terça-feira, 17 de abril de 2012

Recursos hierárquicos necessários previstos em leis especiais


Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo: 00064/09.1BECBR
Secção: 1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão: 28-10-2010
Tribunal: TAF de Coimbra
Relator: Drº Carlos Luís Medeiros de Carvalho
Descritores: ACTO IMPUGNÁVEL
RECURSO HIERÁRQUICO NECESSÁRIO
AUSÊNCIA EFEITO SUSPENSIVO
REGIME DISCIPLINAR GNR
PENA DISCIPLINAR
NOTIFICAÇÃO DEFICIENTE
Sumário: I. No conceito legal de “acto impugnável” inserem-se todos os actos lesivos de direitos e interesses legalmente protegidos assim se respeitando a garantia constitucional impositiva, garantia essa que acaba, todavia, por ser estendida pelo legislador ordinário a todos aqueles actos que, mesmo não sendo lesivos de direitos subjectivos e de interesses legalmente protegidos, são dotados de eficácia externa.
II. Para ser contenciosamente impugnável a decisão administrativa em causa não tem assim de ser lesiva de direitos ou interesses legalmente protegidos do A., bastando-lhe ter eficácia externa actual, ou, pelo menos, que seja seguro ou muito provável que a virá a ter.
III. Com o CPTA deixou ser exigido, em termos gerais e como condicionante da própria sindicabilidade contenciosa, que os actos administrativos tenham sido objecto de prévia impugnação administrativa para que possam ser objecto de impugnação contenciosa, afirmando-se, ao invés, a regra geral da desnecessidade da utilização da via de impugnação administrativa para aceder à via contenciosa.
IV. A regra geral contida no art. 51.º do CPTA é inaplicável sempre que haja determinação legal expressa, anterior ou posterior à sua entrada em vigor daquele Código, que preveja a necessidade de impugnação administrativa como pressuposto da impugnação contenciosa.
V. Da análise conjugada do regime decorrente dos arts. 118.º, 119.º, 120.º, 122.º, 124.º e 125.º do RDM da GNR (publicado em anexo à Lei n.º 145/99, de 01.09) resulta que o legislador expressamente previu a necessidade de prévia interposição de impugnação administrativa necessária (nalguns casos dupla) como pressuposto da impugnação contenciosa.
VI. Esta conclusão não implica, nem contende com o direito de acesso aos tribunais, mormente, em termos de tutela jurisdicional efectiva dos respectivos direitos em sede e momento próprios, visto a garantia de impugnação contenciosa não é ilimitada ou absoluta, permitindo-se ao legislador ordinário alguma margem na definição e enunciação dos pressupostos processuais exigidos para cada um dos meios contenciosos consagrados e disponibilizados no ordenamento jurídico, não existindo no texto constitucional uma imposição que um determinado direito ou interesse legalmente protegido possam e devam ser efectivados por um qualquer ente, num qualquer tribunal/jurisdição e através dum qualquer meio processual à livre escolha de quem pretenda exercê-lo.
VII. E da inexistência dum efeito suspensivo decorrente da interposição do “duplo” recurso hierárquico necessário (art. 124.º do RDGNR) não deriva qualquer inconstitucionalidade por ofensa ao que se mostra constitucionalmente consagrado nos seus arts. 20.º e 268.º (n.º 4) já que a compressão ou mesmo limitação/restrição ao exercício do direito de defesa e acesso à tutela jurisdicional efectiva por parte do A. se mostra coberta pelas necessidades decorrentes da relação especial de disciplina militar, sendo a essa luz aceitável por não desproporcionada.
VIII.Do facto do A. não haver sido devidamente notificado da decisão disciplinar punitiva objecto de impugnação não deriva ou transforma a mesma em acto impugnável quando cabia e se impunha no caso a dedução de recurso hierárquico necessário, visto que a ausência de notificação que observe e cumpra as exigências impostas pelo art. 68.º do CPA apenas gera ou produz a ineficácia do acto relativamente ao A. com consequente tempestividade na dedução do recurso hierárquico que venha a ser interposto.*

Sumário elaborado pelo Relator
Data de Entrada: 01-09-2010
Recorrente: A...
Recorrido 1: Ministério da Administração Interna
Votação: Unanimidade
Meio Processual: Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão: Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico: Conceder provimento ao recurso
1
Decisão Texto Integral: Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
1. RELATÓRIO
A, devidamente identificado nos autos, inconformado, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do TAF de Coimbra, datada de 15/04/2010, que, no âmbito de acção administrativa especial por si instaurada contra o R. MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA [abreviada e doravante «MAI»], determinou a absolvição da instância deste com base na inimpugnabilidade do acto em questão [entende-se, face aos termos e fundamentos desenvolvidos e nos quais se estriba a decisão (apreciação unicamente da excepção de inimpugnabilidade do acto), tratar-se de lapso/erro a referência que surge na parte final do segmento decisório à “caducidade do direito de acção”, sendo certo que nenhuma nulidade da decisão veio a ser suscitada pelas partes].
Formula o aqui recorrente nas respectivas alegações (cfr. fls. 211 e segs. - paginação suporte físico tal como as referências posteriores a paginação salvo expressa indicação em contrário) as seguintes conclusões que se reproduzem:
...
1 - Apesar de o recorrente entender que a decisão punitiva não está sujeita a recurso hierárquico necessário para o Sr. Comandante-Geral pelas razões que espelhou no corpo das presentes alegações - o que redunda numa errónea interpretação da lei levada a efeito pela decisão judicial recorrida, que violou assim e ademais não só o direito do recorrente à tutela judicial efectiva constitucionalmente prescrito, como também, atenta a existência de norma que prescreve que o recurso hierárquico é uma faculdade, o princípio in dubio pro impugnatione (vertido que está, entre o mais, no art. 7.º do CPTA) - v, neste sentido, o Acórdão do TCA-Norte, proferido que foi no âmbito do processo n.º 1573/07,
2 - A verdade é que o mesmo jamais foi notificado da necessidade de assim agir, tendo-se incumprido frontalmente o art. 68.º do CPA - tudo como o recorrido até admitiu.
3 - Logo, de acordo com a melhor doutrina que a este respeito se pronunciou, duas soluções se impõem: ou se admite a impugnação contenciosa imediata do acto ou se admite a impugnação administrativa a partir do momento em que se toma conhecimento da obrigatoriedade de assim agir - cfr. Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa (Lições), 6.ª edição, Almedina, Coimbra, 2004, p. 295 e douto aresto proferido por este colendo Tribunal junto como doc. n.º 1.
4 - Ora, não só o recorrente atacou contenciosamente o sobredito acto punitivo, como, em virtude de o Tribunal recorrido ter entendido, no âmbito do processo n.º 62/09 (tendente a obter a suspensão de eficácia da aludida pena), que era necessária a interposição de recurso hierárquico, assim actuou, tendo deduzido a respectiva impugnação administrativa para o Exm.º Sr. Comandante-Geral da Guarda Nacional Republicana - cfr. autos a fls. …
5 - Pelo que a conclusão a retirar é sempre e só uma: a presente impugnação deve ser admitida.
6 - Impugnação que, aliás, sempre se deveria admitir por uma outra ordem de motivação.
7 - É que se o recorrente tivesse interposto recurso hierárquico, este, não possuindo efeitos suspensivos (o que até suscita, de acordo com a melhor doutrina portuguesa, a inconstitucionalidade da norma que assim estatui, cfr. art. 124.º do RDGNR), não teria acautelado minimamente os interesses em causa, na medida em que o recorrente teria que cumprir de imediato a pena.
8 - Ou seja, porque se prostraria o recorrente numa situação de facto consumado, a necessidade de interposição de recurso hierárquico (ou melhor, a interpretação censurada do normativo em questão) mais não seria do que uma intolerável compressão do direito fundamental, ou a ele equiparado, à tutela judicial efectiva que assiste a qualquer cidadão lesado e, assim, ao recorrente - cfr. art. 20.º da CRP.
9 - Aliás, para além do que se vem de concluir, mas antecedendo lógico-argumentativamente a presente pronúncia, teríamos assim que uma interpretação conforme com a Constituição da República dos normativos em causa também alicerçaria a interpretação que se vem de defender.
10 - Conclusões que não são jamais infirmadas com o que vem dito pela decisão judicial recorrida e por dois motivos:
- por um lado, porque a previsão do artigo 60.º do CPTA é inaplicável ao caso, dizendo respeito à falta de indicação do autor, da data ou dos fundamentos do acto na notificação (coisas que nunca estiveram em falta), não sendo nunca extensível à menção da al. c) do n.º 1 do art. 68.º do CPA, especificamente dirigida aos casos excepcionais de actos contenciosamente inimpugnáveis.
- por outro, na medida em que a segunda impugnação administrativa necessária a que alude o Tribunal (da decisão do Comandante-Geral para o Ministro da Administração Interna, cfr. art. 120.º do RDGNR) é perfeitamente impossível de ser deduzida, pela simples, mas decisiva razão de que o recorrente interpôs o sobredito recurso hierárquico, não tendo até hoje sido proferida qualquer decisão (facto que motivou, como o digno Tribunal recorrido tão bem sabe, novo apelo à via judicial - cfr. doc. n.º 2).
11 - Numa palavra, a interpretação sufragada pelo Tribunal das normas legais invocadas é manifesta e ilegitimamente desconforme com a Constituição da República, violando o direito do recorrente à tutela judicial efectiva garantida pelo n.º 4 do artigo 268.º, e, em geral, pelo artigo 20.º, n.º 5, garantia fundamental do Estado de Direito Democrático, sendo assim que ao ter julgado acto inimpugnável e o direito de acção caducado, incorreu a sentença recorrida em erro de julgamento por errónea interpretação e violação da lei ...”.
Conclui no sentido do provimento do recurso, com consequente revogação da decisão judicial recorrida.
O R., ora recorrido, notificado, veio apresentar contra-alegações (cfr. fls. 288 e segs.), em que termina concluindo nos seguintes termos:
...
1.ª - O acto que o Recorrente impugnou contenciosamente não reveste o pressuposto processual da impugnabilidade, por estar sujeito a recurso hierárquico necessário para o Comandante-Geral da Guarda Nacional Republicana e, da decisão deste, para o Ministro da Administração Interna, nos termos do disposto nos artigos 117.º, 118.º, 120.º e 121.º do Regulamento de Disciplina da Guarda Nacional Republicana, aprovado pela Lei n.º 145/99, de 1 de Setembro.
2.ª - A exigência legal de impugnação administrativa necessária, que, neste caso, colhe justificação, designadamente, na intensidade da relação especial de disciplina militar, mostra-se perfeitamente conforme à Constituição da República, nomeadamente com o disposto no n.º 4 do artigo 268.º, como se pode ver em abundante jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo.
3.ª - Assim, tendo considerado verificada a excepção da inimpugnabilidade do acto, a douta Sentença recorrida assentou numa correcta interpretação e aplicação do Direito, pelo que deverá ser mantida ...”.
O Ministério Público (MºPº) junto deste Tribunal, notificado nos termos e para efeitos do disposto no art. 146.º do CPTA, emitiu parecer no sentido da procedência do recurso (cfr. fls. 307/307 v.), parecer esse que objecto de contraditório não mereceu qualquer resposta (cfr. fls. 308 e segs.).
Dispensados os vistos legais juntos dos Exmos. Juízes-Adjuntos (cfr. fls. 311) foram os autos submetidos à Conferência para julgamento.
2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo recorrente, sendo certo que, pese embora por um lado, o objecto do recurso se acha delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos arts. 660.º, n.º 2, 664.º, 684.º, n.ºs 3 e 4 e 685.º-A, n.º 1 todos do Código de Processo Civil (CPC) (na redacção introduzida pelo DL n.º 303/07, de 24.08 - cfr. arts. 11.º e 12.º daquele DL -, tal como todas as demais referências de seguida feitas relativas a normativos do CPC) “ex vi” arts. 01.º e 140.º do CPTA, temos, todavia, que, por outro lado, nos termos do art. 149.º do CPTA o tribunal de recurso em sede de recurso de apelação não se limita a cassar a sentença recorrida, porquanto ainda que declare nula a sentença decide “sempre o objecto da causa, conhecendo de facto e de direito”.
As questões suscitadas resumem-se, em suma, em determinar se a decisão judicial ao absolver o R. “MAI” da presente acção administrativa especial incorreu ou não em violação do disposto nos arts. 20.º e 268.º, n.º 4 CRP, 07.º e 60.º CPTA, 68.º CPA, e 124.º RDGNR [cfr. alegações e demais conclusões supra reproduzidas].
3. FUNDAMENTOS
3.1. DE FACTO
Resultou apurada da decisão judicial recorrida a seguinte factualidade:
I) Com data de 24.11.2006 foi instaurado ao A., que é Cabo-chefe n.º , do Grupo Territorial de Coimbra da Guarda Nacional Republicana, processo disciplinar (fls. 02 do PA);
II) Ao A. foi aplicada, com data de 15.12.2008, pelo Comandante do Grupo, a pena disciplinar de 20 dias de suspensão, com a fundamentação constante da decisão final (fls. 25-28 que aqui se dão como inteiramente reproduzidas);
Nos termos do art. 712.º do CPC e por resultar de documentos juntos aos autos e no PA apenso adita-se a seguinte factualidade que se mostra necessária à apreciação das questões suscitadas nos mesmos:
III) O A. interpôs, em 17.04.2009, recurso hierárquico dirigido ao Comandante-Geral da GNR da decisão referida em II) através de requerimento que deu entrada nos serviços da GNR/CT Coimbra (registado sob o n.º 1000) - cfr. PA apenso e cujo teor aqui se dá por reproduzido;
IV) O Comandante-Geral da GNR com base em informação/parecer n.º 131/10 rejeitou o recurso hierárquico referido em III) por despacho datado de 16.07.2010 - cfr. PA apenso e cujo teor aqui se dá por reproduzido;
V) O A. intentou no TAF de Coimbra acção administrativa especial contra o aqui R. sob o n.º 667/09.4BECBR na qual peticiona a anulação do acto punitivo referido em II) dado o recurso hierárquico interposto para Comandante-Geral da GNR aludido em III) ainda não ter sido objecto de decisão pelo ente competente decorridos que estavam os prazos para esse efeito - cfr. doc. de fls. 247/269 dos autos e cujo teor aqui se tem igualmente por reproduzido.
«»
3.2. DE DIREITO
Considerada a factualidade supra fixada que, aliás, não foi objecto de qualquer impugnação importa, agora, entrar na análise dos fundamentos do presente recurso jurisdicional.
3.2.1. Como aludimos supra, a decisão judicial recorrida absolveu o R. da instância por considerar inimpugnável contenciosamente o “acto em questão”.
Fê-lo, sobretudo, por considerar que o A. não havia interposto recursos hierárquicos dirigidos sucessivamente ao Comandante-Geral da GNR e ao Ministro da Administração Interna legalmente impostos como necessários para impugnar a decisão disciplinar punitiva de que foi alvo.
3.2.2. Discordando desta decisão judicial o ora recorrente imputa-lhe erro de julgamento, pois, entende, por um lado, que estamos na presença de acto administrativo impugnável visto a decisão disciplinar punitiva ser lesiva dos seus direitos ou interesses e como tal impor-se a sua impugnabilidade por força do direito à tutela jurisdicional efectiva (arts. 20.º e 268.º, n.º 4 da CRP) e do princípio “in dubio por impugnatione” (art. 07.º CPTA), sendo que o recurso hierárquico não tem efeito suspensivo, e, por outro lado, porque o mesmo não foi devidamente notificado da decisão disciplinar punitiva impugnada então para além da mesma ser-lhe ineficaz deveria considerar-se o acto como impugnável ou quanto muito tempestiva a dedução do recurso hierárquico interposto.
3.2.3. Ora, diga-se, desde já, que quanto ao primeiro dos fundamentos de impugnação da decisão judicial recorrida o mesmo improcede.
Explicitemos este nosso juízo, sendo que e como nota prévia importa caracterizar a acção administrativa em presença, seu regime e respectivos pressupostos, mormente e em particular, no que tange ao acto administrativo impugnável e a sua concatenação com o regime das impugnações administrativas.
3.2.3.1. O A. instaurou uma acção administrativa especial contra o R. «MAI» peticionando a anulação do acto punitivo referido em II) dos factos apurados.
Estamos, pois, em face duma acção administrativa especial para impugnação de acto administrativo, acção esta sujeita ao regime legal decorrente dos arts. 50.º a 65.º e 78.º e segs. do CPTA.
A nossa Lei Fundamental garante aos administrados o direito a impugnarem junto dos tribunais administrativos quaisquer actos ou condutas desenvolvidos pela Administração Pública que os lesem na sua esfera jurídica e independentemente da sua forma (cfr. art. 268.º, n.º 4 da CRP).
Presente o quadro legal decorrente da Reforma do Contencioso Administrativo 2002/2003 (cfr., entre outros, arts. 37.º e segs. e 46.º e segs. do CPTA) temos que se manteve, entre nós, um regime de “duplo dualismo processual” e como refere J.M. Sérvulo Correia tal repartição “… forma a base de uma matriz bipolar, que tem como colunas os dois meios processuais principais de tramitação não urgente: a acção administrativa comum e a acção administrativa especial …” (in: “Direito do Contencioso Administrativo I”, págs. 747 e 748) (cfr., no mesmo sentido, M. Esteves de Oliveira e R. Esteves de Oliveira in: “Código de Processo nos Tribunais Administrativos … - Anotado”, vol. I, pág. 309).
Ora a acção administrativa especial, como a aqui vertente, constitui um meio processual principal do contencioso administrativo através do qual são efectivados ou tutelados alguns dos direitos subjectivos das relações jurídicas administrativas.
Nos termos do n.º 1 do art. 46.º do CPTA seguem a forma de acção administrativa especial os processos relativos a pretensões emergentes da prática ou da omissão ilegal de actos administrativos ou de normas que tenham ou devessem ter sido emitidas ao abrigo de disposições de direito administrativo, sendo que os pedidos principais legalmente admissíveis, por força do previsto no n.º 2 do mesmo normativo, continuam a ser os de anulação/nulidade ou inexistência de actos administrativos e o de declaração de ilegalidade de normas com força obrigatória geral, alargando-se, agora, ao pedido de condenação à prática de acto legalmente devido e, bem assim, ao de declaração de ilegalidade de norma em casos concretos e de declaração de ilegalidade por omissão de regulamento.
A acção para impugnação de actos administrativos constitui uma “subespécie” da acção administrativa especial e mostra-se disciplinada, como aludimos, em termos de disposições particulares, nos arts. 50.º a 65.º daquele Código.
O meio contencioso judicial relativo à pretensão impugnatória, face ao regime conjugado que decorre dos arts. 46.º, 47.º e 95.º do CPTA, tem como objecto de litígio toda a relação jurídica administrativa em questão (ilegitimidade jurídica” do acto impugnado) e não apenas a “mera a anulação” do acto administrativo nos estritos que haviam sido vertidos no articulado inicial (cfr., entre outros, J.C. Vieira de Andrade in: “A Justiça Administrativa (Lições)”, 10.ª edição, págs. 219/220 e 293/294; M. Aroso de Almeida in: “O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos”, 2005, 4.ª edição revista e actualizada, págs. 188/196; Vasco Pereira da Silva in: “O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise”, 2.ª edição, págs. 324 e segs.).
Resulta, por sua vez, do n.º 1 do art. 50.º do mesmo Código que a “… impugnação de um acto administrativo tem por objecto a anulação ou a declaração de nulidade ou inexistência desse acto …”, sendo certo que, como acabámos de aludir, por força do disposto no n.º 2 do art. 95.º, nos “… processos impugnatórios, o tribunal deve pronunciar-se sobre todas as causas de invalidade que tenham sido invocadas contra o acto impugnado, excepto quando não possa dispor dos elementos indispensáveis para o efeito, assim como deve identificar a existência de causas de invalidade diversas das que tenham sido alegadas, ouvidas as partes para alegações complementares pelo prazo comum de 10 dias, quando o exija o respeito pelo princípio do contraditório …”.
Para a definição do que constitui ou deve ser conceptualizado como “acto administrativo impugnável” importa considerar, desde logo, o comando constitucional enunciado no n.º 4 do art. 268.º da CRP.
Constitui tal comando constitucional uma garantia impositiva, mas não limitativa, porquanto, impõe ao legislador ordinário que respeite a impugnabilidade contenciosa dos actos lesivos, mas dela não decorre que apenas e só tais actos sejam susceptíveis de impugnação junto dos tribunais.
O CPTA, no seu art. 51.º, veio definir, como princípio geral, o que é tido como acto contenciosamente impugnável, colocando o acento tónico na “eficácia externa”, prevendo-se no preceito legal que “… ainda que inseridos num procedimento administrativo, são impugnáveis os actos administrativos com eficácia externa, especialmente aqueles cujo conteúdo seja susceptível de lesar direitos ou interesses legalmente protegidos …” (n.º 1).
Naquela definição parece mostrar-se pressuposto um conceito material de acto administrativo que se mostra enunciado no art. 120.º do CPA, mas, no entanto, como refere J.C. Vieira de Andrade “… o conceito processual de acto administrativo impugnável não coincide com o conceito de acto administrativo, sendo, por um lado, mais vasto e, por outro, mais restrito.
É mais vasto apenas na dimensão orgânica, na medida em que não depende da tradicional qualidade administrativa do seu Autor … - artigo 51.º, n.º 2.
É mais restrito, na medida em que só abrange expressamente as decisões administrativas com eficácia externa, ainda que inseridas num procedimento administrativo, em especial os actos cujo conteúdo seja susceptível de lesar direitos ou interesses legalmente protegidos (artigo 51.º, n.º 1) - devendo entender-se que actos com eficácia externa são os actos administrativos que produzam ou constituam (que visem constituir, que sejam capazes de constituírem) efeitos nas relações jurídicas administrativas externas, independentemente da respectiva eficácia concreta …” (in: ob. cit., págs. 211/212).
Tal princípio geral definiu o acto administrativo impugnável como sendo aquele acto dotado de eficácia externa, remetendo a lesividade [subjectiva] para mero critério de aferição dessa impugnabilidade.
Daí que se compreendam ou insiram no conceito legal de “acto impugnável” todos os actos lesivos de direitos e interesses legalmente protegidos assim se respeitando a garantia constitucional impositiva, garantia essa que acaba, todavia, por ser estendida pelo legislador ordinário a todos aqueles actos que, mesmo não sendo lesivos de direitos subjectivos e de interesses legalmente protegidos, são dotados de eficácia externa.
Além disso, a própria “eficácia externa”, enquanto definidora de impugnabilidade contenciosa, não tem de ser actual, podendo ser potencial desde que seja seguro ou muito provável que o acto irá produzir efeitos [cfr. conjugadamente arts. 51.º, n.º 1 e 54.º, n.º 1, al. b) ambos do CPTA].
Temos, por conseguinte, que para ser contenciosamente impugnável, a decisão administrativa em causa não tem de ser lesiva de direitos ou interesses legalmente protegidos do A., bastando-lhe ter eficácia externa actual, ou, pelo menos, que seja seguro ou muito provável que a virá a ter (cfr., entre os mais recentes, Acs. TCA Norte de 29.05.2008 - Proc. n.º 01006/05.9BEPRT, de 06.11.2008 - Proc. n.º 00864/06.4BECBR, de 27.11.2008 - Proc. n.º 00352/04.3BECBR, de 02.07.2009 - Proc. n.º 00708/07.0BECBR, de 17.09.2009 - Proc. n.º 00132/07.4BECBR, de 29.10.2009 - Proc. n.º 01093/08.8BEVIS in: «www.dgsi.pt/jtcn»).
Atente-se, nesta sede, ao que consta da exposição de motivos do CPTA:
… procurou definir-se o acto administrativo impugnável tendo presente que ele não pode ser lesivo de direitos ou interesses individuais, mas sem deixar, de harmonia com o texto constitucional, de sublinhar o especial relevo que a impugnação de actos administrativos assume nesse caso. Por outro lado, deixa de ser prever a definitividade como um requisito geral de impugnabilidade, não se exigindo que o acto tenha sido praticado no termo de uma sequência procedimental ou no exercício de uma competência exclusiva para poder ser impugnado …”.
Ora o aludido art. 51.º do CPTA abriu caminho à possibilidade de impugnação contenciosa de actos procedimentais (desde que dotados de eficácia externa) e não apenas àqueles que ponham fim ou termo ao procedimento ou incidente, abandonando, enquanto requisito de impugnabilidade contenciosa, o conceito da “definitividade horizontal” visto a pedra de toque se centrar agora no conceito de “eficácia externa” (cfr., neste sentido, M. Aroso Almeida e C. A. Fernandes Cadilha in: “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, 3.ª edição revista, págs. 340 e segs.; M. Aroso de Almeida in: ob. cit., págs. 140 e segs. e em “Implicações de direito substantivo da reforma do contencioso administrativo” in: CJA n.º 34, págs. 74 a 76; M. Esteves de Oliveira e R. Esteves de Oliveira in: ob. cit., págs. 343/344, nota VII).
Temos, pois, que com o CPTA deixou ser exigido, em termos gerais e como condicionante da própria sindicabilidade contenciosa, que os actos administrativos tenham sido objecto de prévia impugnação administrativa para que possam ser objecto de impugnação contenciosa, afirmando-se, ao invés, a regra geral da desnecessidade da utilização da via de impugnação administrativa para aceder à via contenciosa (cfr. J.C. Vieira Andrade in: ob. cit., págs. 316 e segs.; M. Rebelo de Sousa e A. Salgado Matos in: “Direito Administrativo Geral - Actividade Administrativa”, Tomo III, págs. 212/213; J.M. Sérvulo Correia in: ob. cit., págs. 16/17; M. Aroso Almeida e C.A. Fernandes Cadilha in: ob. cit., págs. 347/349; M. Aroso de Almeida in: ob. e loc. cit., respectivamente, págs. 146 e segs. e págs. 71 a 74; M. Esteves de Oliveira e R. Esteves de Oliveira in: ob. cit., pág. 347 e segs., nota X; Isabel C. Fonseca em “Repensar as impugnações administrativas entre a efectividade do processo e a unidade da acção administrativa”, in: CJA n.º 82, págs. 77/79 ).
3.2.3.2. É certo que num primeiro momento a jurisprudência do STA (cfr., v.g., acórdão de 10.09.2008 - Proc. n.º 0449/07 - in: «www.dgsi.pt/jsta») veio sustentar que por força do disposto no art. 51.º, n.º 1 do CPTA “… são imediatamente impugnáveis «os actos administrativos com eficácia externa», sendo desde então abandonados os critérios da definitividade e lesividade do acto até aí vigentes (art. 25.º da LPTA e 268.º, 4 da CRP) …”, argumentando-se no seu texto em termos de fundamentação que a “eficácia externa é que é - actualmente e face ao art. 51.º, 1, do CPTA - o atributo do acto que o torna impugnável. Este regime acabou com o critério anterior, previsto no art. 25.º da LPTA, segundo o qual só eram recorríveis os actos administrativos que fossem definitivos, alargando desse modo inclusivamente o âmbito da impugnabilidade resultante do art. 268.º, 4 da CRP (lesividade).
… Como não restam dúvidas que a deliberação que aplique uma pena disciplinar produz efeitos externos não há dúvida que a mesma preenche todos os requisitos do art. 51.º do CPTA” (sublinhados nossos).
Deste entendimento não derivava, todavia, a irrelevância para efeitos do contencioso jurisdicional daquelas situações em que o legislador estabeleceu ou venha a estabelecer recursos/impugnações administrativas necessários.
É que a exigência legal que estipulasse tal prévia impugnação administrativa necessária relevaria enquanto requisito/pressuposto processual reportado ao próprio processo, como condicionante a preencher para a legal propositura da acção administrativa especial impugnatória/condenatória.
Aliás, como se pode ler no acórdão do STA atrás citado alguma “… doutrina e jurisprudência têm sustentado a sobrevivência de impugnações administrativas necessárias …. Esta admissibilidade - … - implica que a impugnação administrativa necessária, passe a ser encarada como um pressuposto processual próprio, e que subsistiria sempre que o legislador assim o entendesse. A criação de pressuposto processual como a necessidade de «prévia impugnação administrativa» é, de resto constitucionalmente permitida, como sustentou o Tribunal Constitucional nos acórdãos 161/99 e 44/2003, confirmando acórdãos deste Supremo Tribunal, desde que criados por lei. Cumpridos os requisitos gerais, isto é, com reserva de lei em sentido formal, e desde que adequado às circunstâncias do caso (art. 22.º da CRP), ou seja, sem que a criação do meio impugnatório seja um obstáculo no acesso ao Direito, nada impede o legislador de impor a necessidade da impugnação administrativa como condição de acesso à via judicial.
… Pensamos que é assim.
Nada impede o legislador de criar um pressuposto processual que se traduza em obter uma pronúncia da Administração prévia à intervenção do Tribunal. Mas, como regra devemos entender que, a partir da entrada em vigor do CPTA, na falta de indicação clara do legislador nesse sentido, a impugnação administrativa não tem carácter necessário, pois que, nos termos do art. 59.º, n.º 4 do CPTA a «utilização dos meios de impugnação administrativa suspende o prazo de impugnação contenciosa».
… Julgamos ser de aceitar o critério exposto, na medida em que, bem vistas as coisas, o que o art. 51.º, 1 do CPTA trouxe de novo foi a extinção da definitividade como critério de recorribilidade. Deixou de ser importante para efeitos de impugnação judicial que a palavra da Administração pertencesse ao órgão do topo da hierarquia. Tanto é assim que o art. 11.º, 5, do CPTA prevê a comunicação da existência do processo judicial ao «ministro ou órgão superior da pessoa colectiva» sempre que o autor do acto esteja subordinado a poderes hierárquicos.
O que significa que, na generalidade dos casos, os meios de impugnação administrativa ainda que especialmente previstos na lei, perdem a natureza de «necessários». A sua «necessidade» justificava-se para conferir definitividade (vertical) ao acto. Quando a definitividade vertical do acto caiu, como critério de recorribilidade, também deve cair o carácter necessário da impugnação administrativa, destinada a garantir essa definitividade.
Pode, contudo, haver outras situações em que a impugnação administrativa não serve apenas para conferir a definitividade vertical, designadamente porque não existe hierarquia, ou porque se entende importante a introdução de uma outra pessoa colectiva na definição da situação jurídica. Nestes casos, mesmo anteriores ao CPTA, deve entender-se que a impugnação administrativa prévia é necessária …” (sublinhados nossos) (aderindo a este entendimento, cfr. Acs. TCA Norte de 18.10.2007 - Proc. n.º 00032/05.2BECBR, de 17.09.2009 - Proc. n.º 00132/07.4BECBR in: «www.dgsi.pt/jtcn»).
Ocorre, porém, que tal entendimento jurisprudencial não logrou obter consolidação no Pleno daquele Supremo Tribunal.
Com efeito, resulta da jurisprudência que veio a ser firmada no acórdão do STA/Pleno de 04.06.2009 (Proc. n.º 0377/08 in: «www.dgsi.pt/jsta») que o “… art. 51.º, n.º 1, do CPTA, introduzindo um novo paradigma de impugnação contenciosa de actos administrativos lesivos, convive com a existência de impugnações administrativas necessárias, não só quando a lei o disser expressamente, como também em todos aqueles casos, anteriores à vigência do CPTA, que contemplavam impugnações administrativas, previstas na lei, comummente tidas como necessárias …” [cfr., neste sentido, nomeadamente os acórdãos daquele mesmo Tribunal de 11.03.2010 - Proc. n.º 0701/09 e de 06.05.2010 - Proc. n.º 01255/09 (figurando no sumário deste último que o «… art. 51.º, n.º 1, do CPTA não permite a impugnação contenciosa de actos sujeitos a impugnações administrativas necessárias, sejam elas expressa ou implicitamente previstas …») ambos igualmente in: «www.dgsi.pt/jsta»].
Estriba-se aquela jurisprudência na consideração de que o legislador com a publicação do CPTA não terá querido revogar as múltiplas disposições legais avulsas existentes que obrigavam a que, previamente, à impugnação judicial do acto dele se reclamasse administrativamente e que a prova disto colher-se-ia do facto de, nem no seu preâmbulo nem no seu texto, aquele diploma ter tomado posição expressa sobre essas disposições legais avulsas o que só poderia significar que ele pretendeu que as mesmas continuassem em vigor.
Acresceria ainda a isto que a necessidade destas impugnações administrativas nem sequer podia ser havida como uma restrição ao direito de acção na medida em que este podia ser exercido, posteriormente, contra o acto reclamado no caso de não ter havido pronúncia autónoma do órgão recorrido sobre ele ou, mediatamente, no caso em que ele fosse incorporado no acto que decidisse a impugnação administrativa.
Por outras palavras, a regra geral contida no art. 51.º do CPTA era inaplicável sempre que houvesse determinação legal expressa, anterior ou posterior à sua entrada em vigor, que previsse a necessidade de impugnação administrativa como pressuposto da impugnação contenciosa.
Em suma, extrai-se da linha argumentativa na qual se fundou o entendimento maioritário do Pleno do STA que “apenas são admissíveis impugnações administrativas necessárias, após a vigência do CPTA, quando a lei o disser expressamente. Quanto às anteriores, só devem considerar-se necessárias aquelas cuja existência estivesse prevista na lei e fossem tidas (pela jurisprudência), por isso, como necessárias”, visto que entendimento ou solução diversa “constituiria uma verdadeira fraude para o legislador que foi emitindo normas com base no pressuposto, aceite pela generalidade, de que a mera previsão legal de uma impugnação administrativa, sem outra qualquer menção, tornava-a necessária” na certeza de que “… a segurança, um dos valores fundamentais que o direito deve proporcionar, e que se traduz, na situação em apreço, em dar à generalidade dos cidadãos ou instituições que são os destinatários da norma aquilo de que razoavelmente estão à espera, não deve ser postergada, não sendo aceitável permitir a criação de mais uma situação de dúvida e incerteza (…) justamente num domínio onde se quer ver clareza e segurança. (…), a jurisprudência consolidada como valor fundamental da prática judiciária e como fonte de direito deve constituir uma base de estabilidade e de orientação à comunidade que o pratica, de modo que só por razões excepcionais deve ver-se inflectida …” (sublinhados nossos).
3.2.3.3. Cientes dos considerandos gerais de enquadramento jurídico da questão que se mostram acolhidos no ponto antecedente e revertendo, agora, ao caso sob apreciação temos para nós que o acto que constitui objecto (mediato) de impugnação na presente acção não poderá, à sua luz e face ao que decorre dos arts. 51.º, 59.º do CPTA, 118.º, 119.º, 120.º, 122.º, 124.º e 125.º do RDM da GNR (publicado em anexo à Lei n.º 145/99, de 01.09), qualificar-se como acto impugnável.
Com efeito, resulta do art. 118.º do RDM da GNR, sob a epígrafe de “recurso hierárquico”, que o “… militar arguido em processo disciplinar pode recorrer de decisão que repute lesiva dos seus direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos, ou lhe imponha qualquer sanção …” (n.º 1), sendo que a “… interposição do recurso faz-se por simples requerimento, com a alegação, ainda que sumária, dos respectivos fundamentos …” (n.º 2), que o “… recurso é dirigido: a) Ao Ministro da Administração Interna, quando o acto impugnado seja da autoria do comandante-geral; b) Ao comandante-geral, quando a decisão recorrida emane de autoridade que esteja, hierarquicamente, dependente do mesmo …” (n.º 3), que o “… recurso a que se referem os números anteriores é apresentado à entidade recorrida, no prazo de 10 dias a contar da data em que o arguido foi notificado da decisão …” (n.º 4), que o “… requerimento de recurso interposto nos termos da alínea b) do n.º 3 deve ser remetido pela entidade recorrida ao escalão imediatamente superior da cadeia funcional hierárquica em que se insere e subirá até ao comandante-geral, passando sucessivamente por cada um dos responsáveis superiores daquela cadeia …” (n.º 5) e que recebido “… o requerimento de recurso, dispõe cada um dos responsáveis referidos no número anterior de cinco dias para se pronunciar, podendo propor a revogação ou modificação da decisão recorrida …” (n.º 6).
Decorre por sua vez do art. 119.º do mesmo RDM que a “… decisão de recurso hierárquico será proferida pelo comandante-geral no prazo de 30 dias a contar da recepção do respectivo processo …”, sendo que nos termos do artigo seguinte da “… decisão do comandante-geral cabe recurso hierárquico necessário para o Ministro da Administração Interna, a interpor no prazo de 10 dias a contar da data da respectiva notificação …” (sublinhados nossos).
Prevê-se no art. 122.º que da “decisão do Ministro da Administração Interna cabe recurso contencioso nos termos gerais” cuja interposição “… é regulada, quanto aos seus trâmites e efeitos, pelo disposto na lei geral …” (cfr. art. 125.º daquele RDM), sendo que nos termos do art. 124.º do aludido Regulamento a “… interposição de recurso hierárquico não suspende a decisão recorrida …” (sublinhados nossos).
Ora em face do quadro legal acabado de parcialmente reproduzir, aplicável ao procedimento disciplinar que constitui objecto de apreciação nos autos, dúvidas não temos de que no caso vertente o legislador expressamente previu a necessidade de prévia interposição de impugnação administrativa necessária.
A lei afigura-se-nos clara nesse sentido, sendo que também é esse o entendimento firmado na jurisprudência produzida [cfr., em sede do regime disciplinar da GNR, os Acs. do STA de 25.02.1997 - Proc. n.º 035226 (no âmbito do anterior RDM), de 08.05.2007 - Proc. n.º 01085/06 in: «www.dgsi.pt/jsta»; Ac. TCA Norte de 22.01.2009 - Proc. n.º 01493/06.8BEBRG (inédito); no âmbito mais vasto do Estatuto dos Militares da GNR, entre os mais recentes, os Acs. do STA de 04.04.2001 - Proc. n.º 046614, de 13.11.2002 - Proc. n.º 0362/02, de 19.04.2005 - Proc. n.º 01043/04, de 29.06.2006 - Proc. n.º 0838/05, de 19.12.2006 - Proc. n.º 0825/06 in: «www.dgsi.pt/jsta»] e também na doutrina que sobre a matéria se pronunciou [cfr. J.C. Vieira de Andrade in: ob. cit., págs. 318 e 319, nota 745 - falando este Autor como se tratando dum caso do «… (duplo) recurso hierárquico das decisões punitivas em processo disciplinar de militares da GNR …»].
Daí que, tal como concluiu com acerto a decisão judicial recorrida, o acto que se mostra impugnado nos presentes autos deve considerar-se como acto inimpugnável, sendo certo ainda que esta conclusão não implica, nem contende com o direito de acesso aos tribunais, mormente, em termos de tutela jurisdicional efectiva dos respectivos direitos em sede e momento próprios.
É certo que o direito fundamental de acesso aos tribunais para defesa de direitos e interesses legítimos há-de imperativamente ser facultado pelo legislador em termos que permitam uma tutela efectiva desses direitos e interesses.
O legislador dispõe duma considerável margem de liberdade na regulação desse acesso, liberdade essa que, no entanto, não pode configurar os meios utilizados para atingir o desiderato constitucional de modo tal que o acesso se torne injustificado ou desnecessariamente complexo.
Presente os considerandos atrás enunciados temos, todavia, que a exigência por parte do legislador de que haja sido “esgotada” a via administrativa em termos de recurso impugnação hierárquica necessária como pressuposto da impugnabilidade contenciosa do acto vem sendo considerada pela jurisprudência quer do STA (cfr., entre outros, Acs. de 06.02.2003 - Proc. n.º 01865/02, de 28.12.2006 - Proc. n.º 01061/06 in: «www.dgsi.pt/jsta»), quer do Tribunal Constitucional («TC») [cfr., entre outros, Acs. n.º 425/99 de 30.06.1999 (Proc. n.º 1116/98), n.º 185/01 de 02.05.2001 (Proc. n.º 302/00), n.º 564/08 de 25.11.2008 (Proc. n.º 765/08) in: «http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/»], como não envolvendo violação do direito de acesso aos tribunais, mormente, em termos de tutela jurisdicional efectiva, inexistindo, como tal, qualquer infracção ao que deriva dos comandos constitucionais insertos nos arts. 20.º e 268.º, n.º 4 da CRP.
Pode ler-se, aliás, no discurso argumentativo do acórdão do STA de 28.12.2006 (Proc. n.º 01061/06), no âmbito que aqui releva e considerando já as repercussões da entrada em vigor do CPTA, o seguinte: “… Como é sabido, na vigência da LPTA, foi suscitada por alguma doutrina a questão da inconstitucionalidade superveniente do art. 25.º deste diploma, face ao n.º 4 do art. 268.º da CRP, na versão de 1989, já que aquele preceito da LPTA dispunha que «só é admissível recurso dos actos definitivos e executórios», sendo que o citado preceito constitucional, na apontada redacção, deslocou a garantia de recurso contencioso da definitividade e executoriedade do acto, para a sua lesividade, como referimos (…).
Essa questão foi abundantemente apreciada por este STA, designadamente pelo Pleno da 1.ª Secção e levada até ao Tribunal Constitucional, tendo, uniformemente, vindo a ser resolvida pela jurisprudência de ambos os Tribunais, no sentido da não inconstitucionalidade do art. 25.º da LPTA, no entendimento, em síntese, de que a consagração, na lei, de um meio de impugnação administrativa necessária, não contende, de per si, com a garantia de recurso contencioso acolhida no n.º 4 do art. 268.º da CRP, o que só aconteceria se o direito de acesso ao tribunal consagrado no art. 20.º da CRP, fosse, por essa via, suprimido ou restringido intoleravelmente, caso que não acontece com a impugnação necessária, já que o administrado pode sempre vir a impugnar judicialmente o acto que põe fim ao procedimento. A lesão do direito invocada, a existir, seria, por isso, meramente potencial (…).
Posteriormente, com a nova redacção do n.º 4 do art. 268.º da CRP, introduzida pela Lei n.º 1/97, de 20.09, que veio incluir, expressamente, no direito à tutela jurisdicional efectiva, a impugnação de quaisquer actos administrativos que lesem direitos e interesses legalmente protegidos dos administrados, reacendeu-se a polémica da compatibilidade com o citado preceito constitucional, agora na versão de 1997, das impugnações administrativas necessárias (…).
Mas quer este STA, quer o Tribunal Constitucional, se pronunciaram já, em vários arestos, pela compatibilidade do art. 25.º da LPTA, e, consequentemente, das normas que impõem uma prévia impugnação administrativa necessária para abrir a via contenciosa, com o citado preceito constitucional, na versão de 1997, que é a actual, reiterando a jurisprudência anterior, por considerarem que não é infirmada pelas alterações introduzidas no citado n.º 4 do art. 268.º da CRP com a revisão constitucional de 1997.
(…) Igualmente o STA tem reafirmado que só há inconstitucionalidade se o percurso imposto por lei para alcançar a via contenciosa suprimir ou restringir intoleravelmente o direito de acesso ao tribunal ou, por qualquer forma, prejudicar de forma desproporcionada (ou arbitrária) a tutela judicial efectiva dos cidadãos, o que não acontece, em princípio, com as impugnações administrativas necessárias, maxime, o recurso hierárquico necessário (…).
Com efeito, além de se encontrar assegurada a via contenciosa, a impugnação administrativa quando necessária gera, em princípio, a suspensão automática dos efeitos do acto impugnado, como decorre dos arts. 163.º, n.º 1 e 170.º do CPA, além de que é um meio de reacção mais fácil e barato, proporcionando ainda vantagens de ordem prática, já que o recurso hierárquico necessário, obriga a que o superior hierárquico, supostamente mais habilitado, se pronuncie sobre o caso, evitando, eventualmente, a impugnação judicial, e, portanto, as despesas inerentes, além de proporcionar mais tempo para a preparação da impugnação judicial e do eventual pedido de suspensão de eficácia do acto, no caso da decisão ser desfavorável (…).
Mas, se assim era antes da entrada em vigor do CPTA em 01.01.2004, não há razão para deixar de o ser, após a entrada em vigor deste diploma legal, uma vez que o mesmo se limitou a concretizar a referida norma constitucional (citado n.º 4 do art. 268.º da CRP, na versão de 1997), a qual, entretanto, não sofreu qualquer alteração, pelo que a jurisprudência referida mantém hoje inteira actualidade. E, assim sendo, pelas razões já referidas, continua a não existir qualquer incompatibilidade, com o citado preceito constitucional, das normas que hoje especialmente prevejam impugnações administrativas necessárias. …” (sublinhados nossos) (cfr. no mesmo sentido, Ac. do TC n.º 564/08 de 25.11.2008 (Proc. n.º 765/08) in: «http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/»).
Este entendimento, que se ora acompanha e reitera, mostra-se firmado é certo num quadro de impugnação administrativa necessária dotada de efeito suspensivo, em que as necessidades de tutela jurisdicional contenciosa se mostram obviadas/temperadas claramente pelo aludido efeito suspensivo e pela consideração de que apenas existe acto impugnável com a pronúncia em sede de recurso hierárquico necessário ou decurso do respectivo prazo de decisão.
No caso vertente somos, todavia, confrontados com acto punitivo cuja impugnação contenciosa se mostra carecida de “duplo” recurso hierárquico necessário, recurso esse que não possui efeito suspensivo.
Assistirá, por isso e nessa medida, razão ao A.?
Temos, para nós, que ainda assim e ao invés do sustentado pelo A./recorrente, não lhe assiste razão.
Se é certo que o acesso ao direito à defesa e à tutela jurisdicional efectiva no caso sofre limitação esta, no entanto, não gera violação dos arts. 20.º e 268.º, n.º 4 da CRP, nem envolve qualquer entorse ao princípio “in dubio por impugnatione” (art. 07.º CPTA), na medida em que aquela tutela fica garantida, no caso e face à natureza da relação especial que caracteriza o regime disciplinar a que estão sujeitos os militares da GNR, com a existência de recurso hierárquico até ao «MAI» e com a possibilidade da decisão deste ser impugnada contenciosamente com recurso aos meios processuais próprios nos tribunais administrativos [caso lesiva dos seus direitos e interesses] e obtenção de reparação indemnizatória em caso de ilegalidade.
Na verdade, por um lado, a garantia de impugnação contenciosa não é ilimitada ou absoluta, permitindo-se ao legislador ordinário alguma margem na definição e enunciação dos pressupostos processuais exigidos para cada um dos meios contenciosos consagrados e disponibilizados no ordenamento jurídico, não existindo no texto constitucional uma imposição que um determinado direito ou interesse legalmente protegido possam e devam ser efectivados por um qualquer ente, num qualquer tribunal/jurisdição e através dum qualquer meio processual à livre escolha de quem pretenda exercê-lo.
E, por outro lado, temos que, na situação vertente, da inexistência dum efeito suspensivo decorrente da interposição do “duplo” recurso hierárquico necessário (cfr. art. 124.º do RDGNR) não deriva qualquer inconstitucionalidade por ofensa ao que se mostra constitucionalmente consagrado nos seus arts. 20.º e 268.º (n.º 4) já que a compressão ou mesmo limitação/restrição ao exercício do direito de defesa e acesso à tutela jurisdicional efectiva por parte do A. se mostra coberta pelas necessidades decorrentes da relação especial de disciplina militar, sendo a essa luz aceitável por não desproporcionada.
Como se sustentou no acórdão do STA de 08.05.2007 (Proc. n.º 01085/06 in: «www.dgsi.pt/jsta»), que se pronunciou sobre esta questão, mantendo aquilo que havia sido o julgamento prolatado pelo TCA Sul (acórdão de 22.06.2006 - Proc. n.º 07406/03 in: «www.dgsi.pt/jtca»), o “... que já se deixou enunciado … a respeito da diferenciação de valores que subjazem a certas opções legislativas relativamente a outras, e que justificam uma diferenciação normativa (e assim considerando como não violado o art. 13.º da CRP) vale para a invocação feita pelo recorrente a respeito do artigo 124.º do RDGNR (…) relativamente ao que decorre do artigo 170.º, n.º 1 do CPA e do n.º 6 do artigo 75.º do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local, …, que atribuem efeito suspensivo ao recurso hierárquico.
Por outro lado, tal diferenciação confere a pedra de toque para que se conclua, como no acórdão recorrido, que a mesma se não considere em colisão, designadamente com o disposto nos artigos 17.º, 18.º, 20.º, n.º 5 e 268.º, n.ºs 4 e 5 da CRP, nomeadamente por atentar contra o princípio da tutela jurisdicional efectiva, ao permitir que a aplicação da sanção aplicada a militares da GNR produza desde logo efeitos executórios.
Efectivamente, como se assinalou o acórdão recorrido, «A razão de ser deste regime excepcional …, constante da Lei n.º 145/99, …, foi a de salvaguardar as exigências especiais de tutela disciplinar no corpo especial de tropas da GNR, assegurando os efeitos preventivos e dissuasores desencadeados, em tempo útil, pela execução das penas, uma vez que a disciplina militar, sendo necessariamente diversa da existente no funcionalismo público, tem como subjacente uma cultura específica preordenada ao êxito da missão a cumprir.
Por isso, tais objectivos dificilmente se coadunam com um regime de execução tardia das penas, susceptível de ser associado a um certo laxismo, circunstância que, sem dúvida, foi seguramente objecto de ponderação na Assembleia da República, devendo por conseguinte tal norma, cujo conteúdo é claro, ser interpretada no contexto mais amplo do ordenamento concreto em que se insere, nomeadamente da Lei Orgânica da GNR, da Lei da Defesa Nacional e das Forças Armadas e do Estatuto da Condição Militar …” [cfr., também neste sentido, J.C. Vieira de Andrade in: ob. cit., págs. 318 e 319, nota 745].
Nessa medida, tem-se como insubsistente a argumentação expendida, não envolvendo o entendimento firmado na decisão judicial recorrida infracção ao que se mostra enunciado nos arts. 20.º e 268.º da CRP, 07.º do CPTA e 124.º do RDGNR.
3.2.3.4. De igual modo, inexiste também erro de julgamento por incorrecta aplicação do que se prevê nos arts. 60.º do CPTA e 68.º do CPA.
É que do facto do A. não haver sido devidamente notificado da decisão disciplinar punitiva aqui objecto de impugnação não deriva ou transforma a mesma como acto impugnável quando, como vimos, cabia e se impunha a dedução de recurso hierárquico necessário.
A ausência de notificação que observe e cumpra as exigências impostas pelo art. 68.º do CPA apenas gera ou produz a ineficácia do acto relativamente ao A. com consequente tempestividade na dedução do recurso hierárquico que venha a ser interposto.
Com efeito, é ineficaz a notificação que se efective através de ofício que não contenha os elementos essenciais referidos no citado art. 68.º do CPA, mormente, a menção quanto ao órgão competente para apreciar necessariamente a sua impugnação graciosa e respectivo prazo, sendo que esta omissão não é daquelas que se mostra vertida na previsão do n.º 2 do art. 60.º do CPTA e, como tal, por força do princípio da inoponibilidade da notificação/publicação enquanto tal omissão não se mostrar suprida não se inicia o prazo para utilização do meio processual impugnatório pertinente [cfr., v.g., no sentido defendido embora no quadro do regime de contencioso antecedente, Ac. TC n.º 438/02 de 23.10.2002 (Proc. 790/01) in: «http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/»; Acs. do STA/Pleno de 04.02.2003 - Proc. n.º 040952, de 30.04.2003 - Proc. n.º 0128/02, de 09.03.2004 - Proc. n.º 01509/02; Ac. STA/Secção de 06.06.2007 - Proc. n.º 01250/06 todos in: «www.dgsi.pt/jsta»].
Nessa medida, se os erros nos actos de notificação/publicação quanto ao órgão competente para apreciar a impugnação administrativa não são oponíveis aos interessados (cfr. n.º 4 do art. 60.º do CPTA) e dão lugar em caso de uso indevido do meio contencioso à admissão do uso da via de impugnação administrativa necessária ainda que se encontre esgotado o respectivo prazo (cfr. M. Aroso de Almeida e C.A. Fernandes Cadilha in: ob. cit., pág. 409), temos que idêntica conclusão importa extrair quando tais actos de notificação/publicação se mostram totalmente omissos na inclusão dos elementos essenciais referidos no art. 68.º do CPA, nomeadamente, quanto à falta de menção do carácter necessário da impugnação graciosa, do órgão competente para a apreciar e respectivo prazo.
Improcede, pois, pelos fundamentos e motivação antecedente o recurso que se nos mostra dirigido.
4. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em negar total provimento ao recurso jurisdicional “sub judice” e, consequentemente com a fundamentação antecedente, confirmar a decisão judicial recorrida com todas as legais consequências.
Custas nesta instância a cargo do A., aqui recorrente, sendo que na mesma a taxa de justiça é reduzida a metade nos termos legais [arts. 73.º-A, n.º 1, 73.º-D, n.º 3, 73.º-E, n.º 1, al. a), 18.º, n.º 2 todos do CCJ, 446.º do CPC e 189.º do CPTA].
Notifique-se. D.N..
Restituam-se, oportunamente, aos ilustres mandatários das partes os suportes informáticos que eventualmente hajam sido gentilmente disponibilizados.
Processado com recurso a meios informáticos, tendo sido revisto e rubricado pelo relator (cfr. art. 138.º, n.º 5 do CPC “ex vi” art. 01.º do CPTA).
Porto, 28 de Outubro de 2010
Ass. Carlos Luís Medeiros de Carvalho
Ass. Antero Pires Salvador
Ass. Rogério Paulo da Costa Martins






Paulo Luis Rodrigues Mota (aluno n.º 17915)

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