segunda-feira, 16 de abril de 2012

Intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias

Intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias
João Ferreira Dias, n.º 17863, 4º ano (Noite)

Introdução

1. A intimação para proteção de DLG-direitos, liberdades e garantias (a seguir designada abreviadamente como “intimação”) é um meio processual urgente da justiça administrativa (CPTA 109 ss) que atende à expressa determinação constitucional de celeridade e prioridade que deve ser concedida à tutela efetiva de tais direitos fundamentais (CRP 20/5: “Para defesa dos direitos, liberdades e garantias pessoais, a lei assegura aos cidadãos procedimentos judiciais caracterizados pela a celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efectiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos.”).

2. Refira-se que o enunciado constitucional da tutela ampla dos DLG só teve acolhimento na revisão constitucional de 1997. Para concretizar este comando constitucional havia diversas opções processuais: ação de amparo constitucional com intervenção do Tribunal Constitucional; ação urgente nas instâncias superiores da jurisdição cível ou da jurisdição administrativa (Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional IV, Coimbra, 2000, p. 368).

3. Existiam já diferentes meios de tutela contra violações de DLG, quer no processo criminal, dando sequência processual ao habeas corpus (CRP 31), quer no processo cível, através de ações declarativas, com eventuais providências cautelares, quer no processo administrativo, através de ações especiais de impugnação ou de condenação à produção devida de atos e normas com a eventual acessoriedade de providências cautelares, incluindo as urgentíssimas (CPTA 131/7). E, também, indiretamente, a fiscalização da inconstitucionalidade duma norma suscitada, quer em concreto num recurso em processo jurisdicional (CRP 280), quer em abstrato (CRP 281/1) pelo Provedor de Justiça (CRP 281/2/d), na sequência duma queixa (CRP 23/1). Por fim, refiram-se os meios não jurisdicionais como sejam: a reclamação e o recurso administrativo CPA 161 ss); o direito de resistência (CRP 21).

4. No entanto, era reconhecida a carência dum meio processual ágil, célere e adequado à tutela genérica dos DLG (e direitos análogos, CRP 17). Dada a arquitetura judiciária portuguesa e a usual natureza pública do ente adstrito ao dever que se contrapõe ao direito fundamental subjetivo, surge como natural que a essa ação tutelar - a intimação para proteção de DLG - se insira na justiça administrativa (CPTA 109 ss). Note-se que o seu preceito normativo refere-se a “direito, liberdade ou garantia” (CPTA 109/1) sendo mais amplo que “direitos, liberdades e garantias pessoais” (CRP 20/5), por não ter o adjetivo “pessoal”.

5. A intimação para proteção de DLG, que é um processo declarativo urgente (CPTA 109 ss, 36/1d) e autónomo, culmina com uma decisão de mérito, que faz caso julgado, recorrível. Não se confunde com as providências cautelares, que, podendo ser igualmente céleres (CPTA 131/3), são meios instrumentais e acessórios dos processos principais: o decretamento provisório irrecorrível da providência, assente numa apreciação perfunctória (fummus boni iuris), destina-se a obstar ao periculum in mora que comprometeria o efeito útil da sentença a emitir no processo principal.

Pretensão

6. Nos termos do CPTA 109/1, a intimação para proteção de DLG pode ser requerida quando a célere emissão de uma decisão de mérito que imponha à Administração (em sentido amplo incluindo privados, e.g. concessionários, que exerçam funções administrativas, cfr. CRP 18/1/2ª parte) a adoção de uma conduta positiva ou negativa se revele indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia (direitos fundamentais constantes do Título II da Parte I da CRP e direitos análogos).

7. Trata-se dum meio contencioso de plena jurisdição com caracter subsidiário. Daí exigir-se, para além da lesão, ou ameaça de lesão, em concreto, de DLG (e direitos análogos), que não seja possível ou suficiente o recurso a outro meio processual (CPTA 109/1), designadamente uma ação administrativa comum (e.g. condenação á abstenção dum comportamento, CPTA 37/2/c) ou especial (e.g condenação à prática dum ato devido, CPTA 66) complementada pelo decretamento urgentíssimo de uma providência cautelar (CPTA 131/3).

8. Embora a intimação para proteção de DLG seja um processo autónomo não faz sentido, em princípio, dada a sua natureza e celeridade, a ocorrência incidental de providências cautelares: com efeito, ou a regulação da situação exige uma solução definitiva e célere e justifica-se a ação de intimação, ou estes requisitos não são cumulativamente indispensáveis e então o recurso a uma providência cautelar (CPTA 112), ainda que com decretamento urgentíssimo (CPTA 131/3) é suficiente para salvaguardar os DLG até à emissão da sentença numa ação declarativa não urgente..

Pressupostos processuais

9. A legitimidade ativa é reconhecida, em sentido subjetivo, a quem alegue a lesão (ou ameaça de lesão) de um direito, liberdade ou garantia no âmbito duma relação jurídico-administrativa. Para Carla Amado Gomes (“O Provedor de Justiça e a tutela de interesses difusos” in O Provedor de Justiça – Novos Estudos, 2008) “a natureza subjectivista da intimação para defesa de direitos, liberdades e garantias, …, afasta – salvo, porventura, quanto à condenação à prática de actos vinculados cuja ausência cause lesão a tais direitos – extensões de legitimidade a entidades que não os directamente lesados”.

No mesmo sentido, M. Aroso de Almeida (“Manual de processo administrativo”, Almedina, 2010, p 252) para quem “a legitimidade para a propositura deste tipo de ações assenta na alegação de titularidade de uma situação substantiva lesada, ou em risco de ser lesada,…”.

Vasco Pereira de Almeida (O Contencioso Administrativo no divã da Psicanálise, Almedina, 2009, p.270) lembra que, “…num Estado de Direito, o contencioso administrativo para além da função subjectiva, desempenha também uma função objectiva de tutela de legalidade e do interesse público.… que é realizada de forma imediata pela intervenção do actor público e do actor popular.”

10. A legitimidade ativa do ator público e do ator popular, cumprindo a função objetiva do contencioso administrativo (CRP 52), está prevista em processos principais e cautelares destinados à defesa de valores e bens constitucionalmente protegidos, como a saúde pública, o ambiente, o urbanismo, o ordenamento do território, a qualidade de vida, o património cultural e os bens do Estado, das Regiões Autónomas e das autarquias locais (CPTA 9/2).

Dado que a intimação para proteção de DLG é uma ação principal que tem por objeto mediato DLG (CPTA 109/1), e não só DLG pessoais (CRP 20/5), questionamo-nos se deve ser afastada a legitimidade ativa do ator público e do ator popular, dada a generosa abertura da justiça administrativa à sua intervenção (CPTA 9/2). Aliás o habeas corpus, que tutela de forma específica um DLG – o direito à liberdade - pode ser requerida por qualquer cidadão (CRP 31).

11. A autoria pode ser singular ou em coligação, neste caso sujeito à satisfação de requisitos de conexão (CPTA 12/1/a).

12. A legitimidade passiva é da pessoa colectiva de direito público ou, no caso do Estado, o Ministério (CPTA 10/2) ou os particulares no exercício de funções administrativas (CPTA 10/7) cuja ação ou omissão administrativa é alegadamente lesiva de DLG (CPTA 10/1).

13. Embora com caracter excecional dada a natureza da intimação, o juiz pode, eventualmente, ter de atender a eventuais contrainteressados desde que possam ser identificados em função da relação material em causa ou dos documentos contidos no processo administrativo (CPTA 57).

14. O tribunal da jurisdição administrativa (ETAF 4/1/a) competente é o tribunal administrativo de círculo (ETAF 44/1/1ª parte) da área onde deva ter lugar o comportamento ou a omissão pretendidos (CPTA 20/5).

15. O patrocínio judiciário obriga à constituição de advogado (CPTA 11/1).

16. No que se refere à oportunidade, o pedido de intimação não está sujeito a qualquer prazo, o que se compagina com a cominação de nulidade dos atos administrativos violadores de direitos fundamentais (CPA 133º/2/d).

Tramitação

17. A tramitação segue as disposições específicas da intimação em causa (CPTA 109 ss), pelas disposições gerais (CPTA 1 ss) e, subsidiariamente, o disposto na lei processual civil (CPTA 35/2).

18. A tramitação normal da intimação é aligeirada e célere: apresentado o requerimento, o requerido é notificado para responder no prazo de sete dias; concluídas as diligências necessárias, cabe ao juiz decidir no prazo de cinco dias (CPTA 110/1). Existem duas tramitações alternativas: 1) se a matéria for complexa, o juiz pode determinar que a tramitação siga o estabelecido para a ação administrativa especial mas com especial urgência, i.e. com os prazos reduzidos a metade (CPTA 110/3); em situações de urgência extraordinária, o juiz, reconhecendo a possibilidade de lesão iminente e irreversível do DLG, pode determinar o encurtamento do prazo de resposta ou optar pela realização, no prazo de quarenta e oito horas, de uma audiência oral, por qualquer meio de comunicação, no termo da qual decidirá de imediato (CPTA 111).

19. Tratando-se dum processo urgente corre em férias, com dispensa de vistos prévios, mesmo em fase de recurso jurisdicional, e os actos da secretaria são praticados no próprio dia, com precedência sobre quaisquer outros (CPTA 36/2).

Sentença

20. Na decisão, o juiz determina o comportamento concreto a que o destinatário é intimado e, sendo caso disso, o prazo para o cumprimento e o responsável pelo mesmo (CPTA 110/4); se o acto administrativo for estritamente vinculado o tribunal poderá emitir sentença que produza os efeitos do acto devido (CPTA 109/3).

21. O incumprimento sujeita o responsável ao pagamento de sanção pecuniária compulsória, a fixar pelo juiz na decisão de intimação ou em despacho posterior, nos termos do CPTA 169, sem prejuízo do apuramento da responsabilidade civil, disciplinar e criminal a que haja lugar (CPTA 110/5).

22. A recorribilidade da decisão favorável depende do valor da causa (CPTA 142º/1 conjugado com CPTA 32 ss); a improcedência do pedido de intimação é sempre susceptível de recurso (CPTA 142/3/a), com efeito devolutivo (CPTA 143/2).

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