Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo: 0653/10
Data do Acordão:
01-09-2010
Tribunal: 2
SECÇÃO
Relator: CASIMIRO
GONÇALVES
Descritores:
NULIDADE DE SENTENÇA,FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO,OMISSÃO DE PRONÚNCIA
INEPTIDÃO DA PETIÇÃO INICIAL,DESPACHO DE APERFEIÇOAMENTO
Sumário: I - A nulidade da sentença por falta de
fundamentação de facto ou de direito só ocorre quando haja total omissão dos
fundamentos de facto ou de direito em que assenta a decisão.
E a nulidade por omissão de pronúncia só se verifica quando
o Tribunal deixa de se pronunciar sobre questão que se não mostre prejudicada
pelo conhecimento e decisão porventura dado a outras.
II - De acordo com o disposto no art. 2º do CPPT as normas
processuais dos códigos e demais legislação tributária e sobre a organização e
processo nos tribunais administrativos e fiscais são aplicáveis
subsidiariamente ao processo judicial tributário e, na falta delas, as normas
do processo civil.
Nº Convencional: JSTA000P12050
Nº do Documento: SA2201009010653
Recorrente: A...
Recorrido 1: FAZENDA PÚBLICA
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral:
Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
RELATÓRIO
1.1. A…, com os demais sinais dos autos, recorre da sentença
que, proferida pelo Mmo. Juiz do TAF do Porto, determinou a absolvição da
instância da Fazenda Pública, na reclamação apresentada contra decisão do órgão
de execução fiscal (CSF Porto 3) que lhe indeferira pedido de suspensão da
venda na execução fiscal respectiva.
1.2. A recorrente alegou o recurso e formulou as Conclusões
seguintes:
a) A douta sentença incorreu, por falta de fundamentação ou
abstendo-se de pronúncia, em nulidade prevista no nº 1 do art. 125º do CPPT.
b) E o que se pretendia dado como provado, era uma pronúncia
sobre a suspensão da execução e anulação da venda.
c) Deve, consequentemente, ser anulada, com a consequente
baixa dos autos ao Tribunal “a quo” para reforma da decisão, nos termos do nº 2
do art. 731° do CPC.
d) Pelo que se impunha uma decisão judicial distinta e
contrária da que foi proferida, e aqui se procura ver revogada.
e) A reclamação da decisão do órgão de execução fiscal está
prevista no art. 276° do CPPT. E estamos perante um verdadeiro processo,
sujeito ao contraditório (vide art. 278° do CPPT).
f) A lei não considera a reclamação da decisão do órgão de
execução fiscal, um incidente. Antes, uma impugnação, na expressão do art. 49º
do nº 1 al.) a) iii, do ETAF.
g) Se a reclamação apresentada não for imediatamente
apreciada, a consequência é o prosseguimento da execução; e, subindo a final,
já não pode produzir efeito útil, pois a subida diferida implica, pela sua
natureza, que a execução (que se pretendia ver suspensa) prosseguiu até à
concretização da venda.
h) Sem prescindir, só com a subida imediata da Reclamação é
que se obtém utilidade para a recorrente, de nada valendo a sua procedência se
a venda NÃO FICA SUSPENSA até decisão do pleito.
i) Não suspendeu a execução fiscal com a propositura da
reclamação a 25-11-2009 o Exmo. Chefe de finanças de Porto 3°, procedendo à
venda a 26-11-2009.
j) Assim, a douta sentença recorrida é nula nos termos do
artigo 125° do CPPT e por violação do artigo 278° nº 3 do CPPT, devendo
conhecer do mérito da Reclamação.
k) A regra é de imediata subida, aqueles «cuja retenção os
tomaria absolutamente inúteis».
l) Na verdade, mal se entenderia que a lei, admitindo alguém
a rebelar-se contra uma decisão, facultando o seu reexame por outra entidade,
só propiciasse a avaliação da pretensão do interessado quando desta apreciação
não pudesse resultar nenhum efeito útil.
m) Seria o mesmo que dar com uma mão e tirar com a outra —
além de assim se consagrar um meio de reacção inconsequente, porque de todo
desprovido de proveito.
n) Sendo, nos termos do art. 49° do nº 1 al.) a) iii, do
ETAF, a reclamação da decisão do órgão de execução fiscal, uma impugnação.
o) Assim, não deve ser rejeitada liminarmente, com
fundamento em cumulação de pedidos, a impugnação judicial deduzida, em
consequência de o impugnante ter de ser notificado para indicar qual dos
pedidos pretende ver apreciado, nos termos do disposto no art. 47°, nº 5 do
CPTA - o que não veio a acontecer.
p) Tem vindo a jurisprudência da Secção do STA a entender
que nos devemos socorrer do regime consagrado nos artigos 4°, nºs 3 e 4 e 47°,
nºs 5 e 6, que reproduzem estes números, sob a epígrafe “Cumulação de pedidos”,
do CPTA, este último ex vi do disposto no nº 5 daquele art. 4°.
q) Dispõe o nº 5 do predito art. 47° do CPTA que, “havendo
cumulação, sem que entre os pedidos exista a conexão exigida tio número
anterior, o juiz notifica o autor ou autores para no prazo de 10 dias,
indicarem o pedido que pretendem ver apreciado no processo, sob pena de, não o
fazendo, haver absolvição da instância quanto a todos os pedidos”.
r) Pelo douto Acórdão com data de 2009.07.08 do STA, Proc.
0242/09:
“Não devia, pois, a petição inicial de impugnação ter sido
julgada inepta, pois que contém um pedido compatível com a forma de processo
utilizada, (sublinhado nosso). O recurso merece provimento.”
s) Pelas razões aduzidas e fundamentos à luz das leis
vigentes deve o presente recurso ser considerado provido por procedente.
Termina pedindo a procedência do recurso com revogação da
sentença recorrida e a consequente baixa dos autos à instância para ali se
conhecer do mérito da reclamação.
1.3. Não foram apresentadas contra-alegações.
1.4. O MP emite Parecer do teor seguinte:
«Recurso - Cumulação de pedidos incompatíveis, absolvição da
instância, nulidade de sentença por omissão de pronúncia.
1. Verifica-se omissão de pronúncia devida - causa de
nulidade da sentença, nos termos do nº 1 do artigo 125° do Código de
Procedimento e de Processo Tributário [cf. também as alíneas b) e d) do nº 1 do
artigo 688° do Código de Processo Civil] -, se a sentença não especifica os
fundamentos de facto e de direito da decisão ou deixa de se pronunciar sobre
questões levantadas na petição inicial, não prejudicadas pela solução dada à
causa (cfr., ainda, o nº 2 do art. 660° do CPC).
2. Na sentença recorrida estão bem explicitados os
fundamentos de facto e de direito que levaram à absolvição da instância da
Fazenda Pública, sendo que, na verdade, com esta decisão dada à causa ficaram
prejudicadas as demais questões colocadas pela ora recorrente na sua reclamação
contenciosa (vide sentença de fls. 335/42).
3. E dúvidas não há que os pedidos cumulados são
contraditórios entre si e aos mesmos até correspondem formas de processo
diferentes como assinala o M.P. a fls. 302.
Assim, o processo é nulo nos termos do nº 1 e do nº 2 - c)
do art. 193° do CPC, sendo que tal nulidade subsiste ainda que um dos pedidos
seja dado sem efeito por erro na forma do processo (nº 4 do mesmo art.).
Não se pode, pois, trazer à colação o disposto no art. 47°,
nº 5 do CPTA para se salvar a situação.
4. O recurso não merece provimento, devendo manter-se a
sentença recorrida.»
1.5. Sem vistos, dada a natureza urgente do processo, cabe
decidir.
FUNDAMENTOS
2. Na sentença recorrida julgaram-se provados os factos
seguintes:
a) Corre termos no Serviço de Finanças do Porto 3, contra
A…, o processo executivo nº …;
b) Ao processo executivo identificado na alínea antecedente
foram apensos os seguintes processos executivos:
…, …, …, …, … e …;
c) Em 14 de Outubro de 2008 foi efectuada a penhora de um
prédio urbano sito na freguesia de S. Sebastião, concelho de Lagos, inscrito na
matriz predial urbana sob o artigo … - fracção “D”, e descrito na Conservatória
do Registo Predial de Lagos sob o …;
d) Em 14 de Outubro de 2008 foi a penhora do imóvel
penhorado registada na Conservatória do Registo Predial competente;
e) Por ofícios constantes de fls. 17 a 28 dos autos foi a
agora executada citada após penhora na execução a que a presente reclamação se
reporta;
f) Foi designada a data de 26/11/2009 para venda do bem
penhorado;
g) Em 4/11/2009, foi B…, na qualidade de cônjuge da agora
reclamante, citado no processo executivo;
h) Em 20/11/2009, veio a agora reclamante requerer a
suspensão da venda e a substituição da penhora;
i) Em 24/11/2009 o requerido na alínea h) foi objecto do
seguinte despacho: “Indefiro o requerido por os documentos apresentados não
estarem formalmente correctos, nem constarem da base de dados como registados
no Serviço de Finanças. E ainda por o requerimento ser apresentado por advogado
sem procuração no processo”;
j) Em 25/11/2009, via fax, a agora reclamante veio requerer
a suspensão da venda arguindo várias nulidades no processo executivo;
k) O original do requerimento referido na alínea anterior
foi entregue no órgão de execução fiscal no dia 26/11/2009;
l) Por Despacho do dia 26/11/2009, que aqui se dá por
integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, foi indeferido o
requerido, a que se aludiu na alínea j) desta matéria de facto;
m) Em 27/11/2009 foi interposta apresente reclamação.
3.1. Considerando esta factualidade e atendendo a que quer a
Fazenda Pública, quer o MP, haviam suscitados a questão da ineptidão da Petição
Inicial, por nela se formularem pedidos substancialmente incompatíveis, a
sentença desde logo apreciou previamente essa questão, vindo a concluir pela
ocorrência da invocada ineptidão e determinando, consequentemente, a absolvição
da instância quanto à Fazenda Pública.
Para tanto, a sentença pondera que, sendo a finalidade da
presente forma de processo (reclamação de actos do órgão de execução fiscal)
apenas a da anulação do despacho que foi proferido pelo órgão de execução
fiscal ou outras autoridades da administração tributária e formulando a
reclamante pedidos que são incompatíveis entre si (pois a verificação do efeito
jurídico pretendido com cada um deles exclui a possibilidade da verificação do
restante, a saber: a extinção da execução fiscal, por um lado, e por outro o
seu prosseguimento com a citação do cônjuge para os termos da execução e por
último a declaração da invalidade da venda com a possibilidade de remissão)
sendo que a extinção da execução exclui a possibilidade de ser conhecida a
citação do cônjuge da executada e a invalidade da venda, que além do mais,
seguem meios processuais diferentes entre si.
3.2. Discordando do assim decidido, a recorrente imputa,
desde logo, à sentença as nulidades decorrentes de falta de fundamentação e de
omissão de pronúncia e invoca, igualmente, ilegalidade por violação do disposto
no nº 5 do art. 47º do CPTA, uma vez que, ainda que se verificasse cumulação
ilegal de pedidos, sempre teria que proceder-se à notificação para indicar qual
desses pedidos pretende ver apreciado.
As questões a decidir são, portanto, as de saber se ocorrem
as invocadas nulidades da sentença e, em caso negativo, se esta errou quanto à
imediata decisão de absolvição da instância, por ineptidão da PI.
Vejamos.
4. Quanto às nulidades imputadas à sentença (por falta de
fundamentação e por omissão de pronúncia):
De acordo com o disposto nas als. b) e d) do nº 1 do art.
668º do CPC, a sentença é nula quando não especifique os fundamentos de facto e
de direito que justificam a decisão ou quando o juiz deixe de pronunciar-se
sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia
tomar conhecimento.
Disposição idêntica consta no art. 125º do CPPT, em cujo nº
1 se dispõe que constituem causas de nulidade da sentença a falta de assinatura
do juiz, a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão,
a oposição dos fundamentos com a decisão, a falta de pronúncia sobre as
questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre as questões que não deva
conhecer.
No caso presente, a sentença refere que a reclamante formula
pedidos que são incompatíveis entre si (pois a verificação do efeito jurídico
pretendido com cada um deles exclui a possibilidade da verificação do restante,
a saber: a extinção da execução fiscal, por um lado, e por outro o seu
prosseguimento com a citação do cônjuge para os termos da execução e por último
a declaração da invalidade da venda com a possibilidade de remissão) sendo que
a extinção da execução exclui a possibilidade de ser conhecida a citação do
cônjuge da executada e a invalidade da venda, que além do mais, seguem meios
processuais diferentes entre si e sendo que a finalidade da presente forma de
processo (reclamação de actos do órgão de execução fiscal) é apenas a da
anulação do despacho que foi proferido pelo órgão de execução fiscal ou outras
autoridades da administração tributária.
E a nosso ver desta fundamentação decorrem claramente os
motivos que determinaram aquele juízo conclusivo por parte da sentença, ou
seja, explicitam-se abundantemente os fundamentos de facto e de direito que
levaram ao julgamento pela ineptidão da petição inicial decorrente da formulação
de pedidos substancialmente incompatíveis (questão que havia, aliás, sido
suscitada pelo MP e pela Fazenda) e à consequente absolvição da instância da
Fazenda Pública.
Aliás, é sabido e é jurisprudência assente que a nulidade da
sentença por falta de fundamentação de facto ou de direito só abrange a falta
absoluta de motivação da própria decisão e não já a falta de justificação dos
respectivos fundamentos; isto é, a nulidade só é operante quando haja total
omissão dos fundamentos de facto ou de direito em que assenta a decisão (cfr.,
entre outros, ac. do STA, de 10/5/73, BMJ 228, 259; ac. do STJ, de 8/4/75, BMJ
246, 131). A insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente,
afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou
alterada em recurso, mas não produz nulidade - cfr. Alberto dos Reis, CPC
anotado, Vol. V, 140.
Independentemente, pois, da questão de saber se a decisão
recorrida errou, ou não, quanto ao julgamento de direito, não ocorre a invocada
nulidade por falta de fundamentação da sentença
Por outro lado, e reportando agora à nulidade da sentença
pela também alegada omissão de pronúncia, também ela não se verifica dado que,
com a decisão de absolvição da instância por ineptidão da petição inicial,
ficaram necessariamente prejudicadas as demais questões colocadas pela
recorrente na sua reclamação contenciosa.
Na verdade, de acordo com o disposto no art. 660º do CPC, a
sentença conhece, em primeiro lugar, das questões processuais que possam
determinar a absolvição da instância, segundo a ordem imposta pela precedência
lógica, devendo o juiz resolver todas as questões que as partes tenham
submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada
pela solução dada a outras e não podendo ocupar-se senão das questões
suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento
oficioso de outras.
Portanto, esta nulidade da sentença, por omissão de
pronúncia, só ocorre quando o Tribunal deixa de se pronunciar sobre questão que
se não mostre prejudicada pelo conhecimento e decisão porventura dado a outras.
Ora, no caso, como bem nota o MP, com a decisão de
absolvição da instância por ineptidão da petição inicial ficaram
necessariamente prejudicadas as demais questões colocadas pela recorrente na
sua reclamação contenciosa.
Improcedem, assim, as Conclusões a) a d) das alegações.
5. Nas restantes Conclusões a recorrente sustenta que, sendo
esta reclamação prevista no art. 276º do CPPT um verdadeiro processo, sujeito
ao contraditório, e não um incidente, deve ela ser imediatamente apreciada e
não subir a final ou diferidamente, pois só com a respectiva subida imediata se
obtém utilidade para a recorrente.
Porém, dado que apesar da propositura da reclamação,
26/11/2009, o CRF não suspendeu a execução, tendo procedido à venda nessa mesma
data, então a sentença devia ter apreciado de mérito a dita reclamação.
É que, sendo, nos termos do art. 49° do nº 1 al.) a) iii, do
ETAF, a reclamação da decisão do órgão de execução fiscal, uma impugnação, não
deve ser rejeitada liminarmente, com fundamento em cumulação de pedidos, antes
devendo o impugnante ser notificado para indicar qual dos pedidos pretende ver
apreciado, nos termos do disposto no art. 47°, nº 5 do CPTA - o que não veio a
acontecer.
5.1. Importa referir, desde já, que não parece colocar-se a
questão da subida imediata da reclamação dado que, no caso, a mesma foi
apresentada posteriormente à penhora e à adjudicação do bem penhorado – art.
278°, nº 1 do CPPT.
Quanto ao mais:
Nos termos do nº 1 do art. 193º do CPC, é nulo todo o
processo quando for inepta a petição inicial; e (nº 2 do mesmo preceito) a
petição é inepta quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da
causa de pedir, quando o pedido esteja em contradição com a causa de pedir e
quando se cumulem causas de pedir ou pedidos substancialmente incompatíveis.
Ora, como se viu, a sentença considerou que a reclamante
formula pedidos que são incompatíveis entre si, daí concluindo pela ineptidão
da presente petição e da consequente absolvição da instância.
E, na verdade, concordamos que são formulados pedidos
incompatíveis entre si.
Com efeito, a presente reclamação contenciosa é apresentada
nos termos dos arts. 276º e sgts. do CPPT contra o despacho que, proferido em 26/11/09,
pelo chefe do Serviço de Finanças do Porto 3, lhe indeferiu o pedido de
suspensão da venda do imóvel penhorado nos autos e a recorrente formula os
pedidos seguintes:
a) Que se ordene a suspensão da venda judicial do bem imóvel
referenciado;
b) Que analisadas as excepções peremptórias invocadas, se
declare extinto o processo executivo;
c) Que se determine o levantamento da penhora, com todas as
consequências legais;
d) Que o cônjuge da executada seja notificado para a
execução conforme nº 2 do artigo 239° do CPPT, para poder exercer todos os
direitos legais como a executada (deduzir oposição, dação ou pagamento);
f) Que possa ser paga a dívida exequenda e custas do
processo conforme artigo 916°, do CPC;
g) Se declare e ordene a imediata invalidade da venda, caso
a ela se tenha procedido.
Ora, não sofre dúvida que, atentando nestes pedidos
formulados, há incompatibilidade entre o pedido de extinção da execução e o
pedido de prosseguimento desta com a citação do cônjuge da executada para os
termos da mesma execução, e entre o pedido de anulação da venda e o pedido de
notificação do mesmo cônjuge para poder proceder ao pagamento e remissão.
Tal como diz a sentença recorrida, sendo a finalidade da
presente forma de processo (reclamação de actos do órgão de execução fiscal)
apenas a da anulação do despacho que foi proferido pelo órgão de execução
fiscal ou outras autoridades da administração tributária, a recorrente formula
pedidos em relação aos quais a verificação do efeito jurídico pretendido com
cada um deles exclui a possibilidade da verificação do restante, sendo que
também o pedido de extinção da execução exclui a possibilidade de ser conhecida
a citação do respectivo cônjuge da executada e a invalidade da venda, que além
do mais, seguem meios processuais diferentes do aqui utilizado, pois que o meio
processual próprio para a declaração de extinção da execução fiscal é a
oposição (arts. 204º e sgts. do CPPT), o meio processual adequado à invalidade
da venda é o incidente de anulação de venda.
5.2. Todavia, a recorrente pretende que, ao invés da
absolvição da instância, deveria ela ter sido notificada para indicar qual dos
pedidos pretende ver apreciado, nos termos do disposto no art. 47°, nº 5 do
CPTA, dado que a petição inicial contém um pedido compatível com a forma de
processo utilizada.
E, nesta vertente, a razão está, a nosso ver, com a
recorrente.
É certo que, de acordo com o disposto no art. 193º do CPC,
sendo contraditórios entre si os pedidos cumulados e correspondendo aos mesmos
até formas de processo diferentes, estamos perante uma nulidade total do
processo, a qual subsiste ainda que um dos pedidos seja dado sem efeito por
erro na forma do processo.
Todavia, no nº 3 do art. 4º do CPTA dispõe-se que, havendo
cumulação sem que entre os pedidos exista a conexão exigida no nº 1, o juiz
notifica o autor ou autores para, no prazo de 10 dias, indicarem o pedido que
pretendem ver apreciado no processo, sob cominação de, não o fazendo, haver
absolvição da instância quanto a todos os pedidos. Regra esta que surge,
relativamente à acção administrativa especial, também reiterada no nº 5 do art.
47º e nos arts. 88º e 89º do mesmo diploma.
Ora, como resulta do disposto no art. 2º do CPPT e como
aponta o Cons. Jorge de Sousa (Código de Procedimento e de Processo Tributário,
Anotado e Comentado, 5ª Edição, Vol. I, pag. 65, Anotação 10 ao art. 2º),
«Relativamente ao processo judicial tributário serão aplicáveis
subsidiariamente, em primeira linha, as normas processuais dos códigos e demais
legislação tributária e sobre a organização e processo nos tribunais
administrativos e fiscais e, na falta delas, as normas do processo civil», sem
prejuízo dos casos em que, existindo remissões directas para o processo civil,
se deva fazer aplicação subsidiária, em primeira linha, do Código de Processo
Civil.
Assim, na situação dos autos, constatada a ilegal cumulação
de pedidos, deveria a recorrente, em aplicação do disposto nos referidos
normativos do CPTA, ter sido notificada para indicar qual dos pedidos pretende
ver apreciado na reclamação contenciosa apresentada.
Como escrevem Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto
Fernandes Cadilha (Comentário ao Código de Processo nos Tribunais
Administrativos, Anotação ao art. 89º, Almedina, 2005, pags. 457 e sgts.), «por
efeito do que dispõe o n° 2 do artigo 88°, a imediata declaração judicial de
absolvição da instância só deverá ocorrer quando se verifique a existência de
uma excepção dilatória insuprível, o que sucederá, designadamente, quando
ocorram as excepções dilatórias de (…), por se tratar, em qualquer dos casos,
de situações que não consentem a renovação da instância no âmbito do mesmo
processo (cfr. artigo 89°, nº 1, alíneas b), c), h) e i), e nota 3 ao artigo
88°). Em todos os demais casos, e desde que não opere a possibilidade de
correcção oficiosa, o juiz, nos termos do artigo 88°, n° 2 (e em sintonia com
o que determina, para o processo civil, o artigo 265°, n° 2, do CPC), deverá
providenciar pelo suprimento das excepções dilatórias, mediante a prolação de
despacho de aperfeiçoamento. É o que sucede nos casos exemplificativamente
enunciados no n° 3 deste artigo 89° (…) e também nas situações identificadas
nas alíneas a) (ineptidão da petição), d) (ilegitimidade do autor ou do
demandado), e) (ilegalidade da coligação), f) (falta da identificação dos
contra-interessados), e g) (ilegalidade da cumulação de pretensões) do n° 1
(…)».
«… A absolvição da instância sem prévio despacho de
aperfeiçoamento, a que se reporta o n.° 2, pode ocorrer em duas situações
distintas: (a) ou porque o tribunal entende que ocorre uma excepção dilatória
insuprível, que, como tal, não justifica o convite para a sua sanação; (b) ou
porque o tribunal, apesar de se encontrar perante uma excepção dilatória
suprível, se absteve de proferir, conforme lhe competia, o despacho de
aperfeiçoamento, em vista ao suprimento da falta do pressuposto processual. A
faculdade conferida ao demandante pelo n° 2 tem, pois, em consideração qualquer
destas hipóteses, sendo que o uso dessa faculdade tem como principal vantagem
a salvaguarda dos efeitos civis que resultam da primeira apresentação da
petição, como logo ressalta da parte final do preceito. Isto significa que se a
acção tiver sido tempestiva quando foi apresentada em juízo a primeira petição,
essa tempestividade mantém-se se for exercido o direito de renovação da
instância no prazo de 15 dias aí previsto. É essa, de resto, a principal
vantagem que resulta para o autor do exercício dessa faculdade (por confronto,
também, com a situação descrita no n° 4), visto que o demandante que se
abstenha de substituir a petição, podendo fazê-lo, e aquele que não tenha
acatado o despacho prévio de aperfeiçoamento, em vista a suprir as excepções
dilatórias, não estão impedidos de propor uma nova acção, não podendo, no
entanto, aproveitar os efeitos da propositura da primeira.»
Retornando, pois, ao caso dos autos, havemos de concluir
que, contendo a petição inicial, apesar da incompatibilidade dos pedidos,
pedido que é compatível com a forma de processo utilizada - a reclamação
prevista nos arts. 276º e sgts. do CPPT – deveria a reclamante ter sido
notificada para, no prazo indicado, indicar o pedido que pretende ver apreciado
no processo, sob cominação de, não o fazendo, haver absolvição da instância
quanto a todos os pedidos.
Procedem, portanto, nesta medida, as Conclusões do recurso.
DECISÃO
Nestes termos acorda-se em, dando provimento ao recurso,
revogar a sentença recorrida e ordenar a baixa dos autos à instância para que,
se nada mais obstar, seja proferido despacho nos termos referidos.
Sem custas.
Lisboa, 1 de Setembro de 2010. – Casimiro Gonçalves
(relator) – Angelina Domingues – Pais Borges.
Rita Mourato VillaverdeNº17523
sub-turma2
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