sábado, 5 de maio de 2012


Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo: 00461/07.7BEPRT

Secção: 1ª Secção - Contencioso Administrativo

Data do Acordão: 13-08-2007

Tribunal: TAF do Porto

Relator: Drº Carlos Luís Medeiros de Carvalho

Descritores: INTIMAÇÃO PASSAGEM CERTIDÃO
PROCESSO LICENCIAMENTO
AUSÊNCIA JURISDIÇÃO SOBRE PROCESSO

Sumário: I. O dever de passar certidões por parte da Administração apenas se pode impor ou reportar a documentos ou elementos que tenham existência real ou a documentos previamente existentes ao requerimento que o interessado lhe dirija e que estejam na disponibilidade da entidade administrativa a quem o pedido de certidão é dirigido, não servindo este meio processual para produzir novos actos e documentos ou a obrigar a Administração a praticar tais novos actos.
II. Estando o processo administrativo de licenciamento existente apenso a processo judicial pendente no TAF não têm os serviços da Câmara Municipal o dever de passar quaisquer certidões desse processo administrativo. *

* Sumário elaborado pelo Relator

Data de Entrada: 04-07-2007
Recorrente: Município de Vila Nova de Gaia e outro
Recorrido 1: M...
Votação: Unanimidade

Meio Processual: Intimação para prestação de informações, consulta de documentos e passagem de certidões (CPTA) - Recurso Jurisdicional


Aditamento:
Parecer Ministério Publico: Conceder provimento ao recurso
1
Decisão Texto Integral: Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
1. RELATÓRIO
MUNICÍPIO DE VILA NOVA DE GAIA/PRESIDENTE DA CÂMARA MUNICIPAL DE VILA NOVA DE GAIA inconformado veio interpor recurso jurisdicional da sentença do TAF do Porto, datada de 23/04/2007, que julgou procedente a intimação para passagem de certidão contra o mesmo deduzida por M… e M…, e o intimou a prestar as informações por estes pretendidas no prazo de 10 dias após notificação da decisão judicial ora em recurso.
Formula, nas respectivas alegações (cfr. fls. 53 e segs. - paginação processo em suporte físico tal como as referências posteriores a paginação salvo expressa indicação em contrário), as seguintes conclusões:
“...
1ª - A sentença recorrida, com o devido respeito, viola o disposto nos artigos 511.º e 659.º do CPC, ex vi artigo 1.º do CPTA, incorre na nulidade prevista na alínea d) do n.º 1 do artigo 668.º do CPC, e padece de erro de julgamento por violação do disposto no artigo 104.º do CPTA e artigos 62.º e 63.º do CPA.
2ª - A sentença ao não considerar, como se impunha, os factos referidos e alegados nos artigos 5.º, 6.º, 10.º, 11.º e 12.º da Resposta, provados por documentos e não objecto de impugnação, viola o disposto nos artigos 511.º e 659.º do CPC ex vi artigo 1.º do CPTA, pelo que deve a matéria de facto ser ampliada.
3ª - Tais factos são relevantes e determinantes para a decisão da causa uma vez que a entidade requerida não pôs em causa o direito à informação dos requerentes mas apenas a impossibilidade de, no momento, emitir a certidão e a inutilidade da mesma, no caso de ser para juntar àquela acção administrativa especial.
4ª - A sentença ao não se pronunciar sobre as questões alegadas pela entidade requerida - inutilidade na emissão da certidão por o original do documento cuja certificação se pretendia se encontrar no processo administrativo junto com a acção administrativa especial, possibilidade dos requerentes procederem à consulta do processo no tribunal e nele solicitar a certidão e inexistência da obrigação de emitir a certidão - incorreu na nulidade prevista na alínea d) do n.º 1 do artigo 668.º do CPC, pelo que deve ser revogada.
5ª - Estas questões deviam ser apreciadas porque são pertinentes para se considerar se se encontram preenchidos os requisitos do artigo 104.º do CPTA.
6ª - Perante a impossibilidade material do processo administrativo se encontrar no Tribunal e não estar na disponibilidade da entidade requerida, não existe obrigação de emitir a certidão solicitada.
7ª - O processo administrativo encontra-se junto a processo judicial em que o requerente é parte e onde já solicitou a junção do mesmo requerimento e foi informado que o mesmo se encontrava no processo administrativo apenso, pelo que o presente pedido de intimação se revela inútil.
8ª - Assim, in casu, não se encontram preenchidos todos os requisitos de que o artigo 104.º do CPTA faz depender a intimação, pelo que a sentença ao decidir como decidiu violou este normativo e os artigos 62.º e 63.º do CPA, devendo ser revogada ...”.
Termina peticionando o provimento do recurso e a revogação da decisão judicial recorrida.
Os requerentes, ora recorridos, não apresentaram contra-alegações (cfr. fls. 63 e segs.).
A Mm.ª Juiz “a quo” sustentou a respectiva decisão quanto à arguida nulidade da sentença (cfr. fls. 69).
O Ministério Público (MºPº) junto deste Tribunal notificado nos termos e para efeitos do disposto nos arts.146.º e 147.º ambos do CPTA apresentou parecer onde sustentou a procedência do recurso jurisdicional (cfr. fls. 75 e 76), parecer esse que objecto de contraditório não mereceu qualquer resposta (cfr. fls. 77 e segs.).
Sem vistos, dado o disposto no art. 36.º, n.ºs 1, al. c) e 2 do CPTA, foi o processo submetido à Conferência para julgamento.

2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo recorrente, sendo certo que, pese embora por um lado, o objecto do recurso se acha delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos arts. 660.º, n.º 2, 664.º, 684.º, n.ºs 3 e 4 e 690.º, n.º 1 todos do Código de Processo Civil (CPC) “ex vi” art. 140.º do CPTA, temos, todavia, que, por outro lado, nos termos do art. 149.º do CPTA o tribunal de recurso em sede de recurso de apelação não se limita a cassar a sentença recorrida, porquanto ainda que declare nula a sentença decide “sempre o objecto da causa, conhecendo de facto e de direito”, pelo que os recursos jurisdicionais são “recursos de ‘reexame’ e não meros recurso de ‘revisão’” [cfr. Prof. J. C. Vieira de Andrade in: “A Justiça Administrativa (Lições)”, 8ª edição, págs. 459 e segs.; Prof. M. Aroso de Almeida e Juiz Cons. C. A. Fernandes Cadilha in: “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, 2.ª edição revista, págs. 850 e 851, nota 1; Dr.ª Catarina Sarmento e Castro em “Organização e competência dos tribunais administrativos” - “Reforma da Justiça Administrativa” in: “Boletim da Faculdade de Direito Universidade de Coimbra - Stvdia ivridica 86”, págs. 69/71].
As questões suscitadas pelo recorrente resumem-se, em suma, em determinar se na situação vertente a decisão recorrida ao deferir o pedido de intimação para passagem de certidão incorreu, por um lado, em nulidade [cfr. art. 668.º, n.º 1 al. d) do CPC] e, por outro, em violação ou não do disposto nos arts. 511.º, 659.º do CPC, 62.º e 63.º do CPA, e 104.º do CPTA [cfr. alegações e conclusões supra reproduzidas].

3. FUNDAMENTOS
3.1. DE FACTO
Da decisão recorrida resultaram provados os seguintes factos:
I) Por requerimento de 23/01/2007, registado sob o número 1600/07, dirigido ao Presidente da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, os autores requereram “lhes seja passada certidão do alegado requerimento registado sob o n.º 2940/05 referente ao Processo de obras n.º 1146/2000 - Lever, da qual conste: data da apresentação do mesmo requerimento, conteúdo integral desse requerimento e pretensão nele formulada” (cfr. doc. de fls. 1 junto com a petição inicial, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
II) Por ofício de 26/01/2007 o Director Municipal informou os autores que “por despacho do Senhor Vereador A… de 25 de Janeiro de 2007 …, foi determinado notificá-lo que não é possível fornecer o solicitado uma vez que o original processo de obras particulares n.º 1146/00, em nome de M…, se encontra na posse do Tribunal” (cfr. doc. de fls. 1 junto com a contestação, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
III) A presente intimação foi remetida ao Tribunal por fax de 22/02/2007 (cfr. fls. 3 dos autos).
«»
3.2. DE DIREITO
Assente a factualidade que antecede cumpre, agora, efectuar a sua subsunção ao regime jurídico vigente.
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3.2.1. Da arguida nulidade da sentença
O recorrente sustenta, por um lado, que a sentença lavrada nos autos enferma da nulidade prevista no art. 668.º, n.º 1, al. d) do CPC porquanto não conheceu ou não emitiu pronúncia sobre as questões invocadas no articulado de oposição sob os arts. 07.º a 15.º (que a entidade requerida não estava obrigada a emitir a certidão; que os requerentes podiam proceder à consulta do processo no tribunal e nele solicitar a certidão e que ocorria inutilidade na emissão da certidão por o original do documento cuja certificação se pretendia se encontrar no processo administrativo junto com a acção administrativa especial).
Apreciemos da procedência da arguida nulidade.
Estipula-se no art. 668.º do CPC, sob a epígrafe de “Causas de nulidade da sentença”, que:
“1 - É nula a sentença:
… d) Quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento; ...”.
As situações de nulidade da decisão encontram-se legalmente tipificadas no art. 668.º, n.º 1 do CPC, cuja enumeração é taxativa (cfr., entre outros, Ac. do STJ de 25/11/2004 - Proc. n.º 04B3540 in: “www.dgsi.pt/jstj”), comportando causas de nulidade de dois tipos: uma causa de carácter formal [art. 668.º, n.º 1, al. a) CPC] e várias causas respeitantes ao conteúdo da decisão [art. 668.º, n.º 1, als. b) a e) CPC].
Note-se, todavia, que a qualificação como nulidade de sentença de ilegalidades integradoras de erro de julgamento não impede o Tribunal de proceder à qualificação jurídica correcta e apreciar, nessa base, os fundamentos do recurso (cfr. Acs. do STA de 17/03/1992 - Proc. n.º 26.955 in: Ap. DR de 30/09/1994, págs. 215 e segs.; de 13/02/2002 - Proc. n.º 47.203, de 20/10/2004 - Proc. n.º 748/03, de 10/03/2005 - Proc. n.º 46.862 in: «www.dgsi.pt/jsta»).
Ora o tribunal deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (cfr. arts. 660.º, n.º 2 CPC e 95.º do CPTA), sendo que é relativamente e por relação com tais comandos legais que se terá de aferir a nulidade prevista na al. d) do n.º 1 do art. 668.º do CPC (cfr. Ac. STJ de 25/09/2003 - Proc. n.º 03B659 in: “www.dgsi.pt/jstj”).
Trata-se, nas palavras do Prof. M. Teixeira de Sousa (in: “Estudos sobre o novo Processo Civil”, Lex, Lx 1997, págs. 220 e 221) do “... corolário do princípio da disponibilidade objectiva (art. 264.º, n.º 1 e 664.º 2.ª parte)” que “significa que o tribunal deve examinar toda a matéria de facto alegada pelas partes e analisar todos os pedidos formulados por elas, com excepção apenas das matérias ou pedidos que forem juridicamente irrelevantes ou cuja apreciação se tornar inútil pelo enquadramento jurídico escolhido ou pela resposta fornecida a outras questões.
“(...) Também a falta de apreciação de matéria de conhecimento oficioso constitui omissão de pronúncia.”
Questões para este efeito são “... todas as pretensões processuais formuladas pelas partes que requerem decisão do juiz, bem como os pressupostos processuais de ordem geral e os pressupostos específicos de qualquer acto (processual) especial, quando realmente debatidos entre as partes …” (cfr. Prof. A. Varela in: RLJ, Ano 122.º, pág. 112) e não podem confundir-se “... as questões que os litigantes submetem à apreciação e decisão do tribunal com as razões (de facto ou de direito), os argumentos, os pressupostos em que a parte funda a sua posição na questão …” (cfr. Prof. J. Alberto dos Reis, in: “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, pág. 143).
Daí que as questões suscitadas pelas partes e que justificam a pronúncia do Tribunal terão de ser determinadas pelo binómio causa de pedir-pedido.
Como sustenta igualmente o Prof. M. Teixeira de Sousa (in: ob. cit., págs. 220 e 221) “... O tribunal não tem de se pronunciar sobre todas as considerações, razões ou argumentos apresentados pelas partes, desde que não deixe de apreciar os problemas fundamentais e necessários à decisão da causa. (...) Verifica-se, pelo contrário, uma omissão de pronúncia e a consequente nulidade [art. 668.º, n.º 1, al. d) 1.ª parte] se na sentença, contrariando o disposto no art. 659.º, n.º 2, o tribunal não discriminar os factos que considera provados (...) ou se abstiver de apreciar a procedência da acção com fundamento numa das causas de pedir invocadas pelo autor. (...).
Se o autor alegar vários objectos concorrentes ou o réu invocar vários fundamentos de improcedência da acção, o tribunal não tem de apreciar todos esses objectos ou fundamentos se qualquer deles puder basear uma decisão favorável à parte que os invocou. (...)
Em contrapartida, o tribunal não pode proferir uma decisão desfavorável à parte sem apreciar todos os objectos e fundamentos por ela alegados, dado que a acção ou a excepção só pode ser julgada improcedente se nenhum dos objectos ou dos fundamentos puder proceder”.
As decisões proferidas pelos tribunais administrativos no exercício da sua função jurisdicional dirimem um conflito de interesses (públicos e/ou privados), o qual terá de se inserir no âmbito das chamadas “relações jurídicas administrativas” (cfr. arts. 01.º e 04.º do ETAF).
As mesmas conhecem do pedido e da causa de pedir, ditando o direito para aquele caso concreto, pelo que a decisão (sentença/acórdão) pode estar viciada de duas causas que poderão obstar à eficácia ou validade da dicção do direito:
- Por um lado, pode ter errado no julgamento dos factos e do direito e então a consequência é a sua revogação;
- Por outro, como acto jurisdicional, pode ter atentado contra as regras próprias da sua elaboração e estruturação ou contra o conteúdo e limites do poder à sombra da qual é decretada e então torna-se passível de nulidade, nos termos do art. 668.º do CPC.
Revertendo ao caso em presença temos que improcede “in totum” a arguida nulidade.
Explicitemos o nosso entendimento.
Da análise da sentença recorrida e sem prejuízo da análise de fundo da mesma, que também constituiu fundamento material do presente recurso jurisdicional, resulta que a Mm.ª Juiz “a quo” em sede de pronúncia sobre os requisitos para o deferimento ou indeferimento do pedido entendeu que, “in casu”, estavam reunidos os pressupostos para a concessão do direito à informação aos aqui ora recorridos, direito esse que teria sido postergado com a conduta do ora recorrente, razão pela qual deferiu a pretensão que havia sido deduzida, inferindo-se da mesma que não fazia sentido a tese e posicionamento sustentado pelo recorrente no articulado de oposição deduzido nos autos.
Refere-se na decisão judicial recorrida a dado passo o seguinte: “… Sendo certo que a entidade requerida não deu satisfação ao solicitado pelos autores no prazo de 10 dias, ou posteriormente, a questão que se coloca é tão só a de saber se é pertinente o argumento pela mesma aduzido para o efeito, a saber, que se mostra impossível emitir a certidão pedida pois que a mesma respeita a um processo administrativo junto como processo instrutor à Acção Administrativa Especial n.º 529/05.4BEPRT, pelo que o mesmo se encontra no Tribunal.
Ora, manifestamente não é esse um argumento válido e apto a justificar a não emissão da certidão. É que, não é pelo facto de o processo administrativo – do qual se pretende seja extraída certidão – se encontrar em Tribunal que a entidade requerida deixa de ter acesso ao mesmo e até de o poder requisitar pelo período necessário com vista a satisfazer o pedido dos autores.
… Tendo a presente intimação sido apresentada em 22/02/2007, encontra-se preenchido o último requisito do qual a lei faz depender o deferimento da intimação.
Em face do exposto, concluímos estarem reunidos todos os pressupostos de que a lei faz depender o direito à informação procedimental …”.
Ora tal pronúncia nos termos em que se mostram expressos, ainda que de forma sucinta e reconhece-se em parte implícita, tem-se, todavia, como suficiente e legal.
Com efeito, o que importa é que o tribunal decida a questão posta, não se lhe impondo apreciar todos os fundamentos ou razões em que as partes se apoiam para sustentar as respectivas pretensões ou posições e muito menos que conheça de questões cujo conhecimento ficou prejudicado com a apreciação que foi feita previamente.
Daí que não se vislumbra que a Mm.ª Juiz “a quo” tenha deixado de conhecer de todas as questões que, no caso, deveria ter conhecido ou que tenha emitido pronúncia quanto a questões que não constituíssem objecto do dever de conhecer por parte do tribunal, sendo certo que na sentença recorrida aquela Sr.ª Juiz se conteve dentro dos limites daquilo que constituía o seu dever de pronúncia.
Pelo exposto, no caso em apreço não ocorre a nulidade assacada à decisão judicial em crise, improcedendo a sua arguição [conclusões 01.ª) - em parte -, 04.ª) e 05.ª) das alegações].
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3.2.2. Dos fundamentos de mérito do recurso
Argumenta o recorrente enquanto fundamento material de recurso que a decisão judicial recorrida fez errado julgamento de facto porquanto, no caso, deveriam ter sido dados como provados factos alegados na oposição por relevantes para a decisão da causa (que o documento que os requerentes pretendem que seja certificado consta do POP 1146/00; que este POP encontra-se junto, como processo instrutor, na acção administrativa especial 529/05.4BEPRT; que os requerentes da presente intimação são contra-interessados naquela acção administrativa; que os requerentes naquela acção já tinham pedido a junção do documento que agora requerem a certidão; e que os mesmos já tinham sido informados, nesse processo, que o mesmo se encontrava junto ao processo instrutor) e, por outro, incorreu em erro de julgamento de direito por haver feita má interpretação e aplicação do disposto nos arts. 104.º do CPTA, 62.º e 63.º do CPA.
=
3.2.2.1. Do erro no julgamento de facto
Temos para nós que a tese sustentada pelo recorrente não pode proceder porquanto a realidade factual fixada se mostra suficiente.
Explicitemos e fundamentemos o nosso posicionamento.
De facto considerada a realidade factual fixada e o que da mesma se pode inferir, mormente, da reprodução da resposta ao pedido de emissão de certidão referido em II) temos que a realidade factual antecedente não se mostra carecer de ser elencada na e para a apreciação da acção, visto a mesma em parte se poder considerar e inferir ainda que implicitamente da factualidade já fixada ou não relevar de interesse para a própria apreciação da pretensão subjacente à acção “sub judice” à luz das várias soluções jurídicas configuráveis para a mesma.
Daí que improcede igualmente este fundamento de recurso [conclusões 01.ª) - em parte -, 02.ª) e 03.ª) das alegações].
=
3.2.2.2. Do erro no julgamento de direito
Por fim, sustenta o recorrente que a decisão judicial enferma de erro na interpretação e aplicação dos arts. 104.º do CPTA, 62.º e 63.º do CPA porquanto ao julgar procedente a pretensão formulada pelos aqui recorridos incorreu em violação dos aludidos normativos.
Analisemos, avançando-se, desde já, que assiste razão ao recorrente neste fundamento de impugnação, pelo que deveria ter improcedido a pretensão de intimação deduzida pelos aqui recorridos.
Este nosso entendimento justifica-se ou assenta na seguinte argumentação/motivação.
A Lei Fundamental consagra o princípio da liberdade de informação, que integra o direito de informar, de se informar e de ser informado, sem impedimentos, censura ou discriminações (cfr. art. 37.º, n.ºs 1 e 2 da CRP), sendo que nos termos do n.º 2 do art. 48.º do texto constitucional todos os cidadãos têm o direito de ser esclarecidos sobre os actos das entidades públicas.
O direito à informação dos administrados, consagrado no citado art. 268.º, n.ºs 1 e 2 da CRP, assume natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias consagrados na Lei Fundamental (cfr. Prof. Gomes Canotilho in: “Direito Constitucional”, 7.ª edição, pág. 404; Acs. do STA de 10/07/1997 - Proc. n.º 42.448, de 23/07/1997 - Proc. n.º 42.546 in: «www.dgsi.pt/jsta»; Ac. do TCA Norte de 23/08/2005 - Proc. n.º 00554/05.5BEPRT in: «www.dgsi.pt/jtcn»).
Tal direito, da forma ampla e generosa como está consagrado no texto constitucional, engloba um número alargado de direitos “instrumentais”, nomeadamente a consulta do processo, a transcrição de documentos e a passagem de certidões, estando intimamente ligado com o direito de participação em procedimentos administrativos.
No art. 268.º da CRP prevê-se, entre os direitos dos administrados, o direito dos cidadãos serem informados pela Administração sempre que o requeiram sobre o andamento de processos em que sejam directamente interessados, bem como o de conhecer as resoluções definitivas que sobre eles forem tomadas (cfr. n.º 1 - direito à informação procedimental), e, bem assim, o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, sem prejuízo do disposto na lei em matérias referentes à segurança interna e externa, à intimidade das pessoas, à investigação criminal (cfr. n.º 2 - direito à informação não procedimental).
Com efeito, porque o direito estrito à informação se exerce normalmente no âmbito de um procedimento administrativo em curso, enquanto que o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos se reporta vulgarmente a procedimentos administrativos já findos, a doutrina, tendo em vista uma imediata distinção destas duas espécies do genérico direito à informação, passou a designá-los, respectivamente de "procedimental" e "não procedimental".
Tratam-se de realidades diversas que importa distinguir e ter presente já que o direito à informação procedimental decorre ou tem assento nos arts. 61.º a 64.º do CPA e o direito à informação não procedimental ou direito de acesso a arquivos e registos da Administração está previsto no art. 65.º do CPA e na Lei n.º 65/93 (LADA) (com as alterações decorrentes das Leis n.º 8/95, de 29/03, n.º 94/99, de 16/07, e n.º 19/06, de 12/06), sendo que o primeiro pressupõe a existência de um processo pendente e um interesse directo ou interesse legítimo do requerente, a definir e precisar ulteriormente, ao passo que no segundo é conferido a todas as pessoas.
Temos, pois, que a distinção entre informação procedimental e não procedimental assenta no tipo de informação que está em causa, na qualidade de quem a solicita e no distinto objectivo que se pretende atingir com a sua tutela.
Constituindo duas formas alternativas de concretizar o princípio geral da publicidade ou transparência da Administração, estreitamente conexionadas no alcance desse objectivo, o critério de distinção que mais releva é o tipo de informação pretendida: “ao passo que o primeiro direito concebe-se no quadro subjectivo e cronológico de um procedimento administrativo concreto, o segundo existirá independentemente de estar em curso qualquer procedimento administrativo” (cfr. Prof. Sérvulo Correia, em “O direito à Informação e os Direitos de Participação dos Particulares no Procedimento”, e, em especial, na Formação da Decisão Administrativa, Legislação, in: Cadernos de Ciência de Legislação, n.ºs 9-10, 1994, pág. 135).
Neste critério, o direito à informação tem natureza procedimental quando a informação pretendida está contida em factos, actos ou documentos de um concreto procedimento em curso; tratando-se de acesso a documentos administrativos contidos em procedimentos já findos ou a arquivos ou registos administrativos, neste caso, mesmo que se encontre em curso um procedimento, o direito à informação tem natureza não procedimental.
As duas modalidades de informação cumprem objectivos distintos: enquanto a informação procedimental visa a tutela de interesses e posições subjectivas directas daqueles que intervêm (ou podem intervir) num procedimento, a informação não procedimental visa proteger o interesse mais objectivo da transparência administrativa.
Ora dos considerandos tecidos dúvidas não se nos colocam na caracterização e qualificação de que o tipo de informação pretendida pelos aqui ora recorridos se tratava e trata de informação procedimental.
De harmonia com o preceituado nos arts. 268.º da CRP, 61.º e segs. do CPA, arts. 104.º e segs. do CPTA temos que, actualmente, o requerente para ver deferida a sua pretensão terá de demonstrar e estar provado que:
a) Deu entrada de requerimento em harmonia com o disposto nos arts. 61.º e segs. do CPA;
b) A Administração Pública através da entidade a quem foi dirigido tal requerimento tenha indeferido, ainda que só parcialmente, a sua pretensão de forma expressa ou de forma tácita;
c) O requerente tenha deduzido o presente meio processual contencioso de intimação no prazo de 20 dias contados nos termos do art. 105.º do CPTA, sendo detentor de direito a acesso à informação à luz do que se disciplina nos arts. 61.º e segs. do CPA;
d) A matéria não esteja abrangida pela previsão do art. 62.º, n.º 2 do CPA.
Na verdade, a Administração está vinculada à passagem, em 10 (dez) dias úteis, de certidão ou à autorização da consulta de documentos a requerimento dos interessados a fim de lhes ser permitido o uso dos meios administrativos ou contenciosos, sendo que tal obrigação ou dever apenas comporta a excepção prevista no referido art. 62.º do CPA e demais legislação avulsa que disciplina a matéria dos segredos ali aludidos.
Decorrido que se mostre aquele prazo para a passagem de certidão e sem que a mesma se mostre passada o interessado dispõe, então, do prazo de 20 (vinte) dias para intentar a presente acção de intimação para prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões (cfr. arts. 104.º e 105.º do CPTA).
Preceitua-se no citado art. 104.º que “quando não seja dada integral satisfação aos pedidos formulados no exercício do direito à informação procedimental ou do direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, o interessado pode requerer a intimação da entidade administrativa competente …” (n.º 1), sendo que “o pedido de intimação é igualmente aplicável nas situações previstas no n.º 2 do artigo 60.º e pode ser utilizado pelo Ministério Público para o efeito do exercício da acção pública ...” (n.º 2).
Prosseguindo na análise da questão e não existindo dúvidas quanto ao preenchimento dos requisitos supra enunciados sob as als. a), c) e d) importa centrar a nossa apreciação na existência “in casu” dum indeferimento ilegal e ilegítimo por parte da Administração na satisfação do direito de acesso à informação dos aqui recorridos.
Ora o dever de passar certidões por parte da Administração apenas se pode impor ou reportar a documentos ou elementos que tenham existência real ou a documentos previamente existentes ao requerimento que o interessado lhe dirija e que estejam na disponibilidade da entidade administrativa a quem o pedido de certidão é dirigido não servindo este meio processual acessório para produzir novos actos e documentos ou a obrigar a Administração a praticar tais novos actos.
A entidade requerida, aqui ora recorrente, não deu satisfação ao pedido de emissão de certidão que os recorridos lhe dirigiram por não deter naquele momento a disponibilidade do procedimento administrativo em causa visto o mesmo se encontrar apenso a processo judicial pendente no TAF do Porto.
Constitui jurisprudência pacífica a de que o pedido de passagem de certidão tem como pressuposto que a certidão é sempre um documento emitido em face de um documento original preexistente.
Na verdade, as certidões são documentos emitidos por entidades públicas que atestam a existência ou inexistência de um certo documento ou registo. A entidade administrativa reproduz, transcreve ou resume total ou parcialmente (consoante seja de teor ou narrativa) o conteúdo do documento ou declara que certo documento não existe (certidão negativa).
É certo que os documentos administrativos a que os interessados têm acesso não são apenas os que têm origem ou são detidos por órgãos da Administração, mas também a sua reprodução e o direito de serem informados sobre a sua existência e conteúdo.
Não obstante, o alcance e extensão da obrigação da autoridade requerida deve aferir-se tendo em atenção que a certidão é sempre um documento emitido face a um original que comprova ou revela o que consta dos seus arquivos, processos ou registos, e não declaração de ciência ou juízo de valor baseado em factos que constem dos seus arquivos ou preexistam no seu conhecimento.
Ora, não existirá o dever de informação para a Administração, nem o processo de intimação pode ser accionado, se for requerida certidão de factos que não estão contidos em documentos pré-constituídos e existentes no serviço solicitado e este os não tiver na sua disponibilidade física e jurídica. A Administração só está vinculada a passar a certidão e o tribunal só a pode intimar se existir documento contendo a informação a certificar e aquela o tiver na sua disponibilidade (física e jurídica).
Tal como entendeu o STA no seu acórdão de 06/10/1994 (Proc. n.º 35674 in: Ap. DR de 18/04/1997, págs. 6770 e segs.) a Administração não tinha o dever de passar certidão relativamente a pedido de acesso e/ou de obtenção de certidão de processo administrativo existente num ministério mas que havia sido entregue à PGR.
Pode ler-se na sua fundamentação o seguinte: “… com a remessa do processo para esta entidade, a autoridade recorrida deixou de ter, ao menos, momentaneamente, a disponibilidade do processo.
… Mas ainda que não se colocasse uma questão de segredo de justiça, a entidade recorrida não tendo a disponibilidade do processo, não podia passar qualquer certidão.
Com efeito, nesse caso, era uma impossibilidade material que a impedia de o fazer. É certo que ela não estava dispensada de o fazer quando o processo regressasse à sua disponibilidade para decidir, se fosse a entidade competente.
Mas enquanto o processo está na posse e disponibilidade de outra entidade esta e só esta pode passar as respectivas certidões.
É que não só, no caso, a entidade recorrida não é obrigada a ter cópia do processo, como este pode já ter uma configuração diferença daquela que tinha depois de ter saído da sua disponibilidade …” (vide, neste sentido, Dr. José Renato Gonçalves in: “Acesso à informação das entidades públicas, págs. 38 a 40 e 190).
Assim, não detendo o recorrente a disponibilidade do procedimento administrativo no qual alegadamente se encontrava inserido o documento cuja certificação se peticiona visto o mesmo estar na detenção/posse do TAF do Porto não poderia aquele ter sido intimado a emitir a pretendida certidão.
Daí que não se mostrando reunidos os requisitos para o deferimento da pretensão dos ora recorridos a decisão judicial impugnada não pode manter-se, impondo-se a sua revogação.
Assim, procede este fundamento material do recurso jurisdicional “sub judice” [conclusões 01.ª) - em parte -, 06.ª) a 08.ª) das alegações].

4. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes deste Tribunal em:
a) Conceder provimento ao recurso jurisdicional e revogar a decisão judicial recorrida;
b) Julgar totalmente improcedente o pedido de intimação para emissão de certidão deduzido contra o ente requerido, com as legais consequências.
Sem custas dada a isenção legal objectiva [arts. 02.º e 73.º-C, n.º 2, al. b) do CCJ e 189.º do CPTA].
Notifique-se.
D.N.

Após trânsito em julgado restitua-se ao ilustre mandatário do recorrente o suporte informático gentilmente disponibilizado.

Processado e revisto com recurso a meios informáticos (cfr. art. 138.º, n.º 5 do CPC “ex vi” art. 01.º do CPTA).

Porto, 13 de Agosto de 2007
Ass. Carlos Luís Medeiros de Carvalho
Ass. Maria do Céu Dias Rosa das Neves
Ass. José Luís Paulo Escudeiro


Maria da Conceição Ventura - nº 2099
Marco António André – nº 9327

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