terça-feira, 17 de abril de 2012

Gestão pública - Gestão privada


A responsabilidade civil do estado, é fundamental para a vida em sociedade, sendo inclusivamente nas palavras do Prof. Vasco Pereira da Silva, um “pilar” do estado de direito, consagrado constitucionalmente no art. 22.º da CRP “O Estado e as demais entidades públicas são civilmente responsáveis, em forma solidária com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por acções ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem”, esta disposição constitucional tem a sua concretização em termos de lei ordinária no regime jurídica da responsabilidade extracontratual do estado e demais entidades públicas (RRCEE) aprovado pela lei 67/2007, é necessário conjugar as normas constituição e a lei ordinária, verificando, como alerta o Prof. Vasco Pereira da Silva a questão “se o direito da Responsabilidade civil extracontratual da administração pública é Direito Constitucional concretizado ou por concretizar.”

O no nº 2 do art.º 1º do RRCEE diz que “correspondem ao exercício da função administrativa as acções e omissões adoptadas no exercício de prerrogativas de poder público ou regulado por disposições ou princípio de Direito administrativo”, desta disposição retira-se uma definição daquilo que constitui a função administrativa para este diploma, confrontando esta norma com o que dispõe o n.º 2 do art.º 2º da lei 67/2007 “ A presente lei prevalece sobre qualquer remissão legal para o regime de responsabilidade civil extracontratual de direito privado aplicável a pessoas colectivas de direito público” que parece apontar para o desaparecimento desta distinção, afastando a aplicação do regime constante dos art. 500.º e 501.º do CC, fica a dúvida se a distinção entre actos de gestão pública e gestão privada permanece no RRCEE, até porque com a reforma de 2004, nomeadamente o disposto no art. 4º n.º 1 al.h) do ETAF, parecia também apontar no mesmo sentido.

Contudo ao efectuarmos a análise do regime no seu todo, parece que o legislador no RRCEE pretendeu fazer a salvaguarda os regimes especiais de responsabilidade civil por danos decorrentes do exercício da função administrativa (art. 2º, n.º 2 da lei 67/2007), e uniformizar o regime da responsabilidade extracontratual por actos de gestão pública, sem prejudicar os regimes especiais, ou seja a aplicação do regime do RRCEE à resolução dos casos de responsabilidade civil extracontratual por acções ou omissões praticadas por entidades que actuem no exercício de funções materialmente administrativas com prerrogativas de poder público, continuando a remeter para o regime do CC os casos de responsabilidade por actos de gestão privada.
Assim deverá ser adoptada uma interpretação restritiva do n.º 2 do art. 2.º do DL 67/2007 reportando-o apenas às situações de remissão legal para normas de direito privado dos actos ou omissões praticados em gestão pública e à responsabilidade civil extracontratual, das pessoas colectivas de direito público e às pessoas colectivas de direito privado equiparadas, nos termos do artigo 1º n.º 5 do RRCEE, deles decorrente.
Quanto a este ponto parece que o RRCEE não foi tão longe como deveria ter ido, pois parece que em termos substantivos não se alterou muito o que já decorria do DL.48.051, apenas a terminologia, enquanto no diploma revogado se falava em gestão pública/gestão privada, nos n.ºs 2 e n.º 5 do art. 1.º do RRCEE fala-se em actividade submetida ao direito público ou actividade submetida ao direito privado, o fim é condição essencial à natureza administrativa do acto, para o RRCEE relevam apenas os actos funcionalmente administrativos afastando os actos pessoais, conforme decorre dos art. 1º, n.º 3 e 8º, n.º 2 do RRCEE.

O novo regime jurídica da responsabilidade extracontratual do estado e demais entidades públicas, aprovado pela Lei no 67/2007 de 31 de Dezembro, acabou por não resolver todas as questões e consagrou um regime que na opinião do Prof. Vasco Pereira da Silva “não é inteiramente coerente com a letra e o espírito da reforma administrativa.”
Seguindo o entendimento do Prof. Vasco Pereira da Silva, entende-se que o RRCEE ficou aquém das expectativas, por duas ordens de razões. A primeira diz respeito ao facto de o artigo 1º, nº 1 se aplicar aos “danos resultantes do exercício da função legislativa, jurisdicional e administrativa”, harmonizando o regime substantivo da responsabilidade civil com o regime jurisdicional. Embora na teoria isto parecesse o mais correcto de acordo com a respectiva reforma do contencioso administrativo, na prática não funciona bem. Em segundo lugar, esta dualidade legislativa não põe termo à distinção entre gestão pública e gestão privada, que há muito não faz sentido.

Paulo Luís Rodrigues Mota (aluno n.º 17915)

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