Património Cultural: até quando?
Tendo por base a nossa Hipótese de simulação que para além de conter muitos aspectos relevantes, desde: i) a protecção, a qualidade dos serviços de saúde e o dever de a defender e promover; ii) o direito dos consumidores à “qualidade dos bens e serviços consumidos, à formação e à informação, à protecção da saúde, da segurança e dos seus interesses económicos, bem como à reparação dos danos; consagra ainda iii) o direito à defesa do património cultural (imóvel), uma vez que estamos perante a - famosa maternidade “Alfredo dos Campos” – que vai ser definitivamente encerrada, situação que o inconformado João Bemnascido não aceita considerando que tal “contraria o interesse público”. Para além de serem direitos consagrados constitucionalmente (artºs 64º, 60º, 9º e)), inserem-se, os apontados, na categoria dos direitos que são compartilhados por todos em igual medida, isto é, são interesses difusos.
Antes de mais, importar referir a forma pouco clara e precisa que envolve este encerramento definitivo. Apresentado como uma “promessa”, de “racionalização” da rede hospitalar pública, e como uma “decisão política”. Não explica nada e explica tudo – é uma decisão assente em juízos de racionalidade económica e é uma intenção política na área da saúde. Ter-se-á que apurar, na Lei Orgânica do Governo, tal competência. E se, conforme refere a Hipótese, “o Governo diz que a decisão de encerramento é um acto político” - - artº 4º, nº 2 al. a) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF), não sendo susceptível de controlo judicial.
Tão importante como a defesa da manutenção dos serviços saúde na “famosa maternidade”, é a defesa do edifício onde a mesma está instalada, pela incerteza do seu destino, que poderá passar pela sua demolição, ou ser alvo de alterações irreversíveis na sua fachada. E vamos supor que se trata de um edifício classificado, do início do séc. XX, com vários Prémios Valmor, sendo razões mais do que suficientes para a sua preservação, e pedido de condenação à abstenção do comportamento.
Preservação não só do imóvel, mas de toda a zona envolvente. O Decreto-Lei nº 173/2006, de 24 de Agosto, regula precisamente “o estabelecimento de zonas de protecção de edifícios públicos de reconhecido valor arquitectónico, tendo em vista preservar a moldura e o ambiente em que os mesmos se inserem, a fim de não permitir a desvalorização estética dos mesmos”, que o mesmo preceito expressamente refere que “a figura do estabelecimento de zonas de protecção de edifícios públicos (…), não tem sido usada”, referindo que “a preservação tem sido feito ao abrigo do regime da protecção do património cultural, actualmente contido na Lei nº 107/2001, de 8 de Setembro”, que estabelece as bases da política de protecção e valorização do património cultural.
Contém esta Lei 107/2001, no seu artº 9º“Garantias dos Administrados”, no seu nº1 o reconhecimento de garantias gerais dos administrados, contendo o nº 2 referências à acção popular neste domínio, incluindo a iniciativa processual do Ministério Público.
Dispõe o artº 9º, nº 2 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), a legitimidade activa para a acção popular, remetendo este preceito para a Lei nº 83/95, de 31 de Agosto, “Direito de Participação Procedimental e de Acção Popular”, regulamenta o direito constitucionalmente previsto no artº 52º, nº 3. Como se sabe a acção popular tem uma dimensão supra-individual e comunitária dos valores que determinam o respectivo objecto.
Ambos os preceitos conferem legitimidade para as autarquias locais (entre outras entidades) proporem, “em processos principais e cautelares, destinados à defesa de valores e bens constitucionalmente protegidos, como a saúde pública, o ambiente, o urbanismo, o ordenamento do território, a qualidade de vida, o património cultural (…)”, especificando o artº 2º da Lei 83/95, de 31 de Agosto, (…) “as autarquias locais em relação aos interesses de que sejam titulares residentes na área da respectiva circunscrição”
Uma breve referência aos Planos Directores Municipais (PDM) que contêm regulamentação relativa aos bens culturais imóveis de interesse arquitectónico, histórico e paisagístico, onde se consagra um conjunto de princípios orientadores, permitindo a adaptação a novas funcionalidades mas tendo em conta o significado histórico do imóvel ou do conjunto, o estudo estrutural do edificado, entre outros (PDM Julho de 2011, C . M. Lisboa, artº 27º nº 6º).
A acção popular pode tomar qualquer das formas e integrar qualquer dos pedidos principais previstos no CPTA.
Intentaria o Município de Lisboa, enquanto autarquia local, e em substituição dos cidadãos residentes na respectiva circunscrição em defesa (artº 2º da Lei nº 83/95), porquanto tem legitimidade activa (artº 9º, nº 2 CPTA), uma Providência Cautelar de suspensão de eficácia do acto lesivo para os Munícipes, pelo encerramento da Maternidade, atentando contra o património cultural, nos termos dos artº 112º, nº 2 a ), artº 114º, artº 128º e artº 131º, todos do CPTA, contra o Ministério da Saúde e a Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo, I.P, , Fá-lo em substituição dos cidadãos residentes na respectiva circunscrição em defesa direito.
Contudo, a providência cautelar poderia não conter os requisitos necessários para o seu decretamento, atentas as razões de racionalização económica e juízo político – cfr. artº 4º, nº 2, al.a) do ETAF, que exclui os actos praticados no exercício da função política e legislativa.
O encerramento da – famosa maternidade “Alfredo dos Campos” – está inserida no âmbito da actividade legislativa ou regulamentar do Governo, assente como já se disse em juízos de racionalidade económica e políticos. Não será assim um acto susceptível de controlo judicial, uma vez que contende com a função política do Governo.
Ana Oliveira - 17127
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