quarta-feira, 23 de maio de 2012

A Resolução Fundamentada, tão simples e tão complicada

Esta contribuição para o blog de Contencioso Administrativo e Tributário resulta de uma pesquisa e análise por mim realizada de diversos Acórdãos dos Tribunais Administrativos acerca da possibilidade da Administração conseguir evitar a suspensão da eficácia de um acto administrativo quando esta seja requerida, podendo assim prosseguir ou iniciar a execução deste, fazendo uso de uma Resolução Fundamentada (prevista da parte final do art. 128º do CPTA). Abordam-se ainda alguns problemas práticos que a resolução fundamentada, bem como o incidente de declaração de ineficácia de actos de execução indevida, podem trazer.
Por uma questão de preferência pessoal, os ditos acórdãos são enunciados no próprio texto, e não no fim.



Será a resolução fundamentada um acto administrativo?


Não, a resolução fundamentada a que se refere a parte final do nº1 do artigo 128º não é considerada um acto administrativo. Vejamos uma pequena citação do Acórdão nº 01205/07.9BEVIS-A de Tribunal Central Administrativo Norte, 14 de Fevereiro de 2008:

A "resolução fundamentada" não constitui ou pode qualificar-se como um acto administrativo, pois, trata-se duma pronúncia administrativa desenvolvida no âmbito e sob a égide estrita dum processo judicial cuja legalidade cumpre ser exclusivamente sindicada através do competente incidente previsto no art. 128.º, n.ºs 4 a 6 do CPTA.

Critérios de decisão

Quando o tribunal precisa de avaliar a resolução fundamentada para se pronunciar sobre a eficácia de actos de execução, qual o critério que deve usar?
O nº3 do art. 128 diz-nos que “considera-se indevida a execução quando (…) o tribunal julgue improcedentes as razões em que aquela se fundamenta”, mas não nos ajuda com critérios de decisão, além da referência a uma “grave lesão para o interesse público”, na parte final do número um.
Será que devemos aplicar os critérios de decisão que valem para a decisão da própria providência cautelar, previstos no artigo 120º?

Apesar da dúvida que possa legitimamente surgir, de leitura e estudo das normas referidas, neste ponto não existe divergência na jurisprudência. É ponto assente a não aplicabilidade do artigo 120º em relação à resolução fundamentada, pelo que o tribunal não tem de ter em conta o periculum in mora ou o fumus boni iuris, ou sequer elaborar um juízo de ponderação dos interesses públicos e privados em questão.

Cita-se o Ac. 05764/09 de 14-10-2010 do Tribunal Central Administrativo Sul:
Com efeito, para decidir se os actos de execução devem, ou não, ser considerados ineficazes, o Tribunal apenas deve verificar:
(i) se a resolução fundamentada existe,
(ii) se foi emitida dentro do prazo legal e
(iii) se está fundamentada, no sentido de demonstrar e provar que o diferimento da execução (que é a regra geral) seria gravemente prejudicial (e não apenas maçador, inconveniente ou até simplesmente prejudicial) para o interesse público (e não para o interesse dos contra-interessados).
(...)
apenas os casos em que o diferimento dessa execução seja gravemente prejudicial justificam, rectius, permitem o afastamento da regra geral (standstill clause) que determina a proibição de executar o acto administrativo suspendendo.
No mesmo sentido, Acórdão nº 01205/07.9BEVIS-A de Tribunal Central Administrativo Norte, 14 de Fevereiro de 2008

Repare-se que o interesse público estará sempre presente em qualquer resolução que a Administração decida elaborar, uma vez que a suspensão da eficácia de um acto administrativo prejudica sempre o interesse público que este visava prosseguir.
Daí que seja necessário algo mais do que alegar a inconveniência da suspensão da eficácia do acto, alegar a utilidade ou necessidade do acto de acordo com o interesse publico, ou ainda apenas considerar que este saia (meramente) prejudicado. Tem de haver sempre um grave prejuízo para o interesse público.

A regra que emana do art.128º, nomeadamente do seu nº 1, é a de que quando for requerida a suspensão da eficácia do acto administrativo, a Administração está impedida de iniciar ou prosseguir a sua execução. A situação prevista na parte final da mesma norma, a resolução fundamentada que é o objecto do nosso texto, é uma situação excepcional. Alguma jurisprudência considera mesmo que a Administração apenas utiliza legitimamente este recurso em situações excepcionais, pontuais, para dar resposta a situações de especial urgência em que da suspensão da eficácia do acto se verifique grave prejuízo para o interesse público.

Assim, Ac. nº 01205/07.9BEVIS-A de Tribunal Central Administrativo Norte, 14 de Fevereiro de 2008

Sobre os actos de execução indevida

Quando a Administração decide usar o mecanismo da resolução fundamentada para evitar a suspensão da eficácia de um acto administrativo, o incidente previsto nos números 4 a 6 do artigo 128º permite a qualquer interessado requerer, ao tribunal onde penda o processo de suspensão de eficácia, a declaração de ineficácia dos actos de execução indevida. Daqui podemos extrapolar duas questões a debater:

-Será preciso que tenha havido efectivamente actos de execução pela Administração?
-Havendo-os, terão eles de ser necessariamente especificados individualmente pelo requerente?

A doutrina e jurisprudência têm dado resposta afirmativa a ambas as questões. No caso de a Administração ter procedido a uma resolução fundamentada, mas que na prática e por qualquer motivo não tenha havido a realização de actos de execução, este incidente não pode ser utilizado. Também considera a jurisprudência analisada, existir um ónus para o requerente, de identificar especificamente os actos de execução indevida cuja declaração de ineficácia pretende. Isto porque o fim deste incidente é a declaração de ineficácia de actos de execução indevida concretos. Se eles não existirem, nada poderá o tribunal controlar, o incidente não tem objecto. É uma solução que se impõe devido ao Principio da Economia Processual ( artigos 137º e 138º do Código de Processo Civil)

Tanto a inexistência como a não identificação dos actos de execução contra os quais o requerente deseja reagir obstam à procedência do incidente.
Acórdão 05389/09 de 24-09-2009 do Tribunal Central Administrativo Sul.
Com posição idêntica: Acs. do STA de 28/10/98 – Rec. nº 44007 e de 24/2/2000 – Rec. Nº 45366, e Acórdão 07052/10 de 17-02-2011 do Acórdão do TCA Sul.

No entanto, este entendimento não é isento de críticas.
Em primeiro lugar, não se retira da letra da lei, no artigo 128º/4 do CPTA, que o interessado apenas possa requerer ao tribunal a declaração de ineficácia dos actos de execução indevida. Veja-se a expressão “O interessado pode requerer (...)”. Não nos diz o artigo que ele só possa requerer quando esses actos tenham sido praticados.

No número 3 do mesmo artigo, prevê-se que o Tribunal possa julgar improcedentes as razões em que se fundamenta a resolução, não referindo qualquer momento processual em que tal pode ocorrer.

De acordo com esta interpretação e considerando a inserção sistemática de ambos os números, poder-se-à concluir que o Tribunal pode sempre escrutinar os fundamentos da resolução fundamentada, haja ou não actos de execução indevida.

Também o Princípio da Economia Processual é aqui invocado (faz parte, com argumentos diferentes, da argumentação das duas posições contrárias), na lógica de que seria mais fácil o controlo judicial da resolução fundamentada, só por si, do que os interessados terem de esperar pelos seus efeitos (que podem ser imensos), e terem de reagir, à posteriori contra cada um deles. Relembre-se que, segundo a posição contrária, todos têm de ser efectivamente indicados no incidente de declaração de ineficácia dos actos de execução indevida. Estes podem ser numerosos, ou de difícil conhecimento, e darem assim origem a multiplicação desnecessária de litígios e processos em tribunal, razão pela qual tal imposição, sem base na letra da lei, é uma violação do Princípio da Economia Processual.

Assim foi defendido por uma das partes do processo do Acórdão 07052/10 de 17-02-2011 do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, num entendimento também acolhido por um dos Juízes, António Vasconcelos. No entanto, foi a primeira posição (aqui enunciada) que levou a melhor com dois votos, tendo este juiz votado vencido.



O prazo de 15 dias


Do artigo 128º/1 in fine resulta o prazo de 15 dias para a Administração, através de resolução fundamentada, “reconhecer que o diferimento da execução seria gravemente prejudicial para o interesse público”. O artigo refere apenas os 15 dias, sem mais detalhes. Não temos mais normas referentes a este prazo, pelo que alguns problemas podem levantar-se na prática:
A que se referem estes 15 dias? Apenas à elaboração da resolução pela Administração? Ou à sua junção aos autos? Haverá uma obrigação de juntar a resolução aos autos? Será a resolução eficaz se não for junta aos autos dentro do prazo, mesmo que tenha sido tomada dentro do prazo?


Por deficiência da normal legal, e por não ser uma questão de fácil resolução, podemos encontrar jurisprudência divergente. Temos acórdãos que consideraram que os 15 dias se referem à elaboração da resolução fundamentada, e acórdãos que defendem tratar-se do prazo de junção da resolução aos autos:



O prazo de 15 dias aqui previsto é claramente o prazo imposto por lei à autoridade administrativa para a emissão da referida resolução, e a sua introdução no actual contencioso administrativo, o que não acontecia na anterior LPTA (Cfr. artº 80º da LPTA), prende-se com uma “perspectiva moralizadora, na medida em que não se justifica permitir que a Administração possa protelar o exercício de uma prerrogativa que apenas faz sentido na medida em que seja indispensável para dar resposta a situações de especial urgência”, tal como referem os autores Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha in “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, Almedina, 2005, pag. 648, pelo que tal de 15 dias é o prazo que a autoridade administrativa tem para proferir a resolução fundamentada prevista no artº 128º do CPTA, e não para a notificar ao interessados ou dela dar conhecimento ao tribunal onde pende a providência cautelar.

Ac. 02516/07 de 30-05-2007 dp Tribunal Central Administrativo Sul



De opinião contrária, defendendo a tese do prazo para junção da resolução aos autos:


Impõe-se concluir como o fez o Venerando TCA Sul (in Ac. de 14/10/2010, P.° 05764/09), que: «Tem-se por ilegal uma situação em que a autoridade requerida emita uma resolução fundamentada, datada dentro do prazo de 15 dias, mas que apenas é enviada para o tribunal já depois de passar esse prazo» e, ainda, «Tem-se igualmente por ilegal a prática de actos de execução do acto suspendendo antes de o tribunal ter tomado conhecimento da resolução fundamentada, mesmo que tudo se passe dentro do prazo legal (15 dias).» - N/Negrito.
Ac. 08208/11 de 07-12-2011 do TCA Sul, citando Ac. de 14/10/2010, P.° 05764/09, do mesmo tribunal.



Cabe tecer algumas considerações. 
 
Salvo melhor opinião, não parece resultar da letra da lei que o prazo de 15 dias seja referente à junção aos autos da resolução fundamentada. Da parte final do nº 1 do art. 128 do CPTA não resulta a obrigação de a resolução fundamentada ser entregue ao Tribunal no prazo dos 15 dias, ou mesmo depois desse prazo. Esse é um requisito identificado por alguma doutrina e jurisprudência, sem previsão legal.
Veja-se, no nº 4 do mesmo artigo, que o controlo judicial da resolução fundamentada inicia-se apenas a requerimento do interessado, e só aí existe um primeiro contacto contacto do tribunal com a resolução fundamentada. Deste modo, não faz sentido fazer depender a eficácia da resolução fundamentada do seu envio para o tribunal no prazo dos 15 dias, uma vez que este não se pode pronunciar oficiosamente sobre ela, e, não havendo requerimento nos termos do nº4, o tribunal pode nunca chegar sequer "olhar" para a resolução fundamentada proferida pela Administração.*

_____

 *assim entende a maioria da doutrina e jurisprudência, de acordo com o que escrevemos acima. Naturalmente que quem negue o requisito da prática de actos de execução indevida para a interposição do requerimento de declaração de ineficácia desses mesmos actos, também poderá, seguindo a mesma lógica, defender um controlo judicial oficioso da resolução, justificando assim a tese de que o prazo dos 15 dias se refere à junção aos autos da resolução, e não à sua emissão pela Administração. Mas parece-nos que esta tese carece de um mínimo de correspondência com a letra da lei, e resulta de uma interpretação equivocada do conteúdo e organização sistemática do art. 128.





Eduardo Santos
16592

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