sexta-feira, 25 de maio de 2012


Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo

Processo: 0653/10

Data do Acordão: 01-09-2010

Tribunal: 2 SECÇÃO

Relator: CASIMIRO GONÇALVES

Descritores: NULIDADE DE SENTENÇA,FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO,OMISSÃO DE PRONÚNCIA

INEPTIDÃO DA PETIÇÃO INICIAL,DESPACHO DE APERFEIÇOAMENTO

 

Sumário: I - A nulidade da sentença por falta de fundamentação de facto ou de direito só ocorre quando haja total omissão dos fundamentos de facto ou de direito em que assenta a decisão.

E a nulidade por omissão de pronúncia só se verifica quando o Tribunal deixa de se pronunciar sobre questão que se não mostre prejudicada pelo conhecimento e decisão porventura dado a outras.

II - De acordo com o disposto no art. 2º do CPPT as normas processuais dos códigos e demais legislação tributária e sobre a organização e processo nos tribunais administrativos e fiscais são aplicáveis subsidiariamente ao processo judicial tributário e, na falta delas, as normas do processo civil.

Nº Convencional: JSTA000P12050

Nº do Documento: SA2201009010653

Recorrente: A...

Recorrido 1: FAZENDA PÚBLICA

Votação: UNANIMIDADE

 Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

RELATÓRIO

1.1. A…, com os demais sinais dos autos, recorre da sentença que, proferida pelo Mmo. Juiz do TAF do Porto, determinou a absolvição da instância da Fazenda Pública, na reclamação apresentada contra decisão do órgão de execução fiscal (CSF Porto 3) que lhe indeferira pedido de suspensão da venda na execução fiscal respectiva.

1.2. A recorrente alegou o recurso e formulou as Conclusões seguintes:

a) A douta sentença incorreu, por falta de fundamentação ou abstendo-se de pronúncia, em nulidade prevista no nº 1 do art. 125º do CPPT.

b) E o que se pretendia dado como provado, era uma pronúncia sobre a suspensão da execução e anulação da venda.

c) Deve, consequentemente, ser anulada, com a consequente baixa dos autos ao Tribunal “a quo” para reforma da decisão, nos termos do nº 2 do art. 731° do CPC.

d) Pelo que se impunha uma decisão judicial distinta e contrária da que foi proferida, e aqui se procura ver revogada.

e) A reclamação da decisão do órgão de execução fiscal está prevista no art. 276° do CPPT. E estamos perante um verdadeiro processo, sujeito ao contraditório (vide art. 278° do CPPT).

f) A lei não considera a reclamação da decisão do órgão de execução fiscal, um incidente. Antes, uma impugnação, na expressão do art. 49º do nº 1 al.) a) iii, do ETAF.

g) Se a reclamação apresentada não for imediatamente apreciada, a consequência é o prosseguimento da execução; e, subindo a final, já não pode produzir efeito útil, pois a subida diferida implica, pela sua natureza, que a execução (que se pretendia ver suspensa) prosseguiu até à concretização da venda.

h) Sem prescindir, só com a subida imediata da Reclamação é que se obtém utilidade para a recorrente, de nada valendo a sua procedência se a venda NÃO FICA SUSPENSA até decisão do pleito.

i) Não suspendeu a execução fiscal com a propositura da reclamação a 25-11-2009 o Exmo. Chefe de finanças de Porto 3°, procedendo à venda a 26-11-2009.

j) Assim, a douta sentença recorrida é nula nos termos do artigo 125° do CPPT e por violação do artigo 278° nº 3 do CPPT, devendo conhecer do mérito da Reclamação.

k) A regra é de imediata subida, aqueles «cuja retenção os tomaria absolutamente inúteis».

l) Na verdade, mal se entenderia que a lei, admitindo alguém a rebelar-se contra uma decisão, facultando o seu reexame por outra entidade, só propiciasse a avaliação da pretensão do interessado quando desta apreciação não pudesse resultar nenhum efeito útil.

m) Seria o mesmo que dar com uma mão e tirar com a outra — além de assim se consagrar um meio de reacção inconsequente, porque de todo desprovido de proveito.

n) Sendo, nos termos do art. 49° do nº 1 al.) a) iii, do ETAF, a reclamação da decisão do órgão de execução fiscal, uma impugnação.

o) Assim, não deve ser rejeitada liminarmente, com fundamento em cumulação de pedidos, a impugnação judicial deduzida, em consequência de o impugnante ter de ser notificado para indicar qual dos pedidos pretende ver apreciado, nos termos do disposto no art. 47°, nº 5 do CPTA - o que não veio a acontecer.

p) Tem vindo a jurisprudência da Secção do STA a entender que nos devemos socorrer do regime consagrado nos artigos 4°, nºs 3 e 4 e 47°, nºs 5 e 6, que reproduzem estes números, sob a epígrafe “Cumulação de pedidos”, do CPTA, este último ex vi do disposto no nº 5 daquele art. 4°.

q) Dispõe o nº 5 do predito art. 47° do CPTA que, “havendo cumulação, sem que entre os pedidos exista a conexão exigida tio número anterior, o juiz notifica o autor ou autores para no prazo de 10 dias, indicarem o pedido que pretendem ver apreciado no processo, sob pena de, não o fazendo, haver absolvição da instância quanto a todos os pedidos”.

r) Pelo douto Acórdão com data de 2009.07.08 do STA, Proc. 0242/09:

“Não devia, pois, a petição inicial de impugnação ter sido julgada inepta, pois que contém um pedido compatível com a forma de processo utilizada, (sublinhado nosso). O recurso merece provimento.”

s) Pelas razões aduzidas e fundamentos à luz das leis vigentes deve o presente recurso ser considerado provido por procedente.

Termina pedindo a procedência do recurso com revogação da sentença recorrida e a consequente baixa dos autos à instância para ali se conhecer do mérito da reclamação.

1.3. Não foram apresentadas contra-alegações.

1.4. O MP emite Parecer do teor seguinte:

«Recurso - Cumulação de pedidos incompatíveis, absolvição da instância, nulidade de sentença por omissão de pronúncia.

1. Verifica-se omissão de pronúncia devida - causa de nulidade da sentença, nos termos do nº 1 do artigo 125° do Código de Procedimento e de Processo Tributário [cf. também as alíneas b) e d) do nº 1 do artigo 688° do Código de Processo Civil] -, se a sentença não especifica os fundamentos de facto e de direito da decisão ou deixa de se pronunciar sobre questões levantadas na petição inicial, não prejudicadas pela solução dada à causa (cfr., ainda, o nº 2 do art. 660° do CPC).

2. Na sentença recorrida estão bem explicitados os fundamentos de facto e de direito que levaram à absolvição da instância da Fazenda Pública, sendo que, na verdade, com esta decisão dada à causa ficaram prejudicadas as demais questões colocadas pela ora recorrente na sua reclamação contenciosa (vide sentença de fls. 335/42).

3. E dúvidas não há que os pedidos cumulados são contraditórios entre si e aos mesmos até correspondem formas de processo diferentes como assinala o M.P. a fls. 302.

Assim, o processo é nulo nos termos do nº 1 e do nº 2 - c) do art. 193° do CPC, sendo que tal nulidade subsiste ainda que um dos pedidos seja dado sem efeito por erro na forma do processo (nº 4 do mesmo art.).

Não se pode, pois, trazer à colação o disposto no art. 47°, nº 5 do CPTA para se salvar a situação.

4. O recurso não merece provimento, devendo manter-se a sentença recorrida.»

1.5. Sem vistos, dada a natureza urgente do processo, cabe decidir.

FUNDAMENTOS

2. Na sentença recorrida julgaram-se provados os factos seguintes:

a) Corre termos no Serviço de Finanças do Porto 3, contra A…, o processo executivo nº …;

b) Ao processo executivo identificado na alínea antecedente foram apensos os seguintes processos executivos:

…, …, …, …, … e …;

c) Em 14 de Outubro de 2008 foi efectuada a penhora de um prédio urbano sito na freguesia de S. Sebastião, concelho de Lagos, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … - fracção “D”, e descrito na Conservatória do Registo Predial de Lagos sob o …;

d) Em 14 de Outubro de 2008 foi a penhora do imóvel penhorado registada na Conservatória do Registo Predial competente;

e) Por ofícios constantes de fls. 17 a 28 dos autos foi a agora executada citada após penhora na execução a que a presente reclamação se reporta;

f) Foi designada a data de 26/11/2009 para venda do bem penhorado;

g) Em 4/11/2009, foi B…, na qualidade de cônjuge da agora reclamante, citado no processo executivo;

h) Em 20/11/2009, veio a agora reclamante requerer a suspensão da venda e a substituição da penhora;

i) Em 24/11/2009 o requerido na alínea h) foi objecto do seguinte despacho: “Indefiro o requerido por os documentos apresentados não estarem formalmente correctos, nem constarem da base de dados como registados no Serviço de Finanças. E ainda por o requerimento ser apresentado por advogado sem procuração no processo”;

j) Em 25/11/2009, via fax, a agora reclamante veio requerer a suspensão da venda arguindo várias nulidades no processo executivo;

k) O original do requerimento referido na alínea anterior foi entregue no órgão de execução fiscal no dia 26/11/2009;

l) Por Despacho do dia 26/11/2009, que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, foi indeferido o requerido, a que se aludiu na alínea j) desta matéria de facto;

m) Em 27/11/2009 foi interposta apresente reclamação.

3.1. Considerando esta factualidade e atendendo a que quer a Fazenda Pública, quer o MP, haviam suscitados a questão da ineptidão da Petição Inicial, por nela se formularem pedidos substancialmente incompatíveis, a sentença desde logo apreciou previamente essa questão, vindo a concluir pela ocorrência da invocada ineptidão e determinando, consequentemente, a absolvição da instância quanto à Fazenda Pública.

Para tanto, a sentença pondera que, sendo a finalidade da presente forma de processo (reclamação de actos do órgão de execução fiscal) apenas a da anulação do despacho que foi proferido pelo órgão de execução fiscal ou outras autoridades da administração tributária e formulando a reclamante pedidos que são incompatíveis entre si (pois a verificação do efeito jurídico pretendido com cada um deles exclui a possibilidade da verificação do restante, a saber: a extinção da execução fiscal, por um lado, e por outro o seu prosseguimento com a citação do cônjuge para os termos da execução e por último a declaração da invalidade da venda com a possibilidade de remissão) sendo que a extinção da execução exclui a possibilidade de ser conhecida a citação do cônjuge da executada e a invalidade da venda, que além do mais, seguem meios processuais diferentes entre si.

3.2. Discordando do assim decidido, a recorrente imputa, desde logo, à sentença as nulidades decorrentes de falta de fundamentação e de omissão de pronúncia e invoca, igualmente, ilegalidade por violação do disposto no nº 5 do art. 47º do CPTA, uma vez que, ainda que se verificasse cumulação ilegal de pedidos, sempre teria que proceder-se à notificação para indicar qual desses pedidos pretende ver apreciado.

As questões a decidir são, portanto, as de saber se ocorrem as invocadas nulidades da sentença e, em caso negativo, se esta errou quanto à imediata decisão de absolvição da instância, por ineptidão da PI.

Vejamos.

4. Quanto às nulidades imputadas à sentença (por falta de fundamentação e por omissão de pronúncia):

De acordo com o disposto nas als. b) e d) do nº 1 do art. 668º do CPC, a sentença é nula quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão ou quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.

Disposição idêntica consta no art. 125º do CPPT, em cujo nº 1 se dispõe que constituem causas de nulidade da sentença a falta de assinatura do juiz, a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, a oposição dos fundamentos com a decisão, a falta de pronúncia sobre as questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre as questões que não deva conhecer.

No caso presente, a sentença refere que a reclamante formula pedidos que são incompatíveis entre si (pois a verificação do efeito jurídico pretendido com cada um deles exclui a possibilidade da verificação do restante, a saber: a extinção da execução fiscal, por um lado, e por outro o seu prosseguimento com a citação do cônjuge para os termos da execução e por último a declaração da invalidade da venda com a possibilidade de remissão) sendo que a extinção da execução exclui a possibilidade de ser conhecida a citação do cônjuge da executada e a invalidade da venda, que além do mais, seguem meios processuais diferentes entre si e sendo que a finalidade da presente forma de processo (reclamação de actos do órgão de execução fiscal) é apenas a da anulação do despacho que foi proferido pelo órgão de execução fiscal ou outras autoridades da administração tributária.

E a nosso ver desta fundamentação decorrem claramente os motivos que determinaram aquele juízo conclusivo por parte da sentença, ou seja, explicitam-se abundantemente os fundamentos de facto e de direito que levaram ao julgamento pela ineptidão da petição inicial decorrente da formulação de pedidos substancialmente incompatíveis (questão que havia, aliás, sido suscitada pelo MP e pela Fazenda) e à consequente absolvição da instância da Fazenda Pública.

Aliás, é sabido e é jurisprudência assente que a nulidade da sentença por falta de fundamentação de facto ou de direito só abrange a falta absoluta de motivação da própria decisão e não já a falta de justificação dos respectivos fundamentos; isto é, a nulidade só é operante quando haja total omissão dos fundamentos de facto ou de direito em que assenta a decisão (cfr., entre outros, ac. do STA, de 10/5/73, BMJ 228, 259; ac. do STJ, de 8/4/75, BMJ 246, 131). A insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade - cfr. Alberto dos Reis, CPC anotado, Vol. V, 140.

Independentemente, pois, da questão de saber se a decisão recorrida errou, ou não, quanto ao julgamento de direito, não ocorre a invocada nulidade por falta de fundamentação da sentença

Por outro lado, e reportando agora à nulidade da sentença pela também alegada omissão de pronúncia, também ela não se verifica dado que, com a decisão de absolvição da instância por ineptidão da petição inicial, ficaram necessariamente prejudicadas as demais questões colocadas pela recorrente na sua reclamação contenciosa.

Na verdade, de acordo com o disposto no art. 660º do CPC, a sentença conhece, em primeiro lugar, das questões processuais que possam determinar a absolvição da instância, segundo a ordem imposta pela precedência lógica, devendo o juiz resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e não podendo ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.

Portanto, esta nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, só ocorre quando o Tribunal deixa de se pronunciar sobre questão que se não mostre prejudicada pelo conhecimento e decisão porventura dado a outras.

Ora, no caso, como bem nota o MP, com a decisão de absolvição da instância por ineptidão da petição inicial ficaram necessariamente prejudicadas as demais questões colocadas pela recorrente na sua reclamação contenciosa.

Improcedem, assim, as Conclusões a) a d) das alegações.

5. Nas restantes Conclusões a recorrente sustenta que, sendo esta reclamação prevista no art. 276º do CPPT um verdadeiro processo, sujeito ao contraditório, e não um incidente, deve ela ser imediatamente apreciada e não subir a final ou diferidamente, pois só com a respectiva subida imediata se obtém utilidade para a recorrente.

Porém, dado que apesar da propositura da reclamação, 26/11/2009, o CRF não suspendeu a execução, tendo procedido à venda nessa mesma data, então a sentença devia ter apreciado de mérito a dita reclamação.

É que, sendo, nos termos do art. 49° do nº 1 al.) a) iii, do ETAF, a reclamação da decisão do órgão de execução fiscal, uma impugnação, não deve ser rejeitada liminarmente, com fundamento em cumulação de pedidos, antes devendo o impugnante ser notificado para indicar qual dos pedidos pretende ver apreciado, nos termos do disposto no art. 47°, nº 5 do CPTA - o que não veio a acontecer.

5.1. Importa referir, desde já, que não parece colocar-se a questão da subida imediata da reclamação dado que, no caso, a mesma foi apresentada posteriormente à penhora e à adjudicação do bem penhorado – art. 278°, nº 1 do CPPT.

Quanto ao mais:

Nos termos do nº 1 do art. 193º do CPC, é nulo todo o processo quando for inepta a petição inicial; e (nº 2 do mesmo preceito) a petição é inepta quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir, quando o pedido esteja em contradição com a causa de pedir e quando se cumulem causas de pedir ou pedidos substancialmente incompatíveis.

Ora, como se viu, a sentença considerou que a reclamante formula pedidos que são incompatíveis entre si, daí concluindo pela ineptidão da presente petição e da consequente absolvição da instância.

E, na verdade, concordamos que são formulados pedidos incompatíveis entre si.

Com efeito, a presente reclamação contenciosa é apresentada nos termos dos arts. 276º e sgts. do CPPT contra o despacho que, proferido em 26/11/09, pelo chefe do Serviço de Finanças do Porto 3, lhe indeferiu o pedido de suspensão da venda do imóvel penhorado nos autos e a recorrente formula os pedidos seguintes:

a) Que se ordene a suspensão da venda judicial do bem imóvel referenciado;

b) Que analisadas as excepções peremptórias invocadas, se declare extinto o processo executivo;

c) Que se determine o levantamento da penhora, com todas as consequências legais;

d) Que o cônjuge da executada seja notificado para a execução conforme nº 2 do artigo 239° do CPPT, para poder exercer todos os direitos legais como a executada (deduzir oposição, dação ou pagamento);

f) Que possa ser paga a dívida exequenda e custas do processo conforme artigo 916°, do CPC;

g) Se declare e ordene a imediata invalidade da venda, caso a ela se tenha procedido.

Ora, não sofre dúvida que, atentando nestes pedidos formulados, há incompatibilidade entre o pedido de extinção da execução e o pedido de prosseguimento desta com a citação do cônjuge da executada para os termos da mesma execução, e entre o pedido de anulação da venda e o pedido de notificação do mesmo cônjuge para poder proceder ao pagamento e remissão.

Tal como diz a sentença recorrida, sendo a finalidade da presente forma de processo (reclamação de actos do órgão de execução fiscal) apenas a da anulação do despacho que foi proferido pelo órgão de execução fiscal ou outras autoridades da administração tributária, a recorrente formula pedidos em relação aos quais a verificação do efeito jurídico pretendido com cada um deles exclui a possibilidade da verificação do restante, sendo que também o pedido de extinção da execução exclui a possibilidade de ser conhecida a citação do respectivo cônjuge da executada e a invalidade da venda, que além do mais, seguem meios processuais diferentes do aqui utilizado, pois que o meio processual próprio para a declaração de extinção da execução fiscal é a oposição (arts. 204º e sgts. do CPPT), o meio processual adequado à invalidade da venda é o incidente de anulação de venda.

5.2. Todavia, a recorrente pretende que, ao invés da absolvição da instância, deveria ela ter sido notificada para indicar qual dos pedidos pretende ver apreciado, nos termos do disposto no art. 47°, nº 5 do CPTA, dado que a petição inicial contém um pedido compatível com a forma de processo utilizada.

E, nesta vertente, a razão está, a nosso ver, com a recorrente.

É certo que, de acordo com o disposto no art. 193º do CPC, sendo contraditórios entre si os pedidos cumulados e correspondendo aos mesmos até formas de processo diferentes, estamos perante uma nulidade total do processo, a qual subsiste ainda que um dos pedidos seja dado sem efeito por erro na forma do processo.

Todavia, no nº 3 do art. 4º do CPTA dispõe-se que, havendo cumulação sem que entre os pedidos exista a conexão exigida no nº 1, o juiz notifica o autor ou autores para, no prazo de 10 dias, indicarem o pedido que pretendem ver apreciado no processo, sob cominação de, não o fazendo, haver absolvição da instância quanto a todos os pedidos. Regra esta que surge, relativamente à acção administrativa especial, também reiterada no nº 5 do art. 47º e nos arts. 88º e 89º do mesmo diploma.

Ora, como resulta do disposto no art. 2º do CPPT e como aponta o Cons. Jorge de Sousa (Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, 5ª Edição, Vol. I, pag. 65, Anotação 10 ao art. 2º), «Relativamente ao processo judicial tributário serão aplicáveis subsidiariamente, em primeira linha, as normas processuais dos códigos e demais legislação tributária e sobre a organização e processo nos tribunais administrativos e fiscais e, na falta delas, as normas do processo civil», sem prejuízo dos casos em que, existindo remissões directas para o processo civil, se deva fazer aplicação subsidiária, em primeira linha, do Código de Processo Civil.

Assim, na situação dos autos, constatada a ilegal cumulação de pedidos, deveria a recorrente, em aplicação do disposto nos referidos normativos do CPTA, ter sido notificada para indicar qual dos pedidos pretende ver apreciado na reclamação contenciosa apresentada.

Como escrevem Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha (Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Anotação ao art. 89º, Almedina, 2005, pags. 457 e sgts.), «por efeito do que dispõe o n° 2 do artigo 88°, a imediata de­claração judicial de absolvição da instância só deverá ocorrer quando se ve­rifique a existência de uma excepção dilatória insuprível, o que sucederá, designadamente, quando ocorram as excepções dilatórias de (…), por se tratar, em qualquer dos casos, de situações que não consentem a renovação da instância no âmbito do mesmo processo (cfr. artigo 89°, nº 1, alíneas b), c), h) e i), e nota 3 ao artigo 88°). Em todos os demais casos, e desde que não opere a possibilidade de correcção oficiosa, o juiz, nos termos do artigo 88°, n° 2 (e em sinto­nia com o que determina, para o processo civil, o artigo 265°, n° 2, do CPC), deverá providenciar pelo suprimento das excepções dilatórias, me­diante a prolação de despacho de aperfeiçoamento. É o que sucede nos casos exemplificativamente enunciados no n° 3 deste artigo 89° (…) e também nas situações identifica­das nas alíneas a) (ineptidão da petição), d) (ilegitimidade do autor ou do de­mandado), e) (ilegalidade da coligação), f) (falta da identificação dos contra-interessados), e g) (ilegalidade da cumulação de pretensões) do n° 1 (…)».

«… A absolvição da instância sem prévio despacho de aper­feiçoamento, a que se reporta o n.° 2, pode ocorrer em duas situações distin­tas: (a) ou porque o tribunal entende que ocorre uma excepção dilatória in­suprível, que, como tal, não justifica o convite para a sua sanação; (b) ou porque o tribunal, apesar de se encontrar perante uma excepção dilatória su­prível, se absteve de proferir, conforme lhe competia, o despacho de aper­feiçoamento, em vista ao suprimento da falta do pressuposto processual. A faculdade conferida ao demandante pelo n° 2 tem, pois, em consideração qualquer destas hipóteses, sendo que o uso dessa faculdade tem como prin­cipal vantagem a salvaguarda dos efeitos civis que resultam da primeira apresentação da petição, como logo ressalta da parte final do preceito. Isto significa que se a acção tiver sido tempestiva quando foi apresentada em juízo a primeira petição, essa tempestividade mantém-se se for exercido o direito de renovação da instância no prazo de 15 dias aí previsto. É essa, de resto, a principal vantagem que resulta para o autor do exercício dessa faculdade (por confronto, também, com a situação descrita no n° 4), visto que o demandante que se abstenha de substituir a petição, podendo fazê-lo, e aquele que não tenha acatado o despacho prévio de aperfeiçoamento, em vista a suprir as excepções dilatórias, não estão impedidos de propor uma nova acção, não podendo, no entanto, aproveitar os efeitos da propositura da primeira.»

Retornando, pois, ao caso dos autos, havemos de concluir que, contendo a petição inicial, apesar da incompatibilidade dos pedidos, pedido que é compatível com a forma de processo utilizada - a reclamação prevista nos arts. 276º e sgts. do CPPT – deveria a reclamante ter sido notificada para, no prazo indicado, indicar o pedido que pretende ver apreciado no processo, sob cominação de, não o fazendo, haver absolvição da instância quanto a todos os pedidos.

Procedem, portanto, nesta medida, as Conclusões do recurso.

DECISÃO

Nestes termos acorda-se em, dando provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e ordenar a baixa dos autos à instância para que, se nada mais obstar, seja proferido despacho nos termos referidos.

Sem custas.

Lisboa, 1 de Setembro de 2010. – Casimiro Gonçalves (relator) – Angelina Domingues – Pais Borges.
Rita Mourato Villaverde
Nº17523
sub-turma2

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