sexta-feira, 6 de abril de 2012

A independência dos juízes


Uma juíza do Tribunal de Círculo de Vila Nova de Famalicão está a ser alvo de dois processos disciplinares no Conselho Superior da Magistratura (CSM) que são bem elucidativos da fragilidade dos juízes portugueses perante os poderes internos da corporação. Paula Cristina e Sá não foi processada por qualquer ato praticado no exercício das suas funções jurisdicionais mas sim pelo teor de conversas tidas com inspetores judiciais (e que ela própria considera particulares) ou então pela forma como se defendeu num daqueles processos. Aliás, concluída a inspeção ordinária de que fora alvo nos termos legais, o seu trabalho como juíza foi avaliado com a nota máxima prevista na lei: muito bom. No entanto, essa nota foi suspensa pelo CSM até à conclusão dos processos disciplinares, num dos quais se propôs, pura e simplesmente, a sua demissão da magistratura, ou seja, a aplicação da pena máxima.

Tudo começou em torno de uma conversa telefónica entre a juíza e um inspetor do CSM que a acusou de lhe ter chamado mentiroso. A juíza negou e daí nasceu uma sucessão de trapalhadas que culminaram na proposta da sua demissão. O que espanta em tudo isso não é a proposta de aplicação da pena máxima, nem sequer o ilimitado poder de que dispõem os inspetores nomeados pelo CSM, mas sim a fragilidade dos visados. Os juízes, titulares de um poder soberano do estado de direito democrático (que muitos deles, aliás, exibem de forma jactante nas salas de audiência dos tribunais) sucumbem completamente indefesos perante esse rolo compressor que é o CSM e o seu sistema de inspeções. O juiz de direito, totalmente independente e irresponsável, com poderes para tirar a liberdade aos cidadãos, não tem qualquer independência interna perante o CSM. O juiz, titular do principal órgão de soberania num estado de direito, pode ser completamente trucidado por burocratas de uma entidade administrativa como é o CSM, pois pode até ser expulso da sua função com base em infrações que nem sequer estão devidamente tipificadas na lei e que permitem todo o tipo de arbitrariedades. E, pior do que isso, sem nenhuma verdadeira possibilidade de defesa, pois a única defesa digna desse nome é um recurso que irá ser decidido por um órgão materialmente incompetente, cujos membros foram nomeados pelo próprio CSM, ou seja, pelo órgão recorrido. Que defesa poderá ter uma pessoa perante um órgão que averigua, instrui, acusa, julga e nomeia os que decidem os recursos?

Além disso, sendo o CSM um órgão administrativo, os recursos contenciosos das suas deliberações deveriam ser apreciados pelos tribunais competentes em razão da matéria que são os tribunais administrativos, nomeadamente o Supremo Tribunal Administrativo, e não, como agora acontece, pelo Supremo Tribunal de Justiça cujos juízes são nomeados e fiscalizados pelo órgão recorrido. Por outro lado, a falta de tipificação das infrações disciplinares dos juízes permite toda a espécie de arbitrariedades. Um juiz que diz a um colega que todos os membros do CSM são «filhos da puta» é absolvido, mas uma juíza é impiedosamente perseguida porque um inspetor disse que ela lhe chamara mentiroso durante uma conversa telefónica. O estado de direito e a sociedade democrática descuraram a defesa da independência interna dos juízes, ou seja, a sua independência em relação aos órgãos da corporação, perante os quais estão completamente indefesos. E mesmo o sindicato dos juízes, aparentemente criado para defender os seus associados nessas situações, vive num concubinato permanente com o CSM, a reivindicar coisas que não estão no seu âmbito de atuação e descurando completamente os direitos dos seus associados como aconteceu neste caso. A independência interna dos juízes sucumbe totalmente perante o poder avassalador do CSM, sobretudo devido ao seu sistema de inspeções, ou seja, um sistema medieval de avaliações funcionais e de exercício da ação disciplinar. Perante os todo-poderosos inspetores do CSM os juízes portugueses têm de andar permanentemente com a cabeça atada à cintura, pois se a levantam podem pôr em causa a sua carreira, pouco importando as suas qualidades profissionais e funcionais.

http://www.jn.pt/paginainicial/interior.aspx?content_id=2397067

Bruno M. Santos Almeida
n.º 17614

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