Regime
Legal da Responsabilidade Civil Administrativa do Estado
A
Lei nº 67/2007 de 31 de Dezembro (alterada pela Lei nº 31/2008 de 17 de Julho),
prevê o regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais
Entidades Públicas (doravante LRCEE). Ao analisar o seu âmbito material notamos
que este diploma é aplicável à responsabilidade civil extracontratual
decorrente de actos das funções administrativa, legislativa e judicial (art.
1º/1 LRCEE). Se atendermos ao âmbito subjectivo, neste novo diploma, o
legislador alarga o âmbito de aplicação subjectivo às pessoas colectivas de
direito privado que actuem com prerrogativas de poder público ou sob a égide de
princípios e regras de direito administrativo (art. 1º/2 LRCEE). A LRCEE é
ainda aplicável à responsabilidade dos titulares dos órgãos, funcionários e
agentes públicos, trabalhadores, titulares dos órgãos sociais, representantes
legais e auxiliares. (art. 1º/5 LRCEE).
Esta
responsabilização assenta nas ideias de ilicitude e culpa. A ilicitude consiste
numa acção ou omissão violadora de princípios e regras constitucionais, legais
ou regulamentares; de regras técnicas; de deveres objectivos de cuidado ou
resultantes do funcionamento anormal do serviço (art. 9º e 7º/3 LRCEE).
Quanto
à culpa, esta decorre de um comportamento adoptado com diligência ou aptidão
inferiores àquelas que fosse razoável exigir, no caso, a um titular de órgão
administrativo, funcionário ou agente zeloso e cumpridor, com base nos
princípios e regras jurídicas relevantes (art. 10º LRCEE); esta culpa pode ser
leve ou grave: a culpa grave ocorre quando o autor da conduta ilícita haja
actuado com
dolo ou diligência e zelo, manifestamente inferiores, àquele a que se
encontrava obrigado em razão do cargo (art. 8º/1 LRCEE); a culpa leve prende-se
com uma actuação por parte do autor da conduta ilícita com diligência e zelo
inferiores, mas não manifestamente inferiores, àqueles a que se encontrava
obrigado. Segundo o Prof. Vieira de Andrade, a culpa grave suscita dúvidas
quanto à sua eficácia junto do dinamismo e da eficiência administrativa perante
a hipótese de particulares virem invocar a existência de culpa grave e
obrigarem o funcionário a ir a tribunal, ou, pela possibilidade de exercerem
pressão, através da ameaça de instauração do respectivo processo judicial.
Nos
termos do art. 10º/2 e 3 da LRCEE, a lei estabelece uma presunção, com base na
qual a autoria de um acto jurídico ilícito ou o incumprimento de deveres de
vigilância faz presumir a culpa leve, sem prejuízo de poder haver concorrência
da culpa do lesado, que é determinante para conduzir à redução ou mesmo
exclusão do direito à indemnização. De facto, considera-se existir culpa do
lesado sempre que este não tenha utilizado os meios processuais ao seu alcance
para eliminar o acto jurídico gerador de prejuízos (art. 4º LRCEE).
Portanto,
a responsabilidade do Estado ou de outra entidade pública é exclusiva nas
seguintes situações:
- Se o autor da conduta ilícita actuar no exercício da função administrativa e por causa desse exercício, com culpa leve (art. 7º/1 LRCEE);
- Se os danos causados sejam imputáveis ao funcionamento anormal do serviço, mas não tenham resultado de um comportamento concretamente determinado ou não seja possível apurar a respectiva autoria (art. 7º/3 LRCEE).
Por
outro lado, quando o autor da conduta ilícita haja actuado com dolo ou culpa
grave, no exercício das suas funções e por causa desse exercício, o Estado ou
outra entidade pública são solidariamente responsáveis com o titular do órgão,
funcionário ou agente (art. 8º/2 LRCEE), sem prejuízo de existir um direito de
regresso relativamente às quantias que deveriam ter sido pagas pelo titular do
órgão, funcionário ou agente, no caso de ser o Estado a pagar a totalidade da
indemnização. Para mais, este direito de regresso corresponde a um poder
vinculado, que a administração tem obrigatoriamente de exercer (art. 8º/3 e 6º
LRCEE).
Nesta
matéria, Tiago Viana Barra defende que seria conveniente instituir um sistema
de contraditório para apurar a responsabilidade concreta do funcionário, tendo
em conta que este procedimento já é utilizado na Espanha, no Regulamento dos
Procedimentos em Responsabilidade Patrimonial, onde se prevê um procedimento
que tem em vista apurar o nexo de causalidade adequada e o grau de culpa do
funcionário no cálculo da indemnização.
Responsabilidade pelo
Risco – O Estado e as
demais entidades públicas, continuam a prestar serviços, podendo gerar situações
eventuais de risco para os particulares. Segundo a Prof. Carla Amado Gomes,
quem cria um risco deve suportar os custos que ele acarreta (teoria do risco criado). Esta teoria é
susceptível de ser aplicada ao Direito Administrativo, na medida em que há um
conjunto de actuações desenvolvidas pela administração essenciais à prossecução
de missões de interesse público que, não obstante, são susceptíveis de gerar
prejuízos aos particulares, pelo que, se toda a colectividade lucra com a
actuação dos serviços administrativos, então é justo que os prejuízos devam
repercutir-se sobre a comunidade no seu todo, através de mecanismos
indemnizatórios.
No
domínio da responsabilidade civil administrativa, a previsão de uma
responsabilidade pelo risco a par da responsabilidade por factos ilícitos e
culposos, permite considerar que existe um fundamento autónomo de
responsabilidade objectiva da administração e que esta, poderá portanto, ser
reconhecida, em cada caso concreto, segundo as cláusulas gerais que se
encontram consignadas nas disposições dos arts. 11º e 16º da LRCEE, e não
apenas por referência a actividades perigosas que sejam objecto de
regulamentação especial. Assim, as entidades públicas respondem por danos
decorrentes de actividades, coisas ou serviços administrativos especialmente
perigosos (art. 11º/1 LRCEE). Quanto aos danos decorrentes do risco que tais
actividades podem compreender, estes são indemnizáveis a outro título, se forem
anormais ou especiais e anormais, nos termos dos arts. 15º/1 e 16º da
LRCEE.
Comparando
o regime da responsabilidade civil administrativa pelo risco com o regime
jurídico da indemnização pelo sacrifício, que compreende também a função
administrativa, constata-se que os pressupostos daquela responsabilidade e os
da responsabilidade por acto lícito gerador de indemnização por sacrifício são
semelhantes. A única diferença consiste na natureza do dano. Assim, exige-se
que o dano pressuposto da indemnização pelo sacrifício seja anormal e especial,
porque a responsabilidade por acto lícito tem por pressuposto um dano causado
de modo diferenciado, para além dos inconvenientes normais da vida em comum na
esfera jurídica do particular. O dano causador da responsabilidade pelo risco
não tem de ficar sujeito a tão apertadas condições para que possa obrigar a
indemnizar. Não tem de ser especial e anormal: basta que seja consequência da
especial perigosidade de actividades, coisas ou serviços administrativos. É
ainda importante evidenciar que o fundamento da obrigação de indemnizar pelo
sacrifício e o da responsabilidade pelo risco é diferente; no primeiro, o
fundamento é a tutela da confiança e da igualdade na repartição dos encargos
públicos, enquanto no segundo, é a compensação pelos danos decorrentes do
exercício de certas actividades perigosas.
Há
autores que referem, nesta matéria, a consagração da teoria da Faute du Service no regime da responsabilidade civil
extracontratual do Estado por danos decorrentes do exercício da função
administrativa. Este conceito veio importado da jurisprudência francesa e passa
pela consagração na LRCEE, da responsabilidade objectiva da administração pelo
funcionamento anormal dos seus serviços. De facto, segundo o Prof. Freitas do
Amaral, nos casos em que não fosse possível determinar com precisão os órgãos e
agentes responsáveis por acções ou omissões causadores de danos, não seria
justo excluir a responsabilidade do Estado.
Assim,
o funcionamento dos serviços não pode depreender-se da violação de regras
jurídicas, nem sempre presentes, ou da omissão de deveres de vigilância e de
cuidado, nem sempre suficientes para evitar o dano. É por isso que a LRCEE nos
fornece um critério de funcionamento anormal. Há, assim, funcionamento anormal
quando atendendo às circunstancias e a padrões médios de resultado, fosse
razoavelmente exigível ao serviço uma actuação susceptível de evitar os danos
produzidos (art. 7º/3 LRCEE). O serviço público dispensa o particular lesado da
identificação e da prova da culpa do titular do órgão, funcionário ou agente
para efeitos da demanda, sem prejuízo de haver sempre impunidade do titular do
órgão, funcionário ou agente que agiu com dolo ou com culpa grave.
Distinção entre actos de
gestão pública e actos de gestão privada – No domínio do antigo ETAF, havia uma profunda divisão
sobre a competência jurisdicional para o conhecimento das acções intentadas
contra o Estado ou outras pessoas colectivas de direito público visando a
efectivação da responsabilidade extracontratual. Tendo por base a proveniência
do acto (acção ou omissão) gerador dos danos a ressarcir, entendia-se que a
competência pertencia ao tribunal comum no caso de responsabilidade fundada na
gestão privada daquelas entidades públicas, cabendo ao tribunal administrativo
o conhecimento das acções de responsabilidade decorrente de actos de gestão públicas.
Considerava-se, então, que se integravam nos actos de gestão pública os actos
praticados por órgãos ou agentes da administração no exercício de uma função pública,
sob o domínio de normas de direito público. Já os actos de gestão privada eram
todos aqueles praticados por órgãos e agentes da Administração quando esta
aparece despida de poder público, numa posição de igualdade com os
particulares, com sujeição às normas do direito privado. A responsabilidade do
Estado era equiparada à do comitente e dava-se em relação a terceiros, lesados
com os actos praticados pelos órgãos, agentes ou representantes (art. 501º CC).
No
entanto, relativamente a vários eventos, não era fácil determinar se provinham
de uma actividade de gestão pública ou de gestão privada. Sucediam-se, então, várias
deduções da excepção da incompetência em razão da matéria que, uma vez julgada
procedente, determinava a absolvição da instância, com os inerentes prejuízos
ao nível da rapidez na realização da justiça e ao nível dos custos patrimoniais
decorrentes dos recursos que se interpunham.
Actualmente,
o regime da responsabilidade civil administrativa por actos de gestão privada
parece definitivamente confinado ao âmbito de aplicação da LRCEE e
consequentemente, à jurisdição dos tribunais administrativos, já que o art. 1º
faz corresponder a responsabilidade civil do Estado pela função administrativa
a todos os actos e omissões regidas por princípios de direito administrativo.
Neste sentido, o Prof. Vasco Pereira da Silva, considera que se encontra
encerrada a porta de “fuga para o direito privado”, tendo em conta que por mais
privado que seja qualificado o regime jurídico aplicável a uma actividade
administrativa, àquela continuam a ser aplicáveis os princípios de Direito
Administrativo, em face do art. 2º/5 CPA.
Nos
termos do art. 4º/1 g) e h) do ETAF, os tribunais de jurisdição administrativa
e fiscal têm competência para apreciar litígios que tenham por objecto a
responsabilidade civil extracontratual das pessoas colectivas de direito público
e dos titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes no âmbito da
jurisdição administrativa. De facto, o ETAF consagrou o critério objectivo da
natureza da entidade demandada: sempre que o litígio envolva uma entidade pública,
por lhe ser imputável o facto gerador do dano, esse litígio deve ser submetido
à apreciação dos tribunais administrativos, ou seja, ampliou-se o âmbito de
jurisdição dos tribunais administrativos.
Não
obstante, continuam a ser suscitadas nos tribunais questões de incompetência em
razão da matéria, podendo referir-se o entendimento de alguns tribunais
judiciais, recuperando os conceitos de gestão privada/gestão pública como
critérios de delimitação da competência material nas acções de
responsabilidade. Neste sentido, surge o argumento da natureza da relação
jurídica que se configura como causa de pedir nas acções, pelo que a
jurisprudência faz uso do comando constitucional contido no art. 212º/3 da CRP.
Ou seja, a jurisprudência considera que uma acção emergente de acidente de
viação proposta contra pessoa colectiva pública deverá ser proposta no tribunal
de jurisdição comum (tribunal judicial) por, em regra, não se estar perante uma
relação jurídica administrativa, nem perante uma actividade inserida na gestão
pública levada a acabo por tais entidades.
A
título de exemplo, segue um excerto do Acórdão do Tribunal de Conflitos de
23.01.2008 (Processo 017/07):
“
(…) Apreciando, convocamos, em primeiro lugar a lei constitucional que
prescreve (art. 212º/3 da CRP) o seguinte:
“compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais”.
Deste modo, o artigo consagra uma reserva material de jurisdição atribuída aos tribunais administrativos. E o primeiro problema que a sua interpretação suscita é o de saber se a reserva é absoluta, quer no sentido negativo, quer no sentido positivo, implicando, por um lado, que os tribunais administrativos só poderão julgar questões de direito administrativo e, por outro lado, que só eles poderão julgar. (…) Essa foi, igualmente, a leitura do legislador do actual ETAF que, na exposição de motivos da Proposta de Lei que lhe deu origem (publicada in “Reforma do Contencioso Administrativo”, vol. III, p. 14) e que passamos a transcrever, na parte que interessa:
“(…) Neste quadro se inscreve a definição do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal que, como a Constituição determina, se faz assentar num critério substantivo, centrado no conceito de "relações jurídicas administrativas e fiscais". Mas sem erigir esse critério num dogma, uma vez que a Constituição, como tem entendido o Tribunal Constitucional, não estabelece uma reserva material absoluta, impeditiva da atribuição aos tribunais comuns de competências em matéria administrativa ou fiscal ou da atribuição à jurisdição administrativa e fiscal de competências em matérias de direito comum. A existência de um modelo típico e de um núcleo próprio da jurisdição administrativa e fiscal não é incompatível com uma certa liberdade de conformação do legislador, justificada por razões de ordem prática, pelo menos quando estejam em causa domínios de fronteira, tantas vezes de complexa resolução, entre o direito público e o direito privado.
Neste sentido, reservou-se, naturalmente, para a jurisdição administrativa e fiscal a apreciação dos litígios respeitantes ao núcleo essencial do exercício da função administrativa, com especial destaque para a atribuição à jurisdição administrativa dos processos de expropriação por utilidade pública (…).
Estando ainda em causa a aplicação de um regime de direito público, respeitante a questões relacionadas com o exercício de poderes públicos, pareceu, entretanto, adequado atribuir à jurisdição administrativa a competência para apreciar as questões de responsabilidade emergentes do exercício da função político-legislativa e da função jurisdicional.
Ao mesmo tempo, e dando resposta a reivindicações antigas, optou-se por ampliar o âmbito da jurisdição dos tribunais administrativos em domínios nos quais, tradicionalmente, se colocavam maiores dificuldades no traçar da fronteira com o âmbito da jurisdição dos tribunais comuns.
A jurisdição administrativa passa, assim, a ser competente para a apreciação de todas as questões de responsabilidade civil que envolvam pessoas colectivas de direito público, independentemente da questão de saber se tais questões se regem por um regime de direito público ou por um regime de direito privado. (…)”
É pois, com este alcance que, em sintonia com a intenção do legislador, deve interpretar-se a norma do art. 4º/1/g) do ETAF que atribui ao juiz administrativo competência para conhecer das “questões em que, nos termos da lei, haja lugar a responsabilidade civil extracontratual das pessoas colectivas de direito público, incluindo a resultante do exercício da função jurisdicional e da função legislativa”.
Temos, assim, que, com a entrada em vigor do actual ETAF, de acordo com a regra geral do art. 4º/1/g) e salvo as excepções subtractivas contidas no nº 3 do mesmo preceito legal, passou a ser da competência do juiz administrativo apreciar todas as questões de responsabilidade civil extracontratual das pessoas colectivas de direito público, quer relativas a relações jurídicas administrativas, quer referentes a relações extra-administrativas, independentemente de serem regidas por um regime de direito público ou por um regime de direito privado. Ou dito de outro modo, nas palavras de Sérvulo Correia, Direito do Contencioso Administrativo, p. 714 o ETAF “privilegiou um factor de incidência subjectiva. Independentemente da natureza jurídica pública ou privada da situação de responsabilidade, esta cabe no âmbito da jurisdição exercida pelos tribunais administrativos só porque é pública a personalidade da entidade alegadamente responsável ou da entidade em que se integram os titulares de órgãos ou servidores públicos”
Significa isto que a qualificação entre actos de gestão pública e actos de gestão privada que, à luz do art. 51º/1/h) do anterior ETAF, aprovado pelo DL nº 129/84, de 27 de Abril, era critério operativo da repartição de competências entre os tribunais da ordem administrativa e os tribunais da ordem comum, nas “acções sobre responsabilidade civil do Estado, dos demais entes públicos” passou a ser irrelevante para este efeito. O interesse nessa distinção passou a estar confinado, apenas, ao direito material. O juiz administrativo não fica dispensado de proceder à qualificação da relação controvertida, visto que da natureza da origem da responsabilidade – acto de gestão pública ou acto de gestão privada – dependerá a determinação do regime substantivo aplicável.(…)”
“compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais”.
Deste modo, o artigo consagra uma reserva material de jurisdição atribuída aos tribunais administrativos. E o primeiro problema que a sua interpretação suscita é o de saber se a reserva é absoluta, quer no sentido negativo, quer no sentido positivo, implicando, por um lado, que os tribunais administrativos só poderão julgar questões de direito administrativo e, por outro lado, que só eles poderão julgar. (…) Essa foi, igualmente, a leitura do legislador do actual ETAF que, na exposição de motivos da Proposta de Lei que lhe deu origem (publicada in “Reforma do Contencioso Administrativo”, vol. III, p. 14) e que passamos a transcrever, na parte que interessa:
“(…) Neste quadro se inscreve a definição do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal que, como a Constituição determina, se faz assentar num critério substantivo, centrado no conceito de "relações jurídicas administrativas e fiscais". Mas sem erigir esse critério num dogma, uma vez que a Constituição, como tem entendido o Tribunal Constitucional, não estabelece uma reserva material absoluta, impeditiva da atribuição aos tribunais comuns de competências em matéria administrativa ou fiscal ou da atribuição à jurisdição administrativa e fiscal de competências em matérias de direito comum. A existência de um modelo típico e de um núcleo próprio da jurisdição administrativa e fiscal não é incompatível com uma certa liberdade de conformação do legislador, justificada por razões de ordem prática, pelo menos quando estejam em causa domínios de fronteira, tantas vezes de complexa resolução, entre o direito público e o direito privado.
Neste sentido, reservou-se, naturalmente, para a jurisdição administrativa e fiscal a apreciação dos litígios respeitantes ao núcleo essencial do exercício da função administrativa, com especial destaque para a atribuição à jurisdição administrativa dos processos de expropriação por utilidade pública (…).
Estando ainda em causa a aplicação de um regime de direito público, respeitante a questões relacionadas com o exercício de poderes públicos, pareceu, entretanto, adequado atribuir à jurisdição administrativa a competência para apreciar as questões de responsabilidade emergentes do exercício da função político-legislativa e da função jurisdicional.
Ao mesmo tempo, e dando resposta a reivindicações antigas, optou-se por ampliar o âmbito da jurisdição dos tribunais administrativos em domínios nos quais, tradicionalmente, se colocavam maiores dificuldades no traçar da fronteira com o âmbito da jurisdição dos tribunais comuns.
A jurisdição administrativa passa, assim, a ser competente para a apreciação de todas as questões de responsabilidade civil que envolvam pessoas colectivas de direito público, independentemente da questão de saber se tais questões se regem por um regime de direito público ou por um regime de direito privado. (…)”
É pois, com este alcance que, em sintonia com a intenção do legislador, deve interpretar-se a norma do art. 4º/1/g) do ETAF que atribui ao juiz administrativo competência para conhecer das “questões em que, nos termos da lei, haja lugar a responsabilidade civil extracontratual das pessoas colectivas de direito público, incluindo a resultante do exercício da função jurisdicional e da função legislativa”.
Temos, assim, que, com a entrada em vigor do actual ETAF, de acordo com a regra geral do art. 4º/1/g) e salvo as excepções subtractivas contidas no nº 3 do mesmo preceito legal, passou a ser da competência do juiz administrativo apreciar todas as questões de responsabilidade civil extracontratual das pessoas colectivas de direito público, quer relativas a relações jurídicas administrativas, quer referentes a relações extra-administrativas, independentemente de serem regidas por um regime de direito público ou por um regime de direito privado. Ou dito de outro modo, nas palavras de Sérvulo Correia, Direito do Contencioso Administrativo, p. 714 o ETAF “privilegiou um factor de incidência subjectiva. Independentemente da natureza jurídica pública ou privada da situação de responsabilidade, esta cabe no âmbito da jurisdição exercida pelos tribunais administrativos só porque é pública a personalidade da entidade alegadamente responsável ou da entidade em que se integram os titulares de órgãos ou servidores públicos”
Significa isto que a qualificação entre actos de gestão pública e actos de gestão privada que, à luz do art. 51º/1/h) do anterior ETAF, aprovado pelo DL nº 129/84, de 27 de Abril, era critério operativo da repartição de competências entre os tribunais da ordem administrativa e os tribunais da ordem comum, nas “acções sobre responsabilidade civil do Estado, dos demais entes públicos” passou a ser irrelevante para este efeito. O interesse nessa distinção passou a estar confinado, apenas, ao direito material. O juiz administrativo não fica dispensado de proceder à qualificação da relação controvertida, visto que da natureza da origem da responsabilidade – acto de gestão pública ou acto de gestão privada – dependerá a determinação do regime substantivo aplicável.(…)”
Bibliografia:
Barra, Tiago Viana – A
responsabilidade civil administrativa do Estado / Tiago Viana Barra
- Lisboa : [s.n.], 20111. - p. 111-206 ;
23 cm. - Sep. de: Revista da Ordem dos Advogados, Ano 7, nº 1
(Jan.-Mar), 2011
Responsabilidade civil do Estado / Responsabilidade administrativa
Responsabilidade civil do Estado / Responsabilidade administrativa
Silva, Vasco Pereira da –
O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise
Gomes, Carla Amado
– Três textos sobre o novo regime da
responsabilidade civil extracontratual do estado e demais entidades
públicas : lei 67/2007, de 31 de Dezembro / Carla Amado Gomes - Lisboa :
AAFDL 2008
Cláudia Sofia Monteiro Pereira nº
18083
TIAGO BARRA é um dos jovens amantes do Direito com maior capacidade que tenho conhecido. A minha idade é de 63 anoos. Parabéns pela referência.
ResponderEliminarGrato pelo seu comentário, é sempre bom saber que os nossos trabalhos são úteis na leitura e aprendizagem de todos os aficionados de Contencioso.
EliminarBem haja,
Sandra Ferreira
Agradeço o comentário,
EliminarCumprimentos.
Cláudia Pereira