quarta-feira, 9 de maio de 2012

A Intimação para Protecção de Direitos, Liberdades e Garantias


A Intimação para Protecção de Direitos, Liberdades e Garantias 

 O meio processual de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias está previsto nos artigos 109° a 111º do CPTA , forma de tutela especial, mas com carácter definitivo,  surge como uma das inovações da reforma do contencioso administrativo.
Este meio processual urgente  pevisto no artº. 36º CPTA  constitui-se por oposição aos processos principais não-urgentes ( sob a forma da acção administrativa comum ou especial), por um lado, e aos processos cautelares (que existem sempre na dependência destes), por outro.
O artº 109º CPTA, regula a intimação urgente , que corresponde especificamente à concretização da garantia constitucional prevista no art. 20°/5 da CRP, não criando outro tipo de protecção cautelar, mas assegurando aos cidadãos procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, para casos em que  é necessário obter tutela efectiva e em tempo útil contra ameaças ou violações  aos direitos, liberdades e garantias dos particulares.
Esta acção tem como função garantir o princípio da tutela judicial efectiva no âmbito dos direitos, liberdades e garantias, a situações que as providências cautelares não conseguem dar resposta, uma vez que estas não decidem o processo de forma definitiva.
Face ao preceituado no artº 109º nº 1 vislumbra-se a existência de uma subsidiariedade da intimação em relação a qualquer modalidade de providência cautelar, havendo a  necessidade da intimação urgente, sob forma de decisão definitiva, face à impossibilidade ou insuficiência da intimação urgentíssima provisória, regulada no artigo 131º, sob a forma de decretamento provisório de providência cautelar. Assim, a insuficiência do decretamento provisório de providência cautelar e a indispensabilidade de conseguir uma decisão de mérito constituem os pressupostos específicos desta acção que iremos analisar.
Citando CARLA AMADO GOMES a “subsidiariedade é muito mais ampla do que a norma estatui. A possibilidade de utilização da intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias não depende apenas da impossibilidade ou insuficiência do decretamento provisório, antes tem também como pressuposto a inexistência de outro meio processual especial de defesa dos direitos, liberdades e garantias.” (Textos dispersos de direito do contencioso administrativo , 2009). Assim, esta subsidiariedade verifica-se em relação a qualquer providência específica de direitos, liberdades e garantias, como, por exemplo, o habeas corpus ou a intimação para prestação de informações
Objecto: a tutela dos direitos constantes do Título II da Parte I da CRP, bem como outros direitos fundamentais de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias, nos termos do art. 17º da CRP, assegurando uma pronúncia célere e definitiva sobre o mérito da causa, quanto a qualquer atentado, por parte dos poderes públicos, ao exercício útil destes direitos, seja por acção ou por omissão.
A protecção dos direitos, liberdades e garantias – art 20º CRP – estendendo-se à defesa de direitos fundamentais análogos “justifica-se”, no dizer do Prof. Vieira de Andrade, “na sua substância, pela especial  ligação destes direitos à dignidade da pessoa humana, e, na sua oportunidade, pela consciência de perigo acrescido da respectiva lesão, que, nas sociedades actuais, decorre sobretudo de o seu exercício depender, de modo cada vez mais intenso, de actuações administrativas não apenas negativas , mas também positivas, isto é, de intervenções de tipo autorizativo e não apenas das proibições, imposições ou limitações, designadamente policiais.”
 Contudo, na linha da evolução constitucional e da evolução do próprio contencioso administrativo, o que o legislador administrativo consagrou no 109º CPTA foi um meio reforçado, para sublinhar a posição preferencial do cidadão como sujeito de direitos e liberdades fundamentais. Confirma-se assim a centralidade dos direitos subjectivos do particular no seio do novo regime do contencioso administrativo.
Pressupostos para a  admissibilidade do pedido urgente de intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias :
- necessidade de  obtenção urgente de uma decisão de mérito sobre a pretensão do particular, em defesa de um direito, liberdade ou garantia.
- impossibilidade ou insuficência  para a tutela da situação concreta o decretamento provisório de uma providência cautelar, no âmbito de uma acção administrativa não-urgente, seja comum ou especial.
O requerente terá que alegar e provar, ainda que sumáriamente, a indispensabilidade da acção para o exercício em plenitude do seu direito
O recurso a este meio processual  tem em vista a necessidade de  obter uma protecção rápida e definitiva, face a qualquer tipo de ameaças, restrições ou violações provenientes de actuação ou omissão da Administração Pública ou de privados no exercício da função administrativa. Em prol da celeridade do processo, o legislador assume o risco e o prejuízo que a mesma representa para a obtenção de prova e para a ponderação global da questão. Daí dar-se preferência à aplicação das providências cautelares (essas sim, provisórias e acessórias), sempre que tal seja possível e adequado.
O artº 109º , embora seja a concretização do artº 20º nº 5 da CRP, aparenta ir mais além.
A questão que se suscita , é a de saber se o artº 109ª abarca,  os direitos fundamentais equiparados ou de natureza análoga, sendo possivel instaurar processo urgente de intimação para proteção dos mesmos ?
A posição  dos Professores Vasco Pereira da Silva e Mário Aroso de Almeida é a de que  não deve ser feita uma interpretação restritiva do preceito constitucional, pois o 109º CPTA pode ir legitimamente para além do mesmo. O essencial é que, de facto, não fique aquém do previsto na CRP. Assim, os processos urgentes de intimação em questão abrangem todos os direitos, liberdades e garantias, incluindo os de natureza análoga e não apenas os pessoais.
Não devemos privilegiar visões restritivas, segundo as quais haveria direitos fundamentais de 1ª e de 2ª categoria. Para superar esta distinção já existe o art. 17º da CRP. Devemos sim sublinhar que em cada caso em que ocorra uma violação de um direito dito programático ou económico, social e cultural, o que a Constituição salvaguarda enquanto manifestação de legalidade objectiva são os direitos subjectivos do particular, que sente a violação na sua esfera privada. Deste ponto de vista, todos os direitos fundamentais constitucionalmente consagrados merecem o mesmo tratamento e a protecção conferida pelo mecanismo do CPTA.
Há jurisprudência , que tem esse endendimento:
- Acórdão de 16-01-2008 (processo 0909/07), (acesso e exercício do direito à educação e princípio da igualdade), nomeadamente: Acórdãos do STA de 20/12/2007 (Proc. 775/07), 13/09/2007 (Proc. 566/07) e 25/09/2007 (Proc. 598/07).
Aqui está patente  que o meio processual é adequado para discutir matérias referentes ao concurso de acesso ao ensino superior, que exigem a obtenção de decisões de mérito urgentes. O meio oferece suficientes garantias dos direitos de defesa da Administração, nomeadamente do direito ao contraditório. Assim, por via do processo urgente de intimação, foram considerados inconstitucionais um Decreto-Lei e um Despacho (ambos de 2006) que permitiam “que os candidatos que realizaram a prova de Química na 1ª fase dos exames nacionais do ensino secundário pudessem melhorar a nota obtida, realizando uma nova prova, sem que aquelas se mostrem inquinadas por erro técnico ou irregularidade, ficando excluídos dessa possibilidade de melhoria de nota os alunos que optaram por realizar a prova na 2ª fase dos exames nacionais”.
No entanto outras sentenças vão em sentido contrário,recusando mesmo a aplicação da intimação urgente, fundamentando  de que os meios não-urgentes, combinados com a protecção cautelar, seriam adequados para a tutela da situação (e não alegando a não-aplicação do processo aos direitos invocados pelo particular). ´´
- Acórdão do STA de 07-10-2009 (processo 0884/09), em que se concluiu que “não pode proferir-se intimação para protecção de direitos liberdades e garantias quando o requerente pretende ver satisfeita uma pretensão de reclassificação profissional, previamente requerida à Administração e que não foi decidida favoravelmente no prazo previsto na lei para decisão, pois, numa situação deste tipo, é suficiente para assegurar adequada tutela judicial para essa pretensão, a acção de condenação à prática de acto devido, complementada com uma providência cautelar, se necessário com decretamento provisório”. A este propósito os Tribunais aplicam o entendimento do Prof. Mário Aroso de Almeida segundo o qual deve haver lugar à “convolação oficiosa do processo de intimação num processo cautelar”, para salvaguardar a posição do particular e aplicar o direito à situação concreta, sobrepondo assim o princípio da tutela jurisdicional efectiva (art. 2º CPTA) à incorrecção formal do pedido original.

Os poucos exemplos acima citados comprovam que a jurisprudência encara os direitos económicos, sociais e culturais como direitos fundamentais de natureza análoga (conforme referido no 17º CRP), conferindo-lhes assim toda a protecção do regime constitucional específico dos direitos, liberdades e garantias. Naturalmente, no âmbito deste regime devemos incluir a possibilidade de recorrer à intimação prevista no 109º CPTA, sempre que os requisitos de urgência de obtenção de tutela de mérito se verifiquem.
As intimaçõoes  para protecção de direitos, liberdades e garantias, são processos autónomos, que servem imediatamente o Direito, baseando-se numa cognição sumárias mas suficiente, assente em prova “certa” ou “segura”, que permitem decisões definitivas, visando a defesa de um determinado direito ou interesse, que põe fim à lide, formando caso julgado material.
Assim, as intimações são processos urgentes, céleres, simples, que visam garantir, única e exclusivamente, determinados direitos, designadamente a defesa de direitos, liberdades e garantias, ou direitos fundamentais de natureza análoga, tendo sido criados e estruturados para alcançar apenas esse fim.

Bibliografia:
- Vasco Pereira da Silva , "O contencioso admisnistrativo no divã da psicanálise", 2009.
- Mário Aroso de Almeida, "O novo regime do processo nos Tribunais Administrativos", 2005.

Maria da Conceição Santos . nº 2099
Marco António André – nº 9327

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