segunda-feira, 23 de abril de 2012

Os efeitos e a força jurídica das sentenças no processo administrativo


Os efeitos e a força jurídica das sentenças no processo administrativo

As sentenças no processo administrativo - É designado por sentença o acto pelo qual o juíz decide a causa principal ou algum incidente que apresente a estrutura de uma causa. O que releva, aqui, é a consideração das sentenças em que o juíz profere uma decisão de fundo ou uma decisão de mérito sobre a causa principal – excluindo quer as sentenças formais (por ex. as sentenças de absolvição da instância por falta de pressupostos processuais), quer as que decidem meros incidentes processuais (art. 156.º/2 do CPC).

1.1. Sentenças quanto ao conteúdo (= quanto aos efeitos que produzem).

Assim classificadas, as sentenças correspondem, tendo em conta o princípio do pedido, às espécies de acções quanto ao fim; temos, entre as sentenças declarativas (num sentido amplo, como sentenças proferidas em processos declarativos), as sentenças de simples apreciação (ou declarativas em sentido estrito), as sentenças de condenação e as sentenças constitutivas.
As sentenças de simples apreciação contêm a declaração da existência ou inexistência de um direito (ou relação jurídica) ou de um facto (art. 4.º/2-a) do CPC), caracterizando-se por não implicarem, por si, a alteração de relações jurídicas substantivas. As sentenças condenatórias estabelecem o dever de prestação de um facto, positivo ou negativo, de uma coisa ou de uma quantia, pressupondo o respectivo direito do demandante (art. 4.º/2-b) do CPC). As sentenças podem ser de condenação genérica, quando não seja possível, no momento da decisão, a concretização da prestação ilíquida em falta. Por fim, temos as sentenças constitutivas, que produzem ou autorizam uma alteração na ordem jurídica existente, criando, modificando ou extinguindo uma relação ou situação jurídica ou um “status” (art. 4.º/2-c) do CPC.
Independentemente da espécie de acção, todas as sentenças negativas ou de improcedência do pedido podem ser consideradas como sentenças meramente declarativas, visto que não alteram as relações ou situações jurídicas existentes.
Não se pode falar propriamente de sentenças executivas, dado que, nestas acções, a pronúncia final do juiz limita-se a declarar encerrado o procedimento material de execução em que se tomam as providências destinadas à reparação efectiva do direito ou do preceito violado.
No âmbito das sentenças simplesmente declarativas, na acção administrativa especial, quando haja pedidos impugnatórios, o juiz, em caso de provimento, declara a invalidade (nulidade) de uma decisão (concreta ou normativa) da Administração, sentença essa que também pode implicar obrigações específicas para a Administração.
Nas sentenças condenatórias, é possível considerar as hipóteses peculiares de a condenação implicar a intimação de uma autoridade pública para a adopção ou para a abstenção de comportamentos, e sobretudo, a de poder haver a condenação à omissão ou mesmo à prática de um acto administrativo.

As sentenças positivas, nas diversas espécies de acções, podem ter um dispositivo complexo, que combine os efeitos condenatório, declarativo ou constitutivo, conforme a pretensão do autor e as circunstâncias do caso concreto (por ex., nas acções sobre contratos, são condenatórias as sentenças de provimento em matéria de responsabilidade contratual, declarativas as que interpretam uma cláusula contratual, e constitutivas as que invalidam o contrato).
É importante considerar situações singulares como a de as sentenças administrativas poderem ter efeitos substitutivos de uma actuação administrativa, bem como o caso especial das sentenças de declaração da ilegalidade por omissão de normas regulamentares, que, sendo na aparência simplesmente declarativas, fixam um prazo para o suprimento da omissão declarada. Devem mencionar-se as sentenças condenatórias à prática de acto administrativo, quando tenha havido uma decisão (expressa) de indeferimento: embora o dispositivo seja condenatório, pressupõe a anulação do acto negativo e poderá porventura gerar efeitos complementares daí resultantes.
Devem ser consideradas como categoria autónoma, as sentenças de execução, que, embora proferidas no decurso de “processos executivos”, têm efeitos declarativos: podem ser condenatórias, quando especificam os actos ou operações que devem ter lugar para a execução de uma sentença ou determinam a entrega de uma coisa ou o pagamento de uma quantia; declarativas quando determinam a nulidade de actos administrativos contrários à sentença ou declaram a existência de uma causa legítima de inexecução; constitutivas (extintivas), quando anulam actos de manutenção; ou substitutivas, quando produzem os efeitos de um acto administrativo devido e vinculado.

2.   Os efeitos das sentenças de anulação de actos administrativos

Continua a prever-se a existência de acções impugnatórias em que o pedido e a sentença se limitam à anulação de actos administrativos, não sendo obrigatória a cumulação do pedido anulatório com o da reconstituição da situação hipotética actual (nem sequer com o de condenação à prática do acto administrativo devido).
Permanece a importância do velho problema da determinação dos efeitos da sentença de mera anulação. O efeito directo da sentença de provimento do pedido de anulação é o efeito “constitutivo”, que se traduz na invalidação do acto impugnado, eliminando-o desde que se verificou a ilegalidade, isto é, em regra, ressalvados os casos de ilegalidade superveniente, desde a sua prática – eficácia “ex tunc” da sentença.
Foi salientado pela doutrina, por um lado, o dever para a Administração, de executar a sentença, colocando a situação de facto de acordo com a situação de direito constituída pela decisão judicial de anulação – isto é, reconheceu-se a existência de um efeito “repristinatório” ou, mais amplamente, de um efeito reconstitutivo da sentença, que impõe, na medida em que tal for necessário e possível a reconstituição da situação que teria existido se não tivesse sido praticado o acto ilegal ou se o acto tivesse sido praticado sem a ilegalidade – princípio da reconstituição da situação hipotética actual.
Por outro lado, existe o dever, para a Administração, de respeitar o caso julgado, conformando-se com o conteúdo da sentença e com as eventuais limitações que daí derivam, para o eventual exercício futuro dos seus poderes – isto é, reconhece-se um efeito conformativo ou preclusivo (ou inibitório) da sentença, que proíbe a “reincidência”, excluindo a possibilidade de a Administração praticar um acto idêntico com os mesmos vícios individualizados e condenados pelo juiz administrativo, sob pena de nulidade, por ofensa do caso julgado (a nulidade atinge os actos que repitam vícios que estiveram na base da sentença anulatória). É assim que a doutrina e a jurisprudência passam a referir os “efeitos ultra constitutivos” da sentença de anulação que se manifestariam no respectivo processo de execução.
O CPTA determina em que consiste o dever de execução de sentenças de anulação de actos administrativos, no art. 173.º/1). Associado à sentença anulatória, está o dever de conformação com a sentença como limite preclusivo, em caso de prática de novo acto; o princípio da reconstituição da situação hipotética actual enquanto critério de conteúdo da execução devida. O princípio da execução efectiva pode impor à Administração, além da prática de actos com eficácia retroactiva, para remediar os efeitos imediatos do acto anulado, o dever de remover, reformar ou substituir actos jurídicos e alterar situações de facto que entretanto surgem, cuja manutenção seja incompatível com a execução integral da sentença (art. 173.º/2).
O fundamento dos efeitos “ultra constitutivos” da decisão anulatória de um acto administrativo está na autoridade da sentença, incluindo a sua força executiva, associada ao carácter retroactivo da anulação por ilegalidade.
O dever de “coloar” a situação de facto de acordo com a situação de direito, reconstruindo a situação sem a ilegalidade, é desencadeado pela sentença, mas decorre de determinações do direito substantivo (também a anulação administrativa (“revogação anulatória, na expressão legal) tem efeito retroactivo, por força do n.º 2 do art. 145.º do CPA) – não é imprescindível, portanto, para justificar o dever de reconstituição, a inclusão no conteúdo da sentença anulatória da decisão sobre os direitos dos particulares em face da Administração (não só porque o dever existe sem tal pronúncia condenatória, mas também porque esses direitos podem até não existir no caso, não ter figurado no processo ou não ter aparecido nele em todas as suas dimensões, em especial nos casos de impugnação de actos pelo MP ou por titulares da acção popular ou de meros interesses de facto). O alcance da sentença é, portanto, a delimitação não só do efeito conformativo, mas também do próprio efeito reconstitutivo; depende dos fundamentos da decisão de anular, isto é, da concreta ilegalidade demonstrada, não se limitando à consideração do dispositivo da sentença – por outras palavras, o alcance da sentença decorre do carácter normativo (negativo) da pronúncia anulatória.
Na realidade, as anulações não produzem necessariamente os mesmos efeitos: o conteúdo dos deveres de conformação e de reconstituição há-de ser variável conforme o vício dado como provado, o tipo de acto anulado e o regime legal da actividade, nos termos que constituem os pressupostos lógico-normativos da sentença. A qual, desta forma, para além da consequência invalidatória contida no seu dispositivo, contribui para a definição do direito substantivo aplicável àquele caso (por isso segundo o Prof. Vieira de Andrade, a sentença não produz automaticamente o efeito repristinatório da situação anterior, antes cria o dever para a Administração de reconstruir a situação hipotética actual).
Além disso, o processo de execução de sentenças de anulação de actos administrativos não é um verdadeiro processo executivo, que se limite a extrair consequências materiais da sentença anterior (que, já em si, seria, então, constitutiva, declarativa e condenatória), mas, sim, um processo com dimensões declarativas, cuja sentença vai, num momento posterior, conhecer da situação e produzir ou concretizar autonomamente esses efeitos condenatórios (e eventualmente outros, constitutivos, simplesmente declarativos ou mesmo substitutivos).

A lei, além de permitir, em geral, que o tribunal difira a instrução do pedido condenatório para um momento posterior ao da decisão sobre a legalidade da acção administrativa, que constituirá o “pedido principal” (art. 90.º/3), prevê especificamente a realização de uma instrução contraditória destinada a permitir ao tribunal especificar o conteúdo dos actos e operações que a Administração deve praticar para reconstituir a situação na sequência da anulação de um acto administrativo (art. 95.º/4).
Ou seja, mesmo quando há cumulação dos pedidos anulatório e reconstitutivo e o juiz vai decidir logo no momento declarativo toda a questão, a lei confere uma relativa autonomia processual aos momentos em que se julga da validade do acto, relativamente àqueles em que se especificam os actos e operações necessários à reconstituição da situação. O tribunal, quando a conduta devida dependa de valorações administrativas, não pode especificar senão as vinculações a que a Administração está sujeita e terá muitas vezes de fazer uma instrução complementar, com a colaboração da Administração, solicitando-lhe “uma proposta fundamentada sobre a matéria”, para especificar o próprio conteúdo das operações e actos vinculados (art. 95.º/3 e 4).
Tendo em conta os espaços de autonomia administrativos abertos na sequência da anulação judicial, parece adequado afirmar que, no processo de execução de sentenças de anulação de actos administrativos, o juiz não se limita a reafirmar o que já tinha sido decidido no processo de impugnação, mas, sim, define a solução jurídica do caso, tendo em conta a posição administrativa, que poderá até ter entretanto alterado significativamente a situação (a sentença de anulação pode, conforme os fundamentos e as situações, produzir um “efeito vinculante pleno” (em caso de vinculação legal), “um efeito semi-pleno” (relativo a momentos discricionários) ou um efeito secundário ou instrumental” (quando seja possível a renovação).

O dever positivo que resulta para a Administração da sentença de mera anulação é, afinal, o dever de reexaminar a situação de facto à luz da lei aplicável e da sentença, e o dever de actuar em termos legais e correctos em face desse exame – com esse alcance, dir-se-á que os efeitos “ultra constitutivos” se resumem afinal a uma condenação genérica à resolução administrativa de um caso concreto, condicionada e orientada pelos termos da fundamentação anulatória.
O dever de actuação da Administração é diferente, consoante o fundamento da anulação judicial proíba, ou não, a renovação do acto – se a invalidade tiver sido decretada por vícios de forma, de procedimento (ou mesmo de “decisão”), poderá a Administração praticar validamente um novo acto de igual conteúdo (assim, se a anulação teve como fundamento um vício de forma, o tribunal não pode, em execução de sentença, ordenar a prática de acto contrário, mas apenas a prática de novo acto, havendo dever de decidir) – a renovação do acto não é uma excepção, uma situação de inexecução legítima, mas uma das formas de cumprimento da sentença anulatória.
O dever de reconstituição da situação hipotética actual será diferente, conforme o grau de discricionariedade administrativa quanto ao conteúdo do acto – os actos de conteúdo vinculado ou em que a discricionariedade tenha sido em concreto eliminada são actos de prática por decisão judicial (nesse caso, o interessado optará certamente pela cumulação, pois que o juiz poderia logo condenar a Administração à prática do acto).
Uma questão importante é a de saber qual a lei aplicável aos novos actos, praticados em execução da sentença – por um lado, a reconstituição da situação hipotética parece exigir que tais actos se refiram ao momento da prática do acto; por outro lado, o certo é que se trata da reconstituição da situação hipotética actual e que os actos são praticados num momento posterior, não podendo ignorar à data da sua prática. Nos termos do art. 128.º/1-b) do CPA, têm eficácia retroactiva os actos que executem sentenças anulatórias de actos, salvo se estes actos forem “renováveis”, parecendo que assim se pretende conferir eficácia retroactiva, ou não, conforme se trate de um acto de execução favorável ou desfavorável ao impugnante. Só que esta indicação normativa da lei do procedimento não é suficiente e nem sempre corresponderá à melhor solução, no caso ter efeitos retroactivos se favoráveis a terceiros (avulta neste contexto o grande problema de determinar o alcance invalidante dos vícios de forma e de procedimento, que em regra, permitem a renovação do acto – a revalorização do direito das formas não autoriza que se ignore a ilegalidade, mas deve admitir-se a retroactividade dos efeitos do acto renovador se não houver razões substanciais que a isso obstem [art. 128.º/2-a) do CPA].
Se atendermos ao art. 132.º/2-i), o CPA torna claro que o conceito de acto consequente há-de ser entendido como um conceito funcional-material e que deve excluir-se a generalização indiscriminada da nulidade, com as suas consequências arrasadoras; pelo contrário, o CPA impõe um dever de ponderação dos interesses em presença nas situações da vida cuja reconstituição é determinada pela anulação de um acto administrativo:

a)     Serão nulos apenas os actos consequentes cuja manutenção seja incompatível com a reconstituição da situação hipotética exigida pela anulação (art. 173.º/2 do CPTA);
b)     Mesmo quando se trate de actos nulos por essa razão, os seus efeitos poderão manter-se em face da existência de interesses legítimos de contra-interessados. A situação jurídica dos beneficiários de actos consequentes do acto anulado só é garantida quando os danos causados pela anulação sejam de difícil ou impossível reparação e se, além disso, for manifestada a desproporção entre o interesse na manutenção da situação e o interesse na execução da sentença anulatória – o que é uma solução legalista e desequilibrada em favor da execução. Tal benefício só é considerado, mesmo para efeitos de indemnização pelos danos causados pela anulação, quando os actos tenham sido praticados há mais de um ano e os terceiros deconheçam sem culpa a precariedade da situação – quando uma ponderação razoável dos interesses dos terceiros apontaria para a protecção da boa-fé e não do desconhecimento.
O dever de cumprimento da sentença pode também implicar o dever de não a defraudar, através da aprática de actos que lhe retirem o sentido útil ou impossibilitem a execução específica. Assim, por ex., poderá modificar-se uma norma ou um plano urbanístico para conseguir ultrapassar o alcance de uma sentença que anulou um acto com fundamento na violação da norma ou do plano, tal como pode extinguir-se um serviço para causar uma situação de impossibilidade de execução específica de uma sentença que implica a reintegração de um funcionário.

3.   Os limites do caso julgado nas acções administrativas

A consideração dos efeitos das sentenças mostra que o alcance objectivo do caso julgado tem, no processo administrativo, algumas especialidades, quando está em causa uma decisão de anulação de actos administrativos – não releva só o dispositivo da sentença, relevam também os fundamentos da anulação, justamente porque desencadeiam consequências normativas para o caso, seja quanto à possibilidade de renovação dos actos anulados, seja quanto ao conteúdo dos deveres de reconstituição da situação de facto de acordo com o direito pronunciado.
As sentenças, em regra, produzem os seus efeitos apenas entre as partes – é natural que a decisão proferida pelo juiz no processo valha para os interessados, aqueles que lá estiveram ou deveriam ter estado (art. 155.º/2). Essa regra é axiomática, quando esteja em causa obrigações decorrentes da sentença, em face do princípio do contraditório e dos direitos fundamentais de audiência e de defesa.
No que respeita aos processos de impugnação de actos administrativos, as sentenças de anulação são sentenças constitutivas, que produzem a eliminação do acto da ordem jurídica. O efeito constitutivo, enquanto efeito de facto da sentença, vale erga omnes, na medida em que ninguém pode pretender que, relativamente a si, o acto não foi anulado.
Este efeito soma-se, sem se confundir, com o efeito assertivo do caso julgado, enquanto acto jurisdicional, nos termos do qual o acto era ilegal e estava ferido de invalidade – é em relação a este outro efeito que se põe o problema de saber se o caso julgado é oponível a todos ou apenas pode valer entre as partes.
Relativamente aos efeitos desfavoráveis da sentença anulatória quanto aos prejudicados pela anulação do acto, tem de se concluir, em geral, que apenas se produzem inter partes – embora, na prática, se deva ter em conta que as partes não são apenas o demandante e a entidade demandada, mas também os contrainteressados, sendo o litisconsórcio necessário nos processos impugnatórios, por ex., quando tenham legítimo interesse na manutenção do acto. (art. 155.º/2, parte final). Por outro lado, o caso julgado não será oponível a um terceiro que queira, por ex., pedir o reconhecimento do direito a uma indemnização com fundamento na ilegalidade do acto anulado.
A mesma ideia vale também no que respeita ao alcance subjectivo das sentenças que sejam desfavoráveis por recusarem o pedido de anulação ou por, anulando embora o acto, não considerarem determinado fundamento de invalidade – um terceiro relativamente ao processo, interessado na anulação ou no alargamento do alcance material da sentença, não está vinculado pelo julgado. No entanto, isso não terá importância prática, seja porque há um prazo curto para a impugnação de actos anuláveis, seja porque o juiz tem o dever de se pronunciar sobre todos os vícios invocados no processo e, ainda, o dever oficioso de verificar a existência de quaisquer outras ilegalidades do acto impugnado (art. 95.º/2).
No que respeita aos efeitos favoráveis da sentença anulatória – isto é, ao alcance da anulação de um acto administrativo desfavorável ou na parte em que o seja -mas embora fosse perfeitamente defensável que os efeitos aproveitassem a todas as pessoas prejudicadas pelo acto anulado, a regra parece ser também a da produção dos efeitos inter partes, ainda que se admita a decisão de extensão desses efeitos a outras pessoas.

No processo administrativo existe uma excepção à regra que limita os efeitos das sentenças às partes: as sentenças de declaração de ilegalidade de normas, no caso de impugnação abstracta, têm força obrigatória geral – aqui não é só o facto da eliminação da norma do ordenamento jurídico que se há-de opor a todos, independentemente de terem, ou não, sido partes no processo; é a própria ilegalidade do regulamento que, nos termos definidos pela lei e pelo juiz (art. 76.º do CPTA), se impõe na ordem jurídica objectiva e, portanto, a todos, independentemente de terem sido partes no processo.
Esta é uma solução natural, em vista do objecto do processo – aqui trata-se de um processo configurado em termos objectivistas, à semelhança da fiscalização judicial da constitucionalidade, em que se discute a validade da norma e em que a legitimidade principal cabe ao MP, indiciando que a finalidade primária é a defesa da legalidade (só o MP pode pedir a declaração de ilegalidade com força obrigatória geral sem que a aplicação da norma tenha sido recusada em 3 casos concretos (art. 73.º do CPTA).
Deve ser visto como um caso especial, o dos efeitos das sentenças nas acções populares.
Em função da iniciativa e da finalidade de defesa de valores comunitários, percebe-se que as sentenças tenham, em princípio, eficácia, sem prejuízo do direito de autoexclusão da representação (”opting out”), que pode ser exercido pelos titulares de direitos ou interesses legalmente protegidos.

4.   A extensão dos efeitos das sentenças

É admissível, ainda que em termos limitados, a extensão dos efeitos das sentenças transitadas em julgado (art. 161.º/1 do CPTA). A extensão pode beneficiar outras pessoas, que se encontrem na mesma situação jurídica, quer tenham recorrido ou não à via judicial (desde que não haja sentença transitada em julgado quanto às que recorrem aos tribunais), a não ser que haja contrainteressados (n.º 5). No nº 2 do mesmo preceito temos que só quando tenham sido proferidas cinco sentenças transitadas em julgado, ou três sentenças, se proferidas em processos formalmente seleccionadas nas situações de processos em massa, nos termos do art. 48.º.
A extensão é, em primeiro lugar, solicitada à Administração e, na falta de êxito da pretensão, ao tribunal que tenha proferido a sentença, seguindo-se os trâmites do processo de execução de sentenças de anulação de actos administrativos, devendo a sentença ser havida por uma sentença de mérito, susceptível de recurso, nos termos gerais. A solução legal adoptada gera algumas perplexidades.
Por um lado, parece ser estreita, na medida em que exige que tenham sido proferidas várias sentenças, mesmo das relativas a processos escolhidos em situações de processos em massa.
Por outro lado, verifica-se que, nas situações de processos em massa, tal como resulta do n.º 5 do art. 48.º, ao remeter para o art. 176.º, os efeitos da sentença proferida nos processos-modelo podem, a requerimento do interessado, ser imediatamente estendidos aos processos suspensos, para efeitos de execução – pelo que a exigência dos três processos nessas hipóteses, só vale afinal para aqueles que não tivessem recorrido à via judicial.
Por fim, a norma, ao admitir o pedido de extensão de efeitos da sentença anulatória de actos administrativos a quem não tenha lançado mão da via judicial no momento próprio, pode fragilizar a estabilidade do acaso decidido. Embora tal não seja admissível quando haja contrainteressados e, de todo o modo, se limite a estas situações massivas, onde a igualdade de tratamento é importante, fica a questão sobre se não seria de exigir, nesses casos, uma prova da diligência processual ou, pelo menos, de boa-fé dos beneficiados. A lei permite genericamente - sem restrições decorrentes das condições referidas – a extensão dos efeitos da sentença anulatória a quem tenha impugnado o mesmo acto noutro processo – solução prevista no n.º 6 do art. 161.º, que se justifica quando não tenha havido ou pedido haver coligação ou apensação de processos.

Bibliografia:
Andrade, José Carlos Vieira de – A Justiça Administrativa (Lições)

                              Cláudia Sofia Monteiro Pereira nº 18083

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