Os efeitos e a força jurídica das
sentenças no processo administrativo
As sentenças no processo
administrativo - É designado por sentença o acto pelo qual o juíz decide a
causa principal ou algum incidente que apresente a estrutura de uma causa. O
que releva, aqui, é a consideração das sentenças em que o juíz profere uma
decisão de fundo ou uma decisão de mérito sobre a causa principal – excluindo
quer as sentenças formais (por ex. as sentenças de absolvição da instância por
falta de pressupostos processuais), quer as que decidem meros incidentes
processuais (art. 156.º/2 do CPC).
1.1. Sentenças quanto ao conteúdo (= quanto aos
efeitos que produzem).
Assim classificadas, as sentenças
correspondem, tendo em conta o princípio do pedido, às espécies de acções
quanto ao fim; temos, entre as sentenças declarativas (num sentido amplo, como
sentenças proferidas em processos declarativos), as sentenças de simples
apreciação (ou declarativas em sentido estrito), as sentenças de condenação e
as sentenças constitutivas.
As sentenças de simples apreciação
contêm a declaração da existência ou inexistência de um direito (ou relação
jurídica) ou de um facto (art. 4.º/2-a) do CPC), caracterizando-se por não
implicarem, por si, a alteração de relações jurídicas substantivas. As
sentenças condenatórias estabelecem o dever de prestação de um facto, positivo
ou negativo, de uma coisa ou de uma quantia, pressupondo o respectivo direito
do demandante (art. 4.º/2-b) do CPC). As sentenças podem ser de condenação
genérica, quando não seja possível, no momento da decisão, a concretização da
prestação ilíquida em falta. Por fim, temos as sentenças constitutivas, que produzem
ou autorizam uma alteração na ordem jurídica existente, criando, modificando ou
extinguindo uma relação ou situação jurídica ou um “status” (art. 4.º/2-c) do
CPC.
Independentemente da espécie de
acção, todas as sentenças negativas ou de improcedência do pedido podem ser
consideradas como sentenças meramente declarativas, visto que não alteram as
relações ou situações jurídicas existentes.
Não se pode falar propriamente de
sentenças executivas, dado que, nestas acções, a pronúncia final do juiz
limita-se a declarar encerrado o procedimento material de execução em que se
tomam as providências destinadas à reparação efectiva do direito ou do preceito
violado.
No âmbito das sentenças
simplesmente declarativas, na acção administrativa especial, quando haja
pedidos impugnatórios, o juiz, em caso de provimento, declara a invalidade
(nulidade) de uma decisão (concreta ou normativa) da Administração, sentença
essa que também pode implicar obrigações específicas para a Administração.
Nas sentenças condenatórias, é
possível considerar as hipóteses peculiares de a condenação implicar a
intimação de uma autoridade pública para a adopção ou para a abstenção de
comportamentos, e sobretudo, a de poder haver a condenação à omissão ou mesmo à
prática de um acto administrativo.
As sentenças positivas, nas
diversas espécies de acções, podem ter um dispositivo complexo, que combine os
efeitos condenatório, declarativo ou constitutivo, conforme a pretensão do
autor e as circunstâncias do caso concreto (por ex., nas acções sobre
contratos, são condenatórias as sentenças de provimento em matéria de
responsabilidade contratual, declarativas as que interpretam uma cláusula
contratual, e constitutivas as que invalidam o contrato).
É importante considerar situações
singulares como a de as sentenças administrativas poderem ter efeitos
substitutivos de uma actuação administrativa, bem como o caso especial das
sentenças de declaração da ilegalidade por omissão de normas regulamentares, que,
sendo na aparência simplesmente declarativas, fixam um prazo para o suprimento
da omissão declarada. Devem mencionar-se as sentenças condenatórias à prática
de acto administrativo, quando tenha havido uma decisão (expressa) de
indeferimento: embora o dispositivo seja condenatório, pressupõe a anulação do
acto negativo e poderá porventura gerar efeitos complementares daí resultantes.
Devem ser consideradas como
categoria autónoma, as sentenças de execução, que, embora proferidas no decurso
de “processos executivos”, têm efeitos declarativos: podem ser condenatórias, quando
especificam os actos ou operações que devem ter lugar para a execução de uma
sentença ou determinam a entrega de uma coisa ou o pagamento de uma quantia;
declarativas quando determinam a nulidade de actos administrativos contrários à
sentença ou declaram a existência de uma causa legítima de inexecução;
constitutivas (extintivas), quando anulam actos de manutenção; ou
substitutivas, quando produzem os efeitos de um acto administrativo devido e
vinculado.
2. Os efeitos das sentenças de anulação de actos
administrativos
Continua a prever-se a existência
de acções impugnatórias em que o pedido e a sentença se limitam à anulação de
actos administrativos, não sendo obrigatória a cumulação do pedido anulatório
com o da reconstituição da situação hipotética actual (nem sequer com o de condenação
à prática do acto administrativo devido).
Permanece a importância do velho
problema da determinação dos efeitos da sentença de mera anulação. O efeito
directo da sentença de provimento do pedido de anulação é o efeito
“constitutivo”, que se traduz na invalidação do acto impugnado, eliminando-o desde
que se verificou a ilegalidade, isto é, em regra, ressalvados os casos de
ilegalidade superveniente, desde a sua prática – eficácia “ex tunc” da
sentença.
Foi salientado pela doutrina, por
um lado, o dever para a Administração, de executar a sentença, colocando a
situação de facto de acordo com a situação de direito constituída pela decisão
judicial de anulação – isto é, reconheceu-se a existência de um efeito
“repristinatório” ou, mais amplamente, de um efeito reconstitutivo da sentença,
que impõe, na medida em que tal for necessário e possível a reconstituição da
situação que teria existido se não tivesse sido praticado o acto ilegal ou se o
acto tivesse sido praticado sem a ilegalidade – princípio da reconstituição da
situação hipotética actual.
Por outro lado, existe o dever,
para a Administração, de respeitar o caso julgado, conformando-se com o
conteúdo da sentença e com as eventuais limitações que daí derivam, para o
eventual exercício futuro dos seus poderes – isto é, reconhece-se um efeito
conformativo ou preclusivo (ou inibitório) da sentença, que proíbe a “reincidência”,
excluindo a possibilidade de a Administração praticar um acto idêntico com os mesmos
vícios individualizados e condenados pelo juiz administrativo, sob pena de
nulidade, por ofensa do caso julgado (a nulidade atinge os actos que repitam
vícios que estiveram na base da sentença anulatória). É assim que a doutrina e
a jurisprudência passam a referir os “efeitos ultra constitutivos” da sentença
de anulação que se manifestariam no respectivo processo de execução.
O CPTA determina em que consiste o
dever de execução de sentenças de anulação de actos administrativos, no art.
173.º/1). Associado à sentença anulatória, está o dever de conformação com a
sentença como limite preclusivo, em caso de prática de novo acto; o princípio
da reconstituição da situação hipotética actual enquanto critério de conteúdo
da execução devida. O princípio da execução efectiva pode impor à
Administração, além da prática de actos com eficácia retroactiva, para remediar
os efeitos imediatos do acto anulado, o dever de remover, reformar ou
substituir actos jurídicos e alterar situações de facto que entretanto surgem,
cuja manutenção seja incompatível com a execução integral da sentença (art.
173.º/2).
O fundamento dos efeitos “ultra constitutivos”
da decisão anulatória de um acto administrativo está na autoridade da sentença,
incluindo a sua força executiva, associada ao carácter retroactivo da anulação
por ilegalidade.
O dever de “coloar” a situação de
facto de acordo com a situação de direito, reconstruindo a situação sem a ilegalidade,
é desencadeado pela sentença, mas decorre de determinações do direito
substantivo (também a anulação administrativa (“revogação anulatória, na
expressão legal) tem efeito retroactivo, por força do n.º 2 do art. 145.º do
CPA) – não é imprescindível, portanto, para justificar o dever de
reconstituição, a inclusão no conteúdo da sentença anulatória da decisão sobre
os direitos dos particulares em face da Administração (não só porque o dever
existe sem tal pronúncia condenatória, mas também porque esses direitos podem
até não existir no caso, não ter figurado no processo ou não ter aparecido nele
em todas as suas dimensões, em especial nos casos de impugnação de actos pelo
MP ou por titulares da acção popular ou de meros interesses de facto). O
alcance da sentença é, portanto, a delimitação não só do efeito conformativo,
mas também do próprio efeito reconstitutivo; depende dos fundamentos da decisão
de anular, isto é, da concreta ilegalidade demonstrada, não se limitando à
consideração do dispositivo da sentença – por outras palavras, o alcance da
sentença decorre do carácter normativo (negativo) da pronúncia anulatória.
Na realidade, as anulações não
produzem necessariamente os mesmos efeitos: o conteúdo dos deveres de
conformação e de reconstituição há-de ser variável conforme o vício dado como
provado, o tipo de acto anulado e o regime legal da actividade, nos termos que
constituem os pressupostos lógico-normativos da sentença. A qual, desta forma,
para além da consequência invalidatória contida no seu dispositivo, contribui
para a definição do direito substantivo aplicável àquele caso (por isso segundo
o Prof. Vieira de Andrade, a sentença não produz automaticamente o efeito
repristinatório da situação anterior, antes cria o dever para a Administração
de reconstruir a situação hipotética actual).
Além disso, o processo de execução
de sentenças de anulação de actos administrativos não é um verdadeiro processo
executivo, que se limite a extrair consequências materiais da sentença anterior
(que, já em si, seria, então, constitutiva, declarativa e condenatória), mas,
sim, um processo com dimensões declarativas, cuja sentença vai, num momento
posterior, conhecer da situação e produzir ou concretizar autonomamente esses
efeitos condenatórios (e eventualmente outros, constitutivos, simplesmente
declarativos ou mesmo substitutivos).
A lei, além de permitir, em geral,
que o tribunal difira a instrução do pedido condenatório para um momento
posterior ao da decisão sobre a legalidade da acção administrativa, que
constituirá o “pedido principal” (art. 90.º/3), prevê especificamente a
realização de uma instrução contraditória destinada a permitir ao tribunal
especificar o conteúdo dos actos e operações que a Administração deve praticar
para reconstituir a situação na sequência da anulação de um acto administrativo
(art. 95.º/4).
Ou seja, mesmo quando há cumulação
dos pedidos anulatório e reconstitutivo e o juiz vai decidir logo no momento
declarativo toda a questão, a lei confere uma relativa autonomia processual aos
momentos em que se julga da validade do acto, relativamente àqueles em que se especificam
os actos e operações necessários à reconstituição da situação. O tribunal, quando
a conduta devida dependa de valorações administrativas, não pode especificar
senão as vinculações a que a Administração está sujeita e terá muitas vezes de
fazer uma instrução complementar, com a colaboração da Administração,
solicitando-lhe “uma proposta fundamentada sobre a matéria”, para especificar o
próprio conteúdo das operações e actos vinculados (art. 95.º/3 e 4).
Tendo em conta os espaços de
autonomia administrativos abertos na sequência da anulação judicial, parece
adequado afirmar que, no processo de execução de sentenças de anulação de actos
administrativos, o juiz não se limita a reafirmar o que já tinha sido decidido
no processo de impugnação, mas, sim, define a solução jurídica do caso, tendo
em conta a posição administrativa, que poderá até ter entretanto alterado
significativamente a situação (a sentença de anulação pode, conforme os
fundamentos e as situações, produzir um “efeito vinculante pleno” (em caso de vinculação
legal), “um efeito semi-pleno” (relativo a momentos discricionários) ou um
efeito secundário ou instrumental” (quando seja possível a renovação).
O dever positivo que resulta para
a Administração da sentença de mera anulação é, afinal, o dever de reexaminar a
situação de facto à luz da lei aplicável e da sentença, e o dever de actuar em
termos legais e correctos em face desse exame – com esse alcance, dir-se-á que
os efeitos “ultra constitutivos” se resumem afinal a uma condenação genérica à
resolução administrativa de um caso concreto, condicionada e orientada pelos
termos da fundamentação anulatória.
O dever de actuação da
Administração é diferente, consoante o fundamento da anulação judicial proíba,
ou não, a renovação do acto – se a invalidade tiver sido decretada por vícios
de forma, de procedimento (ou mesmo de “decisão”), poderá a Administração
praticar validamente um novo acto de igual conteúdo (assim, se a anulação teve
como fundamento um vício de forma, o tribunal não pode, em execução de
sentença, ordenar a prática de acto contrário, mas apenas a prática de novo
acto, havendo dever de decidir) – a renovação do acto não é uma excepção, uma
situação de inexecução legítima, mas uma das formas de cumprimento da sentença
anulatória.
O dever de reconstituição da
situação hipotética actual será diferente, conforme o grau de discricionariedade
administrativa quanto ao conteúdo do acto – os actos de conteúdo vinculado ou
em que a discricionariedade tenha sido em concreto eliminada são actos de
prática por decisão judicial (nesse caso, o interessado optará certamente pela
cumulação, pois que o juiz poderia logo condenar a Administração à prática do
acto).
Uma questão importante é a de
saber qual a lei aplicável aos novos actos, praticados em execução da sentença
– por um lado, a reconstituição da situação hipotética parece exigir que tais
actos se refiram ao momento da prática do acto; por outro lado, o certo é que se
trata da reconstituição da situação hipotética actual e que os actos são
praticados num momento posterior, não podendo ignorar à data da sua prática.
Nos termos do art. 128.º/1-b) do CPA, têm eficácia retroactiva os actos que
executem sentenças anulatórias de actos, salvo se estes actos forem
“renováveis”, parecendo que assim se pretende conferir eficácia retroactiva, ou
não, conforme se trate de um acto de execução favorável ou desfavorável ao
impugnante. Só que esta indicação normativa da lei do procedimento não é
suficiente e nem sempre corresponderá à melhor solução, no caso ter efeitos
retroactivos se favoráveis a terceiros (avulta neste contexto o grande problema
de determinar o alcance invalidante dos vícios de forma e de procedimento, que
em regra, permitem a renovação do acto – a revalorização do direito das formas
não autoriza que se ignore a ilegalidade, mas deve admitir-se a retroactividade
dos efeitos do acto renovador se não houver razões substanciais que a isso
obstem [art. 128.º/2-a) do CPA].
Se atendermos ao art. 132.º/2-i),
o CPA torna claro que o conceito de acto consequente há-de ser entendido como
um conceito funcional-material e que deve excluir-se a generalização
indiscriminada da nulidade, com as suas consequências arrasadoras; pelo
contrário, o CPA impõe um dever de ponderação dos interesses em presença nas
situações da vida cuja reconstituição é determinada pela anulação de um acto
administrativo:
a)
Serão
nulos apenas os actos consequentes cuja manutenção seja incompatível com a reconstituição
da situação hipotética exigida pela anulação (art. 173.º/2 do CPTA);
b)
Mesmo
quando se trate de actos nulos por essa razão, os seus efeitos poderão manter-se
em face da existência de interesses legítimos de contra-interessados. A
situação jurídica dos beneficiários de actos consequentes do acto anulado só é
garantida quando os danos causados pela anulação sejam de difícil ou impossível
reparação e se, além disso, for manifestada a desproporção entre o interesse na
manutenção da situação e o interesse na execução da sentença anulatória – o que
é uma solução legalista e desequilibrada em favor da execução. Tal benefício só
é considerado, mesmo para efeitos de indemnização pelos danos causados pela
anulação, quando os actos tenham sido praticados há mais de um ano e os
terceiros deconheçam sem culpa a precariedade da situação – quando uma
ponderação razoável dos interesses dos terceiros apontaria para a protecção da boa-fé
e não do desconhecimento.
O dever de
cumprimento da sentença pode também implicar o dever de não a defraudar,
através da aprática de actos que lhe retirem o sentido útil ou impossibilitem a
execução específica. Assim, por ex., poderá modificar-se uma norma ou um plano
urbanístico para conseguir ultrapassar o alcance de uma sentença que anulou um
acto com fundamento na violação da norma ou do plano, tal como pode extinguir-se
um serviço para causar uma situação de impossibilidade de execução específica
de uma sentença que implica a reintegração de um funcionário.
3. Os limites do caso julgado nas acções
administrativas
A consideração dos efeitos das
sentenças mostra que o alcance objectivo do caso julgado tem, no processo
administrativo, algumas especialidades, quando está em causa uma decisão de
anulação de actos administrativos – não releva só o dispositivo da sentença,
relevam também os fundamentos da anulação, justamente porque desencadeiam consequências
normativas para o caso, seja quanto à possibilidade de renovação dos actos
anulados, seja quanto ao conteúdo dos deveres de reconstituição da situação de
facto de acordo com o direito pronunciado.
As sentenças, em regra, produzem
os seus efeitos apenas entre as partes – é natural que a decisão proferida pelo
juiz no processo valha para os interessados, aqueles que lá estiveram ou deveriam
ter estado (art. 155.º/2). Essa regra é axiomática, quando esteja em causa
obrigações decorrentes da sentença, em face do princípio do contraditório e dos
direitos fundamentais de audiência e de defesa.
No que respeita aos processos de
impugnação de actos administrativos, as sentenças de anulação são sentenças
constitutivas, que produzem a eliminação do acto da ordem jurídica. O efeito constitutivo,
enquanto efeito de facto da sentença, vale erga omnes, na medida em que ninguém
pode pretender que, relativamente a si, o acto não foi anulado.
Este efeito soma-se, sem se confundir,
com o efeito assertivo do caso julgado, enquanto acto jurisdicional, nos termos
do qual o acto era ilegal e estava ferido de invalidade – é em relação a este
outro efeito que se põe o problema de saber se o caso julgado é oponível a todos
ou apenas pode valer entre as partes.
Relativamente aos efeitos
desfavoráveis da sentença anulatória quanto aos prejudicados pela anulação do
acto, tem de se concluir, em geral, que apenas se produzem inter partes –
embora, na prática, se deva ter em conta que as partes não são apenas o
demandante e a entidade demandada, mas também os contrainteressados, sendo o
litisconsórcio necessário nos processos impugnatórios, por ex., quando tenham
legítimo interesse na manutenção do acto. (art. 155.º/2, parte final). Por
outro lado, o caso julgado não será oponível a um terceiro que queira, por ex.,
pedir o reconhecimento do direito a uma indemnização com fundamento na
ilegalidade do acto anulado.
A mesma ideia vale também no que
respeita ao alcance subjectivo das sentenças que sejam desfavoráveis por
recusarem o pedido de anulação ou por, anulando embora o acto, não considerarem
determinado fundamento de invalidade – um terceiro relativamente ao processo,
interessado na anulação ou no alargamento do alcance material da sentença, não está
vinculado pelo julgado. No entanto, isso não terá importância prática, seja porque
há um prazo curto para a impugnação de actos anuláveis, seja porque o juiz tem
o dever de se pronunciar sobre todos os vícios invocados no processo e, ainda,
o dever oficioso de verificar a existência de quaisquer outras ilegalidades do
acto impugnado (art. 95.º/2).
No que respeita aos efeitos
favoráveis da sentença anulatória – isto é, ao alcance da anulação de um acto
administrativo desfavorável ou na parte em que o seja -mas embora fosse
perfeitamente defensável que os efeitos aproveitassem a todas as pessoas
prejudicadas pelo acto anulado, a regra parece ser também a da produção dos
efeitos inter partes, ainda que se admita a decisão de extensão desses efeitos
a outras pessoas.
No processo administrativo existe
uma excepção à regra que limita os efeitos das sentenças às partes: as
sentenças de declaração de ilegalidade de normas, no caso de impugnação
abstracta, têm força obrigatória geral – aqui não é só o facto da eliminação da
norma do ordenamento jurídico que se há-de opor a todos, independentemente de
terem, ou não, sido partes no processo; é a própria ilegalidade do regulamento
que, nos termos definidos pela lei e pelo juiz (art. 76.º do CPTA), se impõe na
ordem jurídica objectiva e, portanto, a todos, independentemente de terem sido
partes no processo.
Esta é uma solução natural, em
vista do objecto do processo – aqui trata-se de um processo configurado em
termos objectivistas, à semelhança da fiscalização judicial da
constitucionalidade, em que se discute a validade da norma e em que a
legitimidade principal cabe ao MP, indiciando que a finalidade primária é a
defesa da legalidade (só o MP pode pedir a declaração de ilegalidade com força
obrigatória geral sem que a aplicação da norma tenha sido recusada em 3 casos
concretos (art. 73.º do CPTA).
Deve ser visto como um caso
especial, o dos efeitos das sentenças nas acções populares.
Em função da iniciativa e da
finalidade de defesa de valores comunitários, percebe-se que as sentenças tenham,
em princípio, eficácia, sem prejuízo do direito de autoexclusão da
representação (”opting out”), que pode ser exercido pelos titulares de direitos
ou interesses legalmente protegidos.
4. A extensão dos efeitos das sentenças
É admissível, ainda que em termos
limitados, a extensão dos efeitos das sentenças transitadas em julgado (art.
161.º/1 do CPTA). A extensão pode beneficiar outras pessoas, que se encontrem
na mesma situação jurídica, quer tenham recorrido ou não à via judicial (desde
que não haja sentença transitada em julgado quanto às que recorrem aos
tribunais), a não ser que haja contrainteressados (n.º 5). No nº 2 do mesmo
preceito temos que só quando tenham sido proferidas cinco sentenças transitadas
em julgado, ou três sentenças, se proferidas em processos formalmente
seleccionadas nas situações de processos em massa, nos termos do art. 48.º.
A extensão é, em primeiro lugar,
solicitada à Administração e, na falta de êxito da pretensão, ao tribunal que
tenha proferido a sentença, seguindo-se os trâmites do processo de execução de
sentenças de anulação de actos administrativos, devendo a sentença ser havida
por uma sentença de mérito, susceptível de recurso, nos termos gerais. A
solução legal adoptada gera algumas perplexidades.
Por um lado, parece ser estreita,
na medida em que exige que tenham sido proferidas várias sentenças, mesmo das
relativas a processos escolhidos em situações de processos em massa.
Por outro lado, verifica-se que,
nas situações de processos em massa, tal como resulta do n.º 5 do art. 48.º, ao
remeter para o art. 176.º, os efeitos da sentença proferida nos processos-modelo
podem, a requerimento do interessado, ser imediatamente estendidos aos
processos suspensos, para efeitos de execução – pelo que a exigência dos três
processos nessas hipóteses, só vale afinal para aqueles que não tivessem
recorrido à via judicial.
Por fim, a norma, ao admitir o
pedido de extensão de efeitos da sentença anulatória de actos administrativos a
quem não tenha lançado mão da via judicial no momento próprio, pode fragilizar
a estabilidade do acaso decidido. Embora tal não seja admissível quando haja contrainteressados
e, de todo o modo, se limite a estas situações massivas, onde a igualdade de
tratamento é importante, fica a questão sobre se não seria de exigir, nesses
casos, uma prova da diligência processual ou, pelo menos, de boa-fé dos
beneficiados. A lei permite genericamente - sem restrições decorrentes das
condições referidas – a extensão dos efeitos da sentença anulatória a quem
tenha impugnado o mesmo acto noutro processo – solução prevista no n.º 6 do
art. 161.º, que se justifica quando não tenha havido ou pedido haver coligação
ou apensação de processos.
Bibliografia:
Andrade, José Carlos Vieira de – A Justiça Administrativa (Lições)
Cláudia Sofia Monteiro Pereira nº 18083
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