quinta-feira, 19 de abril de 2012

Incompetência Hierárquica

ACÓRDÃO TCA - NORTE

Processo: 00616/08BEPNF
2ª Secção - Contencioso Tributário
09/02/2012
TAF Penafiel
Relator: Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos

INCOMPETÊNCIA HIERÁRQUICA


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I. A Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo é hierarquicamente incompetente para conhecer do recurso interposto de decisão do tribunal tributário de primeira instância com exclusivo fundamento em matéria de direito – artigos 26.º, alínea b), e 38.º, alínea a), ambos do E.T.A.F.
II. Tem exclusivo fundamento em matéria de direito o recurso interposto de decisão de convolação de oposição à execução fiscal em impugnação judicial em que se defenda que, estando alegados fundamentos de oposição e fundamentos de impugnação, e estando a execução respectiva extinta pelo pagamento, não é possível, face ao artigo 193.º, nºs 1 e 2, alínea c), e 4, do C.P.C., julgar extinta a instância por inutilidade ou impossibilidade superveniente da lide, na parte da oposição e, ao mesmo tempo, ordenar a convolação do processo, na parte da impugnação.
III. Pelo que a Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo é hierarquicamente incompetente para conhecer do recurso com tal fundamento.*
* Sumário elaborado pelo Relator

Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
1. Relatório
1.1. A Fazenda Pública recorre da decisão lavrada nos autos de oposição à execução fiscal n.º 18880200401031678 que no Serviço de Finanças de Santo Tirso corre termos contra M…n.i.f. … … …, e esposa G…, n.i.f. … … …, ambos com domicílio indicado na R… , desisão essa que integra fls. 134 a fls. 138 dos autos.
Recurso este que foi admitido com subida imediata nos próprios autos e com efeito devolutivo. 
1.2. Notificada da sua admissão, a Recorrente apresentou as respectivas alegações e formulou as seguintes conclusões (que optamos por ordenar em alíneas):
A. Vem o presente recurso interposto da douta sentença que apesar de improceder a presente oposição por inutilidade superveniente da lide, determinou a correcção do processo de oposição para processo de impugnação com prossecução dos seus termos até final. 
B. Fundamentou-se a douta sentença no pedido de convolação dos presentes autos de oposição em processo de impugnação judicial em virtude de os oponentes não terem renunciado a esse direito,
C. estribando-se no art. 9.º, n.º 3 da LGT, que preceitua que o pagamento do imposto nos termos da lei que atribua benefícios ou vantagens no conjunto de certos encargos ou condições não preclude o direito de impugnação, não obstante a possibilidade de renúncia expressa, nos termos da lei.
D. Entendeu o Tribunal na sentença recorrida que não constitui violação da garantia constitucional prevista no art. 268º, n.º4 da CRP, já que o contribuinte continua a poder discutir a legalidade do acto tributário, nomeadamente, através do meio de impugnação judicial, concluindo que presente processo de oposição deverá ser corrigido para o processo de Impugnação Judicial.
Ora, 
E. Toda a questão se cifra então na possibilidade ou não da convolação dos presentes autos de oposição em processo de impugnação judicial.
F. Efectuado o pagamento voluntário da quantia exequenda pelos responsáveis subsidiários, tem entendido a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo que o pagamento da quantia exequenda efectuado pelo responsável subsidiário dentro do prazo da oposição, para beneficiar de isenção de custas e multa, nos termos do nº 5 do artigo 23º da LGT, não implica a preclusão do direito de impugnar o acto de liquidação, que lhe é garantido pelo nº 4 do artigo 22º da LGT,
G. direito esse que pode ser exercido por qualquer dos meios que a lei prevê para esse efeito, incluindo a oposição à execução fiscal, designadamente nos casos em que a lei não assegura qualquer outro meio de impugnação contenciosa ou esse for o meio adequado para o fazer.
H. Por isso, no pressuposto de que aquele art. 9°, nº 3 da LGT assegura que o pagamento do imposto não afecta os direitos de impugnação administrativa ou contenciosa previstos na lei, tem-se entendido que o pagamento feito pelo responsável subsidiário não obsta a que ele se possa servir da oposição à execução fiscal para impugnar actos em matéria tributária que o lesem, quando a oposição for o tipo de processo previsto na lei como adequado para essa impugnação.
I. Quanto a esta argumentação, também expendida pela Meritíssima Juiz de direito, até podemos concordar, ou seja, de que o pagamento voluntário da divida exequenda pelos responsáveis subsidiários não preclude o seu direito de impugnação.
J. Porém, não pode a Fazenda Pública concordar com a convolação dos presentes autos em impugnação judicial.
K. Como refere o Tribunal a quo, invocando a inidoneidade do meio processual usado e a possibilidade da convolação para o que se mostre adequado, tem de aferir-se fundamentalmente pela tempestividade do exercício do direito da acção apropriada, pela pertinência da causa de pedir, bem como a conformidade desta com o correspondente pedido.
L. Perscrutada a douta Petição Inicial, invocam os oponentes fundamentos que se subsumem nos previstos no art. 204º do CPPT, uma vez que argumentam contra os fundamentos da reversão efectuada, bem como fundamentos alusivos à ilegalidade das liquidações de IRC, que se subsumem nos fundamentos de impugnação judicial, os quais, deveriam seguir formas de processo completamente distintas – oposição judicial e impugnação judicial.
Assim, 
M. E acompanhando o texto do Acórdão do STA, de 28.1.2004, recurso nº 01358/03, diremos que “Em situações deste tipo, havendo uma cumulação de pedidos e ocorrendo erro na forma de processo quanto a um deles, a solução é considerar sem efeito o pedido para o qual o processo não é adequado, como se infere da solução dada a uma questão paralela no nº 4 do art. 193º do CPC”. 
N. Por isso, no caso vertente, entende a Fazenda Pública que não poderá haver possibilidade de convolação, por esta pressupor que todo o processo passasse a seguir a tramitação adequada e, tal não poder determinar-se por os fundamentos invocados no douto petitório deverem seguir formas de processo distintas.
O. Sem prejuízo do entendimento até aqui prosseguido, acresce ainda que estamos perante uma ineptidão da petição inicial por terem sido cumuladas causas de pedir e pedidos substancialmente incompatíveis, o que acarreta a nulidade de todo o processo.
P. Esta nulidade pode ser conhecida oficiosamente ou deduzida a todo o tempo até ao trânsito em julgado da decisão final e tem por efeito a anulação dos termos subsequentes do processo que dela dependem absolutamente – art. 98, n.º 2 e 3 do CPPT.
Q. Não se mostra assim também viável convolar o processo de oposição em impugnação judicial face ao teor do art. 193º do CPC, n.º 1, n.º 2, c) e n.º 4, aplicáveis por força do disposto no art. 2º, al. e) do CPPT, 
R. pois esta só é possível quando todo o processado passe a seguir a tramitação adequada, subsistindo a nulidade invocada ainda que um dos pedidos fique sem efeito por erro na forma do processo.
S. Assim, decidindo da forma como decidiu, a douta sentença recorrida enferma de erro de julgamento de facto e de direito, pelo que deverá ser revogada a douta sentença recorrida.
1.3. Os Recorridos não contra-alegaram.
1.4. Neste Tribunal, a Ex.ma Sr.ª Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer onde levantou a questão prévia da incompetência do T.C.A.N. para conhecer do recurso, uma vez que inexiste controvérsia factual a dirimir, resolvendo-se a questão mediante exclusiva actividade de aplicação e interpretação dos preceitos jurídicos invocados.
Notificadas ambas as partes para se pronunciarem quanto a esta questão, apenas a Recorrente o fez, reconhecendo a incompetência absoluta deste Tribunal e requerendo a remessa dos autos ao S.T.A.
1.5. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
2. Questão Prévia: da Incompetência Hierárquica 2.1. Tendo sido suscitada pela Ex.ma Sr.ª P.G.A. junto deste Tribunal a questão da incompetência deste tribunal para apreciar o recurso, por não haver controvérsia factual a dirimir, importa conhecer de tal questão dado que a mesma merece imediata e prioritária apreciação face ao disposto nos artigos 16.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (doravante sob a sigla “C.P.P.T.”) e 13.º do Código do Processo nos Tribunais Administrativos (doravante sob a sigla “C.P.T.A.”).
Resulta do disposto nos artigos 26.º, alínea b), e 38.º, alínea a), ambos do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais que a Secção do C.T. do S.T.A. conhece em segundo grau de jurisdição dos recursos de decisões dos tribunais tributários com exclusivo fundamento em matéria de direito; e a Secção do C.T. do T.C.A. conhece em segundo grau de jurisdição dos recursos de decisões dos tribunais tributários que não tenham como exclusivo fundamento matéria de direito.
O S.T.A. tem entendido que para determinação da competência hierárquica, à face do preceituado nos artigos 26.º, alínea b), e 38.º, alínea a) do E.T.A.F. e artigo 280º, n.º 1, do C.P.P.T., o que é relevante é que o recorrente, nas alegações de recurso e respectivas conclusões, suscite qualquer questão de facto ou invoque, como suporte da sua pretensão, factos que não foram dados como provados na decisão recorrida. E que o recurso não versa exclusivamente matéria de direito, se nas respectivas conclusões se questionar a questão factual, manifestando-se divergência, por insuficiência, excesso ou erro, quanto à matéria de facto provada na decisão recorrida, quer porque se entenda que os factos levados ao probatório não estão provados, quer porque se considere que foram esquecidos factos tidos por relevantes, quer porque se defenda que a prova produzida foi insuficiente, quer ainda porque se divirja nas ilações de facto que se devam retirar dos mesmos.
Nas doutas alegações de recurso, a Fazenda Pública anuncia que a decisão recorrida «padece de erro de julgamento quanto aos pressupostos de facto e de direito». Analisando, porém, a respectiva fundamentação, não se descortina qualquer controvérsia sobre os pressupostos de facto da decisão.
É certo que, no artigo 16.º daquelas doutas alegações (reproduzido na conclusão “L”), a Recorrente afirma que os oponentes invocam fundamentos que se subsumem nos previstos no artigo 204.º do C.P.P.T. «uma vez que argumentam contra os fundamentos da reversão efectuada». Poderia, assim, defender-se que estaria em causa o conteúdo da argumentação desenvolvida na petição, sendo esta a questão de facto subjacente ao recurso.
Mas não é o caso: não existe qualquer desacordo sobre o que se alegou ou deixou de alegar na petição inicial, nem se vê como pudesse tal controvérsia subsistir. O que, quando muito, estaria em causa seria a questão de saber se a matéria alegada naquele articulado é subsumível a algum dos fundamentos previstos no artigo 204.º. Sendo que no raciocínio metodológico respectivo já não reside nenhuma questão de facto, porque na atribuição aos factos de determinados efeitos de direito já não temos qualquer problema da averiguação fáctica mas o problema da determinação da norma aplicável a esses factos.
Mas pode ir-se mais longe na depuração do problema e concluir que nem sequer está aqui em causa uma questão de direito em concreto, porque a questão nuclear que se forma nos autos não é sequer a de saber se os oponentes ora Recorridos alegaram ou não matéria subsumível ao artigo 204.ºdo C.P.P.T., mas a de saber se, estando alegados fundamentos de oposição e fundamentos de impugnação, e estando a execução respectiva extinta pelo pagamento, é ou não possível, face ao artigo 193.º, nºs 1 e 2, alínea c), e 4, do C.P.C., julgar extinta a instância por inutilidade ou impossibilidade superveniente da lide, na parte da oposição e, ao mesmo tempo, ordenar a convolação do processo, na parte da impugnação.
E esse é um problema que se coloca exclusivamente no plano da interpretação das normas, constituindo uma questão de direito em abstracto.
De todo o exposto decorre que o recurso interposto nos autos tem exclusivo fundamento em matéria de direito.
Pelo que processe a excepção invocada pela Ex.mª Sr.ª P.G.A. junto deste Tribunal.
2.2. A infracção às regras da competência em razão da hierarquia, da matéria (e da nacionalidade) determina a incompetência absoluta do tribunal – artigo 16.º, n.º 1, do C.P.P.T.
A incompetência absoluta é uma excepção dilatória – artigo 494.º, alínea a), do C.P.C. – de conhecimento oficioso até ao trânsito em julgado da decisão final – artigo 16.º, n.º 2, do C.P.P.T.
A decisão que declare a incompetência absoluta indicará o tribunal considerado competente – artigo 18.º, n.º 3, do C.P.P.T.
Declarada a incompetência, pode o interessado requerer a remessa do processo ao tribunal competente, no prazo de 14 dias – n.º 2 do mesmo artigo. No caso, a Fazenda Pública já se adiantou a fazê-lo (cfr. fls. 171).
3. Conclusões
3.1. A Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo é hierarquicamente incompetente para conhecer do recurso interposto de decisão do tribunal tributário de primeira instância com exclusivo fundamento em matéria de direito – artigos 26.º, alínea b), e 38.º, alínea a), ambos do E.T.A.F.
3.2. Tem exclusivo fundamento em matéria de direito o recurso interposto de decisão de convolação de oposição à execução fiscal em impugnação judicial em que se defenda que, estando alegados fundamentos de oposição e fundamentos de impugnação, e estando a execução respectiva extinta pelo pagamento, não é possível, face ao artigo 193.º, nºs 1 e 2, alínea c), e 4, do C.P.C., julgar extinta a instância por inutilidade ou impossibilidade superveniente da lide, na parte da oposição e, ao mesmo tempo, ordenar a convolação do processo, na parte da impugnação.
3.3. Pelo que a Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo é hierarquicamente incompetente para conhecer do recurso com tal fundamento.
4. Decisão
Por todo o exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em:
a) Julgar este tribunal hierarquicamente incompetente para conhecer do presente recurso e competente para o efeito a Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo;
b) Determinar que, oportunamente, seja o processo remetido ao tribunal hierarquicamente competente. 
Custas pela Recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 1.ª UC (uma unidade de conta).
Porto, 09 de Fevereiro de 2012
Ass. Nuno Bastos
Ass. Irene Neves
Ass. Aragão Seia


Andreia Cruz
Nº 17181

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