terça-feira, 10 de abril de 2012

O contencioso pré-contratual como espécie de acção administrativa especial urgente


A temática dos processos urgentes encontra-se ligada ao facto de estes se caracterizarem pela sua celeridade quanto a questões que devam ter, num curto espaço de tempo, em função de determinadas circunstâncias, uma resolução definitiva, sendo a sua tramitação célere e, portanto, mais simplificada. Existe assim uma necessidade de obtenção de uma decisão sobre o mérito da causa que se caracteriza pelo seu carácter urgente, seguindo, por isso, uma tramitação mais rápida que a normal.

O nosso CPTA autonomizou, aquando da reforma, estes processos urgentes em quatro espécies (sem prejuízo de o artigo 36º dispor sobre eles, não se trata aqui de um numerus clausus): “impugnações relativas a eleições administrativas” – alínea a); “impugnações relativas à formação de determinados contratos” – alínea b); “intimações para prestação de informações” – alínea c); e “intimações para a protecção de direitos, liberdades e garantias” – alínea d).

O que os distingue das “providências cautelares” – alínea e) – é que estas são acessórias de um outro processo, tendo como objectivo criar determinadas condições provisórias de modo a que a sentença venha a ser proferida em tempo normal, mantendo ainda assim o seu efeito útil.

As impugnações urgentes dividem-se em dois grupos: “contencioso eleitoral” (art.97º e seguintes do CPTA), processo este urgente que se reporta aos procedimentos eleitorais de entidades de natureza administrativa para as quais seja competente a jurisdição administrativa dado o disposto no art. 97º, n.º 1 CPTA, ou seja, referem-se ao acto eleitoral propriamente dito, bem como aos restantes actos que impliquem qualquer tipo de exclusão ou omissão nas listas e cadernos eleitorais, não sendo admitida a impugnação de actos que sejam anteriores ao próprio acto eleitoral; e temos também o “contencioso pré-contratual” (art.100º e seguintes do CPTA), e é neste que me vou debruçar.

O contencioso pré-contratual reporta-se à impugnação de actos administrativos relativos a quatro tipos de contratos, sendo eles os contratos de concessão de obras públicas, de empreitada, de fornecimento de bens e de prestação de serviços. Estes tipos de actos administrativos, também qualificados como “actos pré-contratuais”, são praticados no âmbito do respectivo procedimento de formação dos contratos acima enunciados.
O que se procura com este tipo de processo autónomo e urgente é precisamente a necessidade de se vir a assegurar o próprio interesse público e também privado, na medida em que é promovida, através de uma protecção adequada e num curto espaço de tempo, a transparência e ainda a concorrência dos próprios candidatos à celebração dos contratos enunciados com as entidades públicas (ainda que esses mesmos interesses procedimentais relativos à dita concorrência e aos candidatos que o próprio direito europeu pretende tutelar, não significa que venha a ser exigido um processo urgente em si, mas, já sim, uma protecção cautelar adequada) e que seja garantido o início célere de tais contratos e a sua respectiva estabilidade após a sua celebração, de maneira a que seja dada uma adequada protecção dos interesses dos contratantes em causa e dos próprios interesses públicos substanciais.
Embora o art.46º, n.º3 CPTA venha a dispor que o contencioso pré-contratual tem por objecto tão só a impugnação dos actos que se encontram especificamente previstos no regime especial dos art. 100º e seguintes do CPTA, os tribunais administrativos e a própria Doutrina têm vindo a fazer uma interpretação extensiva do dito preceito, até porque o próprio Direito Comunitário vem defender o reforço da tutela dos lesados em causa aquando de verificação de ilegalidades que tenham sido cometidas e que venham a provocar a diminuição da efectividade dessa mesma tutela, justificando-se assim a pertinência da consequente interpretação extensiva aquando da sua comparação com o próprio regime ordinário que é estabelecido pelo CPTA no âmbito da denominada acção administrativa especial.
Assim sendo, este tipo de acção deverá ser tido em conta nos casos em que se verifique a ilegalidade de determinada decisão administrativa que se reporte a qualquer um dos contratos referidos, podendo então serem deduzidas pretensões impugnatórias contra actos administrativos de conteúdo positivo ou até mesmo quanto a pretensões de condenação à pratica de actos administrativos, quando em causa estejam situações de recusa ou até mesmo de omissão da prática de determinados actos, não se limitando, por isso, aos vícios referentes a ilegalidades procedimentais, nomeadamente quando se ponham em causa direitos fundamentais. Será, portanto, admitida a impugnação de quaisquer actos administrativos que se reportem à formação dos ditos contratos, estando ainda abrangidos os actos equiparados de entidades privadas caso os mesmos digam respeito a procedimentos pré-contratuais de direito público – art. 100º, n.º3 do CPTA e ainda o art.4º, n.º1, alínea e) do ETAF.
Quanto aos pressupostos e elementos essenciais do contencioso pré-contratual, o art.100º, n.º1 do CPTA faz uma remissão para o regime (que, neste caso, é aplicado supletivamente) da acção administrativa especial, mas, ainda assim, podemos encontrar um desvio no art.101º, o qual vem a afastar os prazos de impugnação consagrados no art.58º, que, por sua vez, seriam mais curtos e levariam mais rapidamente a situações de desprotecção. Assim sendo, exclui-se a impugnação destes actos administrativos pré-contratuais por via da acção administrativa especial. O pedido deverá então ser apresentado no prazo de um mês, devendo a sua contagem ser iniciada a partir da data da notificação dos interessados, sendo que, na sua falta, se deverá ter em conta a data do conhecimento do dito acto. Este prazo é único, logo, o Ministério Público não irá beneficiar de um prazo específico, e vale ainda para qualquer tipo de acção (seja ela de anulação ou de declaração de nulidade do respectivo acto impugnado).
Caso se verifique alguma impugnação administrativa, e visto estas terem carácter facultativo (visto o art. 268º do Código dos Contratos Públicos ter procedido à eliminação do recurso necessário que era consagrado no antigo regime do procedimento de formação dos contratos de empreitada) dá-se a suspensão do prazo – art.59º, n.º4 e 5 – sendo que o mesmo só se reiniciará a partir do momento em que for proferida decisão administrativa referente a essa mesma impugnação ou no caso do termo do prazo legal respectivo, sendo este de 5 dias, sem prejuízo do tempo que haja sido fixado para a audiência dos contra-interessados, se a ela houver lugar, nos termos do art. 274º CCP, isto sem prejuízo de o próprio interessado vir a propor, entretanto, a acção principal ou até mesmo solicitar providências cautelares. O regime dos n.º 4 e 5, do art.59º do CPTA não é, contudo, aplicável aos casos excepcionais de previsão avulsa da existência de impugnações administrativas necessárias, casos em que o prazo de propositura dessa mesma acção não se inicia sem que se dê a prévia utilização da impugnação administrativa, que tem uma prazo legalmente estabelecido e próprio para esse efeito.
Existe uma tendência para se aplicar o prazo deste art.101º ainda aos casos do n.º2, do art.100º, devido ao facto de este último ir no sentido de equiparar os actos administrativos. O próprio contencioso pré-contratual urgente deverá ser visto como um todo nas suas modalidades desdobradas nos respectivos n.º1 e 2, do art.100º, sendo estes complementares um do outro, justificando-se, assim, a não pronúncia do n.º2 relativamente à questão dos pressupostos processuais a aplicar. Ainda que a faculdade atribuída por este n.º2 não venha a ser exercida, a faculdade de impugnar os actos administrativos que, ao longo do procedimento, venham a ser praticados, seja em aplicação, seja no pressuposto da determinação ilegal que se encontre nesse mesmo documento conformador não impugnado, não preclude, sendo que esta poderá ser vista como a ultima ratio do preceito, como forma acrescida de tutela relativamente a possíveis interessados na dita impugnação, os quais não poderão sair daqui prejudicados por isso.
Como se trata de um caso “urgente”, a sua tramitação é única, não estando dependente nem do valor da causa nem do próprio prazo de execução do contrato, seguindo, assim, a tramitação característica da própria acção administrativa especial, não deixando de ter em conta as nuances constantes dos art.’s 102º e 103º CPTA, onde se verifica a possibilidade de concentração numa audiência pública quanto a matéria de facto e de direitos, com alegações orais e pronuncia de sentença imediata.
O tribunal tem cognição plena, sendo que a sua sentença será anulatória (em regra) ou poderá ser de declaração de invalidade do acto ou do próprio documento contratual. É inclusive feita uma extensão ao processo urgente, nomeadamente, da faculdade (em geral admitida no art.45º do CPTA, ainda que com as necessárias adaptações) de o juiz, nos casos em que se verifique uma impossibilidade absoluta dos interesses do autor (como seria o caso de a dita obra que tinha sido adjudicada em concurso já tivesse sido todavia concluída), em que não seja proferida a sentença que havia sido requerida, que as partes fossem convidadas a acordar um montante de indemnização.

- José Carlos Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa - lições;
- Mário Aroso de Almeida, Manual de Processo Administrativo;
- Mário Aroso de Almeida/Carlos Cadilha, Código do processo nos tribunais administrativos;
- Rodrigo Esteves de Oliveira, Cadernos de Justiça Administrativa n.º78;

Mónica  Andrade e Silva, aluna n.º 17471






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