Problema de legitimidade a mais?
O princípio basilar da actuação da Administração é o da
prossecução do interesse público. É este
o princípio motor da Administração pública[1].
A evolução do contencioso administrativo tem vindo a
estabelecer uma cada vez maior subjectivização do processo, estabelecendo como
critério principal de determinação de legitimidade activa o ser parte na relação
material controvertida. Com a subjectivização do contencioso, o particular
recorre ao contencioso administrativo para a prossecução do seu interesse
particular.
Destas duas simples considerações é possível determinar o
conflito de interesses entre o interesse público e privado em causa no
contencioso administrativo.
É de acrescentar ainda o nº 2 do art.9º do CPTA que atribui
legitimidade activa a “qualquer pessoa…
tem legitimidade para propor e intervir, nos termos previstos na lei, em
processos principais e cautelares destinados à defesa de valores e bens
constitucionalmente protegidos” elencando alguns dos valores
constitucionalmente protegidos. No fundo, o interesse em causa não é um
interesse particular mas pode ser um interesse difuso, comunitário, colectivo ou
até interesses individuais homogéneos[2].
Este aspecto parece vir na linha da distinção constitucional entre "direitos e
interesses legítimos" (art. 20º nº 1da CRP) ou entre "direitos e interesses
legalmente protegidos" (art. 268º nº 5 da CRP).
No caso das acções populares a problemática deve centrar-se
na tensão que pode surgir da confrontação do interesse público da actuação da
administração e do interesse público invocado pelo particular no âmbito da acção
popular.
Apresentam-se duas questões que se têm por pertinentes
neste contexto de evolução do contencioso:
1 - Deve a impugnação judicial da actuação da Administração
ceder no caso de se verificar que o resultado da sentença acarreta um custo
superior ao benefício resultante da reposição do direito subjectivo?
2 - Devem os custos do recurso ao processo judicial de
impugnação de uma actuação incluir o custo de oportunidade de o tribunal ser
ocupado com uma questão que poderá não ter um efeito útil ou considerar a
legitimidade de tal forma abrangente que permita a qualquer pessoa recorrer ao
contencioso invocando uma interpretação abrangente dos princípios
constitucionais a proteger pelas acções populares?
A resposta a estas questões depende da análise de duas
problemáticas fundamentais, a questão de o interesse público poder prevalecer
sobre o interesse particular e a segunda de saber se o alargamento da
legitimidade pode colocar em causa o direito fundamental do acesso à justiça em
tempo útil.
O princípio Constitucional da tutela jurisdicional
efectiva previsto no art. 20.º da Constituição da República Portuguesa nas suas
vertentes do acesso ao direito e aos tribunais e na sua vertente do direito a
obter uma decisão judicial em prazo razoável deve ser o escopo de um Contencioso
Administrativo orientado para a utilidade das decisões judiciais.
A questão da utilidade do processo e a utilidade da
actuação da administração devem ser vectores chave para um Estado eficiente. O
alargamento do objecto do processo e a subjectivizaçãoatribui ao particular
prorrogativas que permitem ser utilizadas no sentido da colaboração ou da mera
entropia do sistema de decisão e acção da Administração mas no limite poderão
haver cerca de dez milhões de potenciais autores para cada situação. Para
estabelecer este controlo de acesso de utilização da acção popular
estabeleceu-se que esta poderia ter lugar no âmbito da defesa de valores e bens
constitucionalmente protegidos.
A legitimidade activa para o controlo do exercício da
Administração tem de estar directamente relacionada com a ideia de justiça e de
conveniência das actuações da própria Administração mas para que o processo seja
adequado ao fim a que se destina e não se pode configurar como um mero
expediente dilatório da actuação da Administração.
O CPTA criou as condições do alargamento do processo para
garantir a possibilidade de os particulares obterem uma verdadeira e efectiva
garantia dos seus direitos violados pela Administração bem como, da
possibilidade de os particulares recorrerem à justiça não no âmbito de um
interesse próprio mas num interesse geral da comunidade, mas cabe especialmente
à Jurisprudência a utilização do processo com o objectivo de que ele seja útil e
um verdadeiro garante dos direitos violados pela Administração.
Neste âmbito, também a doutrina terá um papel relevante na
concretização do modelo actualmente em vigor e no fornecimento de elementos que
ajudem a utilizar de forma adequada os valiosos recursos que a recente reforma
do contencioso administrativo acrescentou à nossa ordem jurídica.
Não podemos correr o risco de ter evoluído de um sistema
arcaico do mero controlo da legalidade do acto para um sistema altamente
garantístico que resulte num completo entupimento dos tribunais com acções sem a
mínima utilidade. A chave deste equilíbrio está na legitimidade activa no e na
sua definição pela utilidade da decisão.
Bibliografia:
SILVA, Vasco Pereira da (2009); O Contencioso
Administrativo no Divã da Psicanálise, 2ª edição; Almedina;
AMARAL, Diogo Freitas do (2001); Curso de Direito Administrativo, volume II, 2ª edição; Almedina;
ANDRADE, José Carlos Vieira de (2007); Justiça Administrativa, 9ª edição; Coimbra Editora
AMARAL, Diogo Freitas do (2001); Curso de Direito Administrativo, volume II, 2ª edição; Almedina;
ANDRADE, José Carlos Vieira de (2007); Justiça Administrativa, 9ª edição; Coimbra Editora
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