A responsabilidade civil do
estado, é fundamental para a vida em sociedade, sendo inclusivamente nas
palavras do Prof. Vasco Pereira da Silva, um “pilar” do estado de direito, consagrado
constitucionalmente no art. 22.º da CRP “O Estado e as demais entidades
públicas são civilmente responsáveis, em forma solidária com os titulares dos
seus órgãos, funcionários ou agentes, por acções ou omissões praticadas no
exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte violação
dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem”, esta disposição
constitucional tem a sua concretização em termos de lei ordinária no regime
jurídica da responsabilidade extracontratual do estado e demais entidades
públicas (RRCEE) aprovado pela lei 67/2007, é necessário conjugar as normas constituição
e a lei ordinária, verificando, como alerta o Prof. Vasco Pereira da Silva a
questão “se o direito da Responsabilidade civil extracontratual da
administração pública é Direito Constitucional concretizado ou por
concretizar.”
O no nº 2 do art.º 1º do RRCEE diz que “correspondem ao exercício da função administrativa
as acções e omissões adoptadas no exercício de prerrogativas de poder público
ou regulado por disposições ou princípio de Direito administrativo”, desta
disposição retira-se uma definição daquilo que constitui a função
administrativa para este diploma, confrontando esta norma com o que dispõe o
n.º 2 do art.º 2º da lei 67/2007 “ A presente lei prevalece sobre qualquer
remissão legal para o regime de responsabilidade civil extracontratual de
direito privado aplicável a pessoas colectivas de direito público” que parece apontar para o desaparecimento desta distinção,
afastando a aplicação do regime constante dos art. 500.º e 501.º do CC, fica a
dúvida se a distinção entre actos de gestão pública e gestão privada permanece
no RRCEE, até porque com a reforma de 2004, nomeadamente o disposto no art. 4º
n.º 1 al.h) do ETAF, parecia também apontar no mesmo sentido.
Contudo ao efectuarmos a análise do regime no seu todo, parece
que o legislador no RRCEE pretendeu fazer a salvaguarda os regimes especiais de
responsabilidade civil por danos decorrentes do exercício da função
administrativa (art. 2º, n.º 2 da lei 67/2007), e uniformizar o regime da
responsabilidade extracontratual por actos de gestão pública, sem prejudicar os
regimes especiais, ou seja a aplicação do regime do RRCEE à resolução dos casos
de responsabilidade civil extracontratual por acções ou omissões praticadas por
entidades que actuem no exercício de funções materialmente administrativas com
prerrogativas de poder público, continuando a remeter para o regime do CC os
casos de responsabilidade por actos de gestão privada.
Assim deverá ser adoptada uma interpretação restritiva do
n.º 2 do art. 2.º do DL 67/2007 reportando-o apenas às situações de remissão
legal para normas de direito privado dos actos ou omissões praticados em gestão
pública e à responsabilidade civil extracontratual, das pessoas colectivas de
direito público e às pessoas colectivas de direito privado equiparadas, nos
termos do artigo 1º n.º 5 do RRCEE, deles decorrente.
Quanto a este ponto parece que o RRCEE não foi tão longe
como deveria ter ido, pois parece que em termos substantivos não se alterou muito
o que já decorria do DL.48.051, apenas a terminologia, enquanto no diploma
revogado se falava em gestão pública/gestão privada, nos n.ºs 2 e n.º 5 do art.
1.º do RRCEE fala-se em actividade submetida ao direito público ou actividade
submetida ao direito privado, o fim é condição essencial à natureza
administrativa do acto, para o RRCEE relevam apenas os actos funcionalmente
administrativos afastando os actos pessoais, conforme decorre dos art. 1º, n.º
3 e 8º, n.º 2 do RRCEE.
O novo regime jurídica da
responsabilidade extracontratual do estado e demais entidades públicas, aprovado
pela Lei no 67/2007 de 31 de Dezembro, acabou por não resolver todas as
questões e consagrou um regime que na opinião do Prof. Vasco Pereira da Silva
“não é inteiramente coerente com a letra e o espírito da reforma
administrativa.”
Seguindo o entendimento do Prof. Vasco Pereira da Silva, entende-se que o
RRCEE ficou aquém das expectativas, por duas ordens de razões. A primeira diz
respeito ao facto de o artigo 1º, nº 1 se aplicar aos “danos resultantes do
exercício da função legislativa, jurisdicional e administrativa”, harmonizando
o regime substantivo da responsabilidade civil com o regime jurisdicional.
Embora na teoria isto parecesse o mais correcto de acordo com a respectiva
reforma do contencioso administrativo, na prática não funciona bem.
Em segundo lugar, esta dualidade legislativa não põe
termo à distinção entre gestão pública e gestão privada, que há muito não faz
sentido.
Paulo Luís Rodrigues
Mota (aluno n.º 17915)
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