sexta-feira, 13 de abril de 2012

Uma em cada quatro câmaras fiscalizadas fez promoções ilegais

IGAL detectou, em 2011, irregularidades nas promoções em 18 municípios, cujos funcionários terão de repor verbas. Só em cinco câmaras são 380 trabalhadores.

As progressões ilegais registadas na Câmara de Setúbal, denunciadas em Fevereiro, não são caso único no País. Bem pelo contrário. No ano passado, a Inspecção-geral das Autarquias Locais (IGAL) detectou valorizações remuneratórias ilegais em 18 municípios, num total de 71 inspecções realizadas a câmaras municipais, ou seja 25%. Em 2010, este tipo de irregularidades foi detectada em cinco autarquias. Melgaço, Grândola ou Celorico da Beira são algumas das autarquias com promoções ilegais.

O Negócios consultou os cinco processos de inspecção que já são públicos: Grândola, Melgaço, Ferreira do Alentejo, Celorico da Beira e Gavião. Estas progressões, na sua maioria por opção gestionária, promoveram 390 trabalhadores, num custo total de 680 mil euros. Em algumas autarquias, como Gavião, as verbas foram devolvidas durante a inspecção. Mas vários casos estão em aberto.

Em Grândola, por exemplo, que promoveu, em 2010, 197 trabalhadores, a IGAL considerou que as valorizações remuneratórias foram irregulares e remeteu o processo ao Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Beja, para que o Ministério Público proponha uma acção administrativa especial que anule os quatro actos que originaram as promoções.
Já em Melgaço, que promoveu 89 funcionários em 2010, a IGAL declarou nulo o despacho do autarca, datado de 15 de Janeiro de 2010, que origina despesas ilegais, e remeteu o processo ao TAF de Braga, para que os actos sejam declarados nulos e haja a "consequente restituição ao erário municipal dos montantes indevidamente recebidos", quer "pelos trabalhadores em causa", quer pela Caixa Geral de Aposentações. O processo está efectivamente a correr em tribunal mas, até ao momento, não houve restituição de verbas (ver caixa).

Interpretações divergem

As promoções na Função Pública estão congeladas desde Setembro de 2010. Porém, até então, elas dependiam das classificações dos funcionários, ao abrigo do Sistema integrado de gestão e avaliação do desempenho na Administração Pública (SIADAP). As promoções são obrigatórias, quando o funcionário atinge dez pontos, ou opcionais (opção gestionária), quando o trabalhador consegue completar duas classificações máximas (Excelente) ou três "Muito Bom" consecutivos.

Em Gavião, por exemplo, que promoveu irregularmente 74 funcionários, não foram respeitados os critérios que permitem promover o trabalhador: por exemplo, nas promoções por opção gestionária, "não se atendeu à circunstância de as nomeações necessitarem de ser consecutivas", lê-se no relatório.

Em Grândola, uma das irregularidades detectada foi a mesma que levou à reposição de salários em Setúbal: estas autarquias atribuíram um ponto a cada trabalhador promovido por opção gestionária por cada ano em que o SIADAP não fora aplicado, mas, segundo as soluções interpretativas uniformes do Governo, essa contabilização só pode ser feita para as valorizações obrigatórias. José Abraão, da FESAP, considera que "não faz sentido" que só se possa atribui o ponto num dos casos.

Grândola promoveu quase 200 funcionários em 2010
A autarquia de Grândola, liderada pelo socialista – e "capitão de Abril", como o próprio faz questão de enfatizar – Carlos Beato, promoveu um total de 197 funcionários com base em quatro actos administrativos do presidente: três relativos a opções gestionárias, ou seja, a mudança de posição por decisão da autarquia (e que envolvem 173 trabalhadores), e um relativo à progressão, por alteração obrigatória de 24 funcionários. Além de a IGAL considerar que, para efeitos de promoção por opção gestionária, não se pode atribuir um ponto por cada ano em que o SIADAP não tenha sido aplicado, é apontada outra falha a Grândola: algumas promoções foram decididas em 2010 com retroactivos até Janeiro do ano anterior. O autarca, em declarações ao Negócios, justifica-se. "O que fizemos foi aquilo que achávamos ser a aplicação escrupulosa e rigorosa da Lei", explica. "Estamos convencidos que fizemos aquilo que a lei permitia que fosse feito" garante. O processo foi despachado a 12 de Janeiro pelo Governo e, segundo Carlos Beato, ainda não entrou no TAF de Beja. "Só reconhecemos ao tribunal a competência para decidir este tema". Até lá, "não há cá reposições de verbas nenhumas", assegura.

Melgaço fez despesas irregulares... mas só para o inspector-geral


O relatório de inspecção à Câmara de Melgaço apurou que houve 89 promoções de funcionários atribuídas de forma irregular. Mas o documento evidencia um pormenor curioso, que o autarca Rui Solheiro fez questão de destacar ao Negócios: o inspector responsável considerou que estas valorizações remuneratórias eram regulares, e escreveu-o no relatório. A irregularidade ocorreu porque o inspector-geral das autarquias locais, à altura Orlando Nascimento, entendeu que as soluções interpretativas uniformes do Governo, datadas de 15 de Junho de 2010, se aplicavam às decisões que já tinham sido tomadas anteriormente. O despacho de Solheiro, datado de 15 de Janeiro de 2010, foi, assim, considerado nulo. O autarca explica que "todo o processo decorreu antes do despacho do secretário de Estado", que inviabiliza a atribuição de pontos sem o SIADAP estar aplicado. "Estamos convencidos de que vamos ganhar em tribunal. O que fizemos está legal", sublinha. Ainda ninguém devolveu salários.

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Bruno M. Santos Almeida
n.º 17614

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