quarta-feira, 23 de maio de 2012

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte

Processo: 00386/07.6BEMDL
Secção: 1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acórdão: 04/05/2012
Relator: Rogério Paulo da Costa Martins

EM NOME DO POVO

Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

F. … e M. … interpuseram o presente RECURSO JURISDICIONAL do despacho saneador proferido pelo Tribunal Administrativo e Fiscal, em 28.09.2010, na acção administrativa especial movida contra o Instituto dos Vinhos do Douro e Porto, IP., a absolver o Réu da Instância, por inimpugnabilidade do acto cuja anulação aqui se pede, dado ser um acto meramente confirmativo.

Invocou para tanto, em síntese, que a decisão recorrida violou, por erro de interpretação e aplicação ao caso concreto, o disposto nos artigos 53º, 66º, n.º 2, e 71º, todos do Código de Processo nos Tribunal Administrativos e Fiscais.

O Recorrido contra-alegou defendendo a manutenção da decisão recorrida.

O Ministério Público neste Tribunal não emitiu parecer.
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Cumpre decidir já que nada a tal obsta.
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São estas as conclusões das alegações do presente recurso jurisdicional e que definem respectivo objecto:

A.- O acto impugnado pelos Autores não é um acto confirmativo.

B.- Porque tem objecto e fundamentos diferentes do acto anteriormente praticado pelo Réu. O acto de 22/8/2007 concede uma autorização para a produção de rosto generoso constando uma tabela as parcelas às quais tinha atribuída autorização para a produção do rosto generoso. Neste acto não consta nenhuma referência às parcelas de vinha legalizadas para as quais os Autores tinham requerido autorização para a produção de rosto generoso. Também não consta a fundamentação. O acto de 12/9/2007, vem expressamente afirmar que as vinhas legalizadas não têm autorização para a produção de rosto generoso (“não têm benefício”) e fundamentou esta decisão na interpretação da legislação em sentido diverso do defendido pelos Autores (V. ponto 4 do doc. nº 9 junto com a petição inicial).

C.- A douta sentença em apreço interpreta erradamente o art.º 53º do CPTA, pois não considera que o acto confirmativo em nada inova o acto confirmado e, por isso, não produz efeitos lesivos.
Sem conceder

D.- Mesmo que se considere que o acto impugnado é confirmativo, não se poderia absolver o Réu da instância sem se apreciar o pedido de condenação formulado pelos Autores e cumulado com a impugnação. E ao fazê-lo a decisão em apreço violou os art.ºs 66º/2 e 71º CPTA.

E.- Este pedido de condenação tem como objecto a posição subjectiva de conteúdo pretensivo dos Autores (autorização para a produção de mosto generoso) e não a invalidade do acto de indeferimento desta pretensão.

F.- E foi tempestivamente apresentado (art.ºs 69º/2, 69º/3, 58º/2/b, 58º/3 e 59º CPTA).
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I. A decisão recorrida deu por assentes os seguintes factos, sem reparos nessa parte:

1. Os Autores compraram a A. … e mulher ME. …, no ano de 2001, os prédios rústicos que identificam e descrevem no art.°1 da P1 — doc. n.ºs 1 e 2 da P1 e art.º 2.° da PI aceite pelo R. no art.º 5º da contestação;

2. Todos os direitos inerentes aos mesmos foram transmitidos, designadamente a licença n.º 16.178 emitida em 16/12/1996 pelo Instituto da Vinha e do Vinho (doravante Instituto) — doc. n.º 3 e art.º 3 da PI aceite pelo R. no art.º 5 da contestação;

3. Aquela licença foi concedida por despacho n.º20.776, de 9/9/1996, e destinava-se a legalizar a vinha existente, e que se efectivou, nas parcelas designadas de Singueta e Eira Rica — doc. n.º 3 e art.ºs 4.° e 5 da PI aceite pelo R. no art.º 5 da contestação;

4. Os antigos proprietários (A. … e ME. …) solicitaram o arranque de vinha plantada nos ditos prédios (Singueta e Eira Grande) de modo a poderem reestruturá-las, tendo sido emitidos pelo Instituto os respectivos direitos de replantação — doc. n.° 4 da PI e art.° 6 da PI aceite pelo R. no art.° 5 da contestação;

5. Foi efectuada a respectiva reestruturação com o apoio do Projecto Vitis n.°2002210013591 do Instituto e Apoio ao Desenvolvimento da Agricultura e Pescas ( IFADAP) — doc.° 5 da PI e art.° 7.° da PI aceite pelo R. no art.° 5 da contestação;

6. O Instituto enviou aos Autores a “Autorização de produção de mosto generoso 204500411/2/B”, em 22/8/2007, conforme doc. n.° 6 da PI, que aqui se dá por reproduzido, com o seguinte destaque: “Mosto Generoso Autorizado (Litros) // …”,

7. Em 31/8/2007 os Autores dirigiram uma “Reclamação” ao R. que consta de doc. n.°7 da PI, com o seguinte destaque: “(1..) Tendo recebido a minha autorização de mosto generoso, não foi de estranhar verificar que as minhas parcelas de vinha legalizadas quer pelo Decreto-lei n.° 504—1, de 30 de Dezembro quer pelo Decreto-lei 83/97, de 9 de Abril, não tiveram direito a qualquer quantitativo. No entanto, permita-me discordar e contestar tal decisão (...)”

8. O R. respondeu por oficio n.° 006667, de 12/9/2007, que consta de doc. n.º9 da PI, com o seguinte destaque: “(...) Não se afigura, deste modo, legalmente possível satisfazer a v/ pretensão por via administrativa (...)”.
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II – O enquadramento jurídico.

Dispõe o artigo 53.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, invocado na decisão recorrida para rejeitar a presente acção e absolver o Réu da Instância, que:

“Uma impugnação só pode ser rejeitada com fundamento no carácter meramente confirmativo do acto impugnado quando o acto anterior:
a) Tenha sido impugnado pelo autor;
b) Tenha sido objecto de notificação ao autor;
c) Tenha sido objecto de publicação, sem que tivesse de ser notificado ao autor.

Na interpretação deste preceito, diz-nos Mário Esteves de Oliveira, in Direito Administrativo, Volume I, 1980, p.411:

Para que o acto confirmativo se considere contenciosamente inimpugnável necessário se torna que estejam preenchidos diversos requisitos, de que as nossas jurisprudência e doutrina se têm feito eco.
Em primeiro lugar é necessário que o acto confirmado e o acto confirmativo hajam sido praticados ao abrigo da mesma disciplina jurídica: se, entre a prática de um e de outro, se verifica uma alteração legal ou regulamentar dessa disciplina, o acto posterior não se considera confirmativo e é susceptível de impugnação contenciosa. O mesmo se diga para a modificação das condições fácticas que rodeiam a prática do acto.
Em segundo lugar, o acto confirmativo só não pode ser impugnado se o particular já tivesse conhecimento (por qualquer dos modos referidos no art.º 52º do RSTA) do acto confirmado antes da interpretação do recurso contra o acto confirmativo.
O terceiro requisito para que o acto confirmativo se diga impugnável é a total correspondência entre os seus diversos elementos – efeitos jurídicos, interessados, fundamentos de facto e de direito (art. 140 nº 2 do Projecto do CPAG) – e os do acto confirmado; se assim não acontecer, o acto só será de considerar como parcialmente confirmativo e então torna-se susceptível de impugnação contenciosa, podendo arguir-se contra ele todas as ilegalidades concretas (não vícios em abstracto) que não pudessem ser deduzidas contra o acto parcialmente confirmado.”

Estes requisitos, não são, no entanto, de aplicação cumulativa mas alternativa.

Cada alínea, por si só, contém uma previsão autónoma das restantes.

Como refere Mário Aroso de Almeida, em “O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos”, 4ª edição revista e actualizada, p. 163: “…o acto meramente confirmativo também não pode ser impugnado por quem, estando constituído no ónus de impugnar o acto anterior dentro dos prazos legais, não o tenha feito, na medida em que, de outro modo, se estaria a permitir que o litígio fosse suscitado sem observância dos prazos legais. Neste sentido, as alíneas b) e c) do artigo 53.° estabelecem que o acto meramente confirmativo não pode ser impugnado se o acto anterior tiver sido notificado ao interessado ou, em alternativa, se o acto anterior tiver sido publicado, nos casos em que o interessado não tivesse de ser notificado e, por isso, bastasse a publicação para que ele se lhe tornasse automaticamente oponível (cfr., a propósito, artigo 59.°)” .

O preceito em análise manteve o que dispunha o artigo 55º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos (com sublinhado nosso):

O recurso só pode ser rejeitado com fundamento no carácter meramente confirmativo do acto recorrido quando o acto anterior tiver sido objecto de notificação ao recorrente, de publicação imposta por lei ou de impugnação de deduzida por aquele.”

Daí que se mantenha válida a doutrina (e a jurisprudência) emanada na vigência da legislação anterior.

Um acto confirmativo não é um acto administrativo uma vez que nada inova na esfera jurídica do destinatário que não vê alterado o “status quo ante”, limitam-se a manter uma situação (lesiva) anteriormente criada, sem produzir qualquer efeito — cfr. Rogério Soares, in “Direito Administrativo (Lições)”, pág. 346; Sérvulo Correia, in “Noções de Direito Administrativo”, página 347.

O acto confirmativo é aquele que se limita a repetir um acto administrativo anterior, «sem nada acrescentar ou retirar ao seu conteúdo» — Marcello Caetano, in “Manual de Direito Administrativo,” Volume I, página 452.

Para que um acto administrativo seja confirmativo de outro, é necessário, além da identidade dos sujeitos, que os dois actos tenham os mesmos pressupostos, a mesma fundamentação e o mesmo regime jurídico (cfr. neste sentido o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 11-10-2006, tirado no Proc. 0614/06, em www.dgsi.pt).

Dito de outro modo, um acto é confirmativo quando emana da entidade que proferiu decisão anterior, apresenta objecto e conteúdo idênticos aos desta e se dirige ao mesmo destinatário, limitando-se a repetir essa decisão, perante pressupostos de facto e de direitos idênticos — Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 19-06-2007, processo n.º 0997/06.

No caso concreto, e como se decidiu, o acto que definiu a situação jurídica concreta dos ora Recorrentes, relativamente à pretendida produção de mosto generoso, foi acto contido no ofício de 22.08.2007, que não autorizou a respectiva produção.

O acto contido no ofício de 12.09.2007 limita-se a confirmar o primeiro acto perante uma reclamação dos ora Recorrentes que discordam, por entenderem ilegal, a recusa de autorizar a produção de mosto generoso.

Que os ora Recorrentes entenderam, pelo menos, o sentido de recusa de autorização em relação ao primeiro acto, fica claro do teor da respectiva reclamação.

Se esse primeiro acto é perfeitamente claro e coerente, ou não, como pretendem os Recorrentes, é uma questão que se prende com a respectiva validade e não com a sua natureza de acto administrativo, inovatória.

Assim como, logicamente, não prejudicam o carácter meramente confirmativo do segundo acto, aqui impugnado.

Importa reter ainda, numa aproximação ao caso concreto, que o regime da inimpugnabilidade dos actos está associado às necessidades de estabilidade e segurança jurídicas — os actos anuláveis devem consolidar-se pelo decurso do prazo da impugnação.

Por outro lado, para a acumulação de pedidos, de anulação do acto e de condenação à prática do acto devido, admitida pelo artigo 47º, n.º1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, exige-se que não se tenha consolidado na ordem jurídica o acto incompatível com o acto que se pretende ver praticado (Mário Aroso de Almeida e Fernandes Cadilha, no Código de Processo nos Tribunais Administrativos, comentado e anotado, 2ª edição revista, nota ao n.º 4 do referido preceito).

Entendimento contrário, esvaziaria completamente de sentido útil as normas que estabelecem prazos para a impugnação de actos administrativos pois, podendo ainda deduzir-se o correspondente pedido de condenação à prática do acto pretensamente devido, necessariamente se abria a possibilidade de fazer desaparecer da ordem jurídica o acto administrativo (de sentido oposto) que entretanto se tivesse consolidado na ordem jurídica.

Assim, no caso concreto das duas uma:

Ou é ainda legalmente admissível a impugnação do acto administrativo contido no ofício de 22.08.2007, o acto que definiu a situação jurídica concreta dos ora Recorrentes, não autorizando a produção de mosto generoso, por não ter decorrido ainda o prazo legal para o efeito.

Ou esse acto se consolidou na ordem jurídica por se ter esgotado, como tudo indica nos autos, o respectivo prazo de impugnação contenciosa.

Na primeira hipótese a condenação à prática do acto devido deverá ser deduzido no processo de impugnação do acto contido no ofício de 22.08.2007, resultando a eliminação deste acto de indeferimento da ordem jurídica directamente da pronúncia condenatória – artigos 66º, n.º 2, e 67º, n.º1, alínea b), do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

Na segunda hipótese, já o pedido de condenação à prática do acto devido não poderá ser deduzido em juízo por se ter consolidado na ordem jurídica um acto incompatível com essa pronúncia.

A questão da tempestividade do pedido de condenação à prática do acto devido, face aos prazos estabelecidos para esta acção no artigo 69º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, fica assim prejudicada pela inadmissibilidade legal deste pedido face à consolidação na ordem jurídica de acto incompatível.


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Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam NEGAR PROVIMENTO ao recurso jurisdicional, pelo que mantêm a decisão recorrida.

Custas pelo Recorrente.
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Porto, 4 de Maio de 2012
Ass. Rogério Martins
Ass. José Augusto Araújo Veloso
Ass. Antero Pires Salvador


José Miguel Pascoalinho - Aluno 17387

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