quarta-feira, 23 de maio de 2012


Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo: 08313/11

Secção: CA- 2º JUÍZO


Data do Acordão: 12-01-2012

Relator: ANA CELESTE CARVALHO

Descritores: POLÍCIA MARÍTIMA, FALTA DE NOTIFICAÇÃO DAS OPOSIÇÕES, ILEGITIMIDADE PASSIVA, PREJUÍZOS DE DIFÍCIL REPARAÇÃO.

Sumário: I. Cotejados os normativos legais, não existe cominação legal expressa que determine a nulidade da sentença, derivada da preterição da notificação ao requerente das oposições e dos documentos juntos, apresentadas pelos requeridos.

II. A inobservância dessa formalidade legal, é susceptível de gerar ou não nulidade, na medida em que “possa influir no exame ou na decisão da causa”, o que será aferido caso a caso, mediante ponderação do juiz.

III. O regime consagrado na lei processual civil e administrativa, configura a legitimidade como pressuposto processual, aferido em face da utilidade ou prejuízo e, portanto, pelo interesse que da procedência ou improcedência da acção pode advir para as partes, tendo presente a relação material controvertida tal como é desenhada pelo autor na petição inicial.

IV. Sendo o acto cuja suspensão de eficácia se requer um acto de gestão de recursos humanos, praticado pelo Comandante Geral da Polícia Marítima, que não é um órgão das Forças Armadas, mas antes uma autoridade/força policial e de polícia criminal, criada na estrutura do Sistema da Autoridade Marítima e integrado na estrutura operacional da Direcção-Geral da Autoridade Marítima e, por isso, do Ministério da Defesa Nacional, apresenta-se com legitimidade passiva para estar em juízo, nos termos do artº 10º, nºs. 1, 2 e 4 do CPTA, o Ministério da Defesa Nacional.

V. A circunstância da oposição ter sido apresentada em nome de um órgão é irrelevante, desde que esse órgão pertença à pessoa colectiva ou ao Ministério que foi citado para deduzir oposição, que tem conhecimento do requerimento inicial, e que tem legitimidade passiva.

VI. Assumindo o conhecimento na presente instância cautelar natureza sumária e perfunctória e não sendo sua finalidade concluir pela (in)verificação dos vícios alegados, assim julgando a legalidade do acto suspendendo, não é de exigir do tribunal a quo uma tomada de posição expressa e inequívoca sobre cada uma das diferentes causas de pedir alegadas, mas tão só que aprecie da “manifesta ilegalidade do acto”, por recurso a um juízo de ponderação sobre a procedência da pretensão requerida.

VII. O requisito do periculum in mora previsto na alínea b), do nº 1, do artº 120º do CPTA, encontrar-se-á preenchido sempre que exista o fundado receio que a decisão judicial proferida na acção principal não seja apta a dar resposta adequada à pretensão objecto de litígio, seja porque a evolução das circunstâncias durante a pendência do processo tornou a decisão inútil, seja porque tal evolução gerou a produção de danos dificilmente reparáveis.


II. A inobservância dessa formalidade legal, é susceptível de gerar ou não nulidade, na medida em que “possa influir no exame ou na decisão da causa”, o que será aferido caso a caso, mediante ponderação do juiz.

III. O regime consagrado na lei processual civil e administrativa, configura a legitimidade como pressuposto processual, aferido em face da utilidade ou prejuízo e, portanto, pelo interesse que da procedência ou improcedência da acção pode advir para as partes, tendo presente a relação material controvertida tal como é desenhada pelo autor na petição inicial.

IV. Sendo o acto cuja suspensão de eficácia se requer um acto de gestão de recursos humanos, praticado pelo Comandante Geral da Polícia Marítima, que não é um órgão das Forças Armadas, mas antes uma autoridade/força policial e de polícia criminal, criada na estrutura do Sistema da Autoridade Marítima e integrado na estrutura operacional da Direcção-Geral da Autoridade Marítima e, por isso, do Ministério da Defesa Nacional, apresenta-se com legitimidade passiva para estar em juízo, nos termos do artº 10º, nºs. 1, 2 e 4 do CPTA, o Ministério da Defesa Nacional.

V. A circunstância da oposição ter sido apresentada em nome de um órgão é irrelevante, desde que esse órgão pertença à pessoa colectiva ou ao Ministério que foi citado para deduzir oposição, que tem conhecimento do requerimento inicial, e que tem legitimidade passiva.

VI. Assumindo o conhecimento na presente instância cautelar natureza sumária e perfunctória e não sendo sua finalidade concluir pela (in)verificação dos vícios alegados, assim julgando a legalidade do acto suspendendo, não é de exigir do tribunal a quo uma tomada de posição expressa e inequívoca sobre cada uma das diferentes causas de pedir alegadas, mas tão só que aprecie da “manifesta ilegalidade do acto”, por recurso a um juízo de ponderação sobre a procedência da pretensão requerida.

VII. O requisito do periculum in mora previsto na alínea b), do nº 1, do artº 120º do CPTA, encontrar-se-á preenchido sempre que exista o fundado receio que a decisão judicial proferida na acção principal não seja apta a dar resposta adequada à pretensão objecto de litígio, seja porque a evolução das circunstâncias durante a pendência do processo tornou a decisão inútil, seja porque tal evolução gerou a produção de danos dificilmente reparáveis.


Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:I. RELATÓRIO
Valdemar …………….., devidamente identificado nos autos, inconformado, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, datada de 12/10/2011 que, no âmbito do processo cautelar de suspensão de eficácia movido contra oMinistério da Defesa Nacional, indeferiu a providência cautelar requerida, de suspensão de eficácia do despacho do Comandante Geral da Polícia Marítima, constante na Ordem da Polícia Marítima 23/24-08-2011, que determina o movimento do requerente do Comando Local da Polícia Marítima (CLPM) de Lisboa, para o CLPM de Ponta Delgada.
Formula o aqui recorrente nas respectivas alegações (cfr. fls. 234 e segs. – paginação referente ao processo em suporte físico, tal como as referências posteriores), as seguintes conclusões que se reproduzem:
“A. O Recorrente não foi notificado das oposições das entidades que accionou, desconhecendo o que foi alegado.
B. Entende o Recorrente que era absolutamente necessário ser notificado por constatar na douta sentença recorrida que o autor do acto suspendendo não se veio opor ao requerimento cautelar, mas sim uma entidade (CEMA/Marinha) sem competência legal para se imiscuir em assuntos da PM, e dos profissionais da PM.
C. Por falta de notificação das oposições, o douto tribunal, sem ouvir o Recorrente, deu por verdadeiro as alegações proferidas por aquela ilegítima entidade (CEMA/Marinha), limitando o exercício do contraditório e não colocando o Recorrente em igualdade com os oponentes, bem se sabendo que o principio da celeridade processual de uma providência não tem um valor absoluto, devendo, antes, ser conciliado com outros princípios que mereçam tutela.
D. Por este facto considera o Recorrente que a douta sentença esta ferida de anulabilidade processual.
E. Face à notificação da douta sentença recorrida, o Recorrente constatou que a entidade que accionou no seu requerimento cautelar foi aquela que o pretende movimentar para o CLPMPD, mas quem se opôs foi outra entidade que considera que usurpa poderes.
F. Há jurisprudência firmada pelo STA que afasta definitivamente da esfera da PM, que é uma força policial e órgão de polícia criminal, tal como atesta o n° 2 do artigo 1° do Decreto-Lei n° 248/95 de 21 de Setembro, e no n° 2 do artigo 2° do Estatuto do Pessoal da PM (EPPM), o CEMA/Marinha, que é uma ramo das forças armadas.
G. Decidiram os Egrégios Juízes Conselheiros do STA que o CEMA/Marinha não tem a mais ínfima legitimidade para se pronunciar sobre assuntos da PM, e isto porque esta não deve qualquer tipo de subordinação àquela entidade militar, de acordo com os doutos Acórdãos n°s 0837/05, de 30/11/2005 e 0138/07, de 24/04/2007 (doc. n° 3 e 4).
H. Na mesma senda, o órgão que tutela a PM, S. Exa. Ministro da Defesa Nacional, na sua resposta à Pergunta n° 402/XII/1ª, ao Parlamento, esclarece e afirma, sem mais quaisquer margens para duvidas, no parágrafo 4 e ss, que a Polícia Marítima não possui qualquer relação com as Forças Armadas, nomeadamente com a Marinha, e respectivo enquadramento institucional militar. (doc. n° 2).
I. Logo, a douta sentença recorrida aceitar por boa a oposição duma entidade que não possui legitimidade sobre a PM, violou os artigos 272° e 273° e ss. da CRP, ao não distinguir as atribuições das policias com as das forças armadas.
J. Da mesma forma, a douta sentença recorrida viola todo o artigo 5° do EPPM, que estatui que o órgão superior de comando da PM é o Comandante-geral da PM, que também pode exercer as competências delegadas pela tutela ministerial, e não outra.
K. A douta sentença recorrida, ao aceitar a oposição do CEMA/Marinha, violou o princípio da legalidade, previsto no n° 1 do artigo 3° do CPA, e nos n°s 2 e 3 do artigo 3° da CRP.
L. Também, ao referir-se ao Despacho do CEMA de 26/9/2011, que se desconhece o que transmite, pois não foi notificado ao Recorrente, para não decretar a providência cautelar, viola o princípio da legalidade, por tal despacho estar a ser usado por uma entidade sem legitimidade passiva, e em usurpação de poderes, o que é imediatamente susceptível de ferir de nulidade, nos termos da alínea a) do n° 2 do artigo 133° do CPA.
M. Assim, a douta sentença recorrida está ferida de nulidade, por vício de violação de lei.
N. A douta sentença recorrida considera o Recorrente como militar, o que, com o devido respeito, que é muito, constitui um erro, mas foi suficiente para não ter decretado a providência cautelar, por entender que haveria um “sentimento pernicioso para o funcionamento das instituições militares, de forte pendor hierárquico”. (realçado nosso).
O. Desde logo verifica-se que o recorrente não é militar, por não possuir uma patente militar, mas sim possuir a categoria de Subchefe da PM.
P. Realidades estas bem distintas, inclusive à luz do vínculo laboral que o recorrente detém, e do qual estão afastados os militares das forças armadas, bem como os militares da GNR (cf. n° 3 do artigo 2° da LVCR), aplicável por força do artigo 3° do EPPM.
Q. Logo, a questão do interesse público invocado na douta sentença recorrida não releva para o Recorrente, por este ser um agente policial, sujeito ao regime de mobilidade interna decorrente dos artigos 59° e ss. da LVCR.
R. Por não haver no EPPM qualquer norma habilitante que permita ao CGPM implementar regras de colocação específicas para os profissionais da PM, aquela entidade terá de se conformar em aplicar as que são legalmente admissíveis, e essas regras aplicáveis são as constantes da LVCR, sendo certo que o movimento, que se pretende ordenar ao Recorrente, fora destas regras é ostensivamente ilegal.
S. Por tais circunstâncias, a douta sentença recorrida sofre de erro de julgamento por erro nos pressupostos de facto e de direito, não podendo ser mantida.
T. Entendeu a douta sentença recorrida que os factos alegados pelo Recorrente, no seu requerimento cautelar, não possuíam o fumus boni iuris, e por não ser provável a procedência do processo principal, nem o periculum in mora, por não estarem demonstrados os prejuízos, mas apenas incómodos, e que face à profissão do Recorrente está sujeito a regras de movimentação.
U. A douta sentença ao partir destes pressupostos errados, com o devido respeito, que é muito, não julgou bem, e isto porque se tivesse analisado a ilegalidade do acto suspendendo concluiria que o movimento, fora das regras da LVCR, nunca poderia resultar sem o acordo do Recorrente, por este movimento exceder o limite à mobilidade interna, quer em despesas de deslocação, quer em tempo na deslocação entre a residência e o local de colocação de destino, quer nos prejuízos pessoais comprovados, conforme estabelece o n° 2 do artigo 61º da LVCR.
V. Ao não decretar a providência cautelar o direito do recorrente sofre de ameaça séria, e existe o perigo de situação já consumada, pois o movimento ilegal vai ser concretizado.
W. Ao entender que não estavam preenchidos ao requisitos para o decretamento da providência, a douta sentença deixou de se pronunciar sobre o mérito da ilegalidade do acto suspendendo, o que é causa de nulidade, nos termos da alínea d) do n° 1 do artigo 668° do CPC, aplicável ex vi do artigo 1° do CPTA.
X. Entende o Recorrente que a douta sentença recorrida está ferida de vício de violação de lei, por violação de todos os comandos invocados, de erro de julgamento, por erro nos pressupostos de facto e de direito, e por falta de pronúncia, devendo ser revogada.”.
Termina pedindo a procedência do recurso jurisdicional e revogada a sentença.

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O ora recorrido notificado apresentou contra-alegações (cfr. fls. 327 e segs.), formulando conclusões, as quais, atenta a sua prolixidade, ora se dão por reproduzidas.Termina pedindo que seja negado provimento ao recurso e mantida a sentença recorrida.

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O Ministério Público junto deste Tribunal notificado nos termos e para efeitos do disposto no art. 146.º do CPTA, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso (cfr. fls. 365 e segs.), o qual sendo notificada às partes, mereceu resposta do recorrido (cfr. fls. 373), nos termos para que se remete.

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O recorrente veio a juízo apresentar requerimento, onde requer o desentranhamento das contra-alegações de recurso apresentadas pelo Ministério da Defesa Nacional e a junção aos autos da contestação apresentada por esta entidade, no âmbito da acção administrativa especial, o que mereceu despacho.

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O processo vai, sem vistos dos Exmos. Juízes-Adjuntos, à Conferência para julgamento.
II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo recorrente, sendo certo que o objecto do recurso se acha delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos arts. 660º, n.º 2, 664º, 684º, nºs 3 e 4 e 690º, n.º 1 todos do CPC ex vi artº 140º do CPTA.
As questões suscitadas resumem-se, em suma, em determinar se a decisão judicial recorrida enferma de:
1. Nulidade/anulabilidade, por falta de notificação das oposições ao requerente – violação dos princípios do contraditório e da igualdade das partes [conclusões A., B., C. e D.];
2. Erro de julgamento, por ilegitimidade da entidade requerida [conclusões E., F., G., H., I., J., K., L. e M.];
3. Erro de julgamento, de facto e de direito, sobre a natureza do vínculo jurídico do requerente [conclusões N., O., P., Q., R. e S.];
4. Nulidade e erro de julgamento quanto aos pressupostos periculum in mora e fumus boni iuris [conclusões T., U., V., W. e X.].

III. FUNDAMENTOS

DE FACTO
O Tribunal a quo deu como assentes os seguintes factos:
1) O Requerente, Subchefe da Polícia Marítima com o NII ………., foi colocado no Comando Local da Polícia Marítima (CLPM) de Lisboa em 06.08.2008, conforme publicado na Ordem do Comando-Geral da Polícia Marítima n.° 19, de 13.08.2008 (OPM 19/13-08-2008). (Doc. 1)
2) O Requerente, Subchefe da Polícia Marítima com o NII …………, foi colocado no Comando Local da Polícia Marítima (CLPM) de Lisboa em 06.08.2008, conforme publicado na Ordem do Comando-Geral da Polícia Marítima n.° 19, de 13.08.2008 (OPM 19/13-08-2008). (Doc. 1)
3) Desde 05.01.2009, exerce funções no Centro de Operações Marítimas (COMAR) na situação de acumulação com o serviço prestado no CLPM de Lisboa. (Doc. 2)
4) Em 11.07.2011, atenta a necessidade de prover o CLPM de Ponta Delgada com um Subchefe da Polícia Marítima, o Comandante-Geral da Polícia Marítima exarou, ao abrigo do disposto no artigo 16.° do “Regulamento de Colocações e Movimentos do Pessoal da Polícia Marítima” (“RCMPPM), em anexo A ao Despacho do Comandante-Geral n.° 1/2008, de 28 de Julho, publicado na ………../28-07-2008 (Doc. 3), despacho de concordância sobre a Proposta n.° 55/2011, de 08.07.2011, de nomeação por escolha do Requerente para o referido Comando Local. (Doc. 4)
5) Em 14.07.2011, o Requerente foi notificado da previsão do seu movimento para o CLPM de Ponta Delgada, bem como da possibilidade de sobre ele se pronunciar, querendo, no prazo de dez dias úteis, nos termos do disposto no artigo 18.° do RCMPPM. (Doc. 5)
6) Por documento escrito datado de 28.07.2011, o Requerente apresentou pronúncia sobre o movimento dirigida ao Comandante-Geral da Polícia Marítima. (Doc. 6)
7) O Comandante-Geral da Polícia Marítima confirmou, por despacho de 05.08.2011, o movimento por escolha do Requerente para o CLPM de Ponta Delgada, ao abrigo do disposto no artigo 16.° do RCMPPM. (Doc. 7)
8) O movimento do Subchefe da Polícia Marítima Pedrosa para o CLPM de Ponta Delgada foi publicado na OPM 23/24-08-2011. (Doc. 8)
9) Inconformado, o Requerente intentou o presente processo cautelar.
10) Foi emitida resolução fundamentada declarando o interesse público da execução do acto administrativo suspendendo, nos termos e para os efeitos do disposto no n.° 1 do artigo 128.° do CPTA, a qual aqui se dá por inteiramente reproduzida para todos os efeitos legais. (Doc. 9)
11) O presente Processo Cautelar deu entrada no Tribunal Administrativo de Circulo de Lisboa, em 6 de Setembro de 2011. (Cfr. fls. 1 e sg SITAF).”.

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Nos termos do artº. 712.º do CPC e por resultar dos autos, adita-se a seguinte factualidade, necessária à apreciação dos fundamentos do presente recurso:12) A entidade pública requerida, Ministério da Defesa Nacional e o contra-interessado, citados vieram apresentar oposição nos autos nos termos e com o teor constante de fls. 92-104, juntando treze documentos, e de fls. 191-194, em que junta um documento, que aqui se dá por reproduzido;
13) Tais articulados de oposição e respectivos documentos, não foram notificados ao requerente [cfr. fls. 208 e segs.];
14) A decisão judicial impugnada foi proferida em 12/10/2011, sem que antes tivesse havido lugar à notificação das oposições apresentadas pelos entes requeridos.


DE DIREITO

Considerada a factualidade supra fixada, não impugnada pelo recorrente, importa, agora, entrar na análise dos fundamentos do presente recurso jurisdicional.

1. Falta de notificação das oposições ao requerente – violação dos princípios do contraditório e da igualdade das partes [conclusões A., B., C. e D.]
Suscita o recorrente que a falta de notificações das oposições apresentadas pela entidade requerida e pelo contra-interessado, constitui fundamento para a anulabilidade da sentença, alegando que a lei não comina com a nulidade.
Nos termos que resultam do probatório, ora aditado, verifica-se que o requerente não logrou ser notificado das oposições apresentadas em juízo e dos respectivos documentos que as acompanham.
Estabelece o disposto no nº 3 do artº 118.º do CPTA que juntas “as contestações ou decorrido o respectivo prazo, o processo é concluso ao juiz, que pode ordenar as diligências de prova que considere necessárias”.
Nos termos do n.º 1 do art. 119.º do mesmo Código o “juiz ou relator profere decisão no prazo de cinco dias contado da data da apresentação da última contestação ou do decurso do respectivo prazo ou da produção de prova, quando esta tenha tido lugar”.
Extrai-se dos nºs 3 e 4 do artº 3º do CPC que o “juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem” e que às “excepções deduzidas no último articulado admissível pode a parte contrária responder na audiência preliminar ou, não havendo lugar a ela, no início da audiência final”.
Segundo o disposto no nº 1 do artº 201º do CPC, a prática de um acto que a lei não admita, bem como a omissão de um acto ou formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.
Prevêem-se neste citado normativo regras sobre a nulidade dos actos processuais em geral, perpassando no regime consagrado uma preocupação de restringir os efeitos do vício que inquina o acto, de modo que só nos casos em que há prejuízo para a relação jurídica litigiosa resultam efeitos invalidantes.
Na definição de Manuel de Andrade, nulidades processuais “são quaisquer desvios do formalismo processual seguido, em relação ao formalismo processual prescrito na lei, e a que esta faça corresponder uma invalidação mais ou menos extensa de actos processuais” – cfr. Manuel A. Domingues de Andrade, “Noções Elementares de Processo Civil”, Coimbra Editora, pág. 176.
Tal como sustentava J. Rodrigues Bastos o “princípio fundamental é o de que a declaração da nulidade só é de fazer em função do prejuízo que do vício do acto (por comissão ou omissão) resulte para o processo e para os fins que este visa. O reconhecimento da nulidade não é, pois, um direito das partes mas uma cautela da lei, assegurando a necessária eficácia e idoneidade ao processo. Umas vezes a lei prescreve que a prática de certo acto ou omissão de um acto ou de uma formalidade acarretam nulidade; nesses casos está ínsito na cominação o reconhecimento do carácter prejudicial do vício; noutros casos, em que não é formulada, isto é, em que pode haver ou não prejuízo para a relação jurídica litigiosa, tem de ser o julgador a medir, com cautela, a projecção que o vício verificado pode ter no perfeito conhecimento e na justa decisão do pleito” (in “Notas ao Código Processo Civil”, vol. I, 3ª edição, págs. 263 e 264).
Alberto dos Reis em anotação ao citado normativo afirmava que o “que há característico e frisante no artigo 201º é a distinção entre infracções relevantes e infracções irrelevantes. Praticando-se um acto que a lei não admite, omitindo-se um acto ou uma formalidade que a lei prescreve, comete-se uma infracção, mas nem sempre esta infracção é relevante, quer dizer, nem sempre produz nulidade. A nulidade só aparece quando se verifica um destes casos:
a) Quando a lei expressamente a decreta;
b) Quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.
(…) O 2.º caso em que a infracção formal tem relevância deixa o juiz um largo poder de apreciação. É ao tribunal que compete, no seu prudente arbítrio, decretar ou não a nulidade, conforme entenda que a irregularidade cometida pode ou não exercer influência no exame ou decisão da causa. (…) Os actos de processo têm uma finalidade inegável: assegurar a justa decisão da causa; e como a decisão não pode ser conscienciosa e justa se a causa não estiver convenientemente instruída e discutida, segue-se que o fim geral que se tem em vista com a regulação e organização dos actos de processo está satisfeito se as diligências, actos e formalidades que se praticaram garantem a instrução, a discussão e o julgamento regular do pleito; pelo contrário, o referido fim mostrar-se-á prejudicado se praticaram ou omitiram actos ou deixaram de observar-se formalidades que comprometem o conhecimento regular da causa e portanto a instrução, a discussão ou o julgamento dela.” (in “Comentário ao Código de Processo Civil”, vol. II, págs. 484 a 487).
Também J. Lebre de Freitas refere que verificado “o vício, se a lei não prescrever expressamente que ele tem como consequência a invalidade do acto, segue-se verificar a influência que a prática ou omissão pode ter no exame ou na decisão da causa (…), isto é, na sua instrução, discussão e julgamento (…). Constatada essa influência, os efeitos invalidantes do acto repercutem-se nos actos subsequentes da sequência processual que dele forem absolutamente dependentes” (in “Introdução ao Processo Civil”, 1996, págs. 18 a 20; do mesmo sentido cfr. “Código de Processo Civil Anotado”, vol. I, págs. 346 e 347, nota 2).
Especificamente no âmbito do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, sustentam Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto F. Cadilha, a existência dum dever de notificação ao requerente da oposição que foi apresentada, à semelhança do que sucede em processo civil, pois embora “tanto do artigo 118.º, n.º 3, como do artigo 119.º, n.º 1, pareça resultar que não há lugar à apresentação de qualquer outro articulado após as contestações, o princípio do contraditório impõe a possibilidade de responder através da apresentação de um articulado suplementar por parte do requerente quando forem deduzidas excepções nas contestações” (in “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, 3ª ed. revista, págs. 788-789 e págs. 792/793).
Também neste sentido, cfr. Acórdãos do TCA Norte, datados de 23/09/2010, proc. n.º 00648/10.5BEBRG e de 16/12/2011, proc. nº 00877/11.4BEBRG, nos termos do quais, apesar “da formalidade da notificação da contestação nos processos cautelares não estar prevista nos artigos 118º e 119º do CPTA, seguindo a orientação do processo civil, que impõe o respeito pelo princípio do contraditório (cfr. arts. 3.º e 386.º do CPC), é de admitir uma réplica do requerente às excepções susceptíveis de conduzir à absolvição da instância, (…) pois, não havendo uma fase de saneamento prévio à decisão final, justifica-se que o requerente seja ouvido sobre tais excepções” e que “devem ser notificados os documentos para efeitos de eventual impugnação, tanto da sua admissão como da sua força probatória, o que resulta expressamente dos arts. 517.º e 526.º do CPC, aplicáveis ao processo administrativo por força do art. 1.º do CPTA, mas também do imperativo do contraditório”, mas o “acto processual apenas será nulo quando, apreciado caso a caso, se constate que ele, tal como foi praticado, não atinge o fim que visava”.
Considerando os referidos elementos doutrinais e jurisprudenciais e revertendo-os ao caso dos autos temos que, cotejados os normativos em questão, dos mesmos não deriva expressamente o sancionamento com o desvalor invalidante da nulidade em caso de prolação de decisão final com preterição da notificação ao requerente das oposições apresentadas pelos requeridos.
Isto é, mesmo admitindo que o tribunal recorrido estava obrigado a notificar as partes das oposições apresentadas em juízo, não existe cominação legal expressa que determine a nulidade derivada da falta de tal notificação.
Resta, por isso, aferir se no caso subjudice, admitindo-se que foi preterida uma formalidade legal, essa inobservância é susceptível de gerar ou não nulidade, na medida em que “possa influir no exame ou na decisão da causa”.
A lei não esclarece quando é que se deve entender que a irregularidade cometida influiu no exame ou na decisão da causa e por isso, como refere Artur Anselmo de Castro, “só caso por caso a prudência e a ponderação dos juízes poderão resolver” – cf. “Direito Processual Civil Declaratório”, Volume III, Almedina, 1982, pág. 109.
Pode afirmar-se que, em abstracto, a omissão dum acto como o ora em causa – prolação de sentença, sem prévia notificação das oposições e documentos com as mesmas juntos – é susceptível de influir na decisão da causa porquanto impede ou inviabiliza o requerente de tomar conhecimento do alegado e poder suscitar alguma questão, inclusivamente acerca dos documentos juntos.
Porém, importa aferir a influência que a omissão, em concreto, assumiu no exame, discussão e decisão da causa, ponderando as demais circunstâncias fácticas reveladas no processo.
Na situação em apreço, analisados os termos dos presentes autos, a nulidade ocorrida não foi e não é susceptível de afectar o requerente nos seus direitos adjectivos e/ou substantivos, pelo que, estamos perante uma situação em que, tem de concluir-se que a mesma não influiu no exame ou decisão da causa.
Além da invocada nulidade da citação do contra-interessado, nenhuma outra matéria de excepção foi suscitada pelas entidades requeridas nas respectivas oposições, nem o juiz a quo decidiu questão em que fosse de conceder a oportunidade ao requerente de exercer o princípio do contraditório.
É, por isso, de afastar a existência da nulidade processual derivada da falta de notificação das oposições e da preterição do princípio do contraditório, já que nenhuma matéria de excepção foi suscitada em que fosse de conceder a possibilidade de o requerente se pronunciar, pelo que, a omissão da notificação em causa não tem a aptidão de influir no exame ou na decisão da causa.
Nessa medida, é possível afirmar que, observada a formalidade omitida, a decisão que viesse a ser tomada seria a mesma, do que se infere que tal omissão não se mostra como susceptível de influir nos contornos factuais e jurídicos que presidiram e nos quais assentou a decisão judicial posta em crise.
O mesmo raciocínio se expende em relação à falta de notificação dos documentos juntos com as oposições, já que os mesmos em nada influíram ou interferiram com o sentido da decisão que foi proferida.
Decorre dos acórdãos a que supra se fez referência que: “(…) quanto aos documentos apresentados e que não foram notificados à requerente, o raciocínio pode não ser o mesmo, caso se demonstre que foram determinantes na decisão final de não concessão da providência requerida. Apesar de serem documentos autênticos, que fazem prova plena dos factos neles contidos, sempre o requerente podia levantar o incidente de falsidade para ilidir a sua força probatória (art. 372.º do CCv). (…) Acontece que os factos neles referidos ou atestados não têm qualquer relevância na decisão da providência cautelar (…). Em suma, a inobservância do princípio do contraditório (…) e das normas processuais relativas à notificação dos documentos apresentados com o último articulado, não tem qualquer influência na decisão da providência cautelar. E não havendo qualquer prejuízo real para a tutela cautelar, nem tendo sido comprometido o conhecimento regular da providência, consideram-se irrelevantes as infracções formais invocadas (…)”.
Improcede, portanto, este fundamento do recurso.

2. Erro de julgamento, por ilegitimidade da entidade requerida [conclusões E., F., G., H., I., J., K., L. e M.]
Segundo a alegação do recorrente, apresenta-se a deduzir oposição entidade carecida de legitimidade passiva, por o Chefe de Estado-Maior da Armada ser uma entidade completamente alheia à Polícia Marítima.
A Polícia Marítima é uma força de segurança policial, na dependência do Ministro da Defesa Nacional, ao contrário da Marinha que é um ramo das forças armadas.
Assim, entende o recorrente que a resposta do CEMA/Marinha à providência cautelar viola o princípio da legalidade, incorrendo a sentença em erro de julgamento de direito, ao aceitar e se basear numa oposição de uma entidade que não detém poder sobre a Polícia Marítima.
Decorre do artº 10º do CPTA, sob a epígrafe “legitimidade passiva”, que cada “acção deve ser proposta contra a outra parte na relação material controvertida e, quando for caso disso, contra as pessoas ou entidades titulares de interesses contrapostos aos do autor” (nº 1), sendo que, quando “a acção tenha por objecto a acção ou omissão de uma entidade pública, parte demandada é a pessoa colectiva de direito público” (nº 2), nele se consagrando o princípio geral de legitimidade passiva, comum a todas as formas de processo.
Do artº 26º do CPC deriva que o “réu é parte legítima quando tem interesse directo em contradizer” (nº 1), sendo que o interesse em contradizer se exprime “pelo prejuízo que dessa procedência advenha” (nº 2) e na “falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor” (nº 3).
Dos preceitos legais transcritos decorre que a legitimidade processual constitui um pressuposto adjectivo através do qual a lei selecciona os sujeitos de direito admitidos a participar em cada processo levado a tribunal.
A lei processual civil nos artºs. 10º do CPTA e 26º do CPC, fornece um critério para aferir da legitimidade passiva, consubstanciado no “interesse directo em contradizer”, o qual se afere pela utilidade derivada do prejuízo que da procedência da acção possa derivar para o demandado.
À luz desses preceitos, salvo quando exista lei a dispor em sentido contrário, o réu/requerido é parte legítima se for sujeito da relação material controvertida tal como é configurada pelo autor/requerente (nº 3 do artº 26º do CPC).
Por conseguinte, a titularidade e, consequentemente, a legitimidade, deverá ser aferida pelas afirmações produzidas pelo autor no respectivo articulado, isto é, pelo modo como este entendeu configurar o objecto do processo, sem que na determinação das partes legítimas se tenha de aferir a efectiva titularidade da relação material controvertida.
A legitimidade constitui um pressuposto processual aferível pela forma como a situação é descrita na petição inicial, pela marca como é invocado o direito e pelo modo como é materializada a ofensa a este, independentemente do exame sobre o fundo ou mérito do recurso (J. Castro Mendes, in Direito Processual Civil”, II, pp. 153), pelo que, não é uma condição de procedência da acção, ligada ao fundo da causa (vide os Acórdãos do STA, de 17/11/1996, Rec. nº 38005 e de 01/10/1998, Rec. nº 43423).
Assim, a legitimidade enquanto pressuposto processual difere da legitimidade-condição (Acórdão do STA de 12/12/2002, proc. nº 0828/02), importando olhar para a forma como se encontra configurada a causa de pedir, isto é, como a relação material controvertida é apresentada, independentemente da titularidade da posição jurídica substantiva, a fim de se ajuizar da vantagem ou utilidade que do provimento da acção possa advir – a este respeito, José Carlos Vieira de Andrade, in A Justiça Administrativa (Lições) 4ª edição, Almedina, pp. 257 e segs. e Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, in Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Volume I, Almedina, pp. 154 e segs..
O regime consagrado na lei processual civil, acolhido na lei processual administrativa, configura a legitimidade como pressuposto processual, aferido em face da utilidade ou prejuízo e, portanto, pelo interesse, que da procedência ou improcedência da acção pode advir para as partes, tendo em presença a relação material controvertida tal como é desenhada pelo autor na petição inicial.
Considerando este enquadramento e revertendo-o para o caso sub judice, decorre que o requerente dirigiu a presente providência cautelar contra o Ministério da Defesa Nacional, por acto praticado pelo Comandante Geral da Polícia Marítima, tendo sido essa entidade pública citada para deduzir oposição – cfr. ponto 12 dos Factos Assentes.
Quem se apresentou a juízo a apresentar a oposição foi o “Ministério da Defesa Nacional – Marinha Portuguesa, representado pelo Almirante Chefe do Estado-Maior da Armada, por inerência, Autoridade Marítima Nacional”.
Por sua vez decorre da vasta documentação junta pelas partes, juntamente com os seus respectivos articulados, a referência a “Ministério da Defesa Nacional / Autoridade Marítima Nacional / Comando-Geral da Polícia Marítima” (cfr. doc. 4, junto com o requerimento inicial) e “Ministério da Defesa Nacional / Marinha / Autoridade Marítima Nacional / Comando-Local da Polícia Marítima de Lisboa” (docs. 5, 6 e 8, juntos com o requerimento inicial).
O acto cuja suspensão de eficácia é requerida é um acto de gestão de recursos humanos e foi praticado pelo Comandante Geral da Polícia Marítima, que não é um órgão das Forças Armadas – cfr. a Lei Orgânica de Bases da Organização das Forças Armadas, aprovada pela Lei nº 1-A/2009, de 07/07 e a Lei Orgânica da Marinha, aprovada pelo D.L. nº 233/2009, de 15/09.
A Polícia Marítima é uma força policial, criada na estrutura do Sistema da Autoridade Marítima, que faz parte da estrutura operacional da Direcção-Geral da Autoridade Marítima (artº 38º, nº 1 do DL nº 233/2009, de 15/09, que aprovou a Lei Orgânica da Marinha), encontra-se dotada de competência especializada nas áreas e matérias legalmente atribuídas a esse Sistema e é composta por militares e agentes militarizados da Marinha.
Tem estatuto próprio, aprovado pelo D.L. nº 248/95, de 21/09, sendo-lhe subsidiariamente aplicável o regime geral da função pública e ainda regime disciplinar próprio.
Tem como órgãos os comandantes locais, regionais, o 2º comandante-geral e o comandante-geral, os quais são considerados autoridades policiais e de polícia criminal.
A Polícia Marítima não faz parte das Forças Armadas, encontrando-se integrada no Ministério da Defesa Nacional, através da Marinha, mais concretamente, através da Direcção-Geral da Autoridade Marítima – cfr. a Lei Orgânica de Bases da Organização das Forças Armadas, aprovada pela Lei nº 1-A/2009, de 07/07.
A Direcção-Geral da Autoridade Marítima é um serviço integrado no Ministério da Defesa Nacional, através da Marinha, tem autonomia administrativa e é responsável pela direcção, coordenação e controlo das actividades exercidas no âmbito da Autoridade Marítima Nacional – artº 7º do D.L. nº 44/2002, de 02/03.
A Autoridade Marítima Nacional é a entidade responsável pela coordenação das actividades, de âmbito nacional, a executar pela Marinha e pela Direcção-Geral da Autoridade Marítima, na área de jurisdição e no quadro do Sistema da Autoridade Marítima, com observância das orientações definidas pelo Ministro da Defesa Nacional – nº 1 do artº 2º do D.L. nº 44/2002, de 02/03.
Nos termos do artº 5º, als. a) e b) do estatuto do pessoal da Polícia Marítima, aprovado pelo D.L. nº 248/95, de 21/09, o comandante-geral é o órgão superior de comando da Polícia Marítima, competindo-lhe, entre o mais, representar a Polícia Marítima e assegurar a gestão do pessoal, nomeadamente ao nível de efectivos, carreiras, nomeações e movimentos.
O Comandante-Geral da Polícia Marítima é também, por inerência de funções, o Director-Geral da Autoridade Marítima – nº 1 do artº 8º do Estatuto do Pessoal da Polícia Marítima, aprovado pelo D.L. nº 248/95, de 21/09 e nº 3 do artº 9º do D.L. nº 44/2002, de 02/03.
O cargo de Director-Geral da Autoridade Marítima, é ocupado por um Vice-Almirante, nomeado por despacho do Ministro da Defesa Nacional – artº 18º do artº 9º do D.L. nº 44/2002, de 02/03.
O Comandante-Geral da Polícia Marítima, enquanto Director-geral da Autoridade Marítima, encontra-se na directa dependência da Autoridade Marítima Nacional, isto é, do Almirante CEMA (nº 5 do artº 38º da Lei Orgânica da Marinha, aprovada pelo D.L. nº 233/2009, de 15/09), pois este é, por inerência de funções, a Autoridade Marítima Nacional – cfr. nº 2 do artº 2º do D.L. nº 44/2002, de 02/03 e o artº 8º, nº 5 da Lei Orgânica da Marinha, aprovada pelo D.L. nº 233/2009, de 15/09.
No entanto e conforme resulta expressamente do artº 8º, nº 5 da Lei Orgânica da Marinha, aprovada pelo D.L. nº 233/2009, de 15/09, as competências do Almirante CEMA, enquanto Autoridade Marítima Nacional, são as que resultem de legislação própria.
Ora, nem o D.L. nº 43/2002, de 02/03, que reformulou o Sistema de Autoridade Marítima Nacional, nem o D.L. nº 44/2002, de 02/03, que definiu a estrutura, organização, funcionamento e competências da Autoridade Marítima Nacional, nem a Lei Orgânica da Marinha, aprovada pelo D.L. nº 233/2009, de 15/09, nem ainda a Lei Orgânica de Bases da Organização das Forças Armadas, aprovada pela Lei Orgânica nº 1-A/2009, de 07/07 (em especial, o respectivo artº 17º), atribuem competência ao CEMA, enquanto Autoridade Marítima Nacional, para praticar actos de gestão de pessoal da Policia Marítima, nem para representar esta instituição a nível judicial.
Assim, não está em causa a previsão do artº 21º, nº 2 da Lei Orgânica de Bases da Organização das Forças Armadas, aprovada pela Lei nº 1-A/2009, de 07/07, que prevê que “nos processos jurisdicionais que tenham por objecto a acção ou omissão de órgãos das Forças Armadas em matérias de disciplina e de administração de pessoal, parte demandada é o Estado Maior-General das Forças Armadas ou o respectivo ramo, conforme os casos, sendo representados em juízo por advogado ou por licenciado em direito com funções de apoio jurídico, constituído ou designado pelo respectivo Chefe de Estado-Maior”, pois o acto cuja suspensão de eficácia é requerida, não foi praticado no âmbito das Forças Armadas.
Do ponto de vista processual e perante a estatuição do artº 10º, nºs. 1, 2 e 4 do CPTA, a defesa dos interesses em discussão no presente processo cabe ao Ministério da Defesa Nacional, o qual tem de figurar na parte passiva da relação processual.
O artº 10º, nºs. 1, 2 e 4 do CPTA, considera que o processo intentado contra um órgão de um Ministério deve-se ter por interposto contra o Ministério e a oposição apresentada por um órgão do Ministério, também se deve ter por deduzida pelo Ministério, ponto é que se encontre cumprido o nº 5 do artº 11º do CPTA, na parte relativa à nomeação do mandatário judicial.
A circunstância da contestação ter sido apresentada em nome de um órgão e, porventura, em nome de um órgão que não tem a ver com o litígio, é irrelevante desde que esse órgão pertença à pessoa colectiva ou ao Ministério que tem legitimidade passiva – vide Mário Aroso de Almeida e Carlos Cadilha, in “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais administrativos”, Almedina, 2005, pág. 91.
Assim, em face do que antecede, não assiste razão ao recorrente quanto à suscitada questão processual de ilegitimidade passiva, por nada existir de anómalo quanto aos sujeitos intervenientes no processo, pois não só foi correctamente identificada a entidade com legitimidade passiva para estar em juízo, o Ministério da Defesa Nacional, como foi essa entidade a citada nos autos e aquela que se apresentou a deduzir a sua defesa contra a pretensão que contra ela vem requerida, embora representada pelo Almirante Chefe do Estado-Maior da Armada (CEMA), por inerência, Autoridade Marítima Nacional.
representação em juízo, enquanto “representação de entes que estão submetidos a uma representação orgânica ou que podem ser representados pelo Ministério Público” (cfr. Miguel Teixeira de Sousa, “Estudos sobre o Novo Processo Civil”, Lex, 2ª ed., 1997, pág. 146), não pode ser confundida com a respectiva legitimidade.
No caso, o Ministério da Defesa Nacional tem conhecimento do presente processo, por ter sido citado e ter recebido o requerimento inicial, que terá remetido para a Marinha, pelo que, por força de tal conhecimento e considerando que a Marinha se integra na administração directa do Estado, através do Ministério da Defesa Nacional, temos por preenchido o nº 5 do artº 11º do CPTA, na parte que se refere à regularidade da designação do representante que subscreveu a oposição.
Assim, a oposição apresentada pelo Almirante CEMA, não obsta a que se considere que a mesma foi apresentada pelo Ministério da Defesa Nacional.
Posto isto, significa que nenhuma razão assiste ao recorrente quando alega a excepção de ilegitimidade passiva, já que parte legítima é o Ministério da Defesa Nacional, embora, nos presentes autos apareça representado pelo Almirante Chefe do Estado-Maior da Armada, por inerência, Autoridade Marítima Nacional, à luz da relação material controvertida tal como delineada pelo requerente, por ser tal entidade pública que tem interesse em contradizer a pretensão que contra o mesmo foi deduzida.
Temos em que improcedem as conclusões em análise.

3. Erro de julgamento, de facto e de direito, sobre a natureza do vínculo jurídico do requerente [conclusões N., O., P., Q., R. e S.]
Segundo a alegação do recorrente, a sentença recorrida erra de facto e de direito quanto à natureza do seu vínculo jurídico, pois o recorrente não é militar, antes estando sujeito à disciplina da Lei nº 12-A/2008, de 27/02, que aprova a lei de vinculação de carreiras e de remunerações dos trabalhadores que exercem funções públicas, e da Lei nº 59/2008, de 11/09, aplicáveis pelo artº 3º do Estatuto do Pessoal da Polícia Marítima (EPPM).
No que respeita ao erro de facto, importa dizer que não só o mesmo não se verifica, por da selecção da matéria de facto levada aos Factos Assentes não resultar a condição de militar do requerente, nem a mesma ser afirmada no contexto da fundamentação de direito da sentença recorrida, como, ainda que assim não fosse, não logra o recorrente satisfazer os requisitos exigidos pela lei de processo para a impugnação da matéria de facto.
Segundo o artigo 685º-B do CPC, incumbe ao recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto o ónus de especificar, sob pena de rejeição:
a) os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados (nº 1);
b) os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida …” (nº 1) e
c) que no “caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados e seja possível a identificação precisa e separada dos depoimentos, nos termos do disposto no nº 2 do artigo 522º-C, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respectiva transcrição” (nº 2).
Na citada disposição impõe-se um ónus especial de alegação quando se pretenda impugnar a matéria de facto, que impende sobre o aqui recorrente e que o mesmo, manifestamente, não satisfez, como decorre inter alia das alegações produzidas em juízo.
Pelo que, improcede o alegado erro de julgamento de facto.
No concernente ao erro de direito, importa atender à fundamentação de direito da sentença recorrida, nos termos da qual se extrai: “(…) a decisão a proferir, não poderá, atentos o interesse público em presença, viabilizar que se consolide um eventual sentimento de incumprimento permissivo relativamente às ordens proferidas pela hierarquia militar, sempre perniciosa num estado de direito”.
Resulta a referência pelo juiz a quo, à hierarquia militar o que, não se aplicando à pessoa do recorrente, por o mesmo não integrar nenhum dos ramos das Forças Armadas e não deter essa qualidade, atento ser Subchefe da Polícia Marítima e esta ser uma autoridade de polícia e um órgão de polícia criminal, nos termos do artº 2º do Estatuto do Pessoal da Polícia Marítima (EPPM), aprovado pelo D.L. nº 248/95, de 21/09 e do artº 15º do D.L. nº 44/2002, de 02/03, atenta a relação legalmente estabelecida entre as várias estruturas do Ministério da Defesa Nacional, da Marinha, da Autoridade Marítima Nacional e da Polícia Marítima, não deixam de estar envolvidas hierarquias militares, além de que vale o interesse público invocado, associado à mobilidade e movimentação do pessoal dessa autoridade, com especiais responsabilidades nas áreas legalmente atribuídas ao Sistema de Autoridade Marítima.
O próprio recorrente que alega o erro de julgamento de direito, admite na sua alegação de recurso que “não se põe em causa a questão do interesse público na mobilidade interna”.
Ao contrário do alegado pelo recorrente, não se mostra afirmado na sentença recorrida, seja na matéria de facto, seja na fundamentação de direito, que o requerente detenha a condição de militar, mas antes a referência à hierarquia militar, enquanto estrutura com responsabilidades ao nível do Sistema de Autoridade Marítima, que a Polícia Marítima igualmente integra.
Por outro lado, aplicam-se à Polícia Marítima e, por isso, ao ora requerente, as exigências próprias e inerentes de quem exerce funções para uma autoridade de polícia e um órgão de polícia criminal, onde valem as preocupações com o interesse público associado à boa gestão dos recursos humanos e ao eficiente desempenho da missão dessa força policial, com competência nas áreas legalmente atribuídas ao Sistema de Autoridade Marítima.
Por outras palavras, não sendo o requerente militar, antes integrando a Polícia Marítima, enquanto órgão de polícia criminal, colocam-se igualmente exigências relativas à prossecução do interesse público inerente à missão dessa Polícia e, consequentemente, à Autoridade Marítima Nacional e ao Sistema de Autoridade Marítima, onde se integra.
Assim sendo, não é de extrair qualquer juízo de censura e muito menos, relevância invalidante, à referência à “hierarquia militar” constante da sentença recorrida, para justificar o interesse público associado à prática do acto suspendendo.
Além de que o recorrente abstém-se de invocar em que medida a referência à expressão utilizada acarretou um erro de julgamento quanto à questão que foi apreciada e decidida pelo tribunal a quo ou que consequências advieram da utilização dessa expressão, já que, não põe em causa o interesse público decorrente da prática do acto suspendendo, nem do exercício das funções que desempenha ou que irá desempenhar, em sequência do acto administrativo que determinou a sua mobilidade.
Essa referência, não traduz um erro de julgamento de direito da sentença recorrida, pelo que, improcedem in totum as conclusões sob análise.

4. Nulidade e erro de julgamento quanto aos pressupostos periculum in mora e fumus boni iuris [conclusões T., U., V., W. e X.]
Alega o recorrente que a sentença recorrida não fez, como devia, uma correcta avaliação dos factos e do direito, em relação aos prejuízos de difícil reparação e quanto ao grau de probabilidade de procedência do processo principal, tendo deixado de apreciar o mérito quanto à manifesta ilegalidade do acto, além de que, ao não decretar a providência, o direito do recorrente sofre de ameaça séria, existindo o perigo de situação já consumada, por o movimento ilegal ir ser concretizado.
Constitui motivo de discordância quanto ao julgado, quer o que caracterizamos como sendo o julgamento feito no quadro do requisito dofumus boni iuris, quer ainda a análise feita em sede do juízo sobre o periculum in mora, que se prende com a invocada nulidade e erro de julgamento, nos termos em que se passam a conhecer infra.
Está em causa apurar da correcção do julgamento feito pelo tribunal a quo, acerca da indagação do carácter manifesto de cada vício, necessário ao juízo sobre a (i)legalidade do acto em causa e para o requisito previsto no artº 120º, nº 1, al. a) do CPTA, que faz depender a concessão da providência cautelar da evidência da procedência da pretensão formulada no processo principal, designadamente, por estar em causa a impugnação de acto manifestamente ilegal.
Ora, é de entender que, embora de forma sumária e perfunctória, não deixou a sentença recorrida de proceder ao enquadramento da situação jurídica configurada nos autos, no âmbito da facti species da norma da al. a) do nº 1 do artº 120º do CPTA, designadamente, por estar em causa um acto manifestamente ilegal.
O critério em causa apela a um juízo de evidência da procedência da pretensão formulada no processo principal, cabendo apenas avaliar se a decisão da Administração é manifestamente ilegal, ou seja, se a ilegalidade é tão manifesta, que seja evidente e não deixe dúvidas sobre o provimento da pretensão a decidir na acção principal.
Segundo José Carlos Vieira de Andrade, in A Justiça Administrativa (Lições), 4ª ed., Almedina, pp. 299, “o papel que é dado ao fumus boni iuris (ou “aparência do direito”) é decisivo, desde logo porque parece ser o único factor relevante para a decisão de adopção da providência cautelar, em caso de evidência da procedência da pretensão principal, designadamente por manifesta ilegalidade do acto.”.
Assim, deve o Tribunal proceder à sumario cognitio, quer de facto, quer de direito, da pretensão do requerente e do grau de probabilidade de procedência da acção principal, pois tratando-se os presentes autos de um processo de natureza cautelar, cujo fim se destina o de assegurar a utilidade da decisão definitiva que vier a ser proferida no processo principal, os seus efeitos são necessariamente provisórios, não se destinando a resolver definitivamente o litígio jurídico-administrativo em presença.
Nessa medida, não cabe na presente instância decidir definitivamente sobre a (i)legalidade da decisão tomada, nomeadamente se são ou não procedentes as causas de invalidade do acto suspendendo invocadas, caso em que seria antecipar o juízo cognitivo da decisão a proferir no processo principal, para o presente processo sumário e urgente.
Assumindo o conhecimento na presente instância natureza sumária e perfunctória e não sendo finalidade própria da instância cautelar concluir pela verificação ou não dos vícios alegados, assim julgando a legalidade do acto suspendendo, já que essa apenas caberá ao processo principal, não é de exigir do tribunal a quo uma tomada de posição expressa e inequívoca sobre cada uma das diferentes causas de pedir alegadas como fundamento da ilegalidade do acto suspendendo, mas tão só que aprecie da “manifesta ilegalidade do acto”, por recurso a um juízo de ponderação sobre a procedência da pretensão requerida.
Daí que nenhum juízo de censura seja de extrair em relação à sentença recorrida, quando não apreciou, concreta e especificadamente, cada um dos vícios alegados, como fundamento da manifesta ilegalidade do acto em causa e da evidência da pretensão formulada no processo principal, com isso, não incorrendo na nulidade invocada.
O juízo expresso na sentença recorrida apresenta-se correcto, além de suficiente, para fundamentar o carácter não manifesto da ilegalidade do acto suspendendo.
O critério de evidência previsto na al. a) do n.º 1 do art. 120.º do CPTA deve revelar-se ou afirmar-se como patente, notório, visível e com grande grau de previsibilidade de vir a ocorrer, mercê, designadamente, da natureza ostensiva e grosseira da ilegalidade cometida, o que não se verifica no caso concreto, donde improcederem as conclusões em análise.
Não procede, pois, o fundamento do recurso, já que nenhum juízo de censura merece a sentença recorrida ao negar a verificação do critério do fumus bonis iuris na sua máxima intensidade, previsto na al. a) do nº 1 do artº 120º do CPTA.
Não estamos, nessa medida, em presença do critério excepcional previsto na al. a) do nº 1 do artº 120º do CPTA, que abrange apenas as situações em que é mais do que provável que a pretensão do requerente venha a ser julgada procedente, situações de nulidade evidente ou de ilegalidade grosseira ou por estar em causa acto idêntico a outro já anteriormente anulado, declarado nulo ou inexistente, em que se impõe e exige, sem a necessidade de aferição de quaisquer outros requisitos, a adopção da tutela cautelar enquanto meio de reposição ainda que provisório da legalidade.

*

Não tendo a providência cautelar pretendida enquadramento na al. a) do n.º 1 do art. 120.º do CPTA, prevêem-se na al. b) do nº 1 e no nº 2 do mesmo normativo, um distinto grupo de condições de procedência que se podem reconduzir:i) A duas condições positivas de decretamento [periculum in mora – receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para o requerente; e o fumus boni iuris (“aparência do bom direito”) – reportado ao facto de não ser manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada ou a formular no processo principal ou de que inexistam circunstâncias que obstem ao conhecimento de mérito – fumus non malus iuris]; e
ii) A um requisito negativo de decretamento que assenta numa ponderação de todos os interesses em presença (públicos e/ou privados) – proporcionalidade dos efeitos da decisão de concessão ou da sua recusa.
As providências cautelares visam impedir que durante a pendência de qualquer processo principal a situação se altere de modo a que a decisão nela proferida, sendo favorável ao requerente, perca a sua eficácia, assim obviando a que a decisão judicial não se torne numa decisão platónica ou desprovida de sentido útil.
O requisito do periculum in mora encontrar-se-á preenchido sempre que exista o fundado receio que quando o processo principal termine, a decisão que vier a ser proferida já não venha a tempo de dar resposta às situações jurídicas carecidas de tutela, seja porque a evolução das circunstâncias durante a pendência do processo tornou a decisão inútil, seja porque tal evolução gerou ou conduziu à produção de danos dificilmente reparáveis.
Deste modo, interessa como parâmetro decisório do primeiro segmento do critério previsto na al. b) do nº 1 do nº 120º do CPTA, respeitante ao periculum in mora, aferir da existência de um perigo de inutilidade da decisão a proferir no processo principal, ainda que meramente parcial, pela constituição de uma situação de facto consumado ou pelo receio de se produzirem prejuízos de difícil reparação.
Para tanto, deve o julgador proceder a um juízo de prognose ou de probabilidade das razões que determinam o receio de inutilidade da sentença a proferir na acção principal, pelo perigo da constituição de uma situação de facto consumado ou de se produzirem prejuízos de difícil reparação.
No que respeita ao perigo de, sendo a providência recusada, tornar-se impossível ou difícil, proceder à reintegração da situação conforme à legalidade, em caso de procedência do processo principal, este pressuposto relaciona-se com a possibilidade de se produzirem prejuízos de difícil reparação, considerando que, contrariamente ao sentido da “ideia antiga”, como refere Vieira de Andrade, obra cit., pág. 299, não se afere esta dificuldade de reparação à possibilidade de avaliação ou quantificação pecuniária dos danos, mas antes à dificuldade de reintegração da situação que deveria existir caso o acto administrativo não tivesse sido praticado ou executado.
Assim, contrariamente ao entendimento anterior à reforma do contencioso administrativo, não procede à luz do novo regime, para afastar a dificuldade de reparação desses prejuízos, a exigência da irreparabilidade dos danos ou o argumento de os prejuízos serem susceptíveis de avaliação pecuniária ou passíveis de indemnização.
Contudo, não é um qualquer perigo que pode fundar o decretamento duma providência cautelar, porquanto se terá de exigir um perigo qualificado e que derive ou decorra da delonga processual.
Do ponto de vista do periculum in mora, a providência também deve ser concedida quando, mesmo que não seja de prever que a reintegração, no plano dos factos, da situação conforme à legalidade se tornará impossível, os factos concretos alegados inspirem o fundado receio da produção de prejuízos de difícil reparação no caso de a providência ser recusada, seja porque a reintegração no plano dos factos se perspectiva difícil, seja porque pode haver prejuízos que, em qualquer caso, se produzirão ao longo do tempo e que a reintegração da legalidade não é capaz de reparar ou, pelo menos, de reparar integralmente.
Os prejuízos de difícil reparação serão os que advirão do não decretamento da pretensão cautelar conservatória requerida e que, pela sua irreversibilidade, tornam extremamente difícil a reposição da situação anterior à lesão, gerando danos que, sendo susceptíveis de quantificação pecuniária, a sua compensação se revela insuficiente para repor ou reintegrar a esfera jurídica das requerentes.
Quando se trata de aferir da possibilidade de se produzirem prejuízos de difícil reparação, o critério é o da maior ou menor dificuldade que envolve o restabelecimento da situação que deveria existir se a conduta ilegal não tivesse tido lugar, devendo o juiz ponderar as concretas circunstâncias do caso em função da utilidade da sentença e não decidir com base em critérios abstractos.
Aliás e como refere J. C. Vieira de Andrade o “juiz deve, pois, fazer um juízo de prognose, colocando-se na situação futura de uma hipotética sentença de provimento, para concluir se há, ou não, razões para recear que tal sentença venha a ser inútil, por entretanto se ter consumado uma situação de facto incompatível com ela, ou por se terem produzido prejuízos de difícil reparação para quem dela deveria beneficiar, que obstam à reintegração específica da sua esfera jurídica” (in “A Justiça Administrativa (Lições)”, 11.ª edição, pág. 305).
Estar-se-á em presença duma situação de facto consumado quando se revele de todo em todo impossível a reintegração específica da esfera jurídica da requerente, tendo por referência a situação jurídica e de facto para ela existente no momento da respectiva lesão.
Assim, o STA sustentou no seu Acórdão de 31/10/2007, proc. n.º 0471/07 que numa “acepção lata, todo o facto acontecido consuma-se «qua tale», dada a irreversibilidade do tempo; mas não é obviamente esse o sentido da expressão da lei. Na economia do preceito, o «facto» será havido como «consumado» por referência ao fim a que se inclina a lide principal, de que o meio cautelar depende; e isto significa que só ocorre uma «situação de facto consumado» quando, a não se deferir a providência, o estado de coisas que a acção quer influenciar ganhará entretanto a irreversível estabilidade inerente ao que já está terminado ou acabado – ficando tal acção inutilizada «ex ante»”.
No mesmo sentido, o Acórdão do STA de 02/12/2009, proc. n.º 0438/09.
Na consideração dos prejuízos, devem ser atendidos todos os prejuízos relevantes para os interesses do requerente, independentemente de o perigo respeitar a interesses públicos ou privados, individuais ou colectivos.
Na caracterização do “fundado receio” releva o receio que seja “apoiado em factos que permitam afirmar, com objectividade e distanciamento, a seriedade e actualidade da ameaça e a necessidade de serem adoptadas medidas tendentes a evitar o prejuízo. Não bastam, pois, simples dúvidas, conjecturas ou receios meramente subjectivos ou precipitados assentes numa apreciação ligeira da realidade, embora, de acordo com as circunstâncias, nada obste a que a providência seja decretada quando se esteja ainda face a simples ameaças advindas do requerido, ainda não materializadas, mas que permitam razoavelmente supor a sua evolução para efectivas lesões” (cfr. António S. Abrantes Geraldes in: “Temas da Reforma do Processo Civil, vol. III, 3.ª ed., pág. 103).
Por isso, obedecem a um maior rigor a apreciação dos factos integradores do requisito do periculum in mora, visto que a qualificação legal do receio como fundado visa restringir a adopção das medidas cautelares, evitando a concessão indiscriminada de protecção meramente cautelar, com o risco inerente de obtenção de efeitos que só podem ser obtidos através das acções principais.
Considerando o enquadramento antecedente, relativo à determinação do conceito de periculum in mora importa, então, reverter ao caso em análise.
Alega o recorrente que do acto suspendendo decorrem prejuízos pessoais comprovados, mas, contudo, nenhuns prejuízos, patrimoniais ou não patrimoniais, foram dados por provados na matéria de facto assente, a qual não foi impugnada pelo recorrente.
Se à luz do disposto no nº 1 do artº 514º do CPC, poderiam dar-se por provados os prejuízos de natureza pessoal alegados pelo requerente, designadamente, de em consequência do acto suspendendo – que determina a sua mobilidade do Comando Local da Polícia Marítima de Lisboa, para o Comando Local da Polícia Marítima de Ponta Delgada –, ficar afastado da sua família, deixar de poder colaborar com a sua mulher na gestão da vida familiar e deixar de acompanhar as actividades escolares dos seus filhos, o certo é que não logrou o requerente fazer a demonstração desses factos, designadamente, quanto a ser casado e a ter filhos menores de idade – artº 362º e segs. do CC.
Pelo que, não resultam demonstrados quaisquer prejuízos como consequência directa da execução do acto suspendendo e, consequentemente, o fundado receio da produção de prejuízos de difícil reparação, nos termos da al. b) do nº 1 do artº 120º do CPTA.
Atenta a matéria de facto demonstrada em juízo e a fundamentação vertida na decisão judicial impugnada, temos que se afigura de improceder a argumentação desenvolvida pelo recorrente, inexistindo no caso a demonstração na sua esfera jurídica duma situação passível de configurar ou integrar o conceito de periculum in mora em qualquer das situações que são pelo mesmo abarcadas.
Da factualidade demonstrada nos autos nada decorre acerca da produção de prejuízos de difícil reparação para os direitos e interesses do ora recorrente ou sequer quanto ao fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado, de molde a se poder concluir, com segurança, pela demonstração do requisito do periculum in mora.
Conclui-se, portanto, que a factualidade apurada não permite sustentar a existência do periculum in mora, exigido pelo nº 1 do art. 120.º do CPTA, razão pela qual se impunha ao tribunal a quo e se impõe nesta instância, indeferir a presente providência cautelar.

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Em consequência, não se dando por demonstrado ou preenchido o requisito do periculum in mora, previsto na 1ª parte, da alínea b), do nº 1, do artº 120º do CPTA, temos que se torna inútil a análise dos demais requisitos exigidos, tidos legalmente como cumulativos, para o decretamento da presente providência.

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Pelo exposto, será de julgar improcedente o recurso, por não provados os seus respectivos fundamentos.

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Sumariando, nos termos do nº 7 do artº 713º do CPC, conclui-se da seguinte forma:I. Cotejados os normativos legais, não existe cominação legal expressa que determine a nulidade da sentença, derivada da preterição da notificação ao requerente das oposições e dos documentos juntos, apresentadas pelos requeridos.
II. A inobservância dessa formalidade legal, é susceptível de gerar ou não nulidade, na medida em que “possa influir no exame ou na decisão da causa”, o que será aferido caso a caso, mediante ponderação do juiz.
III. O regime consagrado na lei processual civil e administrativa, configura a legitimidade como pressuposto processual, aferido em face da utilidade ou prejuízo e, portanto, pelo interesse que da procedência ou improcedência da acção pode advir para as partes, tendo presente a relação material controvertida tal como é desenhada pelo autor na petição inicial.
IV. Sendo o acto cuja suspensão de eficácia se requer um acto de gestão de recursos humanos, praticado pelo Comandante Geral da Polícia Marítima, que não é um órgão das Forças Armadas, mas antes uma autoridade/força policial e de polícia criminal, criada na estrutura do Sistema da Autoridade Marítima e integrado na estrutura operacional da Direcção-Geral da Autoridade Marítima e, por isso, do Ministério da Defesa Nacional, apresenta-se com legitimidade passiva para estar em juízo, nos termos do artº 10º, nºs. 1, 2 e 4 do CPTA, o Ministério da Defesa Nacional.
V. A circunstância da oposição ter sido apresentada em nome de um órgão é irrelevante, desde que esse órgão pertença à pessoa colectiva ou ao Ministério que foi citado para deduzir oposição, que tem conhecimento do requerimento inicial, e que tem legitimidade passiva.
VI. Assumindo o conhecimento na presente instância cautelar natureza sumária e perfunctória e não sendo sua finalidade concluir pela (in)verificação dos vícios alegados, assim julgando a legalidade do acto suspendendo, não é de exigir do tribunal a quo uma tomada de posição expressa e inequívoca sobre cada uma das diferentes causas de pedir alegadas, mas tão só que aprecie da “manifesta ilegalidade do acto”, por recurso a um juízo de ponderação sobre a procedência da pretensão requerida.
VII. O requisito do periculum in mora previsto na alínea b), do nº 1, do artº 120º do CPTA, encontrar-se-á preenchido sempre que exista o fundado receio que a decisão judicial proferida na acção principal não seja apta a dar resposta adequada à pretensão objecto de litígio, seja porque a evolução das circunstâncias durante a pendência do processo tornou a decisão inútil, seja porque tal evolução gerou a produção de danos dificilmente reparáveis.

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Por tudo quanto vem de ser exposto, acordam os Juízes do presente Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, por não provados os seus respectivos fundamentos, mantendo a decisão de não decretamento da providência cautelar de suspensão de eficácia de acto administrativo proferida.Custas pelo recorrente.
Registe e notifique.

(Ana Celeste Carvalho - Relatora)(Maria Cristina Gallego Santos)
(António Paulo Vasconcelos)




Maria da Conceição Ventura n 2099

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