domingo, 6 de maio de 2012

Jurisprudência-Acesso Documentos Administrativos III



ACESSO DOS PARTICULARES AOS DOCUMENTOS DA ADMINISTRAÇÃO
ANOTAÇÃO A SENTENÇA DO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO DO CÍRCULO DE LISBOA
CÉLIA REIS*
*Assistente estagiária da Faculdade de Direito de Lisboa e Jurista do Departamento de Assuntos Jurídicos e Contencioso da CMVM
I. SENTENÇA DO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO DO CÍRCULO DE LISBOA.
“A., melhor id. a fls. 2 dos autos, veio requerer a intimação da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) a emitir reprodução da documentação solicitada pelo requerente em 24.1.2000.
Alega em síntese que, invocando a sua qualidade de contribuinte e accionista da Companhia B., do Banco C., do Banco D. e do Banco E., e o art. 48 n°2 da Constituição da República Portuguesa e disposições aplicáveis do Código de Procedimento Administrativo, solicitou à requerida em 24.1.00 que colocasse à sua disposição o parecer do Banco de Portugal em que este não se opunha à compra pelo Banco F. de uma posição qualificada nos Bancos controlados pela Companhia B., não tendo a CMVM satisfeito a sua pretensão no prazo legal de dez dias de que dispunha para o fazer, em violação dos seus direitos constitucionalmente consagrados e vertidos ao nível do direito ordinário no Código de Procedimento Administrativo e na Lei 83/95 de 31.8.
Notificada a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, alegou, em síntese, na resposta que
apresentou, que o requerimento referido pelo requerente, a solicitar a emissão da certidão do Parecer do Banco de Portugal, não foi recebido pela CMVM, pelo que não houve indeferimento de tal pedido, não se verificando, assim, o pressuposto processual exigido pelo art. 82 da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, devendo a requerida ser, por isso, absolvida da instância.
Ainda que assim não fosse, alega a requerida, sempre o pedido de intimação deveria ser julgado
improcedente, por a CMVM não ter disponibilidade sobre o documento em causa e estar sujeita a sigilo profissional quanto às informações nele contidas.
Notificado o requerente da resposta apresentada pela CMVM, e para se pronunciar, querendo, sobre o alegado não recebimento do requerimento a solicitar a emissão da certidão em causa, aquele nada veio dizer.
O Ministério Público emitiu parecer no sentido do indeferimento do pedido de intimação, por não resultar provado que o requerente formulou, junto da autoridade requerida, nos termos do art. 62 do Código de Procedimento Administrativo, o pedido de emissão da certidão que pretende agora, através deste meio processual, obter.
Dispõe o art. 82 n°1 da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos que “a fim de permitir o uso dos meios administrativos ou contenciosos, devem as autoridades públicas facultar a consulta de documentos ou processos e passar certidões, a requerimento do interessado ou do Ministério Público, no prazo de 10 dias, salvo em matérias secretas ou confidenciais.
Decorrido o prazo referido sem que o processo ou documento seja facultado ou a certidão passada, “pode o requerente, dentro de um mês, pedir ao tribunal administrativo de círculo a intimação da autoridade para satisfazer o seu pedido” (n°2).
O meio processual acessório regulado nos arts. 82 a 85 da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, constituiu um dos afloramentos processuais do direito à informação previsto no art.268 n°1 da Constituição da República Portuguesa.
Este direito à informação tem de ser exercitado, e o seu exercício compreende, in casu, conforme resulta dos preceitos referidos, duas fases: uma fase pré judicial, que se inicia com o requerimento dirigido pelo interessado ou pelo Ministério Público à autoridade pública para que lhe seja facultado o documento ou processo ou emitida a certidão; e uma fase judicial, que tem início com o pedido de intimação da autoridade pública a quem foi dirigido o pedido e que o não satisfez no prazo de dez dias,formulado, no prazo de um mês, pelo requerente ao Tribunal (neste sentido, Santos Botelho,“Contencioso Administrativo”, Anot., 2ª ed. Almedina, 1999, p. 444, 445).
Um dos pressupostos processuais a observar neste meio processual, prende-se com a necessidade de demonstrar ter sido anteriormente accionada a fase pré judicial. A possibilidade prevista no n°2 do art.82 de pedir a intimação da autoridade pública a facultar o documento ou processo ou emitir a certidão é conferida apenas se esta não tiver satisfeito, dentro do prazo de dez dias, o pedido que lhe foi dirigido pelo interessado ou pelo Ministério Público.
A legitimidade passiva assistirá, neste meio processual, precisamente, à autoridade pública a quem foi dirigido o pedido e o não satisfez, ao autor da conduta omissiva.
Ora, no caso dos autos, não resulta demonstrado que a fase pré judicial foi accionada, que o requerente tenha formulado à CMVM o pedido de emissão de certidão do parecer do Banco de Portugal, pedido que esta não tenha satisfeito no prazo de dez dias sobre a sua recepção.
O requerente alega tê-lo feito, juntando cópia de requerimento dirigido à requerida (cfr. fls. 6). Não faz no entanto prova de que tal requerimento tenha sido entregue à requerida ou, de outra forma, por esta recebido.
Não o faz nem mesmo quando notificado do teor da resposta desta e para se pronunciar acerca da questão da não recepção do requerimento, por esta suscitada.
Ora, constituindo a demonstração de tal facto, pressuposto processual do pedido de intimação, e não tendo sido feita, deve o pedido ser, com esse fundamento, indeferido.
Mas, ainda que assim não fosse, sempre o pedido de intimação formulado pelo requerente deveria ser rejeitado. Com efeito, Não estamos, no caso dos autos, no âmbito de aplicação do art. 61 do Código de Procedimento Administrativo, isto é, o pedido em questão não diz respeito a um procedimento administrativo no qual o requerente tenha um interesse directo, não se trata de um procedimento por si ou contra si instaurado. E sim, no âmbito das situações previstas nos arts. 64 ou 65 do Código de Procedimento Administrativo (extensão do direito à informação prevista no art. 61 a quem prove ter um interesse legítimo no conhecimento dos elementos solicitados, e princípio da Administração aberta).
Invocando a sua qualidade de accionista da Companhia B., do Banco C., do Banco D. e do Banco E., o requerente pretende que a CMVM coloque à sua disposição cópia do Parecer do Banco de Portugal não se opondo à compra pelo Banco F. de uma posição qualificada nos bancos controlados pela Companhia B. (Banco C., Banco D. e Banco E., e/ou G.) - cfr. fls. 6.
O direito à informação e ao acesso aos documentos administrativos admite restrições, na medida em que sejam estritamente necessárias à protecção de outros valores constitucionalmente consagrados.
Trata-se de um direito análogo a direitos liberdades e garantias, ao qual se aplica o regime previsto no art. 18 da Constituição da República Portuguesa. Restrições atinentes à tutela do segredo comercial ou industrial, ou relativo à propriedade literária, artística ou científica, à intimidade da vida privada, à segurança interna e externa, à investigação criminal.
Sendo o parecer pretendido da autoria do Banco de Portugal, entidade dotada de poderes de autoridade pública, e onde decorre/decorreu o procedimento no âmbito do qual foi emitido o parecer em causa, a sua cópia deverá ser requerida a essa autoridade, à qual, como refere a requerida, competirá opor à pretensão as excepções que entenda aplicáveis.
Alega a CMVM ter recebido o Parecer em causa no âmbito da cooperação que desenvolve
designadamente com o Banco de Portugal nos termos dos arts. 373 e 374 do Código dos Valores
Mobiliários, estando em relação às informações recebidas nesse âmbito, sujeita a sigilo profissional.
É efectivamente o que resulta dos arts. 354 e 355 do Código aprovado pelo Decreto-Lei n° 486/99 de 13 de Novembro.
Daí que, a recusa de emissão da certidão em questão por parte da CMVM, que não é a autora do
parecer e o recebeu com sujeição a sigilo profissional, fosse, in casu, admissível.
Pelo que, com este fundamento, sempre se impunha o indeferimento do presente pedido de intimação.
*
Por tudo o exposto, tudo visto e considerado, indefiro o pedido de intimação da CMVM formulado por A..
Custas pelo requerente, fixando-se a taxa de justiça em 12.000$00 e a procuradoria em metade
daquela.
Registe e notifique.”
II. ANOTAÇÃO.
Sumário
A LEGITIMIDADE PASSIVA NO EXERCÍCIO DO DIREITO DOS PARTICULARES DE ACESSO À
INFORMAÇÃO ADMINISTRATIVA.
1. Procedimentos de cooperação da CMVM.
2. Utilização da informação recebida através de um procedimento de cooperação num
procedimento de supervisão contínua: acesso dos particulares à informação administrativa não
procedimental.
2. (Continuação) Acesso dos particulares à informação administrativa não procedimental: critério
do dominus do processo.
3. Utilização da informação recebida através de um procedimento de cooperação num
procedimento de supervisão que se traduza na prática de actos administrativos: acesso dos
particulares à informação administrativa procedimental.
4. Conclusões.
A decisão reproduzida decidiu o pedido de intimação, deduzido contra a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), para satisfazer um pedido de passagem de certidão, nos termos do artigo 82.º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos1 (LPTA).
A decisão transcrita aborda duas questões fundamentais em sede do meio processual acessório de intimação para consulta de documentos ou passagem de certidões, consagrado nos artigos 82.º a 85.º da LPTA, a saber:
i) Um problema de índole processual: na situação que constituiu objecto dos autos, não resultou
provado o preenchimento de um dos pressupostos processuais do meio processual em causa: o
accionamento pré judicial da autoridade administrativa - nos termos gerais do acesso à informação administrativa, regulado nos artigos 61.º a 64.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA), quando se trate de informação procedimental, e na Lei de Acesso aos Documentos da Administração2 (LADA), quando se pretenda o acesso a informação não procedimental - para a prestação da informação pretendida pelo particular, e o decurso do prazo de 10 dias sobre o pedido dirigido à autoridade administrativa, sem que se mostre satisfeita a pretensão manifestada. 

1 Aprovada pelo DL n.º 267/85, de 16 de Julho.
2 Aprovada pela Lei n.º n.º 65/93, de 26 de Agosto, e alterada pela Lei n.º 8/95, de 29 de Março, e pela Lei n.º 94/99, de 16 de Julho.

Com efeito, estatui o artigo 82.º, n.ºs 1 e 2, da LPTA, que só verificado este pressuposto se pode
passar ao accionamento judicial da autoridade administrativa para a consulta de documentos ou passagem de certidões.
Nos autos em que foi proferida a decisão transcrita, por não se verificar esse pressuposto, o Tribunal deparou-se, logo à partida, com a impossibilidade de deferir o pedido do requerente, porquanto a falta do pressuposto processual em causa o impediria, segundo os quadros gerais do Direito Processual Civil (subsidiariamente aplicável ao processo nos Tribunais Administrativos, nos termos do artigo 1.ºda LPTA), de conhecer do mérito da causa, devendo ser negada a pretensão do requerente.
ii) Uma questão de natureza material: não obstante a ausência de verificação do pressuposto processual referido, o Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa acrescentou que, ainda que o preenchimento do pressuposto processual tivesse sido assegurado pelo requerente, não poderia ser deferido o seu pedido, atento o teor do documento a que pretendia, através dos autos, aceder.
Nesta segunda parte da fundamentação da decisão, o Tribunal abordou a delicada questão de saber quais são os limites ao exercício do direito de acesso dos particulares à informação administrativa, consagrado na nossa Lei Fundamental (artigo 268.º, n.ºs 1 e 2, da Constituição). A própria sentença transcrita refere esse direito como direito análogo a direitos liberdades e garantias, ao qual se aplica o regime previsto no artigo 18.º da Constituição, nos termos do qual (n.º 2) as restrições legais a esse tipo de direito (que só podem ocorrer nos casos expressamente previstos na Constituição, não estando na disponibilidade do legislador ordinário) devem limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.
O Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa entendeu que, por i) a autoridade administrativa requerida não ser a autora do documento a que o requerente pretendia aceder e ii) por o ter recebido com sujeição a sigilo profissional, a recusa de emissão de certidão do documento em causa seria admissível.
O comentário que se segue cinge-se a esta última questão. Tentamos contribuir para a delimitação das restrições do exercício ao direito de acesso dos particulares à informação administrativa, numa situação concreta: quando a informação (documento) em causa tiver sido produzida por outra autoridade administrativa, que não a destinatária do pedido, e recebida por esta última no âmbito da cooperação que estabelece com aquela e, em consequência, sujeita a sigilo profissional.
A análise dividir-se-á em duas partes, sendo feita a análise do regime do direito dos particulares de acesso àquele tipo de informação administrativa i) quando ela não assuma natureza procedimental, e
ii) quando revista essa natureza.
As reflexões que se seguem serão produzidas com base no regime jurídico que conforma a actuação de uma concreta autoridade administrativa – a CMVM; cremos, não obstante, que até onde o paralelismo dos regimes jurídicos próprios o permitir, as conclusões a que chegarmos poderão ser estendidas a qualquer outra autoridade administrativa.3
A LEGITIMIDADE PASSIVA NO EXERCÍCIO DO DIREITO DOS PARTICULARES
DE ACESSO À INFORMAÇÃO ADMINISTRATIVA.
Na sentença que se comenta, colocou-se a questão de saber se a CMVM poderia emitir certidão4 de um parecer elaborado pelo Banco de Portugal, tendo o Tribunal entendido que não, uma vez que “Sendo o parecer pretendido da autoria do Banco de Portugal, entidade dotada de poderes de autoridade pública, e onde decorre/decorreu o procedimento no âmbito do qual foi emitido o parecer em causa, a sua cópia deverá ser requerida a essa autoridade, à qual, como refere a requerida, competirá opor à pretensão as excepções que entenda aplicáveis.”
A questão que nos ocupa de seguida é se, e, em caso afirmativo, em que situações, pode a CMVM permitir aos particulares que exerçam o seu direito de acesso à informação administrativa, quando estejam em causa documentos emanados de outras autoridades nacionais.
A resposta a esta questão pode não ser a mesma em todas as situações. Parece-nos curial, para determinar qual seja essa resposta, proceder à análise das funções que competem à CMVM, e à
consequente determinação do âmbito em que aquela pode deter documentos elaborados por outras autoridades administrativas. É essa análise que em seguida empreendemos.
1. Procedimentos de cooperação da CMVM.
É atribuição da CMVM, nos termos do artigo 4.º, n.º 1, al. b), do seu Estatuto, exercer as funções de
supervisão, nos termos do Código dos Valores Mobiliários (CódVM). 

3 Esclarecemos que o regime jurídico a cuja análise se procederá não é aplicável às informações integradas nos processos de contraordenação
cujas instrução e decisão são da competência da CMVM (cf. os artigos 360.º, n.º 1, al. e), e 408.º, n.º 1, do Código dos
Valores Mobiliários, aprovado pelo DL 486/99, de 13 de Novembro, e 9.º, al. p), do Estatuto da CMVM, aprovado pelo DL 473/99,
de 8 de Novembro, e alterado pelo DL 232/2000, de 25 de Setembro). Não obstante tratar-se de processos da competência da
CMVM, são processos de contra-ordenação, cujo regime de acesso é regulado no Código de Processo Penal, aplicável ex vi do
artigo 433/82, de 27 de Outubro, na redacção do Decreto-Lei n.º 244/95, de 14 de Setembro.
4 No caso de tal lhe ter sido solicitado pela via graciosa, o que, na situação em apreço nos autos, não aconteceu.

No âmbito das suas atribuições, a CMVM coopera, designadamente, com outras autoridades
nacionais que exerçam funções de supervisão e de regulação do sistema financeiro (artigos 4.º, n.º 2,al. a), do Estatuto da CMVM e 353.º, n.º 2, do CódVM) - como é o caso do Banco de Portugal e do Instituto de Seguros de Portugal (cf. o artigo 374.º, n.º 1, do CódVM).
Os procedimentos de cooperação estabelecidos no CódVM podem, nomeadamente, consistir na
realização de consultas mútuas e na troca de informações, mesmo quando sujeitas a segredo profissional (artigo 374.º, n.º 2, al.s b) e c), respectivamente, do referido Código).
Nos termos do artigo 373.º do CódVM, a cooperação referida obedece aos princípios de reciprocidade, de respeito pelo segredo profissional, e de utilização restrita da informação para fins de supervisão.
Dos normativos referidos resulta, então, que a cooperação é configurada pelo legislador como um dos instrumentos ao serviço das atribuições de supervisão da CMVM.
Os procedimentos de supervisão consagrados no CódVM englobam figuras de natureza vária. Cremos poder estabelecer uma cisão (e aqui tomaremos apenas em consideração os procedimentos de supervisão relevantes para as reflexões que se seguem) entre a supervisão contínua, que consistirá no permanente acompanhamento da actividade das entidades sujeitas à sua supervisão (as referidas no artigo 359.º do CódVM) e do funcionamento dos mercados de valores mobiliários, designadamente verificando o pontual cumprimento da lei e dos regulamentos (cf. os artigos 362.º e 360.º, n.º 1, al.s a) e b), do CódVM), e a supervisão que se traduz na prática de actos administrativos, integrada pela aprovação de actos, concessão de autorizações, realização de registos e formulação de ordens e recomendações concretas (artigo 360.º, n.º 1, al.s c), d), e f), respectivamente, do CódVM).
Tanto numa sede como noutra, pode surgir a inclusão, nos processos organizados pela CMVM, de documentos da autoria de outras autoridades administrativas; no caso dos autos em que foi proferida a sentença que ora se comenta, o parecer do Banco de Portugal destinava-se a integrar um procedimento de supervisão contínua de certa entidade.
Estamos em crer que a determinação da resposta à questão que colocámos – pode a CMVM permitir o acesso à informação administrativa, quando estejam em causa documentos elaborados por outras autoridades administrativas? – passará, exactamente, e num primeiro passo, por verificar se o documento em causa se integra num procedimento de supervisão contínua ou, diversamente, num procedimento de supervisão que se traduza na prática de acto administrativo.
2. Utilização da informação recebida através de um procedimento de cooperação num
procedimento de supervisão contínua: acesso dos particulares à informação administrativa não procedimental.
Como foi considerado na decisão que agora se comenta, o parecer do Banco de Portugal a que o
requerente pretendia aceder integrava-se num procedimento da competência própria do Banco de Portugal, e não da CMVM. A CMVM recebeu cópia desse parecer no âmbito das suas funções de supervisão contínua.
O exercício, pela CMVM, das suas funções de supervisão contínua não integra qualquer processo destinado à prática de um acto administrativo. É levado a efeito um acompanhamento da actividade das entidades sujeitas à supervisão da CMVM e do funcionamento dos mercados de valores mobiliários, que não tem como objectivo a prática, a final, de qualquer acto administrativo, mas apenas manter a CMVM a par da conduta dos agentes do mercado, de modo a poder exercer as suas competências.
Assim, todas as informações que sejam incluídas em procedimentos de supervisão contínua não podem ser consideradas informações procedimentais.
O CPA estabelece uma clara cisão, no que respeita ao acesso dos particulares à informação administrativa, entre a informação integrada num procedimento administrativo e a restante informação administrativa. Os artigos 61.º a 64.º do CPA regulam o direito dos particulares a ser informados pela Administração sobre o andamento e as resoluções definitivas dos procedimentos (cf. o artigo 61.º, n.º 1, do CPA); já o artigo 65.º daquele Código, que consagra o princípio da administração aberta (em consonância com o disposto no artigo 268.º, n.º 2, da Constituição), refere-se ao acesso a arquivos e registos, mesmo que não se encontre em curso qualquer procedimento, remetendo a regulação desse acesso para diploma próprio (a LADA).
Ora, tendo-se como procedimento administrativo, nos termos do artigo 1.º, n.º 1, do CPA, a sucessão ordenada de actos e formalidades tendentes à formação e manifestação da vontade da Administração, e tendo a Administração formas típicas de manifestação da vontade (o regulamento, o acto, e o contrato administrativos), temos de concluir que, uma vez que, nos procedimentos de supervisão contínua, a CMVM não produz qualquer manifestação de vontade segundo as formas legalmente tipificadas (reduzindo-se a sua actividade ao acompanhamento dos mercados e respectivos agentes, como referimos já), nos procedimentos de supervisão contínua da CMVM não estamos perante procedimentos administrativos.
Do mesmo modo, a base documental desses procedimentos não pode qualificar-se como processo administrativo, nos termos do artigo 1.º, n.º 2, do CPA, porquanto os actos e formalidades que se traduzem em documentos não integram qualquer procedimento administrativo.
Esta conclusão permite-nos colocar a nossa análise fora do âmbito da informação procedimental. O acesso aos documentos integrados nos procedimentos de supervisão contínua da CMVM deve ser considerado no âmbito da informação administrativa não procedimental que, como se referiu supra, é regida
i) pelo artigo 268.º, n.º 2, da Constituição, que consagra o direito dos cidadãos de acederem aos
arquivos e registos administrativos, sem prejuízo do disposto na lei em matérias relativas à segurança externa e interna, à investigação criminal e à intimidade das pessoas, (sendo o conteúdo desta norma reproduzido pelo artigo 65.º do CPA), e
ii) pela LADA.
A LADA, que consagra, no seu artigo 1.º, o acesso dos cidadãos aos documentos administrativos,define com enorme amplitude este conceito, incluindo nele (artigo 4.º, n.º 1, al. a)), quaisquer suportes de informação gráficos, sonoros, visuais, informáticos ou registos de outra natureza, elaborados ou detidos pela Administração Pública, designadamente processos, relatórios, estudos, pareceres, actas, autos, circulares, ofícios-circulares, ordens de serviço, despachos normativos internos, instruções e orientações de interpretação legal ou de enquadramento da actividade ou outros elementos de informação.
Quanto à delimitação do direito de acesso a tais documentos, o artigo 7.º, n.º 1, da LADA consagra o direito de todos a acederem à informação. Não obstante, são estabelecidas três restrições de acesso aos documentos, uma de índole temporal, e as outras atendendo ao conteúdo dos documentos:
i) quando se trate de documentos constantes de processos não concluídos, o acesso é diferido até ao decurso de um ano após a elaboração do documento (artigo 7.º, n.º 4, da LADA);
ii) os documentos nominativos5 só podem ser comunicados, mediante prévio requerimento, à pessoa a quem os dados pessoais nele contidos digam respeito, ou a terceiro que obtenha autorização escrita daquela pessoa ou que demonstre interesse directo, pessoal e legítimo no acesso ao documento, mas neste último caso, quando haja parecer da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA) em sentido favorável à revelação do documento (artigos 8.º e 15.º, n.º 2, da LADA); 

5 Quaisquer suportes de informação que contenham dados pessoais, ou seja, informações sobre pessoa singular, identificada ou
identificável, que contenham apreciações, juízos de valor ou que sejam abrangidas pela reserva da intimidade da vida prvada, nos
termos do artigo 4.º, n.º 1, al.s b) e c), da LADA.

iii) o acesso a documentos cuja comunicação ponha em causa segredos comerciais, industriais ou sobre a vida interna das empresas pode ser recusado pela Administração (artigo 10.º, n.º 1, da LADA)
– a Administração pode requerer à CADA que se pronuncie sobre a possibilidade de revelação do documento quando tenha dúvidas sobre a sua qualificação, a natureza dos dados a revelar ou a possibilidade da sua revelação (artgo 15.º, n.º 3, da LADA).
Não deixe de se sublinhar que as restrições indicadas ao acesso a documentos nominativos e a documentos cuja comunicação ponha em causa segredos comerciais, industriais ou sobre a vida
interna das empresas são impostas pela tutela de outros direitos fundamentais protegidos pela Constituição, nos termos do regime aplicável aos direitos, liberdades e garantias (artigo 18.º da Constituição), e de acordo com o que o artigo 268.º, n.º 2, da Constituiçção, especificamente nesta sede, prevê. Está em causa, nestas restrições, a protecção do direito da reserva à intimidade da vida privada, bem como da liberdade de iniciativa económica.
Há que averiguar, então, como se aplica o regime descrito à situação que nos ocupa.
Não obstante a ampla definição da LADA do que seja um documento administrativo, e da consagração do direito de acesso a favor de todos – o que poderia indiciar que qualquer documento detido pela CMVM, é um documento administrativo ao qual aquela entidade tem de permitir o acesso dos particulares, independentemente da autoria desse documento - , cremos que o intérprete tem de retirar da letra da lei e da mens legislatoris a correcta interpretação das normas da LADA, designadamente na questão que nos ocupa: a legitimidade passiva no exercício do direito dos particulares de acesso à informação administrativa.
Os artigos 12.º e seguintes da LADA fixam o regime do exercício do direito de acesso. No artigo 14.º, o diploma estatui que em cada departamento ministerial, secretaria regional, autarquia, instituto e associação pública existe uma entidade responsável pelo cumprimento da obrigação de permitir o acesso à informação administrativa. O requerimento de acesso (artigo 13.º) é apreciado por essa entidade, que, no prazo de 10 dias, deve (entre outras possibilidades) informar que não possui o documento e, se for do seu conhecimento, qual a entidade que o detém (artigo 15.º, n.º 1, al. c)). As normas indicadas parecem apontar-nos a solução.
Parece que o legislador pretendeu que os requerimentos de acesso à informação sejam dirigidos às autoridades administrativas que, quanto ao «processo» a que se pretende aceder, assumam a função de dominus do processo. Ou seja, quando o legislador diz, no referido artigo 15.º, n.º 1, al. c), da LADA, que a autoridade administrativa deve, sendo o caso, informar o requerente que não possui o documento, não nos parece que esteja aqui em causa uma referência à posse enquanto situação de facto, ou seja, ao simples facto de, fisicamente, existir uma cópia de certo documento junto de uma autoridade administrativa, independentemente de o original ter sido elaborado por outra, no âmbito das suas atribuições próprias.
Pelo contrário, pensamos que o legislador teve em mente, ao referir-se a suportes de informação
elaborados ou detidos pela Administração Pública, as situações em que os documentos em causa foram elaborados ou são detidos pela Administração porque se inserem num «procedimento» (ainda que não seja um procedimento administrativo na acepção do artigo 1.º, n.º 1, do CPA) desenvolvido no âmbito das atribuições próprias da autoridade administrativa em causa.
Em suma, quando o legislador, no artigo 4.º, n.º 1, al. a), da LADA, refere documentos administrativos como todos os suportes de informação elaborados ou detidos pela Administração Pública, quer apenas definir o conceito de documento, não tomando posição sobre quem – dentro da vasta Administração Pública - deve ser o destinatário do requerimento de acesso a tais documentos. Designadamente, o legislador não pode ter querido que possa ser requerida a consulta ou passagem de certidão de qualquer documento elaborado ou detido por qualquer autoridade administrativa a qualquer outra autoridade administrativa (sob pena de criar o caos na gestão das decisões de acesso à informação administrativa...).
Pensamos que interpretação diversa, pelos resultados a que pode conduzir, e que passamos a tentar demonstrar, tem de ser rejeitada.
2. (Continuação) Acesso dos particulares à informação administrativa não procedimental: critério do dominus do processo.
Voltemos a focalizar-nos, então, no âmbito dos procedimentos de supervisão contínua da CMVM.
Tratando-se de um documento elaborado pela CMVM, ou que, por força da lei, regulamento, ou
determinação da CMVM, lhe seja enviado pela entidade supervisionada ou pela entidade gestora do mercado supervisionado, para ser integrado nesse processo, pensamos que deve considerar-se, sim,estarmos perante documentos administrativos da CMVM, para efeitos do artigo 4.º, n.º 1, al. a), da LADA, que estarão sujeitos ao regime supra descrito. 
Assinale-se aqui que, ainda que os documentos a que o requerente pretende aceder, integrados num procedimento de supervisão contínua da CMVM, não sejam documentos nominativos ou documentos cuja comunicação ponha em causa segredos comerciais, industriais ou sobre a vida interna das empresas6 (termos em que o respectivo acesso estaria legalmente condicionado, nos termos que antes se expuseram, atenta a natureza dos documentos), sempre se verificará a restrição temporal consagrada no artigo 7.º, n.º 4, da LADA: o acesso será diferido até um ano após a sua elaboração ou integração no processo pela CMVM.
Já a mesma solução não nos parece ser a correcta quando o documento em causa seja um documento elaborado por outra autoridade administrativa.
Com efeito, o parecer do Banco de Portugal havia sido recebido pela CMVM no âmbito da cooperação que mantém com aquela autoridade administrativa, tendo sido integrado num procedimento de supervisão contínua da CMVM.
O parecer foi, portanto, elaborado por uma outra autoridade administrativa, no âmbito das suas
atribuições públicas próprias, ou melhor, mais concretamente, no âmbito de um procedimento
administrativo próprio do Banco de Portugal. O documento administrativo em causa integrava-se,portanto, num processo administrativo que integrava os documentos em que se traduziam os actos e formalidades tendentes à formação e manifestação de vontade do Banco de Portugal. O Banco de Portugal era a autoridade administrativa com poderes para a prática do acto administrativo final no procedimento em que se integrava aquele parecer, não a CMVM. A CMVM, como já referiu, apenas tinha uma cópia do documento para integrar no processo que documentava a supervisão contínua da entidade em causa.
Ora, sendo o Banco de Portugal o dominus do processo administrativo em que se integra o documento,a autoridade administrativa com ius imperii naquele concreto processo, nunca poderia ser uma outra entidade – a CMVM - , que nem sequer teve qualquer participação no procedimento administrativo em que o parecer se integra, nem foi destinatária do mesmo, a decidir sobre a possibilidade da respectiva revelação.

6 Chamamos a atenção para o facto de, atentas as entidades que estão legalmente sujeitas à supervisão da CMVM (artigo 359.º do
CódVM) e as actividades que exercem, ser recorrente que os documentos em causa contenham elementos cuja revelação poria em
causa segredos comerciais ou sobre a vida interna das empresas. Sendo o caso, como vimos já, a CMVM deve recusar o acesso,
podendo pedir parecer à CADA sobre a possibilidade de revelação dos documentos, se tiver dúvidas quanto à qualificação do
documento. Perante a recusa, ao requerente restará a via jurisdicional da intimação para consulta de documentos ou passagem de
certidões (artigo 17.º da LADA).

O requerimento de consulta do documento ou de passagem da respectiva certidão teria,necessariamente, de ser dirigido ao Banco de Portugal, e não à CMVM, porquanto a CMVM não conhece as excepções que a autoridade administrativa competente na matéria poderia deduzir para fundamentar a recusa do requerimento.
Sublinhe-se que admitir que uma autoridade administrativa, apenas pelo simples facto de ter em seu poder cópia de um documento elaborado por uma outra autoridade administrativa, no âmbito de um procedimento administrativo da sua competência própria, no âmbito das suas atribuições próprias, tivesse poderes para decidir sobre a possibilidade de revelação desse documento, seria defraudar as intenções do legislador, contornando a aplicação das disposições legais que regem a matéria.
Com efeito, a decisão sobre o acesso à informação administrativa estaria a ser decidida por alguém que, por não ser a autoridade administrativa dominus do processo administrativo em que o documento se integra, não teria a informação suficiente e necessária para poder avaliar o pedido, ou seja, não teria os elementos suficientes para proceder à ponderação dos interesses em causa (designadamente, para saber se estaria em causa uma situação que justificasse a aplicação dos regimes, mais restritivos, do acesso a documentos nominativos ou documentos cuja revelação ponha em causa segredos comerciais, industriais ou sobre a vida interna das empresas).7

7 Neste sentido se pronunciou também o Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa, na sentença proferida nos autos de intimação
para passagem de certidão n.º 963/99, no passo em que afirmou que: “Na verdade o próprio requerente atribui a autoria de diversos
documentos a entidades estranhas à requerida, na sua maior parte entidades dotadas de poderes de autoridade pública, e assim
sendo, a ter direito de consulta ou de acesso a tais informações, o pedido teria de ser dirigido a tais entidades que não à requerida.
(sublinhado nosso). À referida decisão do douto Tribunal nestes autos parece subjazer também o entendimento de que,
independentemente de uma autoridade administrativa deter, no âmbito dos procedimentos que são da sua competência, cópia de
certos documentos elaborados por outra autoridade administrativa, a consulta ou passagem de certidão do documento em causa só
pode ser pedida à autoridade administrativa autora do documento.

Termos em que temos de concluir que, tratando-se de um parecer elaborado pelo Banco de Portugal,no âmbito de um procedimento administrativo seu, cuja cópia a CMVM detinha apenas no âmbito de um procedimento de supervisão contínua de determinada entidade, bem andou o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, na sentença que ora se comenta, ao decidir que não podia ser a CMVM a decidir sobre a possibilidade de revelação desse documento.
Parece-nos ser esta a interpretação que resulta da LADA. O acesso a documentos elaborados por uma autoridade administrativa, ainda que integrados também em «processos» (administrativos ou não, na acepção do artigo 1.º, n.º 2, do CPA) de outra(s) autoridade(s) administrativa(s), só pode ser decidido pela autoridade administrativa que os haja elaborado no âmbito de um processo seu.
Aliás, para efeitos do regime de acesso fixado na LADA, esses documentos devem ser havidos
unicamente como documentos da autoridade administrativa que os elaborou, e de nenhuma outra. Ou seja, para as autoridades administrativas que não elaboraram os documentos, ainda que detenham, seja por que motivo for, cópia dos mesmos, não é aplicável o regime de acesso à informação administrativa fixado na LADA (nem qualquer outro), porque não se preenche o requisito do artigo 4.º,n.º 1, al. a) do diploma: face à autoridade administrativa destinatária do requerimento de acesso – que não elaborou o documento - , o documento não é um documento administrativo, nos termos do normativo referido, porque a autoridade em causa, não obstante deter, fisicamente, uma cópia do documento, não tem jurisdição sobre o mesmo.
Ora, concluindo deste modo quanto à aplicação da LADA à situação que nos vem ocupando, temos de concluir que, quanto aos documentos recebidos de outras autoridades administrativas nacionais no âmbito da cooperação definida no artigo 374.º do CódVM, para efeitos dos procedimentos de supervisão contínua da CMVM (portanto, informação não procedimental), não poderá ser invocado,perante a CMVM, o regime de acesso aos documentos da Administração consagrado na LADA.
Assim, em relação a documentos recebidos de autoridades nacionais com as quais a CMVM coopera, e que não estão, pelos motivos expostos, sujeitos (junto da CMVM) ao regime do direito de acesso dos particulares à informação administrativa, rege, nos termos gerais, o dever de segredo da CMVM, consagrado genericamente no artigo 354.º, n.º 1, do CódVM, e, especificamente quanto às informações recebidas das autoridades com que a CMVM coopera, no já referido artigo 373.º do CódVM, pelo que os documentos em causa não podem ser revelados. Com efeito, não há nenhuma lei (designadamente a LADA) que imponha ou permita a divulgação dos elementos sujeitos a segredo (artigo 354.º, n.º 4, do CódVM).
E não se olvidem os interesses fundamentais que o legislador visou proteger quando consagrou o dever de sigilo da CMVM:
i) interesses privados – dos titulares da informação documentada, em que aquela não se torne do
domínio público (protegido pelo artigo 26.º, n.º 1, da Constituição, tratando-se de informação
abrangida pela reserva da vida privada), e
ii) interesses públicos - na medida em que, ao quebrar a relação de confiança estabelecida com outras entidades, mediante a revelação de informações fornecidas, a CMVM estaria a pôr em causa a colaboração prestada por essas entidades.
Daí a relevância da protecção legal do segredo profissional, que neste âmbito encontra plena aplicação. Pelo que concordamos plenamente com a conclusão a que chegou a sentença que agora se  comenta: “(...) a CMVM ter recebido o Parecer em causa no âmbito da cooperação que desenvolve designadamente com o Banco de Portugal nos termos dos arts. 373 e 374 do Código dos Valores Mobiliários, estando em relação às informações recebidas nesse âmbito, sujeita a sigilo profissional.
É efectivamente o que resulta dos arts. 354 e 355 do Código aprovado pelo Decreto-Lei n° 486/99 de 13 de Novembro. Daí que, a recusa de emissão da certidão em questão por parte da CMVM, que nãoé a autora do parecer e o recebeu com sujeição a sigilo profissional, fosse, in casu, admissível.” (sublinhado nosso).  
Aliás, aproveitamos ainda o ensejo para acrescentar o seguinte: levando às últimas consequências a aplicação do critério que tomámos por adequado para determinar a legitimidade passiva no exercício do direito à informação administrativa, entendemos que, em certas situações, a CMVM não poderá decidir sobre a possibilidade de acesso a documentos elaborados por si própria, porque, por não ser o dominus do procedimento administrativo em que esses documentos se integram, e, em consequência, eles não constituirem, para si, documentos administrativos, na acepção do artigo 4.º, n.º 1, al. a), da LADA. Passamos a explicitar esta ideia.
A CMVM tem competências no âmbito dos Mercados de Valores Mobiliários, que não se inserem em procedimentos em que seja sua a competência para a prolação da decisão final. A título meramente exemplificativo, enunciam-se algumas dessas competências:
- nos processos de autorização de instituições de crédito que sejam filiais de instituições de crédito cuja sede se localize em país que não seja membro da União Europeia, ou de instituições de crédito dominadas ou cujo capital ou os direitos de voto inerentes àquele forem maioritariamente detidos por pessoas singulares nacionais de país que não seja membro da União Europeia, ou por pessoas colectivas cuja sede se localize em país que não seja membro da União Europeia, e sempre que o objecto da instituição de crédito a autorizar compreenda alguma actividade de intermediação financeira, a CMVM envia ao Banco de Portugal, a pedido deste, informações sobre a idoneidade dos detentores de participações qualificadas; não obstante, a autorização da instiuição de crédito é da competência do Minstro das Finanças, que a pode delegar no Banco de Portugal8;
- a CMVM presta as mesmas informações ao Banco de Portugal no caso de alguém pretender passar a deter participação qualificada em instituição de crédito, e o objecto dessa instituição de crédito compreender alguma actividade de intermediação financeira; a competência para a não dedução de oposição ao projecto daquele que pretende passar a deter a participação qualificada é, todavia, do Banco de Portugal9;
- a CMVM troca informações com o Instituto de Seguros de Portugal para efeitos da verificação do preenchimento dos requisitos legais pelos membros dos órgãos das sociedades anónimas e das mútuas de seguros10, sendo essa verificação da competência do Instituto de Seguros de Portugal.
As informações acabadas de referir hão-de consubstanciar-se em documentos elaborados pela própria CMVM, que são enviados ao Banco de Portugal e ao Instituto de Seguros de Portugal, nos exemplos acabados de referir.
Ora, nesta hipótese, atendendo a que a CMVM elabora os documentos referidos a pedido de outra autoridade administrativa, cremos que, pela mesma ordem de motivos que atrás expusemos, também estes não devem ser considerados documentos administrativos da CMVM, mas sim da autoridade administrativa que tiver jurisdição sobre o procedimento administrativo em que aquele documento se integrará. É que a CMVM não tem, também nesta situação, disponibilidade jurídica sobre os documentos referidos.
E, em consequência, não obstante tratar-se de documentos administrativos elaborados pela própria CMVM, esta não será a autoridade administrativa perante a qual deverá ser invocado o direito de acesso à informação neles contida, à luz da LADA.
Em consequência, pensamos que a aplicação correcta das disposições legais que regem a matéria implica que, também em relação a documentos elaborados pela CMVM, mas para integrarem procedimento compreendido nas competências e atribuições de outra autoridade administrativa, deve valer, para a CMVM, o dever de sigilo consagrado no artigo 354.º, n.º 1, do CódVM, não havendo nenhuma lei (designadamente a LADA) que imponha ou permita a divulgação dos elementos sujeitos a segredo (artigo 354.º, n.º 4, do CódVM).

8 Cf. os artigos 24.º, 29.º, n.ºs 1 e 2, e 25.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF), aprovado
pelo DL 298/92, de 31 de Dezembro.
9 Cf. os artigos 103.º, n.º 7, 102.º, e 103.º, n.º 1, do RGICSF.

3. Utilização da informação recebida através de um procedimento de cooperação num procedimento de supervisão que se traduza na prática de actos administrativos: acesso dos
particulares à informação administrativa procedimental.
Além da situação supra exposta, a CMVM pode ainda deter documentos (ou cópias) elaborados por outras autoridades administrativas quando esses documentos são necessários à instrução de processos administrativos. Neste caso, esses documentos não integram procedimentos de supervisão contínua, mas sim procedimentos de supervisão que se traduzem na prática de actos administrativos, ou seja, procedimentos administrativos, propriamente ditos (artigo 1.º, n.º 1, do CPA), sendo necessários, nos termos da lei, à formação e manifestação de vontade da CMVM.
Sublinhe-se que a situação apreciada na sentença que se comenta não foi a que ora se passa a tratar.
Nos autos de intimação em causa, o documento a que o requerente pretendia aceder não estava
integrado em qualquer procedimento administrativo da competência da CMVM.
A título meramente exemplificativo, enunciam-se algumas situações em que, para a prática de certos actos administrativos, a CMVM recebe documentos elaborados por outras autoridades nacionais:
- para o registo de um intermediário financeiro (requisito necessário ao exercício lícito de qualquer actividade de intermediação financeira, nos termos do artigo 295.º, n.º 1, al. a), do CódVM), o processo administrativo junto da CMVM tem de ser instruído com a autorização do Banco de Portugal (artigos 295.º, n.º 1, al. a), e 298.º, n.º 3, do CódVM), quando o início da actividade do intermediário financeiro em causa esteja sujeito a essa autorização;
- para o registo de uma oferta pública de aquisição (OPA - artigo 114.º do CódVM) das acções de uma instituição de crédito, o processo administrativo junto da CMVM tem de ser instruído com a declaração, do Banco de Portugal, de não oposição à aquisição (artigo 103.º, n.º 1 e 4, do RGICSF);
- para o registo de uma OPA das acções de uma empresa de seguros, o processo administrativo junto da CMVM tem de ser instruído com a declaração, do Ministro das Finanças, de não oposição ao projecto de aquisição (artigo 44.º do DL 94-B/98, de 17 de Abril).
Ora, neste caso, não obstante a CMVM receber documentos elaborados por outra autoridade  administrativa, o dominus do processo administrativo é a própria CMVM; é à CMVM que compete a prática do acto administrativo que há de pôr termo ao respectivo procedimento. Nos exemplos avançados, é a CMVM que tem competência para os registos (dos intermediários financeiros e das OPAs), procedimento de supervisão especificado no artigo 360.º, n.º 1, al. d), do CódVM.

10 Cf. o artigo 51.º, n.º 5, do DL 94-B/98, de 17 de Abril.

A qualificação da informação como procedimental prejudica, desde logo, a possibilidade de a solução vir a ser a que antes defendemos, para as situações em que os documentos recebidos de outras autoridades administrativas se traduzem em informação não procedimental. Tratando-se de informação integrada em procedimento administrativo, regem, como já referido, os artigos 61.º a 64.º do CPA, enquanto o procedimento não estiver concluído, e a LADA, depois de findo o procedimento.
Na análise que se segue, e mantendo fidelidade ao critério que atrás erigimos como adequado para determinar de que autoridade administrativa devem os documentos ser considerados, passa a ser irrelevante se os documentos integrados no processo administrativo (artigo 1.º, n.º 2, do CPA) são elaborados pela CMVM, por outras autoridades administrativas, ou pelos próprios particulares (designadamente, o interessado na prática do acto administrativo, que requer o início do procedimento administrativo em causa).
Ou seja, para efeitos da análise que se segue, tomaremos como informação procedimental, de acordo com o sentido em que o artigo 1.º, n.º 1, do CPA, aponta, toda a informação relevante para a formação e manifestação da vontade da Administração Pública, ou seja, toda a informação relevante para a prática de um determinado acto administrativo pela CMVM.
É que nas situações em que estão em causa procedimentos de supervisão da CMVM que se traduzem na prática de actos administrativos, a recepção de documentos elaborados por outras autoridades administrativas nacionais já não se situa no âmbito da cooperação meramente para efeitos de supervisão contínua dos mercados e dos seus agentes.
Esses documentos, que, como nos exemplos supra citados, provam o preenchimento de certos requisitos legais para a prática do acto administrativo que porá termo ao procedimento, não obstante da autoria de outras autoridades, são, muitas vezes, elaborados a pedido dos interessados na prática do acto administrativo, e enviados por estes à CMVM. Mas mesmo sendo enviados pelas outras autoridades administrativas, são-no no âmbito de um específico procedimento administrativo, cujo dominus é a CMVM, porquanto é esta a autoridade competente para a prática do acto administrativo que porá termo ao procedimento. Logo, os documentos em causa, mesmo quando provenientes de outras autoridades administrativas, terão de ser considerados como documentos da CMVM.
Pelo exposto, a análise que se segue vale para todos os documentos que (ao invés do que acontecia na hipótese antes analisada) sejam de considerar documentos administrativos da CMVM, por se integrarem em procedimento administrativo da competência da CMVM, sejam elaborados por esta autoridade, por outras, ou pelos particulares.
Nos termos dos artigos 61.º, n.º 1, e 64.º, n.º 1, do CPA, têm direito a ser informados sobre o andamento dos procedimentos administrativos e sobre os respectivos actos administrativos finais os particulares que neles sejam directamente interessados, e ainda as pessoas que provem ter interesse legítimo no conhecimento dos elementos que pretendam. Esse direito à informação pode ser exercido mediante pedido de prestação de informações, de consulta do processo ou de passagem de certidão (artigos 61.º, n.º 2, e 63.º, n.ºs 1 e 3, respectivamente, do CPA).
Ficam excluídos da possibilidade de exercício deste direito os documentos classificados ou que
revelem segredo comercial ou industrial ou segredo relativo à propriedade literária, artística ou científica (artigo 63.º, n.º 1, do CPA); também o acesso aos documentos nominativos fica condicionado à exclusão dos dados pessoais que não sejam públicos (artigo 63.º, n.º 2, do CPA).11
Acresce ainda que a doutrina administrativista tem vindo a desenvolver a ideia de que a protecção conferida pelo artigo 62.º, n.º 1, do CPA a “documentos classificados ou que revelem segredo comercial ou industrial ou segredo relativo à propriedade literária, artística ou científica” deve ser estendida aos casos em que esteja em causa a revelação de segredo profissional.12
Mesmo quando o processo administrativo corresponda à base documental de um procedimento já terminado, também existem restrições ao direito de acesso determinadas pelo conteúdo dos
documentos (cf. os artigos 8.º e 10.º da LADA, quanto aos documentos nominativos e àqueles cuja revelação ponha em causa segredos comerciais, industriais ou sobre a vida interna das empresas; e parece que a protecção de documentos sujeitos a segredo profissional, defendida no âmbito do acesso a procedimentos administrativos pendentes, valerá, igualmente, depois de os processos se encontrarem terminados).
Com efeito, mesmo o direito de acesso dos particulares à informação administrativa procedimental não encontra uma consagração ilimitada no nosso ordenamento jurídico. Pelo contrário, é a própria Lei Fundamental que admite limitações ao exercício daquele direito (cf. o art. 268.º, n.º 2, da Constituição), que são as que se encontram consagradas nas normas que regulam o exercício de tal direito, ou seja, o artigo 62.º do CPA, enquanto o processo não está findo, e os artigos 8.º e 10.º da LADA, depois de terminado o processo administrativo.
Ora, nesta sede, atenta a natureza administrativa do processo em que os documentos estão integrados, suscita-se a questão de saber como conjugar o regime regra de acesso a esses documentos (salvas as excepções, típicas, a essa acessibilidade) com o dever de segredo que rege a actividade da CMVM,

11 Também o artigo 82.º, n.ºs 1 e 3, da LPTA, relativo ao meio processual para fazer face à recusa, injustificada, da Administração, do exercício do direito de acesso à informação, exclui o dever das autoridades administrativas de permitirem esse acesso quando estejam em causa matérias secretas ou confidenciais, definindo o legislador como tais aquelas em que a reserva se imponha para
prossecução de interesse público especialmente relevante ou para a tutela de direitos fundamentais dos cidadãos.
12 MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA / PEDRO COSTA GONÇALVES / J. PACHECO DE AMORIM, Código do Procedimento Administrativo
anotado, Coimbra, 1997, p. 332. Sublinhe-se que os AA. referem o artigo 45.º do Código do Mercado de Valores Mobiliários – que, à data da redacção do texto, regulava o dever de segredo da CMVM, em termos idênticos aos que hoje resultam do artigo 354.º do
CódVM – como um parâmetro limitativo da operatividade do regime de acesso à informação administrativa (ob. cit., p. 325).

nos termos do artigo 354.º, n.º 1, do CódVM, em relação a todos os factos e elementos conhecidos pela CMVM no exercício das suas funções.
Não se pode admitir que o dever de segredo da CMVM, com a amplitude que é consagrado no artigo 354.º, n.º 1, do CódVM, frustre, absolutamente, o regime de acesso dos particulares à informação integrada nos processos administrativos da sua competência. Esse seria o resultado aparente de uma aplicação puramente literal da norma, que se tem por inadmissível, uma vez que lesaria um direito fundamental dos cidadãos, constitucionalmente garantido.
Parece-nos, contrariamente, que quando se trata de informação administrativa procedimental, o
regime aplicável é o fixado na LADA ou nos artigos 61.º a 64.º do CPA (conforme o processo se ache ou não findo, respectivamente), tratando-se de uma situação em que, nos termos do artigo 354.º, n.º 4, do CódVM, o dever de segredo cede porque a revelação dos elementos é não só permitida, como imposta, por lei.
Por isso, cremos que a CMVM, não obstante o dever de segredo a que está sujeitas, tem a obrigação de cumprir o regime legal atinente ao direito de acesso dos particulares à informação administrativa. O dever de segredo quanto a documentos integrados em procedimentos administrativos só se manterá em relação aos elementos que, nos termos das próprias normas que regulam o acesso dos particulares à informação administrativa procedimental, não possam ser revelados, porque nesse caso não há lei que imponha ou sequer permita a revelação desses elementos – não se preenche, portanto, a previsão do artigo 354.º, n.º 4, do CódVM, valendo plenamente o dever de segredo estatuído pelo n.º 1 do mesmo artigo.
Assim, se, por exemplo, num determinado processo administrativo, estiverem integrados elementos cuja revelação ponha em causa segredo comercial ou industrial, esses elementos não podem ser revelados, nos termos do artigo 62.º, n.º 1, do CPA, ou do artigo 10.º, n.º 1, da LADA, continuando,nessa medida, abrangidos pelo dever de segredo da CMVM, nos termos do artigo 354.º, n.º 1, do CódVM, não havendo norma que permita o «levantamento» desse segredo. E por esse motivo – o facto de os elementos estarem sujeitos, como se disse no exemplo, a segredo comercial ou industrial e a segredo da CMVM - não pode ser exercido o direito à informação administrativa procedimental pelos particulares.
Já quanto aos documentos integrados em processo administrativo da competência da CMVM, cujo acesso pelos particulares não seja excepcionado pelas normas referidas, rege o direito de acesso aos mesmos, que a CMVM, enquanto autoridade administrativa com competência para o efeito, deve garantir, a solicitação dos interessados.
4. Conclusões
Das reflexões que produzimos a propósito da sentença do Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa, parecem-nos ser de avançar as seguintes conclusões fundamentais:
i) a determinação da autoridade administrativa com legitimidade passiva no exercício do direito à informação administrativa passa pela identificação da autoridade administrativa que reveste o carácter de dominus do «processo» (administrativo, na acepção do artigo 1.º, n.º 2, do CPA, ou não) em causa, da autoridade que tem jurisdição sobre o mesmo;
ii) tratando-se de informação não procedimental, o acesso à informação é regido pela LADA,
invocável contra a autoridade administrativa dominus do «processo»;
iii) ainda que a CMVM detenha, no âmbito do exercício das suas funções, cópia dessa informação, elaborada por outra autoridade administrativa, não a pode revelar, porque, quanto a si, essa informação não está sujeita ao regime da LADA; o dever de segredo da CMVM – artigos 373.º e 354.º, n.º 1, do CódVM - não é, nesta situação, excepcionado por qualquer normativo legal;
iv) tratando-se de informação procedimental, ou seja, toda a informação relevante para a prática de um determinado acto administrativo pela CMVM, o acesso à informação é regido pelos artigos 61.º a 64.º do CPA, tratando-se de procedimento administrativo ainda não findo, ou pela LADA, se o procedimento já tiver terminado, regimes jurídicos invocáveis contra a autoridade administrativa dominus do processo administrativo;
v) o carácter procedimental da informação torna irrelevante a autoria dos documentos nele integrados;
vi) nas situações em que o CPA e a LADA excluam a possibilidade de revelação de elementos
integrados em processos administrativos, mantém-se, também o segredo profissional da CMVM, nos nas situações em que o CPA e a LADA excluam a possibilidade de revelação de elementos
integrados em processos administrativos, mantém-se, também o segredo profissional da CMVM, nos termos do artigo 354.º, n.º 1, do CódVM, por não haver norma que imponha ou sequer permita a suarevelação;
vii) nas situações em que o CPA e a LADA consagrem o acesso aos elementos integrados em
processos administrativos da competência da CMVM, fica afastado o seu dever de segredo, já que há normas legais que impõem a revelação dos elementos (artigo 354.º, n.º 4, do CódVM).
Pelo que fica exposto, e uma vez que
i) o parecer a que o requerente pretendia aceder havia sido elaborado pelo Banco de Portugal,
ii) o referido parecer havia sido recebido pela CMVM no âmbito dos procedimentos de cooperação que, nos termos da lei, estabelece com aquela autoridade, e apenas para ser utilizado em procedimento de supervisão contínua, e
iii) o referido documento estava abrangido pelo dever de segredo da CMVM,cremos ser de sufragar o decidido pelo Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa, na decisão comentada.

Orlando Martins ---------------------------------- Aluno 20529

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