como provado que o Recorrente foi citado pelo oficio n° 7149, de 2009.10.01, em substituição da nota de citação anteriormente feita, constante do oficio n° 6497.

XIII. A douta decisão enuncia que o Recorrente foi citado em 14.09.2009.

XIV. Nos factos provados, a douta sentença enuncia que o Recorrente foi notificado pelo oficio n° 7149, de 2009.10.01, remetido pelo Serviço de Finanças das Caldas,

XV. Ou seja, a data de elaboração do ofício é posterior a data de citação enunciada na douta sentença.

XVI. Face ao exposto, infere-se que a douta sentença recorrida é nula nos termos da alínea c), do n° 1, do art. 668.º CPC, devendo ser anulada, com as demais consequências legais.

Sem Prescindir e ad cautelam,

XVII. A reclamação do art. 276.° do CPPT é o meio processual adequado para reagir contra o acto praticado pelo Órgão de Execução Fiscal,

XVIII. É o próprio Serviço de Finanças das Caldas da Rainha, que o indica como o meio processual adequado.

XIX. A nota de citação para entrega das chaves do imóvel carece de aplicabilidade e fundamento, não sendo aplicável ao caso concreto, devendo ser declarada nula e de nenhum efeito.

XX. Salvo melhor entendimento, o reclamante, visando atingir actos ou decisões praticadas no âmbito de um processo de execução fiscal, está adstrito a fazê-lo pelo meio processual previsto no art. 276° do CPPT, isto é, através da reclamação.

XXI. No que diz respeito à ausência de conclusões, salvo melhor entendimento, a não formulação das mesmas não é motivo de ineptidão ou rejeição da petição.

XXII. Por último, no que diz respeito ao regime de subida da reclamação, se a mesma obteve subida imediata foi porque assim o entendeu o Chefe do Serviço de Finanças das Caldas da Rainha, sendo tal regime de subida alheio ao Recorrente.

XXIII. Face ao exposto, por a reclamação ser legal e tempestiva, deve ser revogada a decisão recorrida, ordenando-se a baixa do processo para conhecimento do fundamento da reclamação apresentada pelo Recorrente.

XXIV. Por tudo o exposto, salvo melhor opinião, a douta sentença recorrida violou o disposto nos art. 3.°, n° 3 CPC e art. 2.° e 20.°, n° 1 a 4 da CRP, art. 668.°, n° 1, al. c) do CPC e no art. 276.° do CPPT.

Nestes termos e nos demais que Vossas Excelências mui doutamente suprirão, dando provimento ao recurso, julgando-o procedente em conformidade com as presentes conclusões e revogando a douta sentença recorrida, farão, como de costume, inteira e sã JUSTIÇA.


1.2. A Recorrida – FAZENDA PÚBLICA – não apresentou contra-alegações.

1.3. O Exmo. Procurador-Geral-Adjunto emitiu douto parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso, por entender, em suma, que não assiste razão ao Recorrente quer no que toca à invocada nulidade processual por falta de notificação da contestação da Fazenda Pública, quer no que toca à questão da adequação do meio processual utilizado para reagir contra o acto de notificação do executado para entrega das chaves do imóvel vendido e tempestividade dessa reclamação, quer, finalmente, no que toca à nulidade da decisão recorrida por oposição entre os fundamentos e a decisão.

1.4. Com dispensa dos vistos dos Exmºs Juízes Conselheiros Adjuntos, atenta a natureza urgente do processo, cumpre decidir as questões colocadas, as quais se resolvem mediante uma exclusiva actividade de aplicação e interpretação de normas jurídicas.

* * *

2. Na sentença recorrida deu-se como assente a seguinte matéria de facto:

1. Em 14-03-2007, no âmbito dos PEF 135020060103301 e Aps e 1350200601007858, foi efectuada penhora do imóvel inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo n° 845 urbano e n° 500 rústico, da freguesia de Carvalhal Benfeito, Caldas da Rainha, pertença do reclamante.

2. No âmbito dos mesmos PEF foi igualmente efectivada a penhora dos veículos automóveis marca SCANIA, matrícula … e MITSUBISHI matrícula …;

3. Por despacho de 15-06-2008 do Sr. Chefe do Serviço de Finanças, foi indicado o dia 1908-2009 pelas 10.00h para a venda dos veículos, a qual foi efectuada por proposta em carta fechada, cuja abertura veio a ser adiada para o dia 20-10-2008;

4. Posteriormente, na qualidade de credores com garantia real, foram citados o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, IP, e a firma C…, Lda., os quais apresentaram reclamação de créditos, tendo a esta última desistido da reclamação;

5. O veículo de matrícula … foi adjudicado a D…, filha do executado, no exercício do seu direito de remição, pelo valor de € 2.751,00, valor este que foi aplicado nos autos;

6. O outro veículo, de matricula …, não teve propostas na venda judicial, e foi vendido posteriormente, por negociação particular, tendo sido adjudicado a E…, pelo valor de € 6.000,00;

7. No que respeita ao bem imóvel, supra citado, deu-se o direito de remição a D…, a qual não efectuou o depósito do preço apesar de devidamente notificada para o efeito, pelo que se acabou por adjudicar o prédio por € 68.100,00 ao proponente da melhor proposta – B…, Lda., com o NIPC …;

8. Existe a Reclamação de Créditos que corre termos no TAF de Leiria, com n° 1346/09.8 BELRA, em que é executado o ora reclamante, e os PEF estão apensos a esse.

9. O ora reclamante foi notificado pelo oficio n° 7149, de 2009.10.01, remetida pelo Serviço de Finanças das Caldas da Rainha, (em substituição da nota de citação anteriormente feita, constante do ofício n° 6497, proferida no âmbito do PEF) para, no prazo de 20 dias, entregar no Serviço de Finanças exequente, as chaves do imóvel descrito em "1", deste probatório, adjudicado a referida B…, Lda.;

10. O ora reclamante pedira o pagamento em 12 prestações mensais, iguais e sucessivas, o que foi deferido, com suspensão da venda do imóvel penhorado pelo período de 12 meses - cfr. despacho de fls. 17-19 do processo, datado de 26.7.2007, cujo teor se dá por reproduzido;

11. Por despacho de fls. 19, dos autos, datado de 26.7.2007, foi proferido despacho a designar a venda do veículo … e do veículo …;

12. O executado, ora reclamante, foi notificado de tal despacho, referido em "10" e "11", supra, por oficio de 18.6.2008, a fls. 36;

13. Cfr. fls. 57, dos autos, consta despacho do OEF, entre o mais: “Uma vez que se mostra paga parte substancial da dívida, ao abrigo do artigo 893º do CPC, determino o adiamento da abertura para 20.10.2008”;

14. Tal despacho, referido em "13" supra, foi notificado ao Executado pelo oficio n° 6601, registo n° RS758280569PT;

15. O despacho de fls. 100, do processo, determinou a venda do imóvel, pelo valor base de € 86.510,00, nos termos do artigo 248º do CPPT, designando, para tal, o dia 19.1.2009;

16. O Executado, ora reclamante, foi notificado do despacho que determinou a venda do imóvel, cfr. fls. 101, a qual foi concretizada a 09.12.2008;

17. Por ofício de 23.6.2009, dirigido à B… Lda., foi a esta comunicada a venda e adjudicação por € 68.100,00 do imóvel descrito em "1" supra, cfr. fls. 184 do processo;

18. Efectuados os pagamentos do preço, IMT e Imposto de Selo devidos foi passado o respectivo Título de Adjudicação à firma B… Lda., que consequentemente requereu a entrega do bem.

19. Para o efeito foi citado o executado em 14.09.2009, nos termos do artº 928º do CPC, para proceder à entrega do bem com a consequente entrega das chaves do imóvel.

20. A fls. 52 do PA junto (fls. 70 do PEF) constam os seguintes informação e despacho, que, por traduzirem a documentação de suporte respectiva, se transcreve:

«(...) Aos 02 de Outubro de 2009, faço os presentes autos conclusos com a seguinte informação:

- Foram os mesmos instaurados por dívidas de IVA dos anos de 2005 e 2006 no valor de € 32.038,42, Coimas Fiscais do ano de 2006 no valor de € 1791,32, e IRS (ret. fonte) no valor de € 32,00.

- Em 14.03.2007 foi efectuada (via SIPA) a penhora do prédio misto inscrito na respectiva matriz urbana sob o art.º 845 e rústica sob o artº 500 da freguesia de Carvalhal Benfeito, descrito na CRP sob o n° 01247/980128, e efectivado o respectivo registo na Conservatória do Registo Predial.

- Foi igualmente efectuada a penhora (via SIPA) dos veículos marca SCANIA matrícula … e MITSUBISHI matrícula ….

- Dado o incumprimento do plano prestacional, solicitado nos termos do artº 196° do CPPT, por despacho de 15.06.2008 do Sr. Chefe de Finanças foi designada a marcação da venda dos veículos para o dia 19.08.2008 às 10 horas, ao balcão deste SF.

- O valor fixado para a venda foi de € 10.000,00 para o veículo matricula … e de € 2000,00 para o veículo de matrícula ….

- Para o veículo matrícula … encontra-se registada uma penhora efectuada pelo IGFSS de Leiria no valor de € 51.195,89 e para o veículo de matricula … o registo de uma penhora efectuada pela firma C… Lda no valor de € 8.490,18 (proc. judicial n° 1113/060 TBCLD), pelo que, foram os referidos credores devidamente citados nos termos do art° 240° do CPPT para reclamarem os seus créditos.

- A Segurança Social reclamou créditos no valor de € 108.512,80 e a firma C… Lda veio aos autos desistir da reclamação de créditos alegando ter sido regularizado o crédito com o executado.

- Em 19.08.2008 (data designada para a venda) o executado efectuou um pagamento nos termos do art.° 264° do CPPT (pagamento por conta) no valor de € 12.000,00.

- Por despacho do Sr. Chefe de Finanças exarado nos autos em 19.08.2009, foi determinado o adiamento da abertura das propostas, ao abrigo do disposto no art° 893° do CPC, para o dia 20.10.2008.

- No dia 20.10.2008 o veículo de matrícula … foi adjudicado a filha do executado, D…, no exercício do direito de remição, pelo valor de € 2.751,00, cujo pagamento do depósito do preço foi efectuado na mesma data.

- Para o veículo de matrícula … não foram apresentadas propostas, pelo que, por despacho de 20.10.2008 do Chefe de Finanças foi determinada a venda por negociação particular, tendo sido fixado o valor de € 5.000,00.

- O veículo foi adquirido em 15.12.2008 por E… pelo valor de € 6.000,00.

- Para a venda do imóvel supra identificado foi designado o dia 19.01.2009, por despacho de 03.11.2008 do Chefe de Finanças, exarado nos autos a fls. 100, tendo sido fixado, nos termos da alínea a) do n° 1 do art. 250° do CPPT, o valor de € 86.510,00 (oitenta e seis mil quinhentos e dez euros), sendo de € 71.510,00 a parte urbana e de € 15.000,00 a parte rústica.

- Foram citados os credores com garantia real, C… Lda, o F… e o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social de Leiria, e efectuada a citação ao cônjuge, nos termos e para os efeitos determinados no artº 239° do CPPT.

- Reclamaram os seus créditos a Segurança Social no valor de € 109.251,68 e o F… no valor de € 29.077,75.

- No dia 19.01.2009 (dia da venda do imóvel), vem o executado ao autos efectuar um pagamento por conta, no valor de € 1.800,00, requerendo o adiamento da abertura das propostas por um período de 60 dias, petição que foi aceite pelo Chefe de Finanças, conforme despacho a fls. 154.

- Em 16.03.2009 o executado volta a apresentar pedido de adiamento da abertura das propostas por um período não superior a 28 dias, tendo em vista a resolução de financiamento bancário.

- O Sr. Chefe de Finanças determina novo adiamento para o dia 17.04.2009 (despacho a fls. 171).

- No dia 17.04.2009, para além da presença obrigatória de 2 funcionários encontrava-se também presente a filha do executado, D…, que, no acto da abertura das propostas manifestou interesse no exercício do direito de remição.

- A única proposta existente foi apresentada, via internet, pela firma B…, Lda., pelo valor de € 68.100,00.

- Uma vez exercido o direito de remição, e dada a indisponibilidade do proponente remidor de efectuar o pagamento quer da totalidade quer de 1/3 do depósito do preço, foi o/a mesmo/a advertido/a que iria ser notificado/a para efectuar o pagamento total no prazo de 15 dias, nos termos do art° 256.° do CPPT e n° 2 art° 897.° do CPC.

- Em 17.04.2009 foi emitida a competente notificação para o domicílio fiscal de D…, cujo AR foi assinado pelo seu pai Sr. A… em 23.04.2009.

- Dado o tempo decorrido sem que tivesse sido efectuado o depósito do preço, foi o imóvel adjudicado ao proponente B… Lda. em 23.06.2009, pelo valor de € 68.100,00.

- A notificação emitida em 23.06.2009 foi recebida em 24.06.2009 e o respectivo pagamento do depósito do preço foi efectuado em 01.07.2009 conforme guia mod. 50 a fls 186 dos autos.

- Efectuados os pagamentos do preço, IMT e Imposto de Selo devidos foi passado o respectivo Titulo de Adjudicação à firma B… Lda., que consequentemente requereu a entrega do bem.

- Para o efeito foi citado o executado em 14.09.2009, nos termos do art° 928.º do CPC, para proceder a entrega do bem com a consequente entrega das chaves do imóvel.

- Encontra-se sanada a falha na citação, na qual, por lapso, foi indicado que o imóvel pertencia à freguesia de Vidais quando deveria ser de Carvalhal Benfeito.

- Os produtos das vendas do veículo matricula … e do imóvel encontram-se a aguardar graduação de créditos por parte do TAF de Leiria.

- A tratar-se de uma reclamação deduzida nos termos do art° 276° do CPPT deveria a mesma ter sido apresentada no prazo de 10 dias a contar da notificação (art° 277.° do CPPT), o que, na sequência da notificação efectuada ao executado em 14.09.2009, se revela intempestiva.

S.F. Caldas da Rainha, 2 de Outubro de 2009

DESPACHO

Atendendo ao disposto no art° 278° do CPPT, remeta-se a presente reclamação ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria.

S.F. Caldas da Rainha, 02 de Outubro de 2009.

O Chefe de Finanças (...).».

* * *

3. As questões a decidir no presente recurso – considerando que o «thema decidendum» do mesmo é estabelecido pelas conclusões da respectiva alegação – consistem em saber se:

- ocorreu uma nulidade processual, por não ter sido notificada ao Reclamante, ora Recorrente, a contestação apresentada pela Fazenda Pública, ma medida em que tal consubstancia a violação do direito ao contraditório previsto no artigo 3.º, n.º 3 do CPC, do princípio da proporcionalidade previsto no art. 2.° da CRP, e do direito a uma tutela judicial efectiva e a um processo equitativo plasmado no art. 20.°, n° 1 a 4 da CRP;

- a sentença padece de nulidade, nos termos previstos no artigo 125º do CPPT e artigo 668.º, n.º 1 alínea c) do CPC, por oposição entre os fundamentos e a decisão;

- a sentença incorreu em erro ao julgar que era errado o meio processual utilizado e que era intempestiva a petição de reclamação para efeitos de convolação na forma de processo adequada

Por se tratar de questão que pode prejudicar o conhecimento dos vícios que vêm imputados à sentença, importa começar pela apreciação da invocada nulidade processual.

3.1. Da nulidade processual.

Está em causa uma eventual nulidade secundária, anterior à sentença, e traduzida, essencialmente, na violação do direito ao contraditório previsto no artigo 3.º, n.º 3 do CPC, por virtude de o Reclamante, ora Recorrente, não ter sido notificado da contestação apresentada pela Fazenda Pública.

No que concerne à sucessão processual que releva para a apreciação desta questão, há que reter que após a apresentação da contestação pela Fazenda Pública e emissão de parecer pelo Ministério Público, foi imediatamente proferida a sentença, sem que ao Reclamante tivesse sido dada a oportunidade de se pronunciar sobre o conteúdo da contestação e teor do parecer do Ministério Público, e sem que tivesse tido, entretanto, qualquer intervenção no processo.

Tal nulidade pode ser suscitada no recurso interposto da sentença, pois que embora as nulidades secundárias em que o tribunal haja porventura incorrido só possam ser, em princípio, conhecidas mediante reclamação a deduzir no prazo geral de 10 dias previsto artigo 153.° do CPC, o certo é que, por força do n.º 1 do artigo 205.° do mesmo Código, esse prazo tem de ser contado do conhecimento da nulidade pelo interessado. E, no caso vertente, face à sucessão processual acima exposta, o prazo para arguição da nulidade não se tinha ainda iniciado quando foi proferida a decisão recorrida - por falta de conhecimento, pelo interessado, da irregularidade alegadamente cometida - a qual, desse modo, dá cobertura à referida nulidade.

Aliás, a irregularidade cometida só se consumou verdadeiramente com a pronúncia da decisão judicial, pois como se deixou devidamente explicitado no acórdão desta Secção e Tribunal proferido em 9/04/1997, no recurso n.º 21070, «a nulidade acabou por ficar implicitamente coberta ou sancionada pela sentença, dado que a nulidade cometida se situa a seu montante e o dever omitido se encontra funcionalizado à sua prolação, pelo que tal nulidade processual se tornou também vício formal da sentença que lhe deu cobertura.».

Em suma, e como se referiu no acórdão deste Tribunal de 30/01/2002, proferido no recurso n° 26653, neste tipo de situações «o recurso interposto da sentença é o meio adequado de reagir e de apreciar nulidades processuais anteriores à publicação daquela, que não a reclamação para o tribunal perante o qual as nulidades ocorreram». Neste sentido, vejam-se, aliás, os seguintes acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

- de 19 de Outubro de 1994, no recurso com o n.º 18409, publicado no Apêndice ao Diário da República de 20 de Janeiro de 1997, págs. 2360 a 2363;

- de 24 de Abril de 1996, no recurso com o n.º 19917, publicado no Apêndice ao Diário da República de 18 de Maio de 1998, págs. 1283 a 1291;

- de 9 de Abril de 1997, no recurso com o n.º 21070, publicado no Apêndice ao Diário da República de 9 de Outubro de 2000, págs. 890 a 896.

- de 15 de Setembro de 1999, no recurso com o n.º 45312, in Cadernos de Justiça Administrativa 18-51,

- de 11 de Março de 1998, no recurso n.º 21050, in base de dados jurídico-documentais do Ministério da Justiça.

E os seguintes acórdãos do Pleno da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo, com texto integral em http://www.dgsi.pt:

- de 2 de Outubro de 2001, proferido no recurso com o n.º 42385;

- de 20 de Março de 2002, proferido no recurso com o n.º 38441.

Pelo que a presente arguição está em tempo e a via utilizada para o efeito é a própria.

Dito isto, cumpre indagar da ocorrência da arguida nulidade processual, por omissão de notificação da contestação apresentada pela Fazenda Pública, onde esta suscitara a questão do erro na forma de processo, no entendimento de que o objecto da pretensão do Reclamante era, afinal, a anulação da venda efectuada na execução e que o meio processual idóneo para tal efeito era a acção para anulação de venda e não a presente reclamação - posição que foi igualmente defendida pelo Ministério Público e que veio a ser acolhida na decisão recorrida, sem que nunca tivesse sido dado ao Reclamante a possibilidade de se pronunciar sobre tal excepção.

Como se sabe, as nulidades processuais são quaisquer desvios do formalismo processual seguido, em relação ao formalismo processual prescrito na lei, e a que esta faça corresponder – embora não de modo expresso – uma invalidação mais ou menos extensa de actos processuais(() Cf. MANUEL DE ANDRADE, in “Noções Elementares de Processo Civil”, pág. 176.).

A nulidade invocada pelo Recorrente não consta do rol exaustivo de nulidades insanáveis que o legislador consagrou no artigo 98.º do CPPT, motivo por que será à luz do regime do art. 201.º e segs. do Código de Processo Civil que deveremos aferir se estamos perante uma irregularidade processual susceptível de ser qualificada como nulidade (secundária).

Nos termos do art. 201.º, n.º 1, do CPC, “a prática de um acto que a lei não admita, bem como a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa”.

Ou seja, as nulidades, enquanto violações da lei processual, têm que revestir uma de três formas: a) prática de um acto proibido; b) omissão de um acto prescrito na lei; c) realização de um acto imposto ou permitido por lei, mas sem as formalidades requeridas. E, concomitantemente, têm de poder influir no exame ou na decisão da causa.

Por seu turno, o n.º 3 do artigo 3.º do CPC estabelece que “o juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem”.

É o chamado princípio do contraditório, que, sobretudo após a reforma operada pelo Dec.Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro, e pelo Dec.Lei nº 180/96, de 25 de Setembro, se transformou numa das pedras basilares em que assenta todo o nosso Código de Processo Civil.

Com efeito, essa norma, introduzida pela referida reforma, veio ampliar o âmbito tradicional do princípio do contraditório, trazendo uma noção mais lata de contraditoriedade, com origem na garantia da participação efectiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, mediante a possibilidade de, em plena igualdade, influírem em todos os elementos (factos, provas, questões de direito) que se encontram em ligação com o objecto da causa e que em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para decisão.

Dele decorre, pois, o dever de facultar sempre às partes a oportunidade de, antes de a decisão ser proferida, se pronunciarem sobre qualquer questão que as possa afectar e que ainda não tenham tido possibilidade de contraditar, mesmo tratando-se de questões meramente de direito e que sejam de conhecimento oficioso. Só assim não será em casos de manifesta desnecessidade, por se tratar de questão simples e incontroversa.

Aliás, o Tribunal Constitucional tem vindo a considerar a consagração do princípio do contraditório como algo integrado no direito de acesso aos tribunais, consagrado no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa Cfr., nomeadamente, o Acórdão nº 177/00, proferido em 22/03/2000 e o Acórdão nº 358/98, proferido em 12/05/1997, consultáveis no seguinte endereço electrónico: http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos. e, como já deixou sublinhado, «o processo de um Estado de Direito (processo civil incluído) tem, assim, de ser um processo equitativo e leal. E, por isso, nele, cada uma das partes tem de poder fazer valer as suas razões (de facto e de direito) perante o tribunal, em regra, antes que este tome a sua decisão. É o direito de defesa, que as partes hão-de poder exercer em condições de igualdade. Nisso se analisa, essencialmente, o princípio do contraditório, que vai ínsito no direito de acesso aos tribunais, consagrado no artigo 20º nº1, da Constituição.».

Por conseguinte, o escopo principal do princípio do contraditório deixou de ser a defesa, no sentido negativo de oposição ou resistência à actuação alheia, para passar a ser a influência, no sentido positivo de direito de influir activamente, no desenvolvimento e no êxito do processo Cfr. LEBRE DE FREITAS, in “Introdução ao Processo Civil, Conceitos e Princípios Gerais à luz do Código Revisto", 1996, pág. 96.. Daí que, mesmo relativamente às questões de direito, a norma proíba as decisões-surpresa, ou seja, decisões baseadas em fundamento que não tenha sido considerado previamente pelas partes, enquanto violadoras do princípio do contraditório - conforme, aliás, o Supremo Tribunal de Justiça tem tido oportunidade de afirmar Cfr., entre outros, os acórdãos de 18/11/1999, Proc. nº 794/99; de 16/02/2000, Proc. nº 732/99; de 5/12/2000, no Proc. nº 3247/00, e de 05/07/2001, Proc. nº 2038/01.

É neste contexto que se justifica e compreende que nenhuma decisão deve ser tomada pelo juiz sem que previamente tenha sido dada ampla e efectiva possibilidade à parte contra quem é dirigida de a discutir, de a contestar e de a valorar, com vista a evitar decisões surpresa. E a inobservância deste contraditório consubstanciará, fatalmente, uma nulidade processual se a omissão do convite à parte para tomar posição sobre qualquer questão que a possa afectar e que ainda não tenha tido possibilidade de contraditar, for susceptível de influir no exame ou decisão da causa.

Exposta esta doutrina, e passando à análise da questão suscitada, resta-nos dizer que propendemos a entender que foi, efectivamente, violado o princípio do contraditório, uma vez que não foi dada ao Reclamante qualquer possibilidade de se pronunciar sobre a excepção invocada pela Fazenda Pública e secundada pelo Ministério Público, obstativa do conhecimento do mérito da reclamação e que, analisada na decisão recorrida, veio a determinar a improcedência da reclamação por erro na forma de processo e impossibilidade de convolação na forma de processo adequada «por intempestividade e falta de aptidão da petição para tal.».

É certo que, como diz o Exm.º Magistrado do Ministério Público no seu douto parecer, o CPPT não prevê, para o processo de reclamação regulado nos artigos 276.º e seguintes, qualquer resposta ou réplica à contestação da Fazenda Pública. Todavia, tal não obsta à necessidade de observância do disposto no n.º 3 do art.º 3.º do CPC sempre que a Fazenda Pública suscite qualquer excepção ou questão que obste ao conhecimento da reclamação, devendo, em tal, caso, o juiz determinar a notificação do reclamante para se pronunciar, querendo, no prazo geral de 10 dias.

Por outro lado, não se pode afirmar que a irregularidade cometida não tem potencialidade para influenciar a decisão sobre a matéria da adequação do meio processual utilizado e possibilidade de convolação, pois, abstractamente, as considerações que o Reclamante possa fazer podem influenciar a decisão desta questão, até porque não se pode dizer que é totalmente evidente e inquestionável que o executado não pode usar o processo de reclamação para arguir, como arguiu, irregularidades processuais que, alegadamente, terão sido praticadas ao longo do processo executivo e que, na sua perspectiva, determinam a anulação de todo o processado (incluindo a venda), desobrigando-o da entrega das chaves em conformidade com o pedido que formula na reclamação.

Razão por que seria de elementar prudência que o julgador tivesse dado cumprimento ao dever legal de convidar o Reclamante a tomar posição sobre a referida questão, possibilitando-lhe influir activamente na respectiva decisão pela apresentação de argumentos jurídicos que contribuíssem para um real debate contraditório e que pudessem ser ponderados na decisão (independentemente de serem nela atendidos ou não).

Em conclusão, a irregularidade cometida constitui nulidade processual à face do disposto no art. 201.º, n.º 1, do CPC, o que implica a anulação de todo o processado após a contestação apresentada pela Fazenda Pública, devendo os autos voltar ao TAF de Leiria para que aí se dê observância ao mencionado princípio e se profira, no momento próprio, nova decisão.

Face à procedência desta questão, fica prejudicado o conhecimento das demais suscitadas no recurso.

* * *

4. Face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso e anular todo o processado posterior à contestação da Fazenda Pública, determinando a descida dos autos ao Tribunal de 1ª Instância para que aí se proceda à notificação dessa peça processual ao Reclamante e para que seja proferida, no momento próprio, nova decisão.

Sem custas, dado que a Recorrida não contra-alegou.

Lisboa, 3 de Março de 2010. - Dulce Neto(relatora) – Alfredo Madureira Vencido. Negaria provimento ao presente recurso jurisdicional, confirmando a impugnada sentença, com a fundamentação invocada pelo Exmº. Procurador Geral Adjunto neste S.T.A. que, com a devida vénia, subscrevo. - Valente Torrão.
Rita Mourato Villaverde
Nº17523
sub-turma 2

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