Acórdão do
Tribunal Administrativo do Norte
Processo:
01276/06.5BEBRG
Secção: 1ª Secção
- Contencioso Administrativo
Data do Acordão:
27-04-2012
Tribunal: TCAN
Relator: Carlos
Luís Medeiros de Carvalho
Descritores:
LEGITIMIDADE PASSIVA,AÇÃO DE RESPONSABILIDADE CIVIL,AMPLIAÇÃO BASE INSTRUTÓRIA,NULIDADES
DECISÃO - ART. 668.º, N.º 1 ALS. B) E D) CPC
Sumário: I. A legitimidade passiva deverá ser aferida pelas
afirmações do A. na petição inicial, pelo modo como este unilateral e
discricionariamente entende configurar o objeto do processo, sem que na
determinação das partes legítimas se deva ter de aferir em função da efetiva
titularidade da relação material controvertida existente, tomada de forma
provisória como objetivamente existente com a configuração que vier a resultar
das afirmações do A. e do R., confirmadas pela instrução e discussão da causa.
II. Não pode o juiz, uma vez confrontado com existência de factualidade
controvertida essencial para a boa e correta decisão da causa e sob pena de
ilegalidade por preterição das mais elementares regras, suprimir ou omitir
qualquer daquelas fases processuais precludindo os direitos das partes em
litígio, seja em termos de ação ou de defesa, na certeza de que ainda que em
sede de julgamento e uma vez ali detetada uma omissão de inclusão de
determinada realidade factual controvertida necessária à boa decisão da causa
se impõe ao julgador a ampliação da base instrutória [cfr. arts. 650.º, n.º 2,
al. f) e 264.º do CPC].
III. É inquestionável que, por força do disposto no n.º 4,
do art. 712.º do CPC, são atribuídos a este Tribunal de recurso poderes
cassatórios através da anulação oficiosa da decisão de facto proferida em 1.ª
instância, maxime quando a repute de deficiente, obscura ou contraditória,
cabendo idêntica faculdade quando se considere indispensável a ampliação da
matéria de facto.*
* Sumário elaborado pelo Relator
Recorrente: Estradas de Portugal, E.P.E. Recorrido 1: M. ... e outra
Votação: Unanimidade
Meio Processual: Acção Administrativa Comum - Forma Ordinária (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico: Não emitiu
1
Decisão Texto Integral: Acordam em conferência na Secção de
Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
1. RELATÓRIO
“EP - ESTRADAS DE PORTUGAL, SA” (doravante «EP»),
devidamente identificada nos autos, inconformada veio interpor recurso
jurisdicional da decisão do TAF de Braga, datada de 11.04.2008, que a julgou
parte legítima quanto ao pedido indemnizatório deduzido no âmbito da ação
administrativa comum, sob forma ordinária, que contra a mesma havia sido
instaurada por MT. … e MI. … [pedido indemnizatório esse no valor de 15.000,00
€ acrescido de juros de mora e relativo à desvalorização daquele seu imóvel].
“EP” e “ASCENDI NORTE - AUTO ESTRADAS DO NORTE, SA”
(doravante «ASCENDI NORTE») (ente anteriormente denominado «AEONOR - AUTO
ESTRADAS DO NORTE, SA» e que foi admitido como interveniente principal lado
passivo – art. 327.º CPC - cfr. fls. 84/85 do autos - paginação processo em
suporte físico tal como as referências posteriores a paginação salvo expressa
indicação em contrário), inconformadas vieram, por sua vez, interpor recurso
jurisdicional da decisão do TAF de Braga, datada de 18.03.2010, que julgou
parcialmente procedente a pretensão indemnizatória deduzida na presente ação e
as condenou no pagamento de quantia que vier, ulteriormente e em sede própria,
a liquidar-se a esse título “… pela desvalorização sofrida pelo imóvel dos AA.,
com a construção do viaduto da Longra ...”.
Formula a «EP», nas respetivas alegações (cfr. fls. 388 e
segs. e fls. 559 e segs.), as seguintes conclusões:
I. Quanto ao recurso jurisdicional da decisão de 11.04.2008:
“…
I. O despacho que aqui se pretende por em crise julgou parte
legítima a recorrente EP – Estradas de Portugal, relativamente ao pedido de
indemnização por desvalorização do imóvel dos Autores e aos danos não
patrimoniais invocados nos arts. 68.º e 69.º da p.i.;
II. Como refere o douto despacho, que aqui se põe em crise,
citando Antunes Varela, «ser parte legítima na ação é ter o poder de dirigir a
pretensão em juízo ou a defesa contra ela oponível», tendo «legitimidade como
réu se for ela a pessoa que juridicamente pode opor-se à procedência da ação».
III. Apesar de a recorrente gozar de poderes de autoridade
do Estado, não lhe compete, nem foi da sua responsabilidade o projeto do traçado
em apreço, mais concretamente do «Viaduto da Longra».
IV. Resulta da Base XXX do Decreto-lei 248-A/99, que os
«estudos e projetos apresentados ao IEP nos termos das bases anteriores
consideram-se tacitamente aprovados pelo MEPAT no prazo de 60 dias a contar da
respetiva apresentação», sendo da responsabilidade deste último a aprovação do
projeto e, logo, do traçado em questão, não podendo, por isso, o IEP,
administração indireta do Estado e superintendida por este, alterar o projeto
aprovado pelo MEPAT.
V. A recorrente ficou apenas com o encargo de entregar à
concessionária os bens expropriados livres de encargos e desocupados.
VI. A conceção, projeto e construção dos lanços previstos no
diploma acima referenciado são, nos termos da Base XXIV do mesmo, da
responsabilidade da concessionária (AENOR - Auto-Estradas do Norte, SA) e,
solidariamente, dos membros do ACE (NORACE - Construtora das Auto-Estradas do
Norte, ACE).
VII. Não foi, nem nunca poderia ter sido, da
responsabilidade da recorrente a decisão relativa à localização do traçado, nem
tão pouco a localização do viaduto em apreço.
VIII. Por isso, não pode a recorrente ser responsabilizada
pelos danos decorrentes da localização do mesmo e pela desvalorização do imóvel
em questão.
IX. Não resulta da decisão da recorrente a localização do
Viaduto da Longra no concreto local onde se encontra construído e implantado,
nem é da sua autoria o ato administrativo que autorizou aquela obra.
X. A recorrente é empresa de direito público e apenas pode
agir através de atos administrativos, atos esses que poderão ser suscetíveis de
lesar direitos e/ou interesses dos particulares, e, dessa forma, pressuposto
para responsabilidade extracontratual.
XI. A recorrente não praticou quaisquer atos suscetíveis de
lesar os direitos e/ou interesses dos Autores, pois apenas participou nos
processos de expropriação e que nunca incidiu sobre bens dos Autores.
XII. Desta forma, a recorrente nunca deveria ter sido
chamada ao processo, pois não são os atos de expropriação que são invocados
pelos Autores, mas sim os atos praticados pelo MEPAT, pela Concessionária AENOR
e pela ACE NORACE.
XIII. Desta forma, não tem a recorrente que juridicamente se
pode opor à pretensão dos Autores, uma vez que a relação jurídica subjacente ao
conflito aqui em causa não precede de ato seu.
LEGISLAÇÃO VIOLADA:
A douta decisão recorrida violou, entre outros, o disposto
nas Bases XXIV e XXX do Decreto-lei 248-A/99 …”.
II. Quanto ao recurso jurisdicional relativo à decisão
proferida em 18.03.2010:
“...
I. Por ofício datado de 22 de março de 2010 foi a Ré, ora
recorrente, notificada da sentença proferida nos presentes autos que a condenou
no pagamento de quantia a fixar em execução de sentença pela desvalorização do
imóvel propriedade dos recorridos, em virtude da construção de um viaduto nas
imediações dessa, sendo essa pretensão fundada em alegada responsabilidade por
factos lícitos, nos termos do disposto no artigo 9.º do DL 48051 de 21 de
novembro de 1967, o qual impõe, para que exista dever de indemnizar por parte
de qualquer entidade que exerça poderes públicos de autoridade, a existência de
danos especiais e anormais;
II. A responsabilidade civil da administração por atos
lícitos depende da prova de prejuízos especiais e anormais, sendo que por
prejuízo especial entendem-se aqueles que não são impostos à generalidade das
pessoas e prejuízo anormal será aquele que não é inerente aos riscos normais da
vida em sociedade;
III. Para que o prejuízo em causa possa ser considerado
anormal e, como tal, suscetível de ser ressarcido, e necessário que o dano
provocado pelo ato da administração seja grave;
IV. A Jurisprudência do Supremo Tribunal «tem lançado mão da
teoria do gozo standard (vide os arestos de 1991.05.21 - rec. n.º 29227 e de
2000.05.25 - rec. n.º 41420), que é enunciada por Gomes Canotilho («O problema
...», pp. 280/281), nos seguintes termos: «Perante a ação dos poderes públicos
(...) é garantido o gozo médio ou standard dos bens pertencentes ao particular
de modo que quando este gozo é tolhido por um ato normativo ou administrativo,
estamos em presença de um ato ablatório gerador de indemnização» (vide Ac. do
STA de 13-01-2004);
V. No caso em apreço não existe qualquer ato ablatório gerador
de indemnização, uma vez que a atuação em causa nos presentes autos (a
construção de um viaduto perto da habitação dos Recorridos) não é de tal forma
grave que possa afetar o gozo integral do imóvel em causa;
VI. A construção do «viaduto da Longra» não dá lugar a uma
subtração do gozo standard da coisa, até porque os Recorridos continuam a fazer
a sua vida nesse mesmo local, nunca tendo logrado provar que existiu qualquer
alteração na sua vida diária em virtude da construção em discussão;
VII. É sempre diferente escolher um local já totalmente
urbanizado e construído para viver ou um local isolado, uma vez que, no
primeiro caso, qualquer pessoa saberá que não existirão construções nessa zona,
uma vez que o espaço para construir já estará ocupado, e no segundo caso o
surgimento dessas construções será já imprevisível;
VIII. Não se pode dizer que os prejuízos sofridos pelos
Recorridos ultrapassam os custos próprios da vida em sociedade, principalmente
tendo em conta a mutabilidade constante da mesma;
IX. Os recorridos escolheram um local que se encontrava em
mutação para viver, pelo que sabiam que a qualquer momento poderia surgir uma
nova construção naquele local;
X. Segundo o Acórdão do STA de 13-01-2004, «A propriedade
privada admite limites e vínculos impostos por razões sociais e
condicionamentos administrativos. Além disso o valor dos bens sofre a
ineliminável influência positiva ou negativa da situação ou de relações de
vizinhança, designadamente a que resulta de atuação dos poderes públicos na promoção
de obras públicas e operações de urbanização (as positivas, em certas
circunstâncias atenuadas por via da tributação em mais valias)». Significa isto
que o critério quantitativo, por si só, não é índice bastante da ocorrência de
ingerência pública geradora de sacrifício indemnizável, nos termos previstos no
art. 9.º do DL n.º 48051. Só o será se, associado a ele, houver privação do
gozo standard do imóvel», o que não acontece nos presentes autos.
LEGISLAÇÃO VIOLADA:
Ao decidir como decidiu o Tribunal «a quo» violou, entre
outros, o disposto no artigo 9.º do Decreto-Lei 48051 de 21 de novembro de 1967
…”.
Por sua vez, sustenta a «ASCENDI NORTE», nas suas alegações
(cfr. fls. 616 e segs.), conclusões nos termos seguintes:
“...
1. A presente ação foi interposta pelos Recorridos em Julho
de 2007 contra, exclusivamente, o R. EP o qual requereu a intervenção principal
provocada da ora Recorrente, de acordo com o artigo 325.º e ss. do CPC;
2. De acordo com o n.º 1, do artigo 328.º do CPC, aplicável
ex vi legis do artigo 1.º do CPTA, «Se o chamado intervier no processo, a
sentença apreciará o seu direito e constituirá caso julgado em relação a ele».
3. O tribunal a quo qualquer análise ao direito da
Recorrente nem se pronunciou - ainda que ao de leve fosse - sobre o mesmo.
4. Por outro lado, apesar do despacho de retificação da
sentença proferido posteriormente pelo tribunal a quo, ordenar que «onde consta
alusão a ‘R’», deverá passar a constar «RR» tal retificação é totalmente
insuficiente para fundamentar cabalmente a decisão de condenação da Recorrente.
5. Do teor da sentença, conclui-se inelutavelmente que a
mesma apenas fundamenta a responsabilidade civil do R. EP.
6. Assim, deverá ser declarada nula a sentença proferida
pelo tribunal a quo, de acordo com o artigo 668.º do CPC, aplicável ex vi legis
do artigo 1.º do CPTA, e com o artigo 95.º do CPTA.
7. A sentença recorrida fundou-se - salvo melhor opinião -
equivocadamente, na existência de responsabilidade por atos lícitos de acordo
com o regime previsto no Decreto-Lei n.º 48051, de 21 de novembro de 1967
(atualmente revogado).
8. Pois que, «a exigência de um dano ou encargo especial e
anormal é justificado à luz de um princípio de socialidade. Só são
indemnizáveis os danos ou encargos que incidam sobre uma pessoa ou um grupo,
sem afetarem a generalidade das pessoas (dano especial), e que simultaneamente
ultrapassem os custos próprios da vida em sociedade e mereçam, pela sua
gravidade, a tutela do direito (dano anormal)».
9. «Anormal é, por sua vez, o dano que, pela sua gravidade,
tem relevância ressarcitória, de tal modo que não há lugar ao pagamento de
indemnização ‘se o dano não exceder os encargos normais exigíveis como
contrapartida dos benefícios emergentes da existência e funcionamento dos
serviços públicos’.
10. (...) A ideia da exigência destes dois requisitos de
responsabilidade assenta, (...) na necessidade de estabelecer um duplo travão:
a) evitar a sobrecarga do tesouro público, limitando o reconhecimento de um
dever indemnizatório do Estado nos casos de danos inequivocamente graves, b)
procurar ressarcir danos que, sendo graves, incidem desigualmente sobre certos
cidadãos».
11. A construção de uma autoestrada é expressão da vida em
sociedade e os Recorridos não podem, pretender ver a zona habitacional onde
residem desenvolvida com boas vias rodoviárias, rectius, autoestradas, e assim
verem o seu imóvel valorizado, e, simultaneamente, não sofrerem as necessárias
incomodidades que tal desenvolvimento social acarreta.
12. Nos presentes autos, discute-se i) uma «redução de
exposição solar» (que como facilmente se pode constatar pelas fotos juntas aos
autos é absolutamente superficial) que não provoca um especial dano ou prejuízo
aos Recorridos,
13. E de ii) «um aumento de ruído fruto do tráfego automóvel
que no mesmo circula», aumento este que, de acordo com a prova - ou melhor, com
a ausência de prova - não se sabe de quantos decibéis, se é perturbador ou não
da atividade normal numa habitação, ou se, como as regras da experiência fazem
intuir, é um barulho normal de quem habita numa cidade em desenvolvimento e
portanto, constitui uma mera perturbação e não um verdadeiro prejuízo anormal
decorrente da vida em sociedade.
14. Tem-se pois de concluir, como indica a melhor
jurisprudência, que ainda que se admitissem existir quaisquer prejuízos por
parte dos Recorridos, estes prejuízos «não ultrapassam os limites impostos pelo
dever de suportar a atividade licita da Administração e devem considerar-se
‘comuns’, no sentido de que recaem genericamente sobre todos os cidadãos ou
sobre categorias amplas e abstratas de pessoas, e ‘normais’, no sentido de que
são habituais e aceitáveis como risco usual próprio da vida em sociedade».
15. Por outro lado, de acordo com as Bases da
Concessão/Contrato de Concessão celebrado entre a Recorrente e o Estado
português compete à concessionária numa primeira fase, a conceção, projeto,
construção e financiamento das autoestradas incluídas na concessão e, numa
segunda fase compete, atualmente, a exploração e conservação em regime de
portagem dessas mesmas autoestradas.
16. Assim, a Concessionária, ora Recorrente apenas cumpre e
executa a opção política do Estado português de construir uma autoestrada num
determinado local. Ou seja, é o Estado português que decide o concreto traçado
e a concreta localização da autoestrada (dos vários traçados alternativos
projetados pela concessionária) a construir, e é o Estado português que decide,
na prática, que zonas do país irão ser beneficiadas com a construção dessas
mesmas autoestradas e que zonas/cidades irão «sofrer» os impactes ambientais
provocados por essa mesma construção.
17. Assim, os eventuais prejuízos sofridos pelos recorridos
não resultam da atuação da Concessionária, que, na prática, é um terceiro,
alheio à vontade estadual.
18. Por outro lado, cumpre notar que é o Estado o verdadeiro
proprietário e último beneficiário (fruto da parceria público-privada
realizada) das autoestradas construídas pela Recorrente.
19. O ato político de escolha do concreto traçado e, no
fundo, dos concretos particulares a serem afetados com os eventuais impactes
provocados por uma autoestrada, é da única e exclusiva responsabilidade do
Estado Português, rectius, do EP, S.A.. Assim, ainda que existisse qualquer
responsabilidade extracontratual por factos lícitos a considerar, nos presentes
autos, a Recorrente não é, nem poderia ser, a agente da mesma.
20. Por último, o artigo 1.º, in fine, do Decreto-Lei n.º
48051, de 21 de novembro de 1967, do regime de responsabilidade extracontratual
do Estado exclui da sua aplicação «tudo o que não esteja previsto em leis
especiais».
21. Ora, de acordo com a Base XXIII do Contrato de
Concessão, toda a atividade expropriativa bem como o pagamento das
indemnizações daí decorrentes competem ao Estado português, rectius ao EP,
S.A..
22. Assim todos os bens e/ou direitos afetados com a
construção da autoestrada deverão ser devidamente indemnizados por essa
entidade estadual, leia-se o EP, S.A., ou seja, in casu, a escolha do concreto
traçado e os consequentes atos ablativos de alguns direitos dos Recorridos (o
eventual direito à exposição solar e ao silêncio) são da exclusiva
responsabilidade da EP, S.A..
23. Assim sendo, os direitos invocados pelos Recorridos eram
(e são) direitos indemnizáveis em sede de processo expropriativo devidamente
previsto no Código das Expropriações.
24. Ora, encontrando-se a responsabilidade expropriativa
devidamente prevista no Código das Expropriações e considerando o exposto no
artigo 1.º, in fine, do Decreto-Lei n.º 48051, de 21 de novembro de 1967,
dever-se-á concluir não ser aplicável o regime de responsabilidade extracontratual
do Estado mas sim o regime indemnizatório previsto no CE …”.
Os AA., ora recorridos, apresentaram contra-alegações (cfr.
fls. 689 e segs.), nas quais pugnam pela manutenção do julgado, concluindo nos
termos seguintes:
“…
1. Entendem os recorridos que a sentença não padece de
qualquer nulidade, uma vez que, salvo o devido respeito pelo recorrido a
verdade é que não se vislumbra qualquer incumprimento ou violação pela Tribunal
a quo, na douta sentença, que possa levar à nulidade da sentença.
2. O que se tratou foi, efetivamente, de um lapso, que, como
bem refere a douta sentença, não implica a absolvição da interveniente, ora
recorrida, nem tal se depreende do texto e contexto da sentença.
3. Pelo que, entendem os recorridos que o Tribunal não omitiu
pronúncia quanto à responsabilidade da recorrente, pelo que terá tal alegação
de improceder.
4. A construção do viaduto em causa nos presentes autos,
pela proximidade que exibe com a casa dos AA. e pelas suas dimensões,
retirou-lhes exposição solar, sobretudo no Inverno, o que causou o aparecimento
de bolores e humidades no seu interior, agravado pelo trânsito de veículos
(entre os quais, veículos pesados) no viaduto, em especial com a passagem pelas
juntas de dilatação do mesmo (no início e no fim), provoca ruídos de dia e de
noite, havendo assim uma clara desvalorização do prédio dos recorridos.
5. A douta sentença entendeu, e bem, qualificar os prejuízos verificados como especiais, uma vez que aquele prejuízo «não é imposto à generalidade das pessoas, mas a pessoa certa e determinada em função de uma específica posição relativa». E como anormais, porquanto, não é inerente aos riscos normais da vida em sociedade, suportados por todos os cidadãos, ultrapassando os limites impostos pelo dever de suportar a atividade lícita da Administração.
6. Por outro lado, e como confessa, é a recorrente quem
compete a conceção, projeto, construção e financiamento das autoestradas,
retirando posteriormente o proveito da exploração e conservação das mesmas.
7. No caso dos autos, quer a recorrida quer as demais RR.
são efetivamente responsáveis pelos prejuízos causados aos recorrentes e, nessa
medida, não merece qualquer reparo a douta sentença, devendo ser-lhe aplicável
o Decreto-Lei n.º 48051 de 21 de novembro de 1967.
8. Pelo que, deve manter-se a douta sentença nos seus
precisos termos …”.
O Digno Magistrado do Ministério Público junto deste
Tribunal notificado nos termos e para efeitos do disposto no art. 146.º do CPTA
não emitiu qualquer pronúncia ou parecer (cfr. fls. 713 e segs.).
Colhidos os vistos legais foram os autos remetidos à
Conferência para julgamento.
2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelas
recorrentes, sendo certo que se, pese embora por um lado, o objeto do recurso
se acha delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos
arts. 660.º, n.º 2, 664.º, 684.º, n.ºs 3 e 4 e 690.º, n.º 1 todos do Código de
Processo Civil (CPC) “ex vi” art. 140.º do CPTA, temos, todavia, que, por outro
lado, nos termos do art. 149.º do CPTA, o tribunal “ad quem” em sede de recurso
de apelação não se limita a cassar a decisão judicial recorrida porquanto ainda
que a declare nula decide “o objeto da causa, conhecendo de facto e de direito”
reunidos que se mostrem no caso os necessários pressupostos e condições
legalmente exigidas.
As questões suscitadas reconduzem-se, em suma, em
determinar:
A) Quanto ao recurso jurisdicional da «EP» relativo à
decisão judicial recorrida proferida em 11.04.2008 [no segmento que a julgou
como parte legítima passiva] a mesma envolve violação, nomeadamente, do
disposto nas Bases XXIV e XXX do DL n.º 248-A/99, de 06.07;
B) Quanto ao recurso jurisdicional da «EP» referente à
decisão judicial recorrida que julgou parcialmente procedente a pretensão dos
AA. se a mesma o fez em violação do disposto no art. 09.º do DL n.º 48051, de
21.11.1967;
C) Quanto ao recurso jurisdicional da «ASCENDI NORTE» se,
por um lado, aquela mesma decisão enferma de nulidade [cfr. art. 668.º, n.º 1,
als. b) e d) do CPC] e, por outro lado, se tal decisão padece de erro de
julgamento traduzido na incorreta aplicação do disposto, mormente, nos arts.
01.º e 09.º ambos do DL n.º 48051, da Base XXIII do Contrato de Concessão [cfr.
conclusões dos recursos supra reproduzidas].
3. FUNDAMENTOS
3.1. DE FACTO
Da decisão recorrida resultaram provados os seguintes
factos:
I) Os AA. são proprietários e possuidores de um prédio
urbano composto por rés-do-chão e andar, destinado a habitação, com a
superfície coberta de 134 m2, com logradouro de 916 m2 e anexos sito no lugar
de Carvalhal, freguesia de Sernande, concelho de Felgueiras, inscrito na matriz
sob o art. 378 e descrito na CRP de Felgueiras sob o n.º 00127;
II) Foi emitido, em 26.11.2002, alvará de licença de
utilização n.º 669/02, em nome do A. Manuel Teixeira Cardoso, relativamente ao
prédio referido I);
III) Foi implementada a construção de uma obra denominada
“A11/IP9:BRAGA - GUIMARÃES - IP4/A4 - Sublanço Vizela - Felgueiras - km 8+066 a
km 10+316.14”;
IV) A “Declaração de Utilidade Pública” com “Caráter de
Urgência” foi publicada no Diário da República n.º 122, II Série, de
25.05.2004;
V) Dá-se por integralmente reproduzido os docs. n.ºs 01, 02
e 08 juntos autos com a contestação pela interveniente “AENOR - Auto Estradas
do Norte de Portugal, SA”.
VI) Para a construção da obra referida em III) foi
necessário implementar obra de arte conhecida como “Viaduto da Longra”;
VII) A casa dos AA. encontra-se localizada a norte do
viaduto em questão;
VIII) Em 2000/2002 o A. marido fez obras de ampliação da
casa dos AA.;
IX) É uma casa de habitação unifamiliar e isolada, com 04
frentes;
X) O agregado familiar dos AA. é constituído por eles, uma
filha, seu marido e uma filha menor;
XI) No local, foram realizadas escavações e movimentadas
terras;
XII) Na construção do referido viaduto foram utilizadas de
máquinas de porte, tendo os terrenos circundantes sofrido mutações;
XIII) Na construção do referido viaduto foram utilizadas
escavadoras, camiões e betoneiras;
XIV) Tais máquinas provocavam vibrações;
XV) A edificação do viaduto reduziu a exposição solar do
prédio dos AA., o que se acentua no inverno, quando o sol anda mais baixo;
XVI) Desde a data de construção do viaduto, em especial na
parte da casa edificada entre 2000 e 2002, têm aparecido nas paredes humidades
e bolores;
XVII) Para reparação do telhado (colocação de telha) e
pintura interior e exterior, têm os AA. que desembolsar a quantia de 8.025 €
(oito mil e vinte e cinco euros), a que acrescerá IVA à taxa legal em vigor;
XVIII) A circulação dos veículos automóveis no tabuleiro do
viaduto provoca ruído;
XIX) O viaduto tem duas juntas de dilatação - uma numa
extremidade e outra imediatamente a seguir - e cada uma delas tem uma “entrada”
e uma “saída”;
XX) Os barulhos prolongam-se dia e noite;
XXI) Nessa via circulam camiões;
XXII) Não foram colocadas bandas sonoras nas laterais;
XXIII) A casa dos AA. situa-se abaixo da cota do viaduto;
XXIV) No terreno dos AA., ocasionalmente, aparecem latas,
priscas de cigarro e cascas de fruta;
XXV) Antigamente, a água que escorria do viaduto, no lado da
casa dos AA., caía em cima desta por via da ação do vento, o que agora não
acontece porque existem caleiros que acompanham os pilares até ao solo;
XXVI) A obra aqui em questão foi sujeita a estudos de
impacte ambiental;
XXVII) No local onde foi edificado o viaduto não existe
maciço rochoso;
XXVIII) O pilar junto à casa dos AA. não tem mais de 15
metros de altura.
«»
3.2. DE DIREITO
Assente a factualidade apurada cumpre, agora, entrar na
análise das questões suscitadas para se concluir pela procedência ou
improcedência da argumentação desenvolvida pelas recorrentes nos recursos
jurisdicionais “sub judice”.
Em sede de audiência preliminar o TAF de Braga, procedendo à
apreciação da matéria de exceção invocada pela R. «EP», julgou quanto aos
pedidos indemnizatórios relativos à desvalorização do imóvel dos AA. [computado
no montante de 15.000,00 € acrescido de juros de mora] e aos danos não
patrimoniais [a liquidar em sede e momento próprios] que aquela R. detinha
legitimidade processual passiva, sendo que apenas não a detinha quanto ao
pedido indemnizatório relativo aos danos provocados no imóvel com a
execução/construção da via (em concreto do seu viaduto) [no valor de 8.025,00 €
acrescido do IVA e juros de mora] e, nessa medida, absolveu-a da instância
quanto a este último pedido [decisão esta que neste segmento, por não impugnada
nos autos, se mostra transitada em julgado].
Já a final em sede de apreciação do mérito da pretensão
indemnizatória subsistente deduzida pelos AA. contra a R. «EP» e a
interveniente principal passiva «ASCENDI NORTE» veio a considerar aquele mesmo
Tribunal, pela decisão proferida em 18.03.2010, que a mesma procedia apenas
parcialmente e contra ambas no segmento relativo ao pedido indemnizatório
referente à desvalorização do imóvel [termos em que as condenou a pagar valor a
liquidar em momento ulterior], já que quanto ao demais peticionado improcedia a
ação [pedidos indemnizatórios relativo aos danos não patrimoniais sofridos
pelos AA. e aos danos alegadamente provocados naquele seu imóvel com a
execução/construção da via].
3.2.2. DAS TESES DAS RECORRENTES
Contra tais decisões judiciais se insurgiu a R. «EP»
sustentando, por um lado, que na decisão proferida em 11.04.2008 [no segmento
que a julgou como parte legítima passiva] o tribunal “a quo” deveria ter, de
igual modo, julgado procedente a invocada exceção considerando-a como parte
ilegítima [cfr., nomeadamente, Bases XXIV e XXX do DL n.º 248-A/99], e, por
outro lado, que na decisão prolatada em 18.03.2010 a mesma se mostra eivada de
erro de julgamento dada a errada interpretação e aplicação ao caso do disposto
no art. 09.º do DL n.º 48051.
A interveniente principal «ASCENDI NORTE» apenas se insurgiu
quanto a esta última decisão, sustentando, por um lado, a sua nulidade e, por
outro lado, o seu erro de julgamento já que, no caso, não estariam reunidos os
requisitos/pressupostos da responsabilidade civil extracontratual por facto
lícito, nem a mesma poderá ser responsabilizada pela indemnização dos danos
patrimoniais computados na decisão.
3.2.3. DO OBJETO DA INSTÂNCIA DE RECURSO
3.2.3.1. DO RECURSO RELATIVO À DECISÃO DATADA DE 11.04.2008
Para a sua análise importa trazer o quadro legal tido por
necessário.
I. Decorre do art. 10.º do CPTA, sob a epígrafe
“legitimidade passiva”, que cada “… ação deve ser proposta contra a outra parte
na relação material controvertida e, quando for caso disso, contra as pessoas
ou entidades titulares de interesses contrapostos aos do autor …” (n.º 1) sendo
que quando “… a ação tenha por objeto a ação ou omissão de uma entidade
pública, parte demandada é a pessoa coletiva de direito público …” (n.º 2).
E do art. 26.º do CPC deriva que o “… réu é parte legítima
quando tem interesse direto em contradizer …” (n.º 1), sendo que o interesse em
contradizer se exprime “… pelo prejuízo que dessa procedência advenha …” (n.º
2) e na “… falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares
do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação
controvertida, tal como é configurada pelo autor …” (n.º 3).
Resultava, por seu turno, da Base XXIII da Concessão
publicada em anexo ao DL n.º 248-A/99 [diploma que procedeu à aprovação das
bases da concessão, da conceção, projeto, construção, financiamento, exploração
e conservação de lanços de autoestrada e conjuntos viários associados na zona
norte de Portugal e a atribuiu ao então consórcio denominado «AENOR -
Auto-Estradas do Norte, SA - Concessões Rodoviárias de Portugal SA» - na
redação vigente à data dos factos e que é anterior à alteração introduzida pelo
DL n.º 44-E/010, de 05.05] que a “… condução e realização dos processos
expropriativos dos bens ou direitos necessários ao estabelecimento da Concessão
competem à entidade que o MEPAT designar como entidade expropriante em nome do
Estado, à qual caberá também suportar todos os custos inerentes à condução dos
processos expropriativos e, bem assim, o pagamento de indemnizações ou outras
compensações derivadas das expropriações ou da imposição de servidões ou outros
ónus ou encargos delas derivados …” (n.º 1), prevendo-se na Base XXIV que a “…
Concessionária é responsável pela conceção, projeto e construção dos Lanços
referidos no n.º 1 da base II, respeitando os estudos e projetos apresentados
nos termos das bases seguintes e o disposto no Contrato de Concessão ...” (n.º
1) e no n.º 3 da Base XXVI que o “… estabelecimento dos traçados das Autoestradas
com os seus nós de ligação, áreas de serviço, praças e sistemas de portagem
deverá ser objeto de pormenorizada justificação nos estudos e projetos a
submeter pela Concessionária e terá em conta, nomeadamente, os estudos de
caráter urbanístico e de desenvolvimento que existam ou estejam em curso para
as localidades ou regiões abrangidas nas zonas em que esses traçados se
desenvolverão, nomeadamente os planos regionais de ordenamento do território,
os planos de desenvolvimento municipal e planos de pormenor urbanísticos …”.
E na Base XXX preceituava-se que os “… estudos e projetos
apresentados ao IEP nos termos das bases anteriores consideram-se tacitamente
aprovados pelo MEPAT no prazo de 60 dias a contar da respetiva apresentação,
sem prejuízo do disposto nos números seguintes …” (n.º 1), sendo que sem “…
prejuízo do disposto no n.º 5, a aprovação dos projetos pelo MEPAT não
envolverá responsabilidade para o Concedente nem exonerará a Concessionária dos
compromissos emergentes do Contrato de Concessão, ou da responsabilidade que
porventura lhe advenha da imperfeição da conceção ou do funcionamento das
obras, exceto em caso de modificações unilaterais impostas pelo Concedente e
relativamente às quais a Concessionária tenha manifestado, por escrito,
reservas quanto à segurança das mesmas …” (n.º 4).
II. Definido o quadro legal a analisar e aquele que foi
invocado em sede de enquadramento jurídico da questão importa do mesmo extrair
os pertinentes ensinamentos, para o que cumpre tecer breves notas.
III. E como primeira nota importa ter presente que a
legitimidade processual constitui um pressuposto adjetivo através do qual a lei
seleciona os sujeitos de direito admitidos a participar em cada processo levado
a tribunal.
X. Nesta situação, temos que a legitimidade das partes não
está dependente da verificação de pressupostos que se autonomizam do objeto da
ação, do seu mérito, pelo que terá a mesma de ser aferida em face da posição
relativa das partes face à relação material controvertida tal como a
configuraram os AA. na petição inicial.
Improcede, por conseguinte, o recurso jurisdicional objeto
de análise.
3.2.3.2. DOS RECURSOS RELATIVOS À DECISÃO DATADA DE
18.03.2010
Reconduzindo-nos, agora, à análise do acerto da decisão em
epígrafe temos que as críticas apontadas à mesma se resumem a ilegalidade
formal (nulidades por falta de fundamentação e omissão de pronúncia) e a
ilegalidade de natureza material ou substancial decorrente, mormente, da
ausência de verificação no caso concreto dos requisitos/pressupostos da
responsabilidade civil extracontratual por facto lícito.
3.2.3.2.1. DAS NULIDADES DA DECISÃO JUDICIAL
XV. As situações de nulidade da decisão encontram-se
legalmente tipificadas no art. 668.º, n.º 1 do CPC, cuja enumeração é taxativa,
comportando causas de nulidade de dois tipos [de caráter formal - art. 668.º,
n.º 1, al. a) CPC - e várias causas respeitantes ao conteúdo da decisão - art.
668.º, n.º 1, als. b) a e) CPC], sendo que a qualificação como nulidade de
decisão de ilegalidades integradoras de erro de julgamento não impede o
Tribunal “ad quem” de proceder à qualificação jurídica correta e apreciar,
nessa base, os fundamentos do recurso.
XVI. Caraterizando em que se traduz a nulidade da decisão
por infração ao disposto na al. b) do n.º 1 do art. 668.º do CPC temos que a
mesma só ocorre quando do teor da decisão judicial sindicada em sede de recurso
não constem com o mínimo de suficiência e de explicitação os fundamentos de
facto e de direito que a justificam.XVII. A este respeito, a doutrina [J. Alberto dos Reis in: “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, pág. 140; J. Rodrigues Bastos in: “Notas ao Código de Processo Civil”, 3.ª edição, vol. III, pág. 193; Anselmo de Castro in: "Direito Processual Civil Declaratório", Tomo III, pág. 141; Antunes Varela, M. Bezerra e Sampaio e Nora in: "Manual de Processo Civil", 2.ª edição, pág. 687] e a jurisprudência [cfr. Acs. STJ de 14.04.1999 in: BMJ n.º 486, págs. 250, de 09.02.1999 - Proc. n.º 98A1228, de 10.05.2000 - Proc. n.º 00A3277, de 12.05.2005 - Proc. n.º 5B840, de 17.04.2007 - Proc. n.º 07B956 in: «www.dgsi.pt/jstj»; Acs. STA de 24.10.2000 (Pleno) - Proc. n.º 037128, de 26.03.2003 - Proc. n.º 047441, de 10.09.2009 - Proc. n.º 0940/08 in: «www.dgsi.pt/jsta»; Acs. deste TCAN de 02.04.2009 - Proc. n.º 01993/08.5BEPRT, de 18.06.2009 - Proc. n.º 01411/08.9BEBRG-A, de 11.03.2010 - Proc. n.º 00228/08.5BEBRG, de 27.05.2011 - Proc. n.º 00090/09.0BEBRG, de 09.12.2011 - Proc. n.º 00030/07.1BECBR, de 02.03.2012 - Proc. n.º 02459/07.6BEPRT in: «www.dgsi.pt/jtcn»], têm feito notar que não deve confundir-se a eventual sumariedade ou erro da fundamentação de facto e de direito com a sua falta absoluta, pois, só a esta última se reporta a alínea em questão.
XVIII. Já no que diz respeito à nulidade da decisão por
infração ao disposto na al. d) do citado normativo temos que a mesma se prende
com o dever que impende sobre o julgador de resolver todas as questões que as
partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão
esteja prejudicada pela solução dada a outras (cfr. art. 660.º, n.º 2 CPC).
XIX. Trata-se, nas palavras de M. Teixeira de Sousa, do “...
corolário do princípio da disponibilidade objetiva (art. 264.º, n.º 1 e 664.º,
2.ª parte) …” que “… significa que o tribunal deve examinar toda a matéria de
facto alegada pelas partes e analisar todos os pedidos formulados por elas, com
exceção apenas das matérias ou pedidos que forem juridicamente irrelevantes ou
cuja apreciação se tornar inútil pelo enquadramento jurídico escolhido ou pela
resposta fornecida a outras questões. (...) Também a falta de apreciação de
matéria de conhecimento oficioso constitui omissão de pronúncia …” (in:
“Estudos sobre o novo Processo Civil”, Lex, Lx 1997, págs. 220 e 221).
XXIV. Os mesmos conhecem do pedido e da causa de pedir,
ditando o direito para aquele caso concreto, pelo que a sentença ou o acórdão
podem estar viciados de duas causas que poderão obstar à eficácia ou validade
da dicção do direito: - Por um lado, podem ter errado no julgamento dos factos
e do direito e, então, a consequência é a sua revogação; - Por outro, como atos
jurisdicionais, podem ter atentado contra as regras próprias da sua elaboração
e estruturação ou contra o conteúdo e limites do poder à sombra do qual são
decretados e, então, tornam-se passíveis de nulidade nos termos do art. 668.º
do CPC.
3.2.3.2.2. DO ERRO DE JULGAMENTO
XXX. A decisão judicial recorrida condenou as aqui ora
recorrentes por entender que, nos termos, nomeadamente, dos arts. 09.º do DL
n.º 48051 e 661.º do CC, na situação vertente apenas estariam reunidos todos os
pressupostos de responsabilidade civil extracontratual por facto lícito quanto
ao pedido indemnizatório relativo à desvalorização do imóvel em decorrência da
obra de construção viária.
XXXI. Discordam as recorrentes deste entendimento porquanto
no caso consideram não estarem reunidos os pressupostos/requisitos cumulativos
condicionadores da sua responsabilidade civil extracontratual.
Analisemos, pois, da procedência desta argumentação.
XXXII. Decorre do art. 22.º da CRP que o “… Estado e as
demais entidades públicas são civilmente responsáveis, em forma solidária com
os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por ações ou omissões
praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que
resulte violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem
…”.
XXXV. Na situação em presença importa, tão-só, entrar na apreciação dos requisitos ou pressupostos da responsabilidade civil fundada na prática de ato lícito e verificar se "in casu" estão preenchidos todos esses pressupostos de modo a que às aqui demandadas possa ser imputada responsabilidade civil, já que para que esta exista necessário se torna que estejam preenchidos os respetivos pressupostos condicionadores da existência da mesma (cfr. art. 09.º do citado DL).
4. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de
Contencioso Administrativo deste Tribunal, de harmonia com os poderes
conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em:
A) Negar total provimento ao recurso jurisdicional dirigido
à decisão proferida em 11.04.2008, e, em consequência e com a fundamentação
antecedente, manter aquela decisão;
B) Anular, oficiosamente, com a motivação expendida e no
segmento que era objeto de impugnação a decisão judicial recorrida prolatada em
18.03.2010 com as legais consequências; C) Determinar a remessa dos autos ao
TAF de Braga para prosseguimento dos mesmos com ampliação da base instrutória,
ulterior produção de prova e decisão nos termos supra referidos, se a tal nada
mais entretanto obstar.
Custas do recurso jurisdicional interposto pela R.
relativamente à decisão datada de 11.04.2008 a cargo da mesma, sendo que a taxa
de justiça é reduzida a metade [cfr. arts. 73.º-A, n.º 1, 73.º-E, n.º 1, al.
a), 18.º, n.º 2 todos do CCJ, 446.º do CPC e 189.º do CPTA].
Relativamente aos demais recursos jurisdicionais as custas
são cargo da parte vencida a final, sendo que a taxa de justiça é reduzida a
metade [cfr. arts. 73.º-A, n.º 1, 73.º-E, n.º 1, al. a), 18.º, n.º 2 todos do
CCJ, 446.º do CPC e 189.º do CPTA].
Notifique-se. DN.
Restituam-se, oportunamente, os suportes informáticos que
hajam sido gentilmente disponibilizados.
Processado com recurso a meios informáticos, tendo sido
revisto e rubricado pelo relator (cfr. art. 138.º, n.º 5 do CPC “ex vi” art.
01.º do CPTA).
Porto, 27 de abril de 2012Ass. Carlos Luís Medeiros Carvalho
Ass. José Augusto Araújo Veloso
Ass. Fernanda Brandão
Rita Mourato Villaverde
Nº 17523
Sub-turma 2
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