quarta-feira, 23 de maio de 2012

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul

Processo: 08765/12
Secção: CA-2ºJuizo
Data do Acórdão: 17/05/2012
Relator: COELHO DA CUNHA

1. Relatório

SUP- Sindicato Unificado da Polícia de Segurança Pública, com os demais sinais, vem, em defesa do seu associado Jorge …………… e, ao abrigo das disposições conjugadas do artigo 1º, in fine, do CPTA e artigo 688º do CPC, reclamar do despacho de 29.02.2012, da Mmª Juiz “a quo”, que, por extemporaneidade, não lhe admitiu o recurso interposto nos autos que correm termos na 1ª U.O. do TAC de Lisboa, sob o nº2353/11.6BELSB.
Para tanto, alega, em síntese, que a não admissão desse articulado viola de forma grave o princípio do contraditório e configura uma decisão que se traduz num dano irreparável, na medida em que fica coarctada a possibilidade de recorrer da decisão de 1ª instância, pois só veio a saber, no despacho de que ora reclama, que os presentes autos, distribuídos na 4ª espécie e tramitados até à prolação da sentença como acção administrativa especial, tinham sido redistribuídos na 12ª espécie (outros processos urgente).
O reclamando foi notificado para se pronunciar, mas nada disse.
Cumpre decidir.
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2. Fundamentação
Emerge dos autos as seguintes ocorrências processuais:
A) Em 31.08.2011 o SUP- Sindicato Unificado da Policia de Segurança Pública (doravante, Sindicato, Autor ou reclamante) apresentou no TAC de Lisboa, em representação e defesa do seu associado, Jorge ……………….., uma acção administrativa especial relativa a anulação de acto administrativo e condenação à prática de acto devido, contra o Ministério da Administração Interna, pedindo, entre o mais, que a citação do R. fosse efectuada por mandatário judicial. (cfr. fls.2 a 29 do processo principal)
B) A acção foi distribuída na 4ª espécie, no dia 01.09.2011. (cfr. fls.1, ibidem)
C) Em data não apurada, mas anterior ao dia 16 de Setembro de 2011, o A. veio juntar aos autos uma certidão da citação do R., efectuada em 02.09.2011, donde consta, designadamente “Fica …. , por este meio CITADO (A), nos termos do artº81º do CPTA, para no prazo de 30 dias, decorrida que seja a dilação de 5 dias, contestar, querendo, a ACÇÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL, intentada no TAC de Lisboa…”, . (cfr. fls.38 e 39, ibidem)
D) Por ter dúvidas quanto à citação efectuada pelo A., em 16.09.2011, a secção de processos solicitou a intervenção da juiz titular. (cfr. fls.34, ibidem)
E) Nesse mesmo dia, a Mmª Juiz “a quo” profere o seguinte despacho:
“ O presente processo tem carácter urgente, atento o disposto no artº48º, nº1, parte final, do D.L. 503/99, de 20/11, pelo que o mesmo deveria ter sido distribuído na 12ª espécie e não na 4ª espécie.
Nestes termos, e tendo em conta o disposto no artº220º, al.a) do CPC, proceda-se a nova distribuição, dando-se baixa da anterior (ou seja, não se trata de uma mera alteração de espécie).
Digitalize”.(cfr. fls.35, ibidem)
F) O despacho referido em E) não foi notificado às partes e os autos foram à distribuição em 19.09.2011, sendo redistribuídos na 12ª espécie (cfr. fls.40, ibidem) .
G) Em 20.09.2011, o Tribunal considerou a citação do R. “validamente efectuada” e, as partes foram disso notificadas (cfr. fls.42/43 45/46, ibedem).
H) Em 07.10.2011, o R. deu entrada da contestação na secretaria do TCA de Lisboa, o A. respondeu às excepções invocadas e a 09.11.2011 as partes foram notificadas para apresentar alegações escritas sucessivas no prazo de 20 dias, (cfr. despacho de fls.87, que aqui se dá por integralmente reproduzidas e fls.89/90).
I) Nesta acção foi proferida sentença, que foi notificada às partes, por carta expedida em 30.12.2011, (e não 2012, como por lapso conta da folha de registo) a coberto do registo dos CTT - RM 5596 0688 0PT,a qual foi recepcionada no escritório do mandatário do A. a 02/01/2012 (vide fls.39 e 60 a 62 dos presentes autos e 147e 148 dos autos principais).
J) Inconformado com o decidido, A., e aqui reclamante, em 13.02.2011, interpõe recurso jurisdicional da sentença aludida em I), para este TCAS (vide fls.41 a 59 dos presentes autos e fls 152 a 171, dos autos principais).
K) Por despacho de 29.02.2012, a Mm° Juiz "a quo" não admitiu o recurso, como base na seguinte argumentação:
Considerando que o presente processo, distribuído inicialmente como acção administrativa especial, foi redistribuído na 12ªespécie - Outros Processos Urgentes.
Considerando que os processos urgentes correm em férias e o prazo de recurso é de 15 dias (cfr. o nº2 do artigo 36º e nº1 do artigo 147º, do CPTA),
Considerando que a sentença proferida nos autos foi notificada ao mandatário do A. em 2.10.2012 (cfr. de fls-.147 e 195 idem);
Em 13.2.2012, quando foi apresentado o recurso da sentença que antecede, há muito que tinha decorrido o prazo para o efeito.
Temos pelos quais se decide não admitir o recurso e determinar o seu desentranhamento dos autos e consequente devolução ao apresentante”. (vide fls.26 dos presentes autos)
L) É este o despacho reclamado.
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3. Direito Aplicável
A presente reclamação tem por fundamento a discordância do reclamante relativamente ao despacho proferido em 29.02.2012 (alínea K) do probatório), pelo qual a Mmª Juiz a quo decidiu não admitir, por extemporâneo, o recurso apresentado pelo Sindicado. E, isto por ter considerado que o requerimento recursório deu entrada na Secretária do TAC de Lisboa em momento em que já se encontrava ultrapassado o prazo de quinze dias previsto no artigo 147º nº1, do CPTA, aqui aplicável por estarmos no âmbito de um processo urgente.
Mas o reclamante assim não o entende, considera que o prazo a ter em conta é o vertido no nº1 do artigo 144º do CPTA, isto é, de 30 dias, pois, segundo afirma, não teve conhecimento, até à data em que foi notificado do despacho aqui reclamado, que a petição inicial distribuída na 4ª espécie, tinha sido redistribuída na 12ª. Não soube, diz, nem o podia saber, uma vez que o Tribunal “a quo” não só validou a citação que efectuou, como ainda tramitou os autos, como se de um processo urgente não se tratasse.
Vejamos o que dizer.
Resulta do probatório, concretamente, da alínea E), que a Mmª Juiz “a quo”, arrimadando-se ao disposto no artigo 220º al.a) do CPC, por ter entendido que houve erro na distribuição da petição inicial dos autos principais, ordenou que a mesma fosse redistribuída em espécie processual diferente daquela em que primeiramente o havia sido, transmutando-se, assim, o r.i., da 4ª para a 12ª espécie processual, mais precisamente, de acção administrativa especial relativa a anulação de acto administrativo e condenação à prática de acto devido para processo cautelar.
Está bem de ver que a redistribuição da petição inicial em forma processual diferente, daquela (diga-se) que foi a escolhida pelo o A., teve como consequência imediata a alteração do prazo para a prática dos actos processuais, pois estamos agora, no âmbito de um processo urgente, que tem tramitação autónoma, (cfr. artºs 113º, nº2 do CPTA) com a consequente e óbvia repercussão no prazo de interposição do recurso, que é, para esses processos, o prazo previsto no artigo 147º nº1 do CPTA, ou seja, o de 15 dias.
Como se viu, e o Tribunal “a quo” não nega – porque validou a citação efectuada ao R., em momento posterior ao despacho em que ordenou a redistribuição da p.i.o processo principal seguiu, até ao despacho de não admissão do recurso, a tramitação prevista no art. 46 nº1 do CPTA, ou seja, obedeceu … à tramitação regulada no capítulo IIIdo título III, desse diploma.
Ora, o despacho de que agora se reclama, de não admissão do recurso, por se ter entendido que já tinha sido ultrapassado o prazo de 15 dias que a lei concede para se reagir, quando cabível, contra uma decisão desfavorável proferida em processo urgente, configura, a nosso ver, uma decisão surpresa. E, nem se diga que a digitalização determinada no despacho de 16.09.2011 (que ordena a redistribuição da p.i.) e a consequente publicação na página informática do Ministério da Justiça (cfr. artigo 219º nº2 do CPC) é em sim só suficiente para que se dê o reclamante por notificado de tal despacho.
Não se desconhece que quando a Secretaria Judicial efectua notificações electrónicas às partes, ao abrigo do disposto no nº4 do art.21-A da Portaria nº 114/2008 (introduzido pela Portaria nº 1538/2008, de 30.12 ) está dispensada de as realizar por qualquer outro meio (nº2 do citado artigo), porém não resulta dos autos que a Secretaria se tenha socorrido deste normativo, nem da lei resulta que a parte esteja, continuamente, obrigada a consultar a pauta da distribuição, disponibilizada por via informática. Acresce referir que o A. teve conhecimento do nº de processo que coube à p.i e da Unidade Orgânica a que foi distribuída, em momento anterior ao despacho que ordenou a redistribuição, conforme resulta das alíneas B) e C) da factualidade assente, donde não é exigível nem espectável que o A. continuasse a consultar a pauta de distribuição.
Ressalta ainda do já dito, que o “erro” cometido pelo A. ao escolher uma forma processual inadequada à pretensão deduzida, foi mantido pelo Tribunal “ a quo”, desde logo, quando após o despacho que ordena a redistribuição, valida a citação do R, efectuada nos termos dos artigos 233º nº3 e 245º e 246º, todos do CPC. ( cfr. alineas )
Assim sendo, somos forçados a concluir, sob pena de repetição, que a decisão que não admite o recurso com o fundamento, de que à data de entrada do requerimento de interposição de recurso já se tinha esgotado o prazo que, nos processos urgentes, a lei concede às partes para se oporem a uma decisão que lhes é desfavorável, ou seja, 15 dias (cfr. artigo 147º nº1 do CPTA) essa decisão, configura uma decisão-surpresa, que o artigo 3º, nº3 do CPC tem como finalidade declarada evitar, proibindo-as.
O artigo 3º nº. 3 do C. Processo Civil estipula que o Juiz deve observar e fazer cumprir ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.
O princípio do contraditório, que é um dos princípios fundamentais do nosso direito processual civil, assegura não só a igualdade das partes, como, no que aqui interessa, é um instrumento destinado a evitar as decisões -surpresas.
A audição das partes será dispensada nos termos do nº3 do citado artigo, em casos de manifesta desnecessidade e naqueles em que, objectivamente, as partes não possam alegar de boa fé, desconhecimento das questões de direito ou de facto a decidir pelo Juiz e das respectivas consequências, (vide, a propósito do principio do contraditório” Temas da Reforma do Processo Civil" - Almedina, 1997, Desembargador Abrantes Geraldes, pág. 70.).
Ora, como o Tribunal tinha que ter dado conhecimento ao A. da redistribuição da p.i, como processo cautelar e não o fez, o A. não pode ser prejudicado sob pena de denegação de justiça e violação do princípio da tutela jurisdicional.
E, se isto significa que no caso dos autos, e pelas razões acima aduzidas, era aplicável o prazo regra do artigo 144º nº1 do CPTA, ou seja, o reclamante dispunha do prazo de trinta dias para interpor o recurso, e assim o reclamante logre vencimento na fundamentação exposta nada, também, impede, sob pena de poder vir a praticar um acto inútil – o que a lei não permite, artigo 137º do CPC - que este Tribunal de recurso apure se a petição de interposição de recurso deu entrada no TAC de Lisboa, no prazo dos trinta (30) dias previstos no artigo 144º, nº1 do CPTA, a que se somam mais três (3) dias, por força do nºs 5 e 6 do artigo 145º do CPC.
Vejamos então.
Tal como resulta do probatório (cfr. al. I)) o reclamante foi notificado da sentença em 02.01.2012 (dia em que ainda decorria as férias judiciais de Natal, - vide artigo 12.º da Lei nº3/99, de 13 de Janeiro) logo este dia e o dia 03.01.2011 (ferias ainda) não entram na contagem do prazo dos 30 dias (cfr. 144º nº1 do CPC), que se inicia no dia 04.01.2012 e se conta ininterruptamente, por força do disposto 144º nº1 do CPC, aqui aplicável ,“ ex vi artigo 1º do CPTA, nos termos do qual o prazo processual é contínuo, suspendendo-se durante as férias judiciais, excepto nos dois casos aí previstos, que não estão aqui em causa.
Assim, o prazo de 30 dias, que começa a sua contagem no dia 04.01.2012, terminaria em 02.02.2012, mas como o acto processual ainda pode ser praticado nos primeiros 3 dias úteis subsequentes (cfr.145º nº5 e 6 do CPC) o prazo transfere-se para o dia 07.02.2012 (dia 4, sábado), só que o reclamante deu entrada do requerimento de interposição do recurso, por via electrónica, em 13.02.2012, ou seja, 6 dias após se ter a esgotado o prazo de 30 dias previsto no artigo 144º nº1 do CPTA, pelo que não pode dar-se razão ao reclamante. ( vide -al.J da matéria assente).
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4. Decisão
Nesta conformidade, decido desatender a presente reclamação, mantendo-se o despacho reclamado, com a presente fundamentação.
Sem custas, por isenção legal
Lisboa, 17.05.012
António A. C. Cunha



Objectivo do post: Fazer um paralelismo entre a extemporaneidade da reclamação e a extemporaneidade do recurso hierárquico necessário abordado a propósito do caso prático II sobre impugnação de actos administrativos.


José Miguel Pascoalinho - Aluno 17387

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