domingo, 22 de abril de 2012


COMENTÁRIO A SENTENÇAS DO TAF DE BRAGA – FACTURAS FALSAS

Ø       Sentença do TAF de Braga de 2009-04-30 – Processo n.º 171/08 BEBRG – relativa a IRC

Ø       Sentença do TAF de Braga de 2009-05-11 – Processo n.º 294/08 BEBRG – relativa a IVA


Proponho-me a dar a conhecer duas sentenças do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga que recaíram sobre o mesmo relatório inspectivo, embora uma delas se debruce sobre as correcções aritméticas em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) que resultaram daquele relatório e a outra sobre as correcções aritméticas em sede de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA).

As correcções aqui em causa, para além de outras que foram efectuadas, tiveram como base indícios de facturas simuladas, que não correspondiam a verdadeiras prestações de serviços.

As duas Impugnações foram distribuídas a dois juízes diferentes e tiveram decisões diferentes: a decisão relativamente às liquidações de IVA foi desfavorável à Fazenda Pública; a decisão na Impugnação relativa às liquidações de IRC foi favorável à Fazenda Pública.

Poderá, eventualmente, questionar-se a justeza e a coerência, ou a falta delas, no resultado obtido após estas duas decisões.

Em síntese, a Administração Fiscal, no âmbito de acção de inspecção procedeu a correcções aritméticas, as quais deram origem a liquidações adicionais de IRC e IVA.

  • Para efeitos de IRC, a Administração Tributária (AT), considerou que os custos relevados na contabilidade não satisfaziam o estabelecido no nº 1 do art.º 23.º do Código do IRC, dado que «resultaram de operação simulada pois, na realidade, não houve qualquer prestação de serviços efectiva».
  • Para efeitos de IVA, a AT, considerou que o IVA deduzido deveria ser corrigido, «nos termos dos nºs 2, 3, 4 e 6 do art.º 19.º do Código do IVA».
O sujeito passivo interpôs duas Impugnações para o Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga – uma relativamente às liquidações de IRC e outra relativa às liquidações de IVA.

A decisão foi desfavorável à Fazenda Pública na Impugnação relativa às liquidações de IVA, mas favorável relativamente às liquidações de IRC.

  • No âmbito do IRC (Processo n.º 171/08 BEBRG)
«A questão a decidir, é a de saber se as facturas emitidas pela tal firma fornecedora correspondem a operações comerciais reais ou se são facturas não suportadas por qualquer negócio económico real e efectivamente realizado entre a Impugnante e aquele fornecedor e/ou seja, se essas transacções comerciais foram efectivamente realizadas e não se trataram de negócios fictícios.
( … )

Determina o n.º 1 do art.º 23 do Código do IRC que para o apuramento do imposto devido, consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a impostos ou para a manutenção da fonte produtora.

Daí que seja curial rejeitar como custos as quantias tituladas por facturas quando, após averiguações sérias e credíveis, a AT concluiu haver sérios indícios de que aquelas titulavam operações simuladas e consequentemente, que tais custos não são reais. E considerando que o IRC visa a tributação do lucro real, não é permitido a dedução de custos fictícios.

Perante os indícios concretos e objectivos, à Impugnante competia provar que os custos eram reais, por corresponderem a prestações de serviço, de mão-de-obra efectivamente fornecidas que foram efectivamente pagas comprovando os custos contabilizados nos termos do art.º 23.º do Código do IRC.

Assim, a Impugnante não logrou, fazer prova de que as facturas emitidas em … correspondiam a serviços prestados pela sociedade fornecedora, pelo que improcede o vício alegado pela Impugnante


  • No âmbito do IVA (Processo n.º 294/08 BEBRG)
«(…) A primeira questão a decidir, é a de saber se são legais as correcções aritméticas à matéria tributável efectuadas pela administração tributária e das quais resultaram as liquidações aqui impugnadas.
(…)

Porque a liquidação adicional de IVA tem por fundamento o não reconhecimento das deduções declaradas pela Contribuinte, compete à AT fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação, constantes do art.º 82.º n.º 1 do CIVA, ou seja, tendo o juízo da AT assentado na consideração de que as operações e o valor mencionado nas facturas em causa não corresponde à realidade, haverá de demonstrar a existência de indícios sérios de que as operações referidas nas facturas foram simuladas.
(…)

A este propósito, convirá referir que a administração não se pode limitar a uma fundamentação formal do juízo que formula quanto à dedução indevida por parte do sujeito passivo. Exige-se-lhe, ademais, que demonstre o bem fundado desse juízo, provando os indícios que o sustentam dessa forma possibilitando a conclusão de ser correcta a sua fundamentação material.
(…)

No caso dos autos, como resulta da matéria de facto provada, a AT considerou que as facturas contabilizadas pela Impugnante, não correspondem a efectivas operações, com base em certos factos indiciários.

A impugnante alega que os factos recolhidos pela AT não constituem, na sua perspectiva, indícios sérios e objectivos que, só por si, e com forte probabilidade suportem a conclusão de que as operações tituladas pelas facturas são simuladas.

A doutrina, unanimemente, aponta três elementos constitutivos da simulação:

- A divergência entre a vontade real e a vontade declarada;

- O acordo simulatório;

- A intenção de enganar terceiros.

Os indícios recolhidos relativamente à emitente das facturas respeitam apenas a aspectos meramente formais e exclusivamente respeitantes ao referido emitente, dos quais nada se pode extrair relativamente à existência de um acordo simulatório celebrado entre o emitente das facturas e a impugnante.
(…)

Finalmente, embora a AT invoque a norma do n.º 4 do art.º 19.º do CIVA para fundamentar as correcções efectuadas, o certo é que o mesmo resulta inaplicável no caso concreto.

Por duas razões:

- Em primeiro lugar a administração tributária não alegou que o prestador de serviços não entregou nos cofres do Estado o imposto liquidado;

- Em segundo lugar, nenhum indício relevante foi apresentado no sentido de sustentar que a Impugnante sabia ou devia saber que a emitente das facturas não dispunha de adequada estrutura empresarial susceptível de exercer a actividade declarada (o juízo conclusivo que a administração tributária formulou a este propósito é insubsistente: da verificação, em alguns contratos celebrados entre a Impugnante e a emitente das facturas, da exigência de apresentação de documentos comprovativos da sua situação perante a segurança social não decorre, como conclusão, que a firma … tinha conhecimento que a empresa subcontratada não possuía adequada estrutura empresarial susceptível de exercer a actividade em causa).


Concluindo: os factos indiciários recolhidos pela administração tributária não permitem concluir pela simulação das operações tituladas pelas facturas, nomeadamente na perspectiva da existência de um acordo simulatório entre a Impugnante e o emitente. Por isso, entendemos que é ilegal a desconsideração do direito à dedução do IVA por parte da Impugnante o que necessariamente acarreta a ilegalidade das liquidações impugnadas.»


ü       Comentário Final referente às duas decisões diferente do TAF de Braga

Após o exposto, e tendo em consideração as decisões diferentes do TAF de Braga que recaíram sobre o mesmo relatório da Inspecção Tributária, importa referir que, talvez encontremos, ou não, algum sentido nesta duplicidade de decisões se ponderarmos que as exigências de prova decorrentes da lei de um e outro imposto são diferentes. Enquanto no IRC basta haver sérios indícios de que certas facturas titulam operações simuladas e consequentemente, que tais custos não são reais e por isso não aceites, nos termos do art.º 23.º do Código do IRC – dado que o IRC visa a tributação do lucro real, não é permitida a dedução de custos fictícios, no IVA, se a Administração Tributária invocar os nºs 3 e 4 do art.º 19.º do Código do IVA, como foi o caso, então terá de juntar ao relatório factos concretos que provem o acordo simulatório existente entre o emitente das facturas e o utilizador com a intenção de enganar terceiros (neste caso, a Administração Tributária) e que a empresa utilizadora das facturas sabia ou devia saber que a emitente das facturas não dispunha de adequada estrutura empresarial susceptível de exercer a actividade declarada.

Luísa Isabel F. P. A. Martinho
Aluna n.º 17636

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