segunda-feira, 14 de maio de 2012

"Independentemente de ter interese pessoal na demanda" - A Acção Popular

"INDEPENDENTEMENTE DE TER INTERESSE PESSOAL NA DEMANDA" - A ACÇÃO POPULAR

O Capítulo II "Das Partes", da Parte Geral do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), respeita à legitimidade - activa no artº 9º, nº 1 e nº 2 - passiva no artº 10º.  É a legitimidade activa, que inicia logo a sua singularidade ao ser incluida na Parte Geral do CPTA, devendo-se tal inclusão à  relevância das suas especificidades no contencioso administrativo, que vamos de modo simples abordar, concretamente o nº 2 deste artº 9º, que embora não expressamente mencionada, se refere à chamada "acção popular".

Figura cuja origem remonta ao Direito Romano, nunca deixou de estar presente no nosso ordenamento jurídico, evidentemente que com outro sentido e âmbito.  Para dar um exemplo, vejamos  como a ensinava  o Prof. Marcello Caetano, seu "Manual de Direiro Administrativo" de 1956, na parte relativa à "Teoria Geral da Relação Jurídico-Administrativa" - 96. - "Os indivíduos como sujeitos da relação jurídico-administrativa" - (...) "Além disso há casos em que a lei autoriza quaisquer indivíduos a, em determinadas circunstâncias, proceder como se fossem orgãos de uma pessoa administrativa, em benefício desta.  Trata-se de uma espécie de gestão de negócios, cujo exemplo típico é a acção popular autorizada aos contribuintes para intentar acções judiciais destinada a manter, reivindicar e reaver bens ou direitos (patrimoniais, entende-se) das autarquias locais em cujo território tenham domicílio e que reputem usurpados ou lesados" (...).

A acção popular é uma acção judicial, sendo nesse sentido, a expressão do direito fundamental de acesso aos Tribunais, mas é diferente em relação às demais modalidads de acções, pelo alargamento dos critérios que determinam a legitimidade para a respectiva propositura.

Como refere o nº 2 do artº 9º do CPTA - é conferido a um conjunto de entidades "qualquer pessoa, bem como as associações e fundações defensoras dos interesses em causa, as autarquias locais e o Ministério Público" legitimidade para o exercício, (propondo e intervindo, quer em processo principais quer em providências cautelares), no âmbito do contencioso administrativo, do direito à acção popular, para a "defesa de valores e bens constitucionalmente protegidos, como a saúde pública, o ambiente, o urbanismo, o ordenamento do território, a qualidade de vida, o património cultural e os bens do Estado, das Regiões Autónomas e das autarquias locais", sem que tenham qualquer interesse pessoal ou individual. 
Exercício do direito à acção popular que é reconhecido constitucionalmente, pelo disposto no artº 52º, nº 2, e que a Lei 83/95, de 31 de Agosto, regulamentou, e que contém, em termos gerais, o direito de participação procedimental e de acção popular, um regime próprio de representação e tramitação processual, acrescentando, ainda esse direito às autarquias locais mas em relação aos interesses de que sejam titulares residentes na área da respectiva circunscrição (artº 2º, nº 2 da citada Lei).  Quando o artº 9º, nº 2 refere e "nos termos previstos na lei", faz a remissão para esta Lei, em particular para os seus artºs 2º, 3º e como se verá 13º e ss.

Ensina o Sr. Prof. Vieira de Andrade no seu Manual "A Justiça Administrativa" que as "acções populares" não parecem ser concebidas pelo CPTA como tipos especiais de acções, mas como espécies qualificadas relativas a vários tipos de acções, fazendo a distinção entre:  i) a acção popular local que é uma espécie qualificada das impugnações de actos administrativos, admissível apenas relativamente a esse pedido, prevista no nº 2 do artº 55º;  ii) e a acção popular social (as decorrentes do nº 2 do artº 9º do CPTA), que concretiza (e amplia), o estabelecido no nº 3 do artº 52º da CRP, e que são verdadeiras acções populares, podendo tomar qualquer das formas e integrar qualquer dos pedidos principais previstos no CPTA, ou seja, serem acções administrativas especiais populares, acções administrativas comuns populares ou até processos urgentes populares, correspondente ao respectivo regime do CPTA.

Para além das acções tradicionais de impugnação de actos administrativos, podem também ser deduzidos, no exercício da acção popular:  i) pedidos relativos à validade (artº 40º, nº 1 al. b), ou à execução de contratos (artº 40º, nº 2 al. d) "Legitimidade em acções relativas a contratos" (acção administrativa comum);  ii)  a condenação à prática e actos devidos (artº 68º, nº 1, al. d);  iii) ou em relação à responsabilidade civil por danos ambientais (a Lei de Bases do Ambiente contém elementos específicos da acção popular, sendo a iniciativa processual do Ministério Público).

Quanto às pessoas singulares e demais entidades que têm legitimidade activa para o exercício da acção popular, para a defesa dos valores e bens constitucionalmente protegidos, uma vez que a acção popular só opera quando se verifiquem estes dois requisitos:  i) o relativo à legitimidade activa; ii) outro relativo ao objecto (o elenco dos bens ou valores que podem ser tutelados através desta forma de acção), vejamos cada uma delas.

Iniciamos com as associações e fundações que têm que ser "defensoras dos interesses em causa", conforme dispõe o nº 2 do artº 9º CPTA e o artº 3º da Lei 83/95, precisa, como requisitos, a sua personalidade jurídica, a inclusão expressa nas suas atribuições ou nos seus objectivos estatutários a defesa dos interesses em causa no tipo de acção de que se trate, bem como não exercer uma actividade profissional concorrente com empresas ou profissionais liberais, só podendo defender interesses segundo um princípio da especialidade ou relativos à area da sua intervenção principal (por ex.:  o ambiente, o património natural,..)

Em relação às autarquias locais, conforme o artº 2º, nº 2 da Lei 83/95, têm titularidade do direito de acção popular, limitadas, contudo, aos intereses de que sejam titulares residentes na área da respectiva circunscrição, segundo um princípio de territorialidade.  Substituiem os cidadãos residentes na área de circunscrição, sempre que esteja em causa algum dos interesses ou valores mencionados no artº 9º, nº 2 do CPTA.

O Ministério Público, mencionado na Lei 83/95, nos artº 13º e 16º surge neste contexto como auxiliar de justiça.  O artº 3, nº 1, al. e) dos Estatutos do Ministério Público, conferem-lhe essa competência.  Este orgão surge como uma mais valia, um modo de aproveitamento da sua capacidade técnica e de competências no âmbito do contencioso, por forma a reforçar o controlo jurisdicional dos interesses difusos, partindo do pressuposto que o interesse social que está na base da acção popular é de algum modo idêntico ao interesse geral de legalidade que ao Ministério Público cabe particularmente defender nos termos estatutários.

Por fim "qualquer cidadão no gozo dos seus direitos civis e políticos" (artº 2º, nº 1, da Lei 83/95) e "Independentemente de ter interesse pessoal na demanda"... "qualquer pessoa", conforme o nº 2 do artº 9º, do CPTA, pode propor e intervir  juntos dos tribunais administrativos em defesa dos valores enunciados no nº 2 do artº 9º, lançando mão, para as diferentes pretensões, das diferentes formas processuais contidas no CPTA.

Como referido anteriormente a Lei 83/9, estabelece um regime próprio de representação e de tramitção procesual, mais propriamente nos seus artºs 13º e ss., quanto à admissão da petição inicial, a representação processual, a citação dos titulares, da instrução, da eficácia dos recursos jurisdicionais e dos efeitos do caso julgado.  De notar, contudo, que estes são apenas alguns aspectos da tramitação processual, a que não corresponde um processo especial acabado.  Essas especialidades devem ser incorporadas, em cada caso, no regime que for aplicável segundo as regras gerais.  Relembrando a remissão que o nº 2 do artº 9º faz para a Lei 83/95 ("nos termos previstos na lei"), significa que os poderes de propor e intervir aí previstos serão exercidos observando, para além das regras gerais, as regras especificas de tramitação e sobre a decisão judicial que resultam da Lei 83/95, nos seus artºs 2º, 3º e artº 13º e ss. respectivamente

Ana Oliveira
Nº 17127
  

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