quinta-feira, 24 de maio de 2012

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul; a propósito da Directiva 2007/66/CE


Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:05746/09
Secção:CA -2ºJUÍZO
Data do Acordão:14-01-2010
Relator:BENJAMIM BARBOSA
Descritores:DECRETAMENTO PROVISÓRIO DA PROVIDÊNCIA
Sumário:I.Por força do primado do direito comunitário sobre o direito interno, as normas deste devem ser interpretadas em conformidade com aquele, ainda que não tenham sido transpostas;

II. Num dos sentidos literais em que o n.º 3 do art.º 132.º do CPTA pode ser interpretado, a restrição que dele consta limita-se, por força da expressão neste domínio, aos casos especiais previstos no número imediatamente antecedente e não a todas as providências relativas a procedimentos de formação de contratos.

III.Tal interpretação tem em conta a ratio da norma e a sua localização sistemática, compaginando-a com os antecedentes históricos e a vontade, passada e presente, do legislador comunitário;

IV.Considerando que o legislador histórico subjacente à regulação do contencioso pré-contratual é o legislador comunitário das Directivas 89/665/CEE e 92/13/CEE, em conformidade com o princípio referido em I. o art.º 132.º, n.º 3, do CPTA deve ser interpretado de harmonia com o regime jurídico que emana da Directiva 2007/66/CE;

V. O pedido de decretamento provisório deve ser indeferido se os autos não revelarem uma urgência acrescida em relação àquela que a mera interposição do procedimento cautelar pressupõe;

VI.A irrecorribilidade prevista no art.º 131.º, n.º 5, do CPTA, abrange todas decisões relativas ao pedido de decretamento provisório da providência, incluindo a sua rejeição por razões meramente formais.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO 2º JUÍZO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL:I – Relatório
R………, S.A. interpôs no Tribunal Administrativo de Circulo de Lisboa providência cautelar relativa a procedimentos de formação de contratos, no âmbito do concurso público designado "Concurso Público Internacional para Selecção de Fornecedores de Veículos Automóveis e Motociclos", contra a A……………………., E.P.E., (ANCP) e indicando como contra-interessados a F…………., S.A. e outros.
Pediu 
a) a suspensão de eficácia do acto de adjudicação praticado no âmbito do referido procedimento concursal, nos termos do disposto nos artigos 128.° e 129.° do CPTA,
b) a intimação para que a Requerida se abstenha de praticar quaisquer actos procedimentais subsequentes, designadamente os tendentes ao lançamento de concursos para celebrar os futuros contratos de fornecimento ao abrigo do Acordo Quadro e bem assim quaisquer actos de execução do Acordo Quadro celebrado, nos termos do artigo 132.° e 112° e ss. do CPTA
e, invocando “especial urgência”, 
c) o decretamento provisório da providência, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 131.° do CPTA.
Por despacho de 24-06-2009 foi “indeferido” o pedido de decretamento provisório da providência.
É deste despacho que a recorrente interpõe recurso jurisdicional para este TCA Sul, em cujas alegações concluiu como segue:
I. O entendimento de que os arts. 128.° a 131.° CPTA não se aplicam - em absoluto - às providências relativas a procedimentos de formação de contratos, não tem acolhimento expresso na lei nacional e encontra-se em desarmonia com o actual entendimento do legislador comunitário vertido na nova redacção do artigo 2°/3 da Directiva 89/665/CEE, tal como alterada pela Directiva 2007/66/CE.
II. Ao recusar a aplicação dos arts. 128.° e 131.° CPTA às providências relativas a procedimentos de formação de contratos, o M.° Juiz a quo incorreu em manifesto erro quanto à base de direito aplicável e violou o Princípio de Tutela Jurisdicional Efectiva vertido nos arts. 20.° e 268° da CRP.
A recorrida A… apresentou contra-alegações, suscitando a questão prévia da inimpugnabilidade da decisão provisória de indeferimento, e formulando seguintes conclusões:
a) O n.° 5 do artigo 131.° do CPTA não distingue entre situações de deferimento e indeferimento do pedido de decretamento provisório da providência, uma vez que dispõe que aquela "decisão provisória não é susceptível de qualquer meio impugnatório";
b) Não distinguindo o legislador sobre se a insusceptibilidade de recurso a um meio impugnatório se refere a uma ou outra das decisões possíveis, forçoso será concluir que abrange ambas;
c) Atento o disposto no n.° 5 do artigo 131.° do CPTA, haverá que presumir que o legislador visou contemplar ambas as situações, caso contrário teria expressamente explicitado que a insusceptibilidade de recurso se referia apenas a uma das decisões possíveis;
d) Sendo, assim, forçoso concluir pela inadmissibilidade do recurso que deve, nestes termos, ser rejeitado;
e) Mas ainda que assim não se entenda, o que se admite, sem conceder, como mero exercício de raciocínio, não pode o presente recurso proceder, desde logo pelos fundamentos expressos no Douto despacho recorrido;
f) Entendimento esse que, de resto, é também acompanhado pela mais recente jurisprudência emanada pelo Tribunal Central Administrativo Sul, no seu acórdão de 10.09.2009, proferido no Proc. 05173/0 in www.dgsi.pt
g) Em qualquer caso, a ora Recorrente não preenche as condições fixadas no artigo 131.° do CPTA para a admissibilidade do decretamento provisório da providência;
h) Nem a providência se destina, nem isso a ora Recorrente invoca, a tutelar direitos liberdades e garantias;
i) Nem se verifica uma situação de "especial urgência" a merecer a tutela do direito, posto que a lei coloca à disposição dos interessados meios de tutela que correspondem a processos urgentes - processo cautelar e processo de contencioso pré-contratual - e que asseguram cabalmente e em tempo a tutela jurisdicional dos seus direitos;
j) A "especial urgência" não pode, nesta sede, ser invocada em situações comuns ao contencioso pré-contratual, sendo que a candidatura a um concurso público não garante a nenhum dos concorrentes a sua vitória, ou seja, a sua escolha como adjudicatário do fornecimento dos bens ou da prestação dos serviços a concurso;
k) Não se diga, por conseguinte que a presente situação configura uma "especial urgência", pois nem é "iminente" posto que decorre dos procedimentos normais em concursos públicos, nem é "irreversível" uma vez que a lei confere uma tutela efectiva que permita aos interessados reagir a uma decisão do ente público através do recurso a processos urgentes;
l) É verdade que a Directiva 2007/66/CE, de 11.12.2007 veio dar uma nova redacção ao n.º 3 do artigo 2° da Directiva 89/665/CEE, transposto para o nosso ordenamento jurídico pelo artigo 5.° do Decreto-Lei n.º 134/98, de 15 de Maio, que foi fonte próxima do artigo 132.° do CPTA;
m) Contudo, as alterações que eventualmente venham a ocorrer nesta matéria não se encontram em vigor no direito interno, posto que ainda se encontra a decorrer o prazo de transposição da Directiva 2007/66/CEE, a terminar em 20.12.2009, conforme decorre do n.º 1 do seu artigo 3.°;
n) Em qualquer caso a nova redacção do n.º 3 do artigo 2° da Directiva 89/665/CEE não terá necessariamente o sentido que a ora Recorrente lhe pretende atribuir;
o) Em primeiro lugar porque, nos termos da Directiva, o decretamento provisório da providência não ocorre de forma automática, como o quer fazer crer a ora Recorrente, podendo os Estados-Membros fixar quais as situações em que, considerando os interesses em disputa, bem como o interesse público, não haverá uma suspensão automática do procedimento de concurso;
p) Em segundo lugar, porque que a instância de recurso não tem de ser necessariamente uma instância jurisdicional, pelo que a aplicação deste princípio pode não ser enquadrado no âmbito jurisdicional, mas numa qualquer outra instância a ser instituída para o efeito;
q) Não pode, pelo menos até à transposição da Directiva 89/665/CEE, o n.º 3 do seu artigo 2.° servir como fundamento do decretamento provisório da providência.
Termos em que:
r) Deve o presente recurso ser considerado inadmissível, por força do disposto no n.º 5 do artigo 131.° do CPTA e, em consequência, ser rejeitado;
s) Caso assim não se entenda, o que se admite, sem conceder, deverá ser mantido o despacho proferido pelo Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa, em 24.06.2009, assim se fazendo a costumada Justiça
A contra-interessada F……………., S.A., apresentou igualmente contra-alegações, concluindo deste modo:
a) No presente recurso jurisdicional vem impugnado o despacho proferido pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, a fls. 425-426 dos autos, datado de 24.06.2009, pelo qual se indeferira o pedido de decretamento provisório da providência cautelar suscitada pela ora Recorrente R………, S.A., invocando-se, em suma, a inaplicabilidade do art. 131.° do CPTA, aos processos tramitados segundo o art. 132.° do mesmo diploma;
b) Não se conformando com o despacho proferido, veio a ora Recorrente Renault Portugal, S.A. interpor o presente recurso jurisdicional, invocando erro de julgamento, por, na sua tese, ser admissível o decretamento provisório da providência cautelar deduzida em ambiente de contencioso pré-contratual (art. 132.° CPTA).
c) Está em causa um despacho proferido pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, perante um pedido de decretamento provisório de medidas cautelares deduzidas face a actos e procedimentos praticados no âmbito do art. 132.° CPTA. A Recorrente não pediu a aplicação da suspensão automática (proibição de execução de actos) ao abrigo do art. 128.° CPTA no seu requerimento de medidas cautelares, nem o despacho proferido se referiu à aplicação ou à proibição dessa figura ou desse preceito. O objecto do pedido deduzido em sede cautelar reduz-se ao decretamento provisório ao abrigo do art. 131.° CPTA;
d) Para a Recorrente, não existe justificação para que se interprete o sistema normativo vigente, no sentido de excluir do campo de aplicação do art. 132.° CPTA, a figura do decretamento provisório constante do art. 131.° CPTA. Entende a Recorrente que outra interpretação defronta o princípio-garantia acima aludido;
e) Esse princípio-garantia não está posto em causa quando o legislador coloca o decretamento provisório das medidas cautelares na secção respeitante a disposições particulares, para a estas mandar subsidiariamente aplicar as regras gerais de medidas cautelares (cfr. art. 132.°, n.º 3 CPTA), logo com exclusão das regras do mesmo capítulo. Não está em causa o acesso à justiça, pois que os requerentes de medidas cautelares face a actos e procedimentos de formação de contratos continuam a ter ao seu dispor efectivos meios cautelares;
f) Mantém-se sólida e uniforme a jurisprudência administrativa superior na consagração da não aplicação aos procedimentos cautelares tramitados segundo o art. 132.° CPTA, das figuras constantes do mesmo capítulo, como seja a do art. 131.° CPTA;
g) Na doutrina mais representativa acerca da admissibilidade de utilização das figuras constantes, quer do art. 131.° CPTA, quer do art. 128.° CPTA no campo do art. 132.°, face à redacção do seu n.º 3, é communis opinio que tais preceitos não são aplicáveis no campo das providências cautelares afectas a actos pré-contratuais, seja pela autonomia do art. 132.° CPTA, seja ainda por se reportar a actos mais vastos do que os usualmente apreciáveis no âmbito do contencioso administrativo;
h) Vários argumentos são convocáveis para justificar a não aplicação do art. 131.° CPTA no âmbito de aplicação do art. 133.° do CPTA, como sejam o argumento literal, o argumento histórico, o argumento sistemático e o argumento de ratio de autonomia da figura do art. 132.° CPTA, libertando os contra-interessados de uma suspensão automática, como de um decretamento provisório que, as mais das vezes, têm efeitos idênticos;
i) Para contrariar o sentido interpretativo que resulta da jurisprudência e que alinha os argumentos literais, com o argumento sistemático e de ratio legis, a Recorrente vem indicar que a alteração na redacção da Directiva 89/665/CEE implica deixar cair o conceito segundo o qual não deverá haver efeito suspensivo automático agregado ao recurso para impugnação de actos praticados em procedimento pré-contratual;
j) A argumentação da Recorrente assenta na ideia que a Directiva não foi cumprida em tempo e, como tal, assistirá aos particulares a possibilidade de invocarem judicialmente essa posição vinda da Directiva, a título de efeito directo vertical ascendente. A Recorrente falha num aspecto básico. O prazo para transposição da Directiva 2007/66/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Dezembro de 2007 só finda em 20 de Dezembro de 2009 (cfr. art. 3.°, n.º 1), com o que na data de prática dos actos, como na presente data, o Estado Português não está em incumprimento da sua obrigação de transposição, com o que os particulares não podem invocar a seu favor a nova redacção, antes permanecendo a provinda de legislação anterior;
k) Improcede a ideia de violação do princípio de tutela jurisdicional efectiva por inadmissibilidade da aplicação do mecanismos do decretamento provisório quando cotejado com a nova redacção do n.º 3 do art. 2.° da Directiva. O n.º 3 do art. 2.° da Directiva nunca referiu e continua a não referir que o decretamento provisório deva ser concedido no âmbito cautelar afecto a actos de formação de contratos, mas sim que se devem assegurar meios que levem a que os contratos não sejam celebrados na pendência de processos judiciais onde se discuta a validade dos mesmos ou de actos praticados na sua formação;
l) O texto de prévias versões da Directiva comunitária, como o texto da actual, em ponto algum garante ou reserva a existência do decretamento provisório da providência como meio de se obter esse resultado identificado no n.º 3 do art. 2.° da Directiva;
m) A própria Directiva, na sua nova redacção do n.º 2 do art. 3.° e ainda que já estivesse ultrapassado o prazo de transcrição, não concede à Recorrente o que esta quer ver aí consagrado, ou seja, não protege ou garante a existência do decretamento provisório, muito menos a sua aplicação ao âmbito do contencioso pré-contratual, pois que o efeito de suspensão de efeitos de contrato se poderá processar por variados meios legais, nem sendo esse o mais adequado a tal efeito;
n) Também por esta via não se descortina onde possa radicar a violação do princípio de garantia de tutela jurisdicional efectiva que a Recorrente clama, com o que sustenta a improcedência do recurso jurisdicional.
O Exm.º Procurador-Geral Adjunto emitiu o seguinte parecer:
“É objecto do presente recurso a decisão que indeferiu o pedido de decretamento provisório da providência requerida, nos termos e para os efeitos do artigo 13 Io do CPTA.
Adere a sentença recorrida à doutrina, que transcreve, exposta no Ac. do ST A, de 20.03.2007, proc. 1191/06, segundo a qual do confronto entre a letra dos artigos 130°, n.º 4. c 132°, n.º 3, ambos do CPTA, só há uma interpretação literal possível: a de que o legislador quis excluir a aplicação das regras que não constem do capítulo anterior.
Questiona a Recorrente a tese da inaplicabilidade absoluta dos artigos 128° e 131° às providências cautelares relativas a procedimentos de formação de contratos, a que se reporta o artigo 132°.
Foi, entretanto, suscitada a questão da inadmissibilidade do recurso, por força do disposto no artigo 131°, n.º 5 do CPTA, segundo o qual "adecisão provisória não é susceptível de qualquer meio impugnatório".
"Na verdade, sendo a decisão a que se refere a norma, de natureza interlocutória, compreende-se que não seja imediatamente impugnável, apenas o sendo a decisão final a que se refere o n.º 6 do preceito - cfr. artigo 142°. n.º 5 e Aroso de Almeida/Fernandes Cadilhe. Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, pág. 665, e Jorge de Sousa, ali referido em nota de rodapé.
No caso, porém, trata-se de recusa em conhecer do próprio pedido, embora a decisão tenha sido, impropriamente, de indeferimento do pedido. Consequentemente, essa c já uma decisão final, pelo que se não deve aplicar o citado n.º 5, mas o artigo 142°, n.º 3. al. d) do CPTA, pelo que o recurso é admissível.
Quanto ao mais, parece-me ajustável o teor do parecer que emiti noutro processo, onde entendi que é mais consentânea com as regras da boa interpretação a tese de que o disposto no n.º 3 do art. 132º do CPTA, tem uma função de inclusão e não excludente -neste sentido Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilhe, Comentários ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, ed. 2005, pág. 669; Mário Aroso de Almeida, O Novo Regime nos Tribunais Administrativos, ed. 2005, Almedina, pág. 338-339; e também o Ac. deste TCAS, de 13.10.2005, proc. 1041/05.
Na verdade, o capítulo 1 do Título V estabelece as "disposições comuns'" relativas aos processos cautelares, enquanto o capítulo II estabelece"disposições particulares" aglutinadas à volta de providências específicas, ou visando a tutela cautelar de direitos liberdades e garantias (d.l.g.) ou contra actos e procedimentos específicos. E assim, os artigos 128° e 129° reportam-se directamente à providência de suspensão da eficácia de um acto administrativo, o artigo 130° à suspensão da eficácia duma norma self-executing, o artigo 131° à tutela cautelar de d.l.g. e o artigo 132° a aspectos específicos da tutela cautelar contra actos relativos á formação de contratos, sem interferir, porém, nos aspectos regulados no artigo 128°.
Isto é não existe qualquer área de intersecção entre o círculo definido pelo artigo 128°. quanto a alguns aspectos atinentes à providência da suspensão da eficácia dos actos administrativos, e o traçado no artigo 132°. que estabelece normas especiais (n°s 1 e 2) e excepcionais (n°s 4 a 7), mas por referência às normas gerais do capítulo anterior, quanto a alguns aspectos atinentes a providências relativas a procedimentos de formação de contratos, sem tocar, porém, em qualquer dos aspectos regulados nos artigos 128° e 129°.
Quer dizer, no que respeita à proibição de execução do acto administrativo objecto do pedido de suspensão da eficácia, o artigo 128° estabelece uma regra geral, que não é excepcionada ou sequer complementada pelo artigo 132°, o qual se destina a regular outras matérias, não havendo, por isso, qualquer possibilidade de colisão entre essas duas normas.
É esse o sentido da letra da lei, que, a meu ver, não é inviabilizado no confronto com o n.º 4 do artigo 130°. Na verdade, não são paralelas as situações reguladas nesta norma e no n.º 3 do artigo 132°, pelo que até esse pressuposto falha para se poder usar o argumento a contrario sensu,já de si falível, que desse confronto se poderia retirar.
Com efeito, por um lado. a expressa remissão para o capítulo precedente, contida nos preceitos em referência, deve levar-se à conta da assumida intenção pedagógica, justificada pela profundidade da reforma do contencioso administrativo (cfr. n.º 1 da exposição dos motivos da proposta de lei de aprovação do CPTA), não forçando à exclusão da aplicação de outros preceitos sistematicamente aplicáveis, ainda que não objecto de remissão expressa.
Por outro lado, o artigo 130° rege sobre a suspensão da eficácia de normas, pelo que tem justificação a remissão expressa para os artigos precedentes, que se reportam à suspensão da eficácia de actos administrativos. Por isso, a remissão ressalva "as adaptações que forem necessárias".
Mas tal remissão já seria descabida, quando se trata de aplicar o artigo 128° exactamente às situações que se compreendem directamente no seu círculo - a suspensão da eficácia de actos administrativos.
São, pois, substancialmente diferentes as situações previstas nos artigos 130°, n.º 4. e 132°. n.º 3. não podendo, assim, extrair-se qualquer argumento a contrario sensu da circunstância de neste faltar qualquer remissão para os artigos 128° e 129°. que aquele contém.
Também o argumento extraído do n.º 3 do art. 2.° Directiva n.º 89/665/CEE do Conselho, de 21 de Dezembro de 1989, ao estabelecer que «os processos de recurso, por si só, não devem ter necessariamente efeitos suspensivos automáticos sobre os processos de adjudicação de contratos a que se referem», não é relevante no caso concreto, a meu ver.
Antes de mais, porque o artigo 132° não se aplica apenas nos casos a que se refere a referida Directiva comunitária, mas a todas as situações de natureza pré-contratual, incluindo as relativas aos contratos de pessoal.
Depois, porque, no caso, nem sequer se trata da suspensão automática derivada da mera interposição de recurso, mas de decisão expressa suscitada pela requerente da providência cautelar da suspensão da eficácia do acto.
Finalmente, não será a mesma coisa o efeito suspensivo automático decorrente da mera impugnação do acto, por um lado, e a não execução imediata do acto enquanto não é decidido o processo da providência cautelar da suspensão da eficácia, para garantir o efeito útil desta, por outro.
A estipulação constante do n.º 3 do artigo 2o da Directiva 89/665/CEE não obsta, a meu ver, à existência, no direito interno, de uma norma como a do n.º 1 do artigo 128° do CPTA. pois não parece que a Directiva inclua no conceito de recurso o pedido de medidas cautelares, como se pode extrair do artigo 2o. n.º 1, al. a) da Directiva. Tanto mais que a proibição de executar o acto administrativo não dura até à decisão do recurso, mas apenas enquanto não é decidida a providência cautelar, e para garantir a eficácia desta, finalidade que não é alheia à intenção comunitária ao impor a adopção de medidas urgentes visando a suspensão da execução do acto, que, obviamente, poderia ficar gorada, com frequência, sem aquele efeito suspensivo imediato.
Em todo o caso, contém o n.º 1 do artigo 128°. um mecanismo equilibrado e adequado a evitar que o mero requerimento de suspensão da eficácia do acto permita paralisar automaticamente os efeitos do acto suspendendo, quando, fundamentadamente, a autoridade administrativa reconheça nisso grave prejuízo para o interesse público.
Nem se diga que a "proibição de executar" não prevê qualquer mecanismo de protecção dos contra-interessados, por só razões de interesse público permitirem o seu levantamento pela Administração. É que esse argumento prova demais, pois valeria não só no domínio da formação dos contratos, mas também sempre que haja contra-interessados no caso, que é a situação mais frequente. E, de certo modo, parece querer abalar os próprios fundamentos do direito administrativo, que se justifica, exactamente, em função do interesse público legitimador da autotutela administrativa na prossecução desse interesse, quer na sua definição primária através do acto administrativo suspendendo, quer na posterior decisão de prossecução da sua execução, não parecendo curial admitir-se um mecanismo que permitisse à Administração "levantar" a "proibição de executar" com base na ponderação de interesses particulares, que lhe não compete prosseguir.
Idênticas considerações valerão a propósito do artigo 131°. Não estamos, porém, frente uma situação que se possa enquadrar na previsão legal desta norma, como demonstram as Recorridas, pelo que, por tal razão deve improceder o presente recurso”.

*

II - FundamentaçãoII.1 – De facto
a) Pela A…. foi aberto "Concurso Público Internacional para Selecção de Fornecedores de Veículos Automóveis e Motociclos";
b) Candidataram-se ao mesmo, entre outros concorrentes, a R………….., S.A. e F………., S.A.;
c) Por deliberação do C.A. da A………., de 20-05-2009, foi deliberado “aprovar o Relatório Final Fundamentado de Selecção e Ordenação dos Concorrentes Admitidos”, do Júri do concurso, e adjudicar os lotes 1 a 68 às propostas dos concorrentes que cumpriram cumulativamente os requisitos técnicos e ambientais mínimos, níveis de serviço e condições de entrega constantes no caderno de encargos, por ordem crescente do valor proposto (…)
d) Em 05-06-2009 a recorrente interpôs no T.A.C. de Lisboa providência cautelar relativa a procedimentos de formação de contratos, no âmbito do concurso público referido em a), contra a A…… e indicando como contra-interessados a F…………, S.A. e outros.
e) Em 24-06-2009 foi proferido despacho do seguinte teor:
(…)
Peticionou a Requerente o decretamento provisório da providência requerida.
Sobre esta questão pronunciou-se o STA no acórdão proferido no processo n.º 01191/06, de 20/03/2007, in www.dgsi.pt., nos seguintes termos: "I - Nos termos do art. 132°, 3 do CPTA são aplicáveis às providências cautelares relativas a procedimentos de formação de contratos "as regras do capítulo anterior, com ressalva do disposto nos números seguintes". Comparando este artigo com o art. 130.°, 4 que manda aplicar não só o disposto no capítulo I, mas ainda "... nos dois artigos precedentes", concluímos que o legislador quis distinguir o âmbito das referidas remissões.
II - Atendendo por outro lado, à génese do art. 132.° do CPTA (cuja fonte próxima radica no art. 5o do Dec.-Lei 134/98, de 15 de Maio), bem como ao regime da Directiva Comunitária n.º 89/665/CEE, do Conselho de 21 de Dezembro que aquele diploma transpôs para o direito interno, que no seu art. 2°, n.º 3 estabelecia que "os processos de recurso, por si só, não devem ter necessariamente efeitos suspensivos automáticos sobre os processos de adjudicação de contratos a que se referem", deve o referido art. 132°, 3 do CPTA ser interpretado, de acordo com o seu sentido literal, ou seja, excluindo a aplicação do disposto nos artigos 128° (proibição de executar o acto administrativo) e 131° (decretamento provisório da providência) às providências relativas a procedimentos de formação de contratos.
Nesta conformidade, decido indeferir o pedido de decretamento provisório da presente providência.

*

II.2 – De DireitoA recorrente insurge-se contra a decisão do tribunal a quo que, apoiado na doutrina do ac. do STA de 20-03-2007, rejeitou(1) o pedido de decretamento provisório da providência cautelar por julgar que não cabe na letra do art.º 132.º, n.º 3, do CPTA, o entendimento que é aplicável às “providências relativas a procedimentos de formação de contratos” o disposto nos art.os 128º e 131.º deste diploma.
O regime de contencioso pré-contratual do CPTA tem a sua génese, com modificações, no regime do Decreto-Lei n.º 134/98, de 15 de Maio, que por sua vez transpôs para o direito interno as Directivas 89/665/CEE do Conselho, de 21 de Dezembro de 1989 (Directiva Recursos), e a Directiva 92/13/CEE do Conselho, de 25 de Fevereiro de 1992, aplicável nos sectores especiais (Água, Energia, Transportes e Telecomunicações), que previam a adopção de medidas provisórias de natureza urgente destinadas, designadamente, a corrigir a alegada violação ou a impedir que fossem causados outros danos ou prejuízos aos interesses em causa(2), mas negaram a atribuição de efeitos suspensivos automáticos (i.e., decorrentes da mera interposição) aos recursos “sobre os processos de adjudicação dos contratos a que se referem”(3).
Efectivamente o Dec.-Lei nº 134/98 consagrou (art.º 2.º, n.º 2 e 5.º), medidas provisórias de natureza urgente “destinadas a impedir que sejam causados outros danos aos interesses a acautelar”, sem embargo da natureza urgente que igualmente conferiu ao recurso. Mas não previu a atribuição, quer a umas, quer a outro, de efeitos suspensivos automáticos.
Com base na suposta vontade do legislador do Dec.-Lei n.º 134/98, no elemento literal e na protecção dos interesses dos contra-interessados, têm sido invocados argumentos a favor da exclusão às providências relativas a procedimentos de formação de contratos, dos artigos 128.º e 131.º do CPTA.
A questão não é pacífica e tem merecido respostas opostas da doutrina e da jurisprudência. Por exemplo, o acórdão de 11-10-2006, deste TCA Sul, decidiu que “o disposto no n.º 3 do art.º 132º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, relativo a providências cautelares no domínio dos procedimentos de formação de contratos, tem uma função de inclusão e não excludente: a circunstância de o n.º 3 deste preceito referir que se aplicam, "neste domínio, as regras do capítulo anterior", não significa, a contrario, que não se aplicam as regras do próprio capítulo, incluindo as dos art.ºs 128º e 131º, ou seja, a proibição de execução do acto e a possibilidade de decretamento provisório da providência requerida.”(4)
Bem vistas as coisas, a nosso ver a doutrina deste acórdão é, no essencial, de manter.
Em primeiro lugar, numa perspectiva de interpretação da norma em harmonia com o elemento histórico, conclui-se que a verdadeira vontade legiferante não é a do legislador do Dec.-Lei n.º 134/98, cuja matriz europeia é denunciada pela “notória colagem” ao texto daquela directiva(5), mas sim a do legislador comunitário das Directivas 89/665/CEE e 92/13/CEE, que aquele transpôs para o direito interno.
E como o regime de contencioso pré-contratual inserto no CPTA se limita a reproduzir, embora com alguns retoques, o regime do Dec.-Lei n.º 134/98, de 15 de Maio, é óbvio que a mesma colagem foi “assumida” pelo legislador do CPTA.
Ora, o quadro legal comunitário que esteve na base do Dec.-Lei n.º 134/98 modificou-se com a publicação da Directiva 2007/66/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Dezembro de 2007, que altera as Directivas 89/665/CEE e 92/13/CEE do Conselho, no que diz respeito à melhoria da eficácia do recurso em matéria de adjudicação de contratos públicos, que Portugal deveria transpor até 20-12-2009.
No seu considerando n.º 4 a Directiva 2007/66/CE refere que “entre as deficiências assinaladas [nas Directivas 89/665/CEE e 92/13/CEE] figura, em especial, a inexistência de um prazo que permita interpor um recurso eficaz entre o momento da decisão de adjudicação e o da celebração do contrato em causa. Por vezes, essa inexistência conduz a que as entidades adjudicantes, que pretendem tornar irreversíveis as consequências da decisão de adjudicação contestada, procedam rapidamente à assinatura do contrato. A fim de obviar a esta deficiência, que constitui um obstáculo sério a uma tutela jurisdicional efectiva dos proponentes em causa, nomeadamente dos proponentes que ainda não tenham sido definitivamente excluídos, é necessário prever um prazo suspensivo mínimo, durante o qual a celebração do contrato em questão fique suspensa, independentemente do facto de a celebração ocorrer ou não no momento da assinatura do contrato”.
A Directiva pretende, pois, combater as situações de facto emergentes das celebrações precipitadas dos contratos (race to signature), e além disso obstaculizar as adjudicações directas mediante a obrigatoriedade da entidade adjudicante publicitar, por qualquer meio, o resultado do procedimento concursal.
Com esse propósito introduziu um período obrigatório de suspensão (stand still) entre a adjudicação e a celebração do contrato, e atenuou a proibição do efeito suspensivo automático, que passa a ser obrigatório nos casos em que seja interposto “recurso” de uma decisão de adjudicação de um contrato ou quando a legislação dos Estados-Membros preveja que o pedido de alteração da decisão deva ser feito directamente pelo interessado à entidade adjudicante.
No caso das medidas provisórias elas podem ser recusadas se as consequências negativas prováveis da sua aplicação superarem as vantagens, atendendo a todos os interesses susceptíveis de serem lesados, bem como ao interesse público.
Concluiu-se, pois, que com a Directiva 2007/66/CE o paradigma em matéria de suspensão automática de efeitos se alterou substancialmente. E assim sendo, então a norma em questão – art.º 132.º, n.º 3, do CPTA – tem de ser interpretada à luz do regime comunitário actual e não em conformidade com o regime pregresso.
De resto, de harmonia com o primado do direito comunitário, afirmado pelo Tribunal de Justiça no acórdão de 15 de Julho de 1964(6), esta é a atitude incontornável no confronto da lei interna com a legislação comunitária, mesmo que esta ainda não tenha sido implementada a nível nacional, como sucede com a Directiva 2007/66/CE.
Dir-se-á, portanto, que a mens legis actual não apoia o argumento histórico em que se baseia a tese excludente.
No que se refere ao elemento literal, não só este não aponta inequivocamente para a exclusão, como é possível extrair dele sentido diferente, quer por recurso ao argumento a contrario (não obstante a sua conhecida falibilidade), quer com base numa interpretação apoiada no elemento sistemático.
Com efeito, da conjugação do elemento literal com o elemento sistemático, considerando ainda os contributos dos elementos histórico e lógico, pode afirmar-se, e a nosso ver com segurança, que a norma do art.º 132.º, n.º 3, do CPTA, não tem uma função excludente.
É sabido que na interpretação o intérprete não pode confinar-se apenas ao elemento literal e racional: a lei impõe-lhe que reconstitua a partir dos textos o pensamento legislativo(7), tendo em conta a unidade do sistema jurídico (art.º 9º, n.º 1, do CC). Na interpretação das normas o elemento sistemático é fundamental, já que “o sentido de uma disposição ressalta nítido e preciso, quando é confrontada com outras normas gerais ou supra ordenadas”(8).
A função de interligação que está associada ao elemento sistemático “compreende a consideração de outras disposições que formam o complexo normativo do instituto em que se integra a norma interpretanda, isto é, que regulam a mesma matéria (contexto da lei), assim como a consideração de disposições legais que regulam problemas normativos paralelos ou institutos afins (lugares paralelos). Compreende ainda o lugar sistemáticoque compete à norma interpretanda no ordenamento global, assim como a sua consonância com o espírito ou unidade intrínseca de todo o ordenamento jurídico" (9).
Atente-se na redacção dos n.os 2 e 3 do art.º 132.º do CPTA:
1…
2 - Para os efeitos do disposto no número anterior, são equiparados a actos administrativos os actos praticados por sujeitos privados, no âmbito de procedimentos pré-contratuais de direito público.
3 - Aplicam-se, neste domínio, as regras do capítulo anterior, com ressalva do disposto nos números seguintes (negrito nosso).
Considerando a localização deste preceito (n.º 3) e presumindo um labor ponderado e congruente do legislador a par duma preocupação com a correcção gramatical, a utilização da contracção da preposição em com o pronome demonstrativo este, “neste [domínio]” expressa uma relação espacial de proximidade ou vizinhança, obviamente apenas com os casos especiais previstos no n.º 2 do art.º 132.º, e não uma pretensa relaçãocom todas as situações contempladas no art.º 132.º
Se assim não fosse então a fórmula utilizada por certo seria idêntica à usada no art.º 130.º, n.º 4, e a norma em causa inserida a final do artigo 132.º, exactamente como se fez com aquele preceito legal, cuja redacção não deixa margem para dúvidas acerca da inequívoca intenção do legislador.
Por isso esta interpretação do n.º 3 do art.º 132.º do CPTA, no sentido de que a norma visa apenas os casos mencionados no número anterior e não todas as providências relativas a procedimentos de formação de contratos, é - a nosso ver – a que mais se adequa aos ditames do art.º 9.º, n.º 1 e n.º 2, do Código Civil, sendo até coerente com a natureza dos actos a que se refere o n.º 2 do art.º 132.º do CPTA, que justificam a opção do legislador por um contencioso puramente anulatório, despido da tutela urgentíssima dispensada pelos artigos 128.º, n.º 1 e 131.º, n.º 1, do mesmo diploma, assim se conciliando a exigência de conjunção entre o elemento gramatical e o elemento lógico(10) na interpretação da norma em apreço.
De facto, não tem sentido lógico excluir a aplicação dos mecanismos de suspensão automática e de decretamento provisório às providências cautelares relativas à formação de contratos, porque, como bem refere ANA GOUVEIA MARTINS, “o contencioso pré-contratual, a ser objecto de alguma diferenciação face ao regime geral, será no sentido da instituição de uma tutela reforçada e não de uma tutela diminuída”(11).
Por outro lado a tutela cautelar no contencioso pré-contratual visa essencialmente a protecção dos princípios da concorrência, transparência e imparcialidade, como decorre do art.º 1.º, n.º 4, do Código dos Contratos Públicos (CCP) que apropriadamente exercitados protegem o interesse público e, indirectamente, todos os interesses em presença, incluindo eventuais direitos ou interesses dos contra-interessados, os quais - sob pena de clara infracção ao princípio da igualdade - não podem merecer tratamento mais favorável que o concedido ao direito ou interesse do impugnante, nem essa desigualdade resulta da Directiva 2007/66/CE, nem sequer a mesma se colhe da redacção inicial das Directivas que alterou.
Neste contexto a interpretação excludente pressupõe uma discordância absoluta entre os resultados da interpretação lógica e da interpretação gramatical, na medida em que não faz logicamente sentido que o art.º 128.º, n.º 1, do CPTA, não seja aplicável aos procedimentos cautelares previstos no art.º 132.º, tanto mais que a suspensão automática pode ser paralisada pela resolução fundamentada que o n.º 1 do art.º 128.º prevê, que ampara adequadamente os vários interesses em jogo.
Logo, o argumento de que o art.º 80.º da LPTA não foi incluído na remissão constante do art.º 5.º do Dec.-Lei n.º 134/98 por se entender que “a atribuição de efeito suspensivo automático a qualquer requerimento de suspensão de eficácia” poderia “traduzir-se em múltiplas suspensões injustificadas do procedimento respectivo” não serve para sustentar idêntico argumento no domínio do art.º 132.º, n.º 3, do CPTA, não só porque “é essencial garantir a correcção das ilegalidades numa fase em que o procedimento de formação do contrato ainda está em curso, por forma a evitar que a morosidade da prolação da decisão final nos recursos interpostos de actos prévios equivalha, as mais das vezes, a uma verdadeira denegação de justiça”(12), mas também porque o interesse público fica adequadamente acautelado pelo mecanismo de paralisação do efeito suspensivo automático.
Concluiu-se assim que a interpretação excludente do n.º 3 do art.º 132.º do CPTA, apoiada num dos sentidos possíveis do elemento literal e pretensamente fundada no elemento histórico, leva a que não haja concordância absoluta entre o resultado da interpretação lógica e o resultado da interpretação gramatical.
E se, então, não é necessário “operar uma rectificação do sentido verbal na conformidade e na medida do sentido lógico”(13) é, apenas, porque a interpretação da norma no sentido literal que aqui se propõe – ou seja, que a norma visa apenas os casos especiais contemplados no n.º 2 - é aquela que melhor compatibiliza todos os elementos de interpretação e mais se ajusta à legislação comunitária neste domínio, posterior à Directiva 89/665/CEE.
Acresce que a interpretação excludente do art.º 132.º, n.º 3, do CPTA, viola frontalmente os princípios da tutela jurisdicional efectiva (art.os 20.° e 268° da C.R.P.), da igualdade (art.º 13.º da C.R.P. e art.º 1.º, n.º 4, do CCP), da transparência e da concorrência (art.º 1.º, n.º 4, do CCP).
Nos primeiros dois casos porque, em regra, inutiliza o efeito útil da decisão final, remetendo o interessado para meios ressarcitórios de índole indemnizatória, nem sempre integralmente reparadores, o que o coloca numa posição de subalternidade em relação ao tratamento dispensado ao adjudicatário; depois porque pactua com práticas pouco claras a que urge por cobro, não reprimindo as violações da lei numa fase em que ainda podem ser corrigidas e dando guarida a práticas restritivas do princípio da concorrência, que distorcem o normal funcionamento do mercado e depreciam o interesse público.

*

As recorridas sustentam que não estão preenchidos os requisitos do art.º 131.º, n.º 1, do CPTA, por não existir uma situação de especial urgência (e, claro, de direitos, liberdades e garantias), pelo que a providência sempre deve ser indeferida.A concessão da providência no âmbito do artigo 131.º do CPTA “destina-se a evitar o periculum in mora do próprio processo cautelar, evitando os danos que possam resultar da demora desse processo”(14).
“As situações de urgência hão-de, pois, reportar-se aos casos em que na pendência do processo cautelar, sem o decretamento provisório, haverá lesão ou perda iminente e irreversível do objecto litigioso, tornando inútil a própria providência cautelar requerida e, por conseguinte, a sentença de mérito”(15).
Conforme decorre do exposto, um dos requisitos é a iminência da lesão; ora, iminente, significa “que ameaça se concretizar, que está a ponto de acontecer; próximo, imediato. Ex.: desabamento iminente”(16).
Não assim quando essa lesão, mesmo admitindo a sua concretização, não é iminente, isto é, quando não se verifica de imediato, num curtíssimo espaço de tempo.
Que o normativo supra referido está talhado para situações iminentes e irreparáveis prova-o o art.º 128º, nº 1, do CPTA. Na verdade, de harmonia com o princípio vertido no art.º 9º, nº 3, do CC, a única interpretação plausível para a existência de dois remédios para a mesma situação genérica – acto administrativo lesivo que justifica a dedução de providência cautelar – é a que propugnamos, isto é, de que o art.º 131º do CPTA está talhado para as situações de grave e irreparável iminência da lesão, ou seja, quando existe um exacerbado periculum in mora, decorrente da própria marcha do procedimento cautelar, enquanto o art.º 128º, nº 1, está destinado às demais situações, em que embora exista periculum in mora a situação de facto não justifica o decretamento provisório e sem contraditório da providência.
Embora a decisão seja proferida sem contraditório, ela deve alicerçar-se nos factos alegados pelo requerente, que demonstrem a especial urgência e a aparência do (seu) direito, e que permitam também ponderar os interesses conflituantes, de modo a que os danos resultantes da adopção da providência não sejam superiores ao da sua recusa(17).
Volvendo os olhos para a p.i. do procedimento cautelar constata-se que para além de meras considerações genéricas a requerente, ora recorrente, nenhum facto alegou em concreto que permita preencher esse conceito de especial urgência, não bastando para tanto a mera susceptibilidade de serem iniciados procedimentos de contratação – art.º 19.º da p.i..
Admitindo, a benefício de raciocínio, que a decisão recorrida se tinha debruçado sobre o mérito do pedido de decretamento provisório, afigura-se-nos assim que, face aos elementos de facto de que poderia dispor outra solução não lhe restaria do que indeferir o pedido de decretamento provisório da providência.

*

As duas questões a que acima se procurou dar resposta foram propositadamente apreciadas para melhor se compreender a resposta que se irá dar à questão suscitada pela ANCP, segundo a qual a decisão recorrida não é impugnável.Prima facie dir-se-á que o teor literal do art.º 131.º, n.º 5, do CPTA, suporta esse entendimento. O que, porém, não basta porque o sentido literal éincertohipotéticoequívoco(18).
Abstractamente é possível visualizar três tipos de decisão no âmbito do art.º 131.º do CPTA: de rejeição liminar (como foi o caso), de indeferimentoou de deferimento.
Só no caso de deferimento é que a lei impõe que a providência decretada seja obrigatoriamente sujeita a contraditório e a revisão urgentes (n.º 6). Ora, como a lei nada diz quanto à impugnabilidade ou não da decisão de revisão, parece que no silêncio da lei se deve entender que a mesma é recorrível(19). Isto é, só a decisão que confirme ou altere o decidido (nesta alteração se incluindo o levantamento da providência) é que pode ser objecto de recurso jurisdicional.
Donde, não ser manifestamente recorrível a decisão liminar que indefere a providência, visto que esta decisão não é sujeita a contraditório nem a revisão.
Ora, se assim é em relação ao indeferimento parece não existir qualquer justificação para se entender o oposto em relação à decisão que rejeite (por razões formais) a pretensão; na verdade, em ambos os casos o efeito prático é o mesmo.
Conclui-se, pois, que qualquer que seja a decisão liminar proferida sobre o pedido de decretamento provisório da providência, a mesma éirrecorrível. Neste sentido já decidiu este TCA Sul no ac. de 10-03-2005(20).
Resta dizer que o tribunal ad quem não está vinculado à decisão sobre a admissibilidade do recurso tomada pelo tribunal a quo (art.º 685.º-C, n.º 5, do CPC).

*

III – Dispositivo:Nos termos expostos acordam em rejeitar o recurso interposto, por inadmissibilidade do mesmo.
Custas pela recorrente.
Lisboa, 14-01-2010
Benjamim Barbosa (Relator)
Carlos Araújo
Teresa de Sousa

(1) Os motivos subjacentes à decisão são de rejeição e não indeferimento, como nela se escreveu.
(2) Cfr. art.os 2.º, n.º 1, al. b), das referidas Directivas
(3) Cfr., respectivos art. os 2.º, n.º 3.
(4) Proc. n.º 01471/06, Rel. Rogério Martins; no mesmo sentido, ac. do TCAS de 05-07-2007, proc. n.º 02692/07, Rel. Teresa de Sousa.
(5) ANA GOUVEIA MARTINS, A Tutela Cautelar no Contencioso Administrativo, Coimbra, Coimbra Editora, 2005, p. 251.
(6) Costa vs. Enel.
(7) Refere BAPTISTA MACHADO (Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 2.ª reimpressão, Coimbra, Almedina, 1987, p. 188) - que o uso desta expressão reflecte o propósito do legislador do Código Civil de não tomar partido na querela entre o subjectivismo (a vontade do legislador como desígnio da interpretação) e o objectivismo(reconstituição da vontade da lei).
(8) FRANCESCO FERRARA, Interpretação e Aplicação das Leis, 4ª ed. pag. p. 143
(9) BAPTISTA MACHADO, ob. cit., p. 193.
(10) BAPTISTA MACHADO, ob. cit. p. 181
(11) Ob. cit., p. 251.
(12) Idem, p. 283
(13) FRANCESCO FERRARA, ob. cit., p. 149
(14) MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, O novo regime do processo nos Tribunais Administrativos, 4.ª ed., Coimbra, Almedina, 2005, p. 323; no mesmo sentido, JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ALMEIDA, A justiça Administrativa, 9.ª ed., Coimbra, Almedina, p. 360-361.
(15) MARIA FERNANDA MAÇÃS, As formas de tutela urgente previstas no Código de Processo nos Tribunais Administrativos, “in”, Revista do Ministério Público, Ano 25.º, Out/Dez, n.º 100, pp. 41 e ss.
(16) Dicionário Electrónico Houaiss. [Em linha]. [Consulta em 09-01-2010]. Disponível em: URL: http://www.dicionariohouaiss.com.br/index2.asp
(17) Cfr. VIEIRA DE ANDRADE, ob. cit., p. 361
(18) FRANCESCO FERRARAob. cit., p. 140.
(19)Neste sentido, cf. VIEIRA DE ANDRADE, ob. cit., p. 361. (20) Proc. n.º 0575/05                                                           




A aluna
Caterina Moniz Vaz, nº 16553

Sem comentários:

Enviar um comentário