domingo, 8 de abril de 2012

A acção administrativa especial

Desenvolveremos agora o tema da acção administrativa especial, ou seja, os processos relativos a pretensões emergentes da prática ou da omissão de actos administrativos ou de disposições normativas, nos termos do art.º 46º, nº 1 do CPTA.


Tem esta forma de processo especial um núcleo tradicional que herda do contencioso administrativo. Contudo, verifica-se que apesar da sistematização do CPTA colocar a acção comum primeiramente do que a acção especial, não está conforme a realidade actual, isto é, a acção administrativa especial é mais comum na nova justiça administrativa, admitindo esta nova forma de processo vários pedidos, nos termos do n.º 2, do art.º 46º, possuindo cada um deles aspectos específicos quanto ao regime processual. A comparação do art.º 37º com o art.º 46º, ambos dos CPTA, distingue que aquilo que existe de comum aos pedidos que utilizam como meio processual a acção administrativa comum é a circunstância de ter uma natureza de tal forma abstracta que poderiam ser dirigidos a qualquer particular, ao contrário da acção administrativa especial, que se reportam a pedidos que estão intimamente ligados à competência da Administração Pública, não sendo concebível que se dirijam contra particulares, pois um particular não pode praticar actos administrativos ou regulamentos, pois tal pressupõe a titularidade de poderes públicos, que pertencem exclusivamente às entidades empenhadas na prossecução do interesse público.

Relativamente aos actos administrativos, permanecem os processos impugnatórios, com pedidos de anulação ou declaração de nulidade ou inexistência de actos administrativos, mas há agora o novo pedido de condenação à prática de acto legalmente devido, que é dirigido essencialmente para as questões de indeferimento ou de omissão de pretensões dos interessados. Nos regulamentos, além do pedido de declaração de ilegalidade de normas com força obrigatória geral, admitem-se também os pedidos de declaração de ilegalidade de normas em casos concretos e a declaração de ilegalidade por omissão de regulamento.

Através da acção administrativa especial, podem ser colocados em tribunal administrativo dois tipos de pedidos, as impugnações, que têm o objectivo de obter do tribunal a anulação ou declaração de nulidade, de inexistência jurídica de acto administrativo, ou a declaração de ilegalidade ou omissão de norma regulamentar, nos termos das alíneas a), c) e d) do n.º 2, do art.º 46º do CPTA; e os pedidos condenatórios, onde se pretende obter que o tribunal obrigue um órgão da Administração Pública a praticar um acto administrativo legalmente devido, conforme disposto na alínea b), do n.º 2, do art.º 46º do CPTA.

Quanto à impugnação de actos administrativos, é controlar a sua invalidade, mas não é um qualquer acto administrativo, mas sim o que possua certas características e que tenha certas condições. Nos termos do art.º 268º, n.º 4 da CRP, com a introdução do conceito de lesividade, este passa a ser o fundamento da impugnabilidade de actos administrativos. Nos termos do art.º 120º do CPA, o conceito material de acto administrativo refere-se às decisões materialmente administrativas de autoridade que visem a produção de efeitos numa situação individual e concreta, independentemente da forma sob que são emitidas, ou seja, mesmo que surjam sob a forma de regulamento ou estejam contidas em diplomas legislativos. Assim, não ficam abrangidos os puros actos instrumentais, as acções ou operações materiais e os comportamentos que não constituem decisões. A lei nos arts.º 51º, 52º, 53º, e 54º, todos do CPTA, delimita os actos administrativos susceptiveis de impugnação judicial, numa panorâmica que desenvolve e completa a previsão constitucional.

Só são impugnáveis os actos administrativos dotados de eficácia externa, ou seja, que tenham a capacidade de projectar os seus efeitos nas relações jurídicas que se estabelecem entre a Administração Pública e os particulares, ficando assim excluída a impugnação judicial de comportamentos administrativos cujos efeitos fiquem contidos no âmbito da entidade cujo órgão os adoptou.

São especialmente impugnáveis os actos lesivos. E a impugnabilidade do acto não depende da forma que este possua, tal como estabelece a nossa CRP, nos termos do n.º 4, do art.º 268º e do CPTA, no seu n.º1, art.º52º. Pois o facto de o acto administrativo integrar uma lei, não significa que não possa ser impugnado nos tribunais administrativos.

A impugnação do acto é também independente da respectiva eficácia, sendo suficiente para a administração da impugnação que a execução do acto se tenha iniciado ou seja certo que a sua eficácia se venha a produzir, conforme o disposto no art.º 54º do CPTA. Inclusivé, se as consequências do acto já se fizerem sentir, ou com o decorrer do tempo tal venha seguramente acontecer, então a lei não prejudica o lesado para que este tenha de esperar pela produção efectiva e plena dos efeitos jurídicos do acto, antes pelo contrário podendo assim o mesmo impugnar para evitar o aumento dos danos que tal acarretaria. Mesmo não sendo uma decisão final, podendo ser um acto interlocutório ou preparatório, podem estes ser impugnados, desde que sejam lesivos e tenham eficácia externa.

O art.º 53º do CPTA impõe a natureza confirmativa do acto administrativo, ou seja, limita-se a reiterar um acto administrativo anterior, o que somente obsta à sua impugnação quando o acto confirmado foi impugnado pelo mesmo interessado, ou este haja sido notificado. Nos termos do art.º 51º e dos art.º 59º do CPTA, todos os actos administrativos com eficácia externa são susceptiveis de impugnação contenciosa, mas sempre sujeita a crivo do juízo de constitucionalidade.

A causa de pedir, são os factos em que assenta a alegada invalidade do acto administrativo, que resulte de desconformidade com a lei ou da existência de vícios de vontade, contudo nos termos do art.º 95º, nº 2 do CPTA, o juíz deve conhecer de todos os vícios invocados no processo, e além disso, averiguar oficiosamente da existência de ilegalidades do acto impugnado.



Quanto aos pressupostos processuais, em razão da competência do tribunal, nos termos dos arts.º 24º, 37º, e 44º do ETAF os pedidos de impugnação são, em regra, da competência dos tribunais administrativos de círculo. Salvo, os pedidos que se reportem a impugnação de actos do Presidente da República, da Assembleia da República e Presidente, do Conselho de Ministros, do Primeiro-Ministro, do Tribunal Constitucional, do Tribunal de Contas, do Presidente do Supremo Tribunal Administrativo, do Presidente do Supremo Tribunal Militar, do Conselho Superior de Defesa Nacional, do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais, do Procurador-Geral da República, do Conselho Superior do Ministério Público, e ainda dos pedidos de impugnação de actos praticados no âmbito de processos eleitorais previstos no ETAF, todos estes pedidos integram a competência do STA.

Isto quanto à competência material, relativamente à competência territorial, estabelece o CPTA, que no caso do autor do acto impugnado integrar a administração regional autónoma, autárquica ou periférica comum do Estado, ou também pessoas colectivas de utilidade pública ou concessionários, o tribunal de administrativo de círculo territorialmente competente é o que corresponde geograficamente à sede do autor do acto administrativo impugnado, nos termos do art.º 20º, n.ºs 1 e 2. Quanto aos demais actos administrativos cuja impugnação também seja feita nos tribunais administrativos de círculo, nomeadamente os actos da autoria de órgãos da administração directa e indirecta do Estado, então o tribunal territorialmente competente será o da residência habitual ou da sede do autor, conforme o disposto no art.º 16º.

Quanto à legitimidade activa, para impugnar actos administrativos, está prevista no art.º 55º do CPTA, e estende-se aos titulares de interesse directo e pessoal, ou seja, a legitimidade de quem tiver sido lesado nos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, e das pessoas colectivas privadas ou públicas, na defesa dos respectivos interesses, nos termos das alíneas a) e c), do art.º 19º. A legitimidade do Ministério Público é o exercício da acção pública, nos termos da alínea b). A legitimidade dos titulares de interesses difusos e dos eleitores de órgãos das autarquias locais em que se encontrem recenseados, alínea f) do art.º 55º, ou seja o exercício da acção popular. A legitimidade de cada órgão de uma pessoa colectiva pública de impugnar os actos praticados por outros órgãos da mesma pessoa colectiva que contendam com os interesses cuja satisfação deva esta promover, nos termos das alíneas d) e e) do n.º 1.

De salientar que a intervenção do interessado no procedimento administrativo, constitui somente uma presunção de legitimidade podendo esta ser ilidida a todo o tempo, conforme n.º, do art.º 55º do CPTA, e ainda que esta mesma legitimidade activa poderá extinguir-se se o autor aceitar expressa ou tacitamente o acto praticado, nos termos dos n.ºs 1 e 2 do art.º 56º do CPTA.

Quanto à legitimidade passiva, ou seja contra quem é dirigido o pedido de impugnação, pelas regras gerais dos n.ºs 2 e 3 do art.º 10º do CPTA, verificamos que deve ser dirigido contra a pessoa colectiva em cujo âmbito o acto foi praticado, no caso de não se tratar do Estado, pois caso seja o Estado, o pedido de impugnação deve ser dirigido contra o Ministério no âmbito do qual o acto foi praticado. Se se tratar de entidade administrativa independente e destituída de personalidade jurídica, o pedido deve ser dirigido contra o Estado ou contra a pessoa colectiva pública na qual o autor se integre. Importante o art.º 57º do CPTA, dos chamados contra-interessados, ou seja, as pessoas que podem ser prejudicadas pelo procedimento do pedido de impugnação ou que tenham o legítimo interesse na manutenção do acto impugnado, ficando o autor obrigado a demandá-los igualmente.

Vejamos os prazos, a impugnabilidade judicial dos actos administrativos não opera quando ao autor invoca a inexistência jurídica ou a nulidade do acto, nos termos do art.º 58º, n.º1 do CPTA, não há prazo. Já quando se trata da anulabilidade do acto, e se pretende a respectiva anulação judicial, há prazos a ser respeitados, nos termos do art.º58º, n.º 2 do CPTA, nomeadamente, o Ministério Público dispõe de um ano e os demais impugnantes dispõem de prazo de três meses. Contudo este último pode ser estendido nos termos do art.º 58º, no seu n.º 4, o que abrange praticamente tudo e mais alguma coisa, ou seja, de facto existe uma garantia dada actualmente aos impugnantes que praticamente assegura a constante oportunidade do pedido.

Relativamente à condenação à prática de acto administrativo devido, sucintamente, nos termos dos arts.º 66º e ss do CPTA, quando o particular pretende ver praticado o acto administrativo conforme a lei, pois a omissão ou recusa deste mesmo acto levou a que os seus direitos ou interesses fossem afectados negativamente. De salientar, que aqui o juíz não controla o mérito ou a oportunidade de actuação, mas apenas se a Administração Pública respeitou as normas e princípios aos quais deve obediência, ou seja, ao abrigo do art.º 67º do CPTA, o pedido de condenação à prática do acto devido deve ser formulado sempre que se verifiquem aquelas circunstâncias. A competência do tribunal é idêntica à dos pedidos de impugnação de actos administrativos. Nos termos do art.º 68º do CPTA verificamos quem tem a legitimidade activa, e aplicamos novamente o art.º 10º para verificarmos quem tem legitimidade passiva. Os prazos são os que decorrem nos termos do art.º 69º do CPTA.

Relativamente à declaração de ilegalidade por omissão, conforme o art.º 77º do CPTA, acontece quando seja necessária a criação de normas para dar exequibilidade a actos legislativos de regulamentação, mas a mesma não seja feita. Funda-se na figura da fiscalização da inconstitucionalidade por omissão, pelo que “terá de tratar-se da omissão de regulamentos que se prove serem necessários à execução de preceitos concretos das leis em vigor, nos termos do art.º 119º do CPA”. A legitimidade, aqui é um conceito bastante vasto, pois admite a acção popular e pública, tendo de ser o prejuízo directo e actual. Para finalizar, no que diz respeito à fiscalização da inconstitucionalidade por omissão, o tribunal dá conhecimento à entidade competente, fixando um prazo legal, nunca inferior a seis meses, para que esta proceda à emanação da norma.





Diogo Freitas do Amaral, Direito Administrativo, Volume IV;

Jorge Cortês, Acção de condenação à prática de acto administrativo devido;

José Carlos Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa;

Mário Aroso de Almeida/Carlos Cadilha, Código do processo nos tribunais administrativos;

Vasco Pereira da Silva, O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise.



Bruno M. Santos Almeida

N.º 17614

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