quarta-feira, 23 de maio de 2012

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:05279/09
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:23-02-2012
Relator:TERESA DE SOUSA
Descritores:ACÇÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL
ACTO ANULÁVEL
CADUCIDADE DO DIREITO DE ACÇÃO
Sumário:I – Se está em causa nos autos uma diferença remuneratória assente em diferente interpretação do no DL. nº 56/81, conjugado com o Despacho Conjunto datado de 12.12.2001, que pode consubstanciar um vício de violação de lei, por ofensa dos referidos diploma e Despacho Conjunto;

II - Tal vício a verificar-se determina a anulabilidade dos despachos impugnados, de acordo com o que estabelece o art. 135º do CPA, devendo a presente acção ter sido intentada no prazo de três meses a contar da notificação (cfr. arts. 58º, nº 2, al b), 59º, nº 1 e 69º, nº 2, todos do CPTA);

III - No caso dos autos não está em causa a ofensa do conteúdo essencial do “direito à retribuição ajustada ao pessoal em funções junto das embaixadas”, mas apenas a diferente interpretação das partes sobre se os abonos remuneratórios devem ser processados a partir de certa altura em dólares americanos ou em euros, pelo que não estamos perante a nulidade prevista na alínea d) do nº 2 do art. 133º do CPA .
Aditamento:

1

Decisão Texto Integral:Acordam na 1ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul

Vem interposto recurso da sentença do TAC de Lisboa que julgou procedente a excepção deduzida de caducidade do direito de acção.
Em alegações são formuladas as seguintes conclusões:
A) Os recorrentes exerceram um direito de acção na defesa de direitos retributivos, designadamente de abonos pelo exercício da sua actividade de adidos junto de embaixadas portuguesas no estrangeiro;
B) O escopo da lei que determina a atribuição desses efeitos retributivos visa inegavelmente proporcionar aos destinatários desses abonos uma existência condigna, face aos elevados custos suplementares que têm que suportar por estarem ausentes da sua residência em Portugal como ainda proporcionar-lhes uma existência condigna de acordo com os estatuto profissional que a qualidade de adidos lhes confere;
C) Anteriormente ao despacho de 12.12.2001, os recorrentes auferiam esses abonos mediante pagamento em dólares norte-americanos;
D) O dólar norte-americano, como é público, sofreu uma forte desvalorização face à entrada do EURO em vigor;
E) Por Despacho conjunto do MNE e Ministro da Finanças de 12.12.2001 foi determinado que a partir de 1.1.2002 os montantes finais de todos os abonos, subsídios ou remunerações pagos a qualquer título, ao pessoal diplomático, pessoal especializado, pessoal dos serviços externos do MNE e qualquer outro pessoal colocado no estrangeiro passaria a ser pagos em EURO;
F) A retribuição do trabalho é um dos elementos essenciais da relação jurídica de trabalho, sendo que no caso a lei estipula as condições entendidas como essenciais para que o pessoal afecto a embaixadas portuguesas no estrangeiro exerçam a sua actividade com dignidade e de forma a garantir com justiça uma existência condigna e a reparar danos pelos custos suplementares que essa situação importa.
G) Assim, a recusa da entidade da entidade recorrida em agir de acordo com o estipulado relativamente ao pagamento dos abonos do pessoal afecto a embaixadas constitui uma violação a um conteúdo essencial de um direito fundamental dos recorrentes, a saber o direito à retribuição ajustada ao pessoal em funções junto de embaixadas.
H) A entidade recorrida não obedeceu a este despacho, continuando a pagar aos recorrentes os abonos em dólares norte-americanos, em flagrante violação da lei e do direito fundamental à retribuição justa e equitativa, consagrado na lei e na Constituição Portuguesa, face ao estatuto de adidos dos recorrentes;
I) Os recorrentes foram prejudicados pessoalmente, suportando encargos e custos face à desvalorização do dólar norte-americano como ainda face aos demais agentes diplomáticos, sendo pois a conduta da entidade recorrida injusta e violadora do principio da igualdade e da proporcionalidade.
J) O artigo 133º nº 1 e 2, al. d) do CPA prevê que os actos que ofendam o conteúdo essencial de um direito fundamental é nulo;
K) A nulidade é invocável a todo o tempo – artº 134º do CPA e artº 58º nº 1 do CPTA;
L) A doutrina e jurisprudência dominante, senão unânime, incluindo a doutrina e jurisprudência invocada na Douta sentença recorrida admite como direitos fundamentais os direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores como direitos fundamentais subsumíveis ao disposto no artº 133º nº 2. al. a) do CPA, quer por aplicação directa, que em nossa opinião é o caso, do disposto na alínea a) nº 1 do artº 59º da CRP, quer por considerar uma extensão do principio da igualdade e da justiça, quer no âmbito da concretização do conceito núcleo essencial do direito fundamental.
M) Pelo exposto, a acção interposta pelos recorrentes foi apresentada tempestivamente, pelo que o Meritíssimo Juiz a quo deveria ter ordenado o prosseguimento dos autos até decisão sobre o mérito da causa.
N) A Douta sentença recorrida violou assim a lei, designadamente o disposto nos artºs 13º, 20º, 59º nº1 al. a) da CRP, os artº 3º, 4º, 5º, 6º, 12º, 133º nº 1 e 2. al. d) e artº 134º do CPA.

Em contra-alegações são formuladas as seguintes conclusões:
1. A questão fulcral do diferendo entre A.A. e a entidade Ré tem a ver com o diferencial entre os abonos/suplementos remuneratórios recebidos em dólares norte-americanos e os que consideram que teriam a receber se lhes fosse aplicada a conversão em euros prevista no Despacho Conjunto de 12.12.2001;
2. A recusa da entidade Recorrida em proceder ao pagamento daqueles abonos/suplementos remuneratórios em euros não constitui uma violação ao conteúdo essencial do direito à retribuição, pelo que os actos administrativos impugnados não ofenderam o conteúdo essencial do direito fundamental da retribuição, pelo que não configuram a nulidade prevista na al. d) do nº 2 do art. 133º do CPA e consequentemente, a possibilidade da sua impugnação a todo o tempo (al. d do nº 2 do art. 133º do CPA e nº 1do art. 58º do CPTA);
3. O conteúdo essencial de um direito fundamental traduz-se na tutela do
"núcleo duro" da Constituição, o qual jamais em caso algum deverá ser invadido, funcionando como uma baliza última de defesa de direitos liberdades e garantias, para efeitos da al. d) do n° 2 do art. 133° do CPA, considera-se apenas os direitos, liberdades e garantias e os direitos de natureza análoga previstos na CRP, com excepção dos direitos económicos, sociais e culturais desprovidos dessa natureza;
4. Donde, respeitando o diferendo em causa a um eventual direito relativo ao diferencial para euros dos abonos/suplementos remuneratórios já pagos aos recorrentes em dólares norte-americanos, tal como refere a Douta sentença recorrida, "não se inclui no núcleo duro da CRP e, consequentemente, a sua eventual violação não acarreta a nulidade do acto, mas a mera anulabilidade", pelo que da verificação das "datas de notificação dos Autores (1º A. em 14.05. 2008 e 2º A. 16.7.2008) e da propositura da acção (2.12.2008), imperioso é concluir que o prazo enunciado para impugnar os actos anuláveis se revela esgotado. Pelo que procede a excepção da caducidade do direito de acção, determinante da absolvição do Réu, tudo nos termos dos art. 89º nº 1 al. h) do CPTA e 493º nº 3 e 496º do CPC aplicável ex vi art 1º do CPTA";
5. A entidade Recorrida ao ter um entendimento diferente dos Recorrentes sobre a moeda em que devem ser pagos os abonos/suplementos remuneratórios, não procedeu de forma injusta nem violadora dos princípios da igualdade e da proporcionalidade, como alegam os Recorrentes, para tal teria de ficar provado que os actos praticados a aplicar a lei estavam viciados e que a entidade Recorrida tratou de forma desigual o que era igual e não agiu de forma proporcional aos objectivos a realizar, o que não o que aconteceu nos autos, nem este recurso, dado o seu objecto, é a sede própria para essa apreciação;
6. E mesmo que, por mera hipótese, tivessem sido ofendidos os princípios da igualdade e da proporcionalidade há que atender a que na " violação de normas constitucionais, tratando-se de violação de comandos e princípios jurídicos, ressalvando indicação expressa em sentido contrário, a forma de invalidade que lhe corresponde é a da anulabilidade, tal como resulta do artigo 135°, pelo que não havendo ofensa do conteúdo essencial de um direito fundamental não pode concluir-se pela nulidade do acto impugnado;
7. Não tendo os actos impugnados ofendido o conteúdo essencial do direito à retribuição, apenas, eventualmente, poderiam enfermar de vício de violação de lei, gerador de anulabilidade (art. 135º do CPA), pelo que a acção administrativa especial teria de ser intentada no prazo de três meses a contar da notificação dos actos de indeferimento aos A.A. (arts 58º, nº 2, al. b), 59º nº 1 e 69º nº 2 do CPTA);
8. Não tendo os A.A., ora Recorrentes, intentado a acção administrativa especial no prazo de três meses, verifica-se a sua intempestividade com a consequente caducidade do direito de acção, o que leva à absolvição da entidade Ré da instância (art. 89°, nº. 1, al. h) do CPTA);
9. Pelo que a Douta sentença recorrida não violou a lei, como alegam os
Recorrentes, “designadamente o disposto nos arts 13º, 20º, 59 nº 1 al. a) da CRP, os arts. 3º, 4º, 5º, 6º, 12º, 133º nºs 1 e 2 al. d) e art. 134º do CPA”, razão pela qual é insusceptível de qualquer reparo a decisão sub judice, porquanto observou a legalidade e aplicou com rigor e isenção o direito.

Foi dado cumprimento ao disposto no art. 146º, nº 1 do CPTA.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

Os Factos
A decisão recorrido considerou provados os seguintes factos com relevância para a decisão da excepção invocada, sendo a respectiva numeração de nossa autoria:
1 - Em 7.5.2008, o Réu proferiu despacho de indeferimento do pedido de pagamento ao autor da diferença a apurar entre montantes abonados e os resultantes da aplicação da taxa de conversão fixada pelo Banco de Portugal, a partir de 1.1.2002;
2 – Em 14.5.2008, o 1º Autor foi notificado do despacho de indeferimento da sua pretensão;
3 – Em 15.6.2008, o Réu proferiu despacho de indeferimento do pedido deduzido pelo 2º autor de pagamento dos abonos de representação em moeda Euro;
4 – Em 16.7.2008, o 2º autor foi notificado do despacho de indeferimento da sua pretensão;
5 – Em 2.12.2008, os autores intentaram a presente acção em juízo.

O Direito
A sentença recorrida julgou procedente a excepção deduzida de caducidade do direito de acção, prevista no art. 89º, nº 1, al. h) do CPTA.
Os Recorrentes alegam que a acção que interpuseram foi apresentada tempestivamente, por estar em causa na presente acção a defesa de direitos fundamentais, sendo como tal admitidos os direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores, subsumíveis ao disposto no art. 133º, nº 2, al d) do CPA, pelo que o Meritíssimo Juiz a quo deveria ter ordenado o prosseguimento dos autos até decisão sobre o mérito da causa, tendo a sentença recorrida violado assim a lei, designadamente o disposto nos artºs 13º, 20º, 59º nº1 al. a) da CRP, os artº 3º, 4º, 5º, 6º, 12º, 133º nº 1 e 2. al. d) e artº 134º do CPA.

Vejamos.
A questão em causa nos autos é a de saber se a presente acção foi tempestivamente intentada, por o direito aos abonos/suplementos remuneratórios peticionados configurar o direito fundamental à retribuição, sendo subsumível à previsão do art. 133º, nº 2, al. d) do CPA, pelo que, uma vez que o aqui Recorrido continuou a pagar aos Recorrentes aqueles abonos em dólares norte-americanos em vez de o fazer em euros, violou o conteúdo essencial daquele direito, o que determina a nulidade dos actos em causa nos autos, sendo, como tal, invocável a todo o tempo.
Mais alegaram no art. 48º da p.i., existir uma vontade dirigida à prática de uma ilegalidade objectiva e resultante de uma vontade intencionalmente dirigida. Concluíram que os actos impugnados são nulos.
Do assim alegado resulta que os Autores imputam aos actos impugnados a ofensa ao disposto no DL. nº 56/81, conjugado com o Despacho Conjunto datado de 12.12.2001.
Notificados da excepção deduzida vieram os Autores fundamentar a invocada nulidade dos actos “numa clamorosa e artificiosa violação da lei em detrimento do direito fundamental dos Autores à remuneração”, sendo que a recusa de remuneração constitui escravatura, e esta é crime (cfr. arts. 3º e 4º da resposta a fls. 175 a 179).
Como claramente resulta do que vem de se expor o que está em causa nos autos é uma diferença remuneratória assente em diferente interpretação do diploma legal e Despacho Conjunto acima indicados, que pode consubstanciar um vício de violação de lei, por ofensa dos referidos diploma e Despacho Conjunto.
Tal vício a verificar-se determina a anulabilidade dos despachos impugnados, de acordo com o que estabelece o art. 135º do CPA, devendo a presente acção ter sido intentada no prazo de três meses a contar da notificação (cfr. arts. 58º, nº 2, al b), 59º, nº 1 e 69º, nº 2, todos do CPTA).
No entanto, os Recorrentes alegam que os actos administrativos impugnados são nulos por ofenderem o conteúdo essencial do direito fundamental da retribuição, nulidade que pode ser invocada a todo o tempo.
Dispõe o art. 59º da CRP o seguinte:
1 – Todos os trabalhadores, sem distinção de idade, sexo, raça, cidadania, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, têm direito:
a) A retribuição do trabalho, segundo a quantidade, natureza e qualidade, observando-se o princípio de que para trabalho igual salário igual, de forma a garantir uma existência condigna.
Ora, no caso dos autos não está, sem qualquer dúvida, em causa a ofensa do conteúdo essencial do “direito à retribuição ajustada ao pessoal em funções junto das embaixadas”, mas apenas a diferente interpretação das partes sobre se os abonos remuneratórios devem ser processados a partir de certa altura em dólares americanos ou em euros.
Como se refere na sentença recorrida sobre se é de considerar que no caso se pode ter por verificada a ofensa de um direito fundamental por eventual ofensa ao seu conteúdo essencial, integrando nesse caso a previsão da alínea d) do nº 2 do art. 133º do CPA:
«Acerca do alcance da citada expressão, doutrina e jurisprudência evidenciam uma unívoca interpretação do citado preceito, segundo o qual o escopo do legislador traduz-se na tutela do “núcleo duro” da Constituição, o qual jamais em caso algum deverá ser invadido, funcionando como uma baliza última de defesa de direitos, liberdades e garantias (cfr José Cardoso da Costa, “ A hierarquia das normas constitucionais, a sua função na protecção dos direitos fundamentais “ in BMJ, nº 396, pg 93 e Vieira de Andrade in “Os Direitos fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, pg 318 e sg e Ac STA 41984 e 46459). A este nível Vieira de Andrade frisa que tal conteúdo essencial será violado sempre que se descaracterize a ordem de valores que esse domínio a Constituição positiva (cfr ob. cit., pg 318). Escalpelizando o assunto, interessa precisar com exactidão o seu alcance, decifrando se a expressão “direito fundamental” tem um conteúdo restrito ou mais abrangente. N a senda da posição sufragada por Freitas do Amaral, com a qual anuímos, para efeitos da alínea em análise, considera-se apenas os direitos, liberdades e garantias e os direitos de natureza análoga previstos na CRP, com excepção dos direitos económicos, sociais e culturais desprovidos dessa natureza (cfr Cod do procedimento Administrativo, 2ª ed, pg 212).
Donde impõe-se concluir que estando em causa o eventual direito a um suplemento remuneratório, este não se inclui no núcleo duro da CRP e, consequentemente, a sua eventual violação não acarreta a nulidade do acto, mas mera anulabilidade.».
O assim decidido não merece censura, sendo de confirmar integralmente.
Efectivamente, nos autos nem sequer está em causa o direito à percepção dos abonos, mas tão-só, o eventual direito ao diferencial para euros dos mesmos suplementos remuneratórios já pagos aos Recorrentes em dólares norte-americanos.
Assim, não pode entender-se que esse diferencial se possa incluir “no núcleo duro da CRP”, pelo que a impugnação dos actos que indeferiram o pagamento dessas diferenças remuneratórias, por eventual ilegalidade, por feridos de vício de violação de lei, teria que ter sido deduzida no prazo de três meses, a contar da notificação aos Autores dos despachos de indeferimento, atento o disposto no art. 58º, nº 2, al. b) do CPTA.
Ora, tendo o 1º Autor sido notificado do despacho de indeferimento da sua pretensão em 14.05.2008 e o 2º Autor em 16.07.2008, e sendo a presente acção intentada apenas 02.12.2008, caducou o direito de acção, o que constitui a excepção dilatória prevista na alínea h) do nº 1 do art. 89º do CPTA, que obsta ao prosseguimento do processo, determinando a absolvição da instância do réu (cfr. arts 89º, nº 1, corpo e 88º, nº 4 do CPTA).
Improcedem, consequentemente, todas as conclusões dos Recorrentes, não tendo a sentença recorrida violado os arts. 3º, 20º, 59º nº1 al. a) da CRP e os arts. 3º, 4º, 5º, 6º, 12º do CPA, cuja aplicação não pode sequer ser objecto do presente recurso, por se estar perante uma questão de caducidade do direito de acção de actos anuláveis (art. 135º do CPA) e não nulos, por não ser aplicável o disposto no art. 133º, nºs 1 e 2, al d) do CPA, nos termos supra expostos.

Pelo exposto, acordam em:
a) – negar provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida;
b) – condenar os Recorrentes nas custas, fixando a taxa de justiça em 4 UC, já com redução a metade (arts. 73º-D, nº 3 e 73º-E, nº 1, al. b) CCJ).

Lisboa, 23 de Fevereiro de 2012
Teresa de Sousa
António A. Coelho da Cunha
Cristina dos Santos
A. Ricardo Botelho
Subturma 2
Aluno 17894

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