quinta-feira, 19 de abril de 2012

Incompetência em razão da matéria dos Tribunais Administrativos


 ACÓRDÃO TCA SUL
Processo: 08391/12
Secção: CA 2ºJuizo
22/03/2012
Relator: Coelho da Cunha

INCOMPETÊNCIA EM RAZÃO DA MATÉRIA DOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS.
CONTRATOS DE SUBEMPREITADA.
ARTIGOS 4º Nº1, AL.F) DO ETAF.
               
Sumário:     
I-A competência em razão da matéria é fixada em função dos termos em que a acção é proposta.

II-Só podem ser considerados contratos administrativos os que dizem, respeito a relações jurídicas administrativas.

III-Se estiver em causa um contrato de subempreitada celebrado entre uma sociedade anónima e uma sociedade por quotas, cujo pedido é o pagamento de uma quantia derivada do incumprimento de uma das partes, os tribunais administrativos são incompetentes em razão da matéria para conhecer do litígio, à luz do disposto na alínea f) do nº1 do artigo 4º do ETAF.



Acordam em conferência na Secção Administrativa do TCA-Sul

1. Relatório
Armaduras …………… – Construção ……………………, sociedade por quotas, com sede na Baixa da B……………., intentou no TAF de Loulé, contra …………., S.A., Sociedade Anónima, com sede em Faro, acção administrativa comum, com processo ordinário, pedindo a condenação da Ré no pagamento 39.268,58€.
Por despacho saneador de 27.09.2011, o Mmº Juiz “a quo” julgou improcedente a excepção de incompetência absoluta do Tribunal e indeferiu o pedido de intervenção principal provocada da “Massa Insolvente da “Teodoro …………, S.A.”.
Enunciou, nas suas alegações as conclusões seguintes: 
 O contrato de subempreitada dado aos autos, celebrado entre a A. recorrida e a empreiteira Teodoro Gomes Alho, S.A., a que a R. recorrida é alheia, é um contrato de direito privado.
2a As relações jurídicas administrativas emergentes do contrato de empreitada de obra pública celebrado entre a R. recorrente e a Teodoro ……………., S.A. não se comunicam ao mencionado contrato de subempreitada.
3a Nem a norma inserta no artº267º do RJEOP aplicável (Decreto-Lei nº59/99) confere natureza pública ou administrativa àquele contrato de subempreitada.
 Os créditos reclamados na presente acção têm por fonte o mencionado contrato de subempreitada e o seu alegado incumprimento, o que tudo serve de causa de pedir na acção.
 A luz do disposto na alínea f) do nº1 do art.º4º do ETAF e estando em causa a execução de um contrato de direito privado a que a R. recorrente é alheia, os tribunais administrativos são materialmente incompetentes para o julgamento da presente acção.
6ª É essa, aliás, a jurisprudência unânime do STA, como resulta, nomeadamente, do seu Ac. de 9/12/2010, tirado em Tribunal de Conflitos.
 A não proceder a excepção de incompetência deduzida (no que se não concede), deve ser admitida a requerida intervenção principal provocada da Massa Insolvente da Teodoro ………….., S.A..
 Os créditos reclamados na acção têm por fonte o contra o de subempreitada celebrado entre a A. recorrida e a Teodoro …………….., SA, a qual, por isso e ao contrário do que inexactamente se refere no douto saneador recorrido, não é alheia à relação material controvertida.
 A presente acção poderia ter sido também intentada, numa hipótese típica de litisconsórcio voluntário passivo (artº27ªdo CPC), contra a aludida Massa Insolvente, tendo em vista a sua condenação solidária como devedora dos créditos reclamados.
10ª A própria A. recorrida, de resto, alegou que lhe é permitido demandar simultaneamente dois patrimónios (arts.23º e 27º da p.i.), ou seja o da empreiteira Massa Insolvente da Teodoro …………., S.A. e o da R. recorrente.
11ª Eliminado o incidente de chamamento à demanda pela Reforma de 1995 e como expressamente se refere no Relatório do Decreto-Lei nº329-A/95, o chamamento dos co-devedores processa-se por via da intervenção principal provocada passiva.
12a No incidente deduzido, a R. recorrente, nos arts 59º a 64º da contestação e em observância do nº3 do art. 325º do CPC, alegou não só a causa do chamamento (a co-responsabilidade da interveniente pelo crédito reclamado) como o interesse pretendido acautelar (a sujeição da interveniente ao efeito de caso julgado da decisão de proferir).
13ª O douto despacho recorrido violou, pelo menos, a alínea f) do nº1 do art. 4º do ETAF e os arts. 27º, 320º e 325º do CPC.” 
A Digna Magistrada do MºPº emitiu parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
x x 
2. Fundamentação
2.1. De facto
Para apreciação da competência do tribunal são pertinentes os seguintes factos:
a) A A. Armaduras …………- Construção ………………., Lda, é uma Sociedade por quotas, com sede na ………..; 
b) Na prossecução do seu objecto social, a A. celebrou em 10.10.2009, um contrato de subempreitada com a Sociedade Teodoro …………….., S.A. (cfr. doc.2 junto com a petição inicial); 
c) O referido contrato tinha como objecto a execução da subempreitada de corte, dobragem em montagem de aço, e fazia parte integrante da empreitada designada ETAR de Vila Real de Stº António -2ª fase; 
d) O preço estimado para a execução dos trabalhos objecto da subempreitada era de €63.349, 23; 
e) Em 08.10.2010, a A. foi informada de que a Sociedade Teodoro ………………., S.A, se encontrava insolvente; 
f) Nessa mesma data, reclamou os seus créditos à administradora da insolvência; 
g) Até à presente data encontram-se por liquidar as quantias que a A. reclamou.
x x
2.2. De direito
A sentença recorrida julgou inverificada a excepção dilatória da incompetência absoluta do tribunal invocada pela Ré, considerando que nos presentes autos a A. “Armaduras …………….- Construção ……………….., Lda” fundamenta o seu pedido (de condenação da Ré no pagamento de €39.268,58), no contrato de subempreitada que celebrou, em 10 de Novembro de 2009, como a Sociedade Teodoro ………………., S.A., consubstanciado no doc. nº2 junto com a petição inicial.
Ora, continua a decisão “ a quo”, a subempreitada decorre do contrato principal, neste caso do contrato de empreitada de obras públicas, que lhe deu origem, sendo certo que “a competência para dirimir litígios sobre a interpretação, validade e execução de um contrato de empreitada de obras públicas pertence aos tribunais administrativos, nos termos do disposto no artigo 4º, alínea f) do E.T.A.F. 
Assim sendo –conclui a sentença recorrida – também o tribunal competente para decidir litígios emergentes de contratos de subempreitada no âmbito das relações administrativas inseridas num contrato de empreitada, é uma competência do tribunal administrativo.
Salvo o devido respeito não é assim.
É visível que os créditos reclamados pela A. emergem do contrato de subempreitada que a mesma ajustou a Teodoro ………………, S.A., ou seja, a causa de pedir geradora de créditos que o A. reclama tem a sua raiz no aludido contrato de subempreitada, que de modo algum se pode considerar um contrato administrativo, mas antes um contrato de direito privado, regulado pelas normas de natureza privatística. Por outras palavras, é à luz do disposto na alínea f) do nº1 do artigo 4º do ETAF, o dissídio a dirimir na presente acção, com a causa de pedir dela constante, a não se inserir na jurisdição administrativa.
Tendo surgido, diga-se assim, a partir de um contrato de empreitada de obras públicas, a subempreitada, para efeitos de determinação de competência,autonomizou-se em relação ao contrato inicial, assumindo natureza civil.
É esta a jurisprudência dominante, tanto no STA como no Tribunal de Conflito, como se verifica pela leitura do douto parecer do Ministério Público, que, pelo seu relevo se transcreve, e com cuja fundamentação concordamos:
“(…) Desde já se nos afigura assistir razão à recorrente. 
Com efeito, pese embora os Acs. citados pela A. na p.i., no caso em apreço, sufragamos os Acs. do STA, citados pela recorrente, sobretudo o Ac do Tribunal de Conflitos de 09/12/2010, Rec. 020/10.
Na verdade, a Autora propôs a presente Acção Comum pedindo a condenação da Ré no pagamento da quantia de 39.268,58€, decorrente do incumprimento do contrato de subempreitada que celebrou com a Ré. em relação ao qual se encontram por liquidar diversas facturas. Assim, invoca a realização de obras ao abrigo de tal contrato, as quais não lhe foram pagas pelo empreiteiro que o subcontratou.
Ora, conforme se fundamenta no Acórdão atrás citado «O art.°211.°/1 da CRP, estatui que "os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais" e o n°3 do seu art°212 prescreve que "compete aos tribunais administrativos e fiscais o conhecimento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas", normativo que tem tradução no art.°1°/1 do ETAF onde se dispõe que "os Tribunais da jurisdição administrativa e fiscal mo órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo nos litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais. '' O que quer dizer que, por um lado, a jurisdição dos Tribunais Judiciais se define por exclusão, cabendo-lhe julgar todas as acções que não sejam atribuídas a outros Tribunais, e, por outro, que o conceito de relação jurídica administrativa é decisivo para determinar a repartição de competências entre os Tribunais Administrativos e os Tribunais Judiciais, na medida em que essa repartição se faz em função do litígio cuja resolução se pede emergir, ou não, de uma relação jurídica administrativa. Nesta conformidade, para se saber qual o Tribunal materialmente competente para conhecer da pretensão formulada pelo Autor - se o Judicial se o Administrativo - importará analisar em que termos foi desenhada a causa de pedir e qual foi o pedido formulado, pois será essa análise que nos indicará se estamos, ou não, perante uma relação jurídica administrativa. Sendo certo que para esse efeito é irrelevante o juízo de prognose que faça relativamente à viabilidade da pretensão, por se tratar de questão atinente ao seu mérito Vd., a título exemplificativo, Acórdãos Tribunal de Conflitos de 11/7/00 (Conflito n°318), de 3/10/00, (Conflito nº356), de 6/11/01 (Conflito n°373), de 5/2/03, (Conflito n°6/02), de 29/10/2005 (Conflito n°18/06) e de 15/07/2007 (Conflito n°5/07) e do Pleno do STA de 9/-2/9S, rec. n°44.281 (BMJ 482/93) e do STJ de 21/4/99, rec. n.° 373/98 e Prof. Manuel de Andrade "Noções Elementares de Processo Civil" pg. 88 e seg.s.. 
5.1. No caso, está em causa uma acção de responsabilidade civil emergente do defeituoso cumprimento de dois contratos de subempreitada celebrados entre o Autor e a 1." Ré no que tange às cláusulas relacionadas com o pagamento. E, se assim é, os Tribunais Administrativos serão competentes para dirimir esses conflitos se aqueles contratos puderem ser qualificados como administrativos, isto é, como contratos em que foi constituída, modificada ou extinta uma relação jurídica administrativa (art.°178°/1 do CPA) e isto porque, nos termas do art.º4°, n°1, al. f) do ETAF, compete aos Tribunais Administrativos o julgamento das acções que tenham por objecto dirimir litígios que tenham por objecto "questões relativas à interpretação, validade e execução de contratos de objecto passível de acto administrativo, de contratos especificamente a respeito dos quais existam normas de direito público que regulem aspectos do respectivo regime substantivo, ou de contratos em que pelo menos uma das partes seja um entidade pública ou um concessionário que actue no âmbito da concessão e que as partes tenham expressamente submetido a um regime substantivo de direito público." Ora, analisando o conteúdo de tais contratos a conclusão que se retira é que os mesmos não podem ser qualificados como administrativos uma vez que através deles não foi constituída, modificada ou extinta qualquer relação jurídica administrativa.
Com efeito, sendo administrativas as relações estabelecidas entre duas pessoas colectivas públicas ou entre dois órgãos administrativos e aquelas em que um dos seus sujeitos (público ou privado) actua no exercício de um poder de autoridade ou no cumprimento de deveres administrativos com vista à realização do interesse público, é forçoso concluir que as relações estabelecidas nas referidas subempreitadas não gozam destas características. E isto porque nelas não só não está envolvida nenhuma pessoa colectiva pública como também nenhum dos seus sujeitos interveio munido de um poder de autoridade ou no cumprimento de deveres administrativos tendo em vista a realização de um interesse público. Ou seja, os elementos caracterizadores da competência dos Tribunais Administrativos - a qualidade dos sujeitos da relação jurídica litigiosa, os poderes com que nela intervêm e a finalidade que visam alcançar -não se encontram plasmados nos referidos contratos de subempreitada e, se assim é, ter-se-á de concluir que o litígio que o Autor apresentou no Tribunal Judicial do Porto não decorre de um contrato administrativo Vd. M. Esteves de Oliveira e R. Esteves de Oliveira CPTA Anotado, vol. l, pg. 25 e seg.s., Freitas do Amaral, Direito Administrativo III, pg. 439/440 e, entre outros, Acórdão do STA de 25/01/2005..
Dito de outra forma, o único contrato que pode ser qualificado como administrativo é o contrato de empreitada celebrado entre as duas RR [art.° 178.°/2/a) do CPA] mas a natureza pública deste contrato não foi comunicada às subempreitadas que o Autor acordou com a 1ª Ré, ainda que nelas s possa ter referido que, nos casos omissos, se lhes aplicaria o disposto no DL 59/19, de 2/03. Sendo assim, isto é, não tendo as relações jurídicas nascidas dos contratos celebrados entre o Autor e a 1ª Ré a natureza administrativa nem podendo tais contratos ser qualificados como contratos administrativos é forçoso concluir que os Tribunais Administrativos carecem de competência para dirimir os litígios que deles possam emergir.
Em suma: não estando em causa no pleito descrito nas decisões em conflito qualquer relação jurídica administrativa, nem se vislumbrando nºart. 4° do ETAF ou em qualquer outra norma a atribuição específica de competência à jurisdição administrativa para decidir sobre esta matéria, tal competência cabe, por força do disposto no art. 18.° n°1 da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, a esta ordem judiciária.
Esta, de resto, tem sido a jurisprudência unânime deste Tribunal - vc. Acórdãos de 6/10/99, (proc. n°44905), de 29/03/2001 (proc. n°366), de 18/09/7007 (proc. 4/07), de 19/11/09 (proc. 18/09) e de 17/06/2010 (proc. 29/09). 
Termos em que este Tribunal de Conflitos decide o presente conflito de jurisdição atribuindo aos Tribunais Judiciais competência para julgar a acção a que os autos se referem.».
Também, no caso em apreço assim acontece, sendo que no caso em apreço o disposto no art. 267° do RJEOP, como refere a recorrente, só por si não confere ao contrato de subempreitada natureza pública.
Motivo, por que, em nosso entender, o despacho saneador enferme de violação do art. 4° n°1 al. f) do ETAF. (…)”
x x

3. Decisão. 
Em face do exposto, acordam em declarar o tribunal incompetente em razão da matéria. 
Lisboa, 22.03.2012
António A. Coelho da Cunha
Fonseca da Paz
Rui Pereira


Andreia Cruz
Nº 17181

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