sexta-feira, 25 de maio de 2012

Providência Cautelar

Bento Matos - 18030 Luís Silva - 17889
Carla Monteiro -17880 Maria Salgado - 17902
Cristina Rosas – 11323 Marta Coriel - 13158
João Dias - 17863 Nuno Cabral - 17942
José Matos - 18807 Paulo Mota -17915
ADVOGADOS


TRIBUNAL ADMINISTRATIVO DE CÍRCULO DE LISBOA

Excelentíssimo Senhor Doutor Juiz

João Bemnascido, casado, arquiteto, portador do bilhete de identidade n.º 9000000, emitido em 13 de Março de 2006 em Lisboa, residente na Rua dos Bemnascidos 10, Lisboa, e mulher Maria Augusta Bemnascida, administrativa, portadora do bilhete de identidade n.º 800000, emitido em 14 de Março de 2007 em Lisboa, Rua dos Bemnascidos 10, Lisboa, vêm ao abrigo do disposto nos artigos 112.º, n.º 2, al. a), 128.º e 131.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (doravante CPTA), interpor:

Providência Cautelar de Suspensão de Eficácia de um Acto Administrativo, com decretamento provisório

Contra:

O MINISTÉRIO DA SAÚDE (doravante MS), com sede na Av. João Crisóstomo, 9 – 6º Lisboa

e,

A Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo, I.P. (doravante ARSLVT), com sede na Av. Estados Unidos da América, nº 77 - 1749 - 096 Lisboa.

Requerendo

- Suspensão da eficácia do despacho do Ministro da Saúde, proferido em 24 de Abril de 2012, nos termos do qual decidiu proceder ao encerramento da maternidade “Alfredo dos Campos”

- Suspensão da eficácia do despacho proferido pelo presidente da Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo, I.P., proferido em 27 de Abril de 2012, que determina que “todas as grávidas que estejam a ser acompanhadas na maternidade “Alfredo dos Campos” deverão passar a ser acompanhadas em outros estabelecimentos hospitalares”.

Com os fundamentos seguintes:

Notas Prévias

Do Procedimento:

Dispõe o artigo 112.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, no seu número um que; “Quem possua legitimidade para intentar um processo junto dos tribunais administrativos pode solicitar a adopção da providência ou das providências cautelares, antecipatórias ou conservatórias, que se mostrem adequadas a assegurar a utilidade da sentença a proferir nesse processo", e, entre outras, poderá requerer, nos termos da alínea a) do nº 2. "Suspensão da eficácia de um acto administrativo ou de uma norma".

Da Cumulação de pedidos:

Dispõe o artigo 4.º Código de Processo nos Tribunais Administrativos no seu número um alínea b) que: “sendo diferente a causa de pedir, a procedência dos pedidos principais dependa essencialmente da apreciação dos mesmos factos ou interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito”.

Da coligação de demandados:

Dispões o artigo 12.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos no seu número um “…e pode um autor dirigir a acção conjuntamente contra vários demandados, por pedidos diferentes, quando:” e na alínea b) “Sendo diferente a causa de pedir, a procedência dos pedidos principais dependa essencialmente da apreciação dos mesmos factos ou interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito”

I – Dos Factos


O Ministro da Saúde exarou o seguinte despacho, datado de 24-04-2012 (Doc. 1, que se transcreve na parte essencial):
«A fim de promover a racionalização da rede hospitalar pública e a rentabilização dos serviços de maternidade existentes noutras unidades hospitalares da região de Lisboa:

1. Determina-se o encerramento da maternidade “Alfredo dos Campos” que deverá realizar-se no final do mês de Maio de 2012”.

2. Comunique-se este despacho à Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo, I.P.

3. A Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo, I.P. deverá adoptar as medidas
necessárias à transferência dos doentes para outras maternidades ou PPP da área de Lisboa.

24.04.12
a) Paulo Macedo
Ministro da Saúde.»

2.º

Os requerentes são membros da Associação de Utentes da Maternidade Alfredo dos Campos (doravante AUMAC).

3.º

Não existiu qualquer consulta à AUMAC sobre este processo de encerramento.

4.º

A MAC foi inaugurada a 31.5.1932 com actividade nas áreas da saúde pré-natal e neonatal, pré-concepcional e ginecológica (associada e não associada à função reprodutiva), sendo, até recentemente, a instituição de referência para a área metropolitana de Lisboa.

5.º

No estudo “Obstetrícia e Medicina Materno-Fetal em Portugal”, promovido e publicado, em 2011, pelo Ministério e desenvolvido pela Faculdade de Medicina de Lisboa (Anexo 3), foi concluído que “não deveria ser efectuado o encerramento da MAC e desmantelamento das suas equipas, porque isso é perder a excelência e a qualidade da actividade desenvolvida nesta unidade, devendo a MAC permanecer aberta até à abertura do novo Hospital de Todos-os-Anjos em Lisboa procedendo-se então à transferência das equipas em bloco, tanto quanto possível, por forma a preservar a unidade organizacional”.

6.º

Desde 2009, o número de partos, consultas e urgências na MAC, têm vindo a aumentar, na ordem dos 10% ao ano, o que confrontando com o decréscimo do número de partos na área metropolitana de Lisboa é prova cabal do reconhecimento público da sua qualidade.

7.º

Ainda assim, o Ministro da Saúde sem consultar os utentes da MAC, representados pela AUMAC, nem invocar fundamento bastante, determinou o seu encerramento.

8.º

Em 27.4.2012, o presidente da ARSLVT, proferiu um despacho que determina que “todas as grávidas que estejam a ser acompanhadas na MAC deverão passar a ser acompanhadas em outros estabelecimentos hospitalares”.

9.º

Em face do referido despacho, a direcção clínica da MAC determinou que a requerente fosse transferida para o Hospital lisbonense PPP, passando a a ser acompanhada pelo Dr.”tambémprivado”.

10.º

A requerente tem sido acompanhada durante o período de gestação, em consulta de Obstetrícia, pelo “Dr. Sopublico”, na MAC, desde 15 de Setembro de 2011, data em que teve conhecimento que se encontrava grávida.

11.º

A requerente já era acompanhada em consulta de ginecologia pelo referido médico desde o ano de 2005, tendo uma história clínica deveras complicada.

12.º

A MAC dista apenas 5 minutos da sua residência.

13.º

O Hospital lisbonense PPP, para onde foi encaminhada, dista cerca de 20 minutos da sua residência, em viatura de emergência.

14.º

A requerente ficou bastante ansiosa e consternada com a comunicação da transferência de hospital e mudança do médico assistente pois não confia em qualquer outro obstetra e receia as eventuais consequências da distância da sua residência ao Hospital lisbonense PPP.

15.º

Tal consternação e ansiedade terão contribuído para que a gravidez passasse a ser classificada de alto risco e podem vir a trazer problemas para si e para o seu filho nascituro.

16.º

O requerente, João Bemnascido, nasceu em 15.05.1985 na MAC.

17.º

Desde sempre o requerente confidenciou a amigos e familiares que o seu sonho era ter um filho nascido na mesma maternidade em que ele nasceu.

18.º

Na sua família já três sucessivas gerações nascem no MAC

19.º

Está previsto o seu filho nascer durante o mês de Maio de 2012.

II – Do Direito

A) Da Jurisdição e da Competência

20.º

É competente a jurisdição administrativa, nos termos do art.º 4, n.º 1, alíneas a) e b) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (doravante ETAF), porquanto se trata da apreciação dos litígios que tenham por objecto a fiscalização dos actos jurídicos emanados por pessoas colectivas de direito publico, ao abrigo de disposições de direito administrativo, assim como a tutela de direitos fundamentais e interesses legalmente protegidos dos particulares fundados em normas de direito administrativo.

21.º

Compete ao Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa o conhecimento da questão, nos termos do art.º 44 do ETAF, e por não estar em causa matéria reservada à apreciação em 1.ª instância dos tribunais superiores, conjugado com o art.º 16 do CPTA, que atribui competência ao tribunal da residência habitual do autor, e com o art.º 39 do ETAF, que remete para o DL-325/2003, em especial os art.ºs 3, n.ºs 1 e 2 e mapa anexo que definem as áreas de jurisdição e sede dos tribunais de círculo.

B) Da Legitimidade

22.º

Os requerentes são utentes da MAC e membros da AUMAC.

23.º

Os despachos em causa têm causado grande transtorno aos requerentes, que por esse facto odem causar danos o seu filho nascituro.

24.º

Assim, os requerentes são parte legítima, pois são directamente interessados, estando a ser lesados pelos despachos em causa nos seus direitos legalmente protegidos, tudo nos termos dos artigos 9.º, 55.º n.º 1 al. a) e 112.º, n.º 1, todos do CPTA.

C) Dos vícios dos despachos impugnados:

25.º

O despacho em causa é ilegal, dado que viola a Lei de Bases da Saúde, não possui fundamentação suficiente, não existiu audiência prévia de interessados e será sempre inconstitucional.

26.º

A acção a intentar e da qual irá depender a presente providência será uma acção administrativa especial e na qual será formulado o pedido de ilegalidade, e consequente nulidade dos despachos acima transcritos, bem como a declaração de inconstitucionalidade.

27.º

A Lei de Bases da Saúde é uma lei de valor reforçado, devendo-lhe obediência todas as normas que, no plano hierárquico, surgem como subordinadas: outras leis de valor não reforçado, Decretos-leis, Portarias e Despachos.

28.º

Nos termos da Base XIX, n.º 3 al. b), cabe às autoridades de saúde “Ordenar a suspensão de actividade ou o encerramento dos serviços, estabelecimentos e locais referidos na alínea anterior, quando funcionem em condições de grave risco para a saúde pública”

29.º

Parece resultar que as autoridades de saúde, definidas na Base XIX, n.º 1, apenas poderiam encerrar a MAC se e quando a mesma funcionasse em condições de grave risco para a saúde pública.

30.º

Não resulta do despacho do Ministro da Saúde tal facto, nem sequer são abordadas, no referido despacho, as condições da MAC.

31.º

Pelo contrário, é reconhecido no estudo referido no artigo 5.º da presente P.I., as boas condições da MAC.

32.º

Pelo que, tal despacho, viola uma lei de valor reforçado, o que constitui uma ilegalidade que urge conhecer.

33.º

Sendo ilegal o despacho do ministro, padece de ilegalidade consequente o despacho do presidente da ARSLVT.

D) Da falta de fundamentação:

34.º

O despacho do Ministro da Saúde, não contém qualquer fundamentação, ou seja, não contém quaisquer factos concretos sobre as condições da MAC, sendo o seu conteúdo vago, abstracto e genérico.

35.º

Apenas se limita a referir “promover a racionalização da rede hospitalar pública e a rentabilização dos serviços de maternidade existentes noutras unidades hospitalares da região de Lisboa”.

36.º

Tal entendimento é completamente contrário ao estudo referido no art. 5.º desta P.I.

37.º

O direito de toda a família poder escolher livremente o local onde deseja ter os seus filhos, em condições de melhor qualidade para a mãe e para a criança, é inalienável.

38.º

Este direito não pode ser coarctado com fundamento em filosofia meramente economicista.

39.º

Acresce que, em nenhum momento, nos despachos do impugnado, são referidas as condições do, ou dos hospitais, onde o parto se irá realizar, ou seja, não é definido que esse outro hospital, tem melhores condições, melhores técnicos, ou melhor assistência às mães.

40.º

O que aliás, seria muito difícil de sustentar, uma vez que a MAC, actualmente, possui um serviço de excelência, dificilmente igualável, não só em termos técnicos, como ao nível de assistência.

41.º

Mais grave ainda, os referidos despachos não abordam sequer a possibilidade de as mães manterem-se ligadas ao mesmo corpo clínico que as acompanhou até aqui.

42.º

Sendo que, tais despachos, violam claramente a relação entre a grávida e o médico.

43.º

Ao longo de toda a gestação, a requerente criou uma estreita relação de confiança com o seu médico, que lhe permitia através de telefone aconselhar-se e, por mais de uma vez, dirigir-se às urgências da MAC.

44.º

Pegar na mulher grávida e colocá-la, a dias do parto, num outro hospital e com outra equipa médica, é algo que viola o direito da pessoa à sua personalidade.

45.º

A situação de ansiedade em que se encontra, é de tal ordem que tal poderá trazer consequências nefastas para a saúde do seu filho, tendo sido inclusivamente, e em consequência dessa situação, a partir desse momento, a sua gravidez considerada como de elevado risco.

46.º

As pessoas não são meros números, não podendo ser coarctados os seus direitos por mero fundamento economicista.

47.º

É contra esta visão que os requerentes acreditam ter o direito a insurgir-se.

8.º

Acresce que, a Organização Mundial de Saúde (OMS) desenvolveu o programa Integrated Management of Pregnancy and Childbirth (IMPAC) que estabelece, do ponto de vista científico, parâmetros de qualidade na área da saúde materno-infantil.

49.º

No IMPAC, a OMS recomenda que os sistemas nacionais de saúde devem, visando reduzir ao máximo o risco de morte para a mãe e para a criança, concentrar os seus recursos em três áreas-chave, a saber: a redução do tempo de acesso a instalações de qualidade e a pessoal técnico qualificado durante a emergência da parturiente; a qualidade da formação e a proficiência das equipas técnicas de saúde, e; a integração e interação continuada da mulher grávida, da sua família e da equipa técnica de saúde ao longo de toda a gravidez.

50.º

O encerramento da MAC vai aumentar para mais do dobro a distância entre a residência desta grávida em concreto e a futura maternidade de assistência, aumentando assim, por consequência, o tempo de resposta a uma eventual emergência.

51.º

Tratando-se de uma gravidez de risco, o aumento do tempo de resposta a uma eventual emergência desta grávida aumenta significativamente o risco de morte para a mãe e para a criança.

52.º

O desmembramento e reformulação das equipas técnicas de saúde nas maternidades na área geográfica da residência da grávida, consequência do encerramento da Maternidade Alfredo dos Campos, implicam uma diminuição temporária da proficiência destas equipas, contrariando assim as recomendações da OMS que vão no sentido de evitar situações de mobilidade massiva simultânea nestas equipas.

53.º

Com o encerramento da MAC será quebrada a relação entre a grávida e sua família e a equipa técnica de saúde que a assiste actualmente. Segundo a OMS essa ligação e relação de confiança é uma condição essencial que visa evitar ou diminuir estados de ansiedade que por sua vez têm reflexos fisiológicos cientificamente comprovados.

54.º

Conclui-se, que também no plano clínico, que o encerramento da Maternidade Alfredo dos Campos vai afectar negativamente as três áreas-chave identificadas pela OMS para a redução do risco de morte da mãe ou da criança, risco esse potenciado por no caso concreto se tratar de uma gravidez de risco.

55.º

Assim, comprova-se claramente, que os despachos em causa, não possuem a mínima fundamentação objectiva que os sustente, violando o disposto nos artigos 124.º e 125.º do CPA que resultam da densificação do previsto no art. 268.º n.º 3 da CRP.
E) Da falta de audiência prévia

56.º

Está constituída há 30 anos a associação de utentes da MAC, da qual os requerentes são membros.

57.º

Nos termos da Lei de bases da saúde, base XIV, os utentes tem o direito a; alínea h) “Constituírem entidades que os representem e defendam os seus interesses”; e alínea i), “Constituírem entidades que colaborem com o sistema de saúde, nomeadamente sob a forma de associações para a promoção e defesa da saúde ou grupos de amigos de estabelecimentos de saúde”.

58.º

Nos termos da base II “A política de saúde tem âmbito nacional e obedece às directrizes seguintes”, na sua alínea g) “É promovida a participação dos indivíduos e da comunidade organizada na definição da política de saúde e planeamento, no controlo de funcionamento dos serviços”

59.º

De onde, nos termos do código de procedimento administrativo (doravante CPA) a associação de utentes da MAC teria sempre o direito a ser ouvida antes de proferido o despacho do ministro da saúde.

60.º

O direito a ser ouvido antes da tomada de uma decisão administrativa, em especial quando esta é desfavorável para o particular, decorre directamente do princípio da Dignidade da Pessoa Humana, art. 1.º da CRP, bem como do princípio de Estado de Direito Democrático, art. 2.º da CRP, perspectivando desta maneira uma garantia da segurança jurídica.

61.º

Mas tal não aconteceu, havendo por essa via, violação do disposto no art 100.º e ss do CPA.

62.º

A natureza deste direito dos particulares é considerada como um direito fundamental ou, como defendem ainda alguns autores, como um direito análogo a uma garantia de natureza jus-fundamental.

63.º

Nesse entendimento, a preterição desse momento procedimental resultará, desta maneira, sempre na nulidade do acto, de acordo com a alínea d) do nº 2 do artigo 133.º do CPA.
Porém, ainda que assim não se entendesse, tratar-se-ia sempre de um acto anulável nos termos do art.º 135 do CPA.

F) Da inconstitucionalidade

64.º

Nos termos do art. 64.º da CRP “todos têm o direito à protecção da saúde e o dever de a defender e promover.

65.º

Nos termos do art. 68.º n.º 2 da CRP “a maternidade e a paternidade constituem valores sociais eminentes”.

66.º

Nos termos do art. 25.º da CRP “ a integridade moral e física das pessoas é inviolável”.

67.º

Nos termos do art. 112º da CRP não é possível um despacho violar uma lei de bases.

68.º

O despacho do Ministro da Saúde viola a base XIX conforme supra referido.

69.º

Nos termos dos despachos impugnados, a requerente considera que está em risco o direito à saúde e sobretudo o direito à intimidade da sua vida privada.

70.º

Vai ser violado o seu direito de ter consigo, na hora do parto, o médico que sempre a acompanhou durante a gestação e tal é seguramente uma violação do direito de personalidade da requerente e do seu livre desenvolvimento, e mesmo da sua intimidade.

71.º

Por outro lado, os requerentes têm o direito a que o seu filho nasça no espaço territorial que escolheram, cuja identidade sociocultural e familiar é essencial à sua formação e ao livre desenvolvimento da sua personalidade.

72.º

Nesta medida e nos termos citados, os despachos são manifestamente inconstitucionais.
G) Dos pressupostos da providência
i) Da aparência do direito – “fumus boni júris”

73.º

Tal como o supra alegado, os despachos impugnados ao violarem, não só uma lei de valor reforçado, como a sua falta de fundamentação, a falta de audiência prévia, e a violação de princípios constitucionais estruturantes de um estado de direito democrático, conduzem necessariamente à sua ilegalidade e inconstitucionalidade manifesta.

74.º

Sobre este mesmo assunto, escreve Miguel Prata Roque que «[…] a consagração expressado fumus boni iuris como critério principal de decretação de providências cautelares administrativas constitui uma machadada final no dogma da presunção de legalidade da actividade administrativa. Deste modo, é afastada a presunção de que a execução de quaisquer actos ou operações materiais pela Administração se encontra a coberto do interesse público. A principal consequência da sumariedade da tutela cautelar traduz-se
numa atenuação do grau de prova necessário para justificar a decretação de uma providência. Será assim suficiente a mera justificação ou demonstração de uma vrosími1hança entre os factos alegados pelo requerente e a verdade fáctica» (Novas e velhas andanças do Contencioso Administrativo, pág. 573 e ss.).

75.º

Acerca da temática do fumus boni iuris, afirmam Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha que:
[…] tanto a alínea b) como a alínea e) do n.º 1 do art.º 120.º do CPTA, fazem depender a atribuição de providências cautelares da formulação de um juízo sobre as perspectivas de êxito que o requerente tem no processo principal. Se este é, pois, um critério comum à atribuição, tanto de providências conservatórias, como de providências antecipatórias, a verdade, porém, é que a formulação utilizada, quanto a este ponto, em cada uma das alíneas é diferenciada, de onde resulta que a atribuição de providências conservatórias, por um lado, e de providências antecipatórias, pelo outro, obedece, neste particular, a regimes distintos. Com efeito, a alínea b) satisfaz-se, no que a este ponto diz respeito, com uma formulação negativa, nos termos da qual basta que «não seja manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada ou a formular» pelo requerente no processo principal «ou a existência de circunstâncias que obstem ao seu conhecimento de mérito» para que urna providencia conservatória possa ser concedida. Consagra-se, deste modo, o que já foi qualificado corno um fumus non malus iuris: não é necessário um prejuízo de probabilidade quanto ao êxito do processo principal basta que não seja evidente a improcedência da pretensão de fundo do requerente ou a falta do preenchimento de pressupostos dos quais dependa a própria obtenção de uma pronúncia sobre o mérito da causa. Pelo contrário, de acordo com a alínea e) (do artº 120º n°1), tem de ser provável que a pretensão formulada ou a formular no processo principal venha ser julgada procedente para que urna providência antecipatória possa ser concedida Como, neste domínio, o requerente pretende ainda que a título provisório, que as coisas mudem a seu favor, sobre ele impende o encargo de fazer prova sumária do bem fundado da pretensão deduzida no processo principal. (cometário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos – fls. 804 e ss)

76.º

Daqui se conclui que conforme demonstrado pelos requerentes, ainda que sumariamente, que a acção principal irá proceder, justificando, assim, a tutela antecipatória conferida pelo decretamento da presente providência cautelar.

ii) Do fundado receio de constituição de facto consumado – O “periculum in mora”

77.º

A manterem-se os despachos impugnados a MAC encerrará até ao final do mês de Maio

78.º

Estando a decorrer diligências tendentes ao seu encerramento conforme decorre do despacho do presidente da ARSLVT

79.º

Assim a requerente no estado de gravidez, vai ser forçada a fazer o parto num local que não conhece.

80.º

Acompanhada por médicos com os quais não teve qualquer relação em termos clínicos.

81.º

Vai correr maiores riscos até ao final da sua gravidez, e no próprio dia do parto, devido à maior distância a que fica o Hospital Lisbonense PPP.

82.º

Estando o nascimento do seu filho previsto para o presente mês de Maio, nunca seria possível, em tempo útil, obter uma sentença que tivesse efeitos práticos na pretensão dos requerentes.

83.º

Urge aliás a tomada de uma decisão imediata.

84.º

De acordo com o STA, o requisito do periculum in mora «encontra-se preenchido sempre que exista fundado receio que, quando o processo principal chegue ao fim e sobre ele venha a ser proferida uma decisão, essa decisão já não venha a tempo de dar resposta adequada às situações jurídicas envolvidas em litígio, seja porque a evolução das circunstâncias durante a pendência do processo tornou a decisão totalmente inútil, seja porque, essa evolução conduziu à produção de danos dificilmente reparáveis» (Acórdão do STA de 28 de Outubro de 10/2009, Proc. n.º 826/09).

iii) Prevalência dos interesses privados face ao interesse público e do prejuízo de difícil recuperação

85.º

Os requerentes pretendem assegurar na acção principal a declaração de ilegalidade e mesmo inconstitucionalidade dos despachos em causa.

86.º

Na defesa do seu direito à protecção da saúde e os seus direitos de personalidade acima enunciados.

87.º

A ser proferida na acção principal decisão que reconheça tais direitos, os prejuízos para os requerentes serão, não só, de dimensão incomensurável, como jamais vão poder ser ressarcidos.

88.º

Consumados os actos que advém do cumprimento do exarado nos despachos que se impugnam, toda a situação se torna irreversível.

89.º

Por outro lado, o manter aberta a MAC, não causará qualquer dano, pelo menos visível, no interesse público, a não ser, eventualmente, em termos económicos.

90.º

Danos eventuais, que não se podem sequer comparar com os prejuízos irreparáveis que advirão para os requerentes, conforme ficou demonstrado.

91.º

E mesmo que se admitisse, sem conceder, que a suspensão da eficácia do despacho do presidente da ARSLTV lesava o interesse publico, não se poderia deixar de atender ao facto de que, como foi afirmado no Ac. do STA de 11 de Julho de 1996 (Proc. N.º40 493), «(…) o que importa é saber se, no caso concreto, essa lesão é grave, pois o que a lei exige neste domínio é que o dano se revista de uma intensidade tal que ponha em causa situações jurídicas matérias fundamentais, relevantes para a comunidade na sua totalidade e para cada um dos seus membros».

92.º

Além do mais, como também já foi reconhecido no Ac. do STA de 19 de Setembro de 1996 (Proc. N.º 40 890), «no âmbito do presente requisito não releva um interesse publico genérico que deverá estar implícito em todos os actos administrativos, antes se impondo a identificação do interesse publico que, em concreto, torne imperativa a não suspensão da eficácia do acto em causa»

93.º

Ora, no caso em apreço, não se verifica nenhum facto que possa levar a concluir que a suspensão da eficácia produz uma grave lesão para o interesse público.
v) Do decretamento provisório

94.º

A providência destina-se a tutelar Direitos, Liberdades e Garantias que de outro modo não podem ser exercidos em tempo útil.

95.º

Dado que, sendo cumprido o determinado nos despachos impugnados, existe a lesão iminente e irreversível dos direitos, liberdades e garantias dos requerentes.

96.º

Quanto ao iminente em face do despacho proferido pelo Presidente da ARSLVT, essa lesão já está em curso.

97.º

Quanto ao irreversível, como já foi explanado, um parto que irá ocorrer noutro hospital que fica a mais do dobro de distância da sua residência, a mudança de equipa médica que assiste a requerente, irá provocar nos requerentes, e possivelmente no seu filho que irá nascer, danos irreversíveis, e irreparáveis.

98.º

Nos termos do art. 131 do CPTA, deve assim, ocorrer o decretamento provisório da providência.

99.º

As partes são legítimas (art. 9.º, 10.º, n.º 1 e 2, 40.º e 55.º e 122.º todos do C.P.T.A.), e o tribunal territorialmente competente (art. 16.º do CPTA).

Termos em que deve a presente providência se admitida e julgada por procedente e provada e em
consequência:

a) Ser decretada provisoriamente a suspensão de eficácia dos despachos em causa;

Se assim não for entendido;

b) Ser decretada a suspensão de eficácia dos despachos em apreço.

c) Contra interessados - Hospital PPP

Prova:
Documental

Doc. 1 – Estudo da Faculdade de Medicina de Lisboa;
Doc. 2 – Relatório médico comprovativo da situação da requerente e sua gravidez de risco
Doc. 3 – Comprovativo do nascimento dos familiares do requerente na MAC
Doc. 4 - Relatório de acompanhamento durante a gestação e declaração de acompanhamento desde 2005 pelo seu médico na MAC.
Doc. 5 – Notificação por parte da ARSLVT a remeter a requerente para o Hospital PPP
Doc. 6 – O programa desenvolvido pela Organização Mundial de Saúde (OMS Integrated Management of Pregnancy and Childbirth (IMPAC))

Testemunhas:
José Utente – presidente da associação de utentes da MAC
António Amigo

Junta: 6 documentos, procuração, comprovativo do pagamento da taxa de justiça e duplicados legais.

Os Advogados:

Sem comentários:

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